sexta-feira, 17 de julho de 2020

Perfil poético e estilístico de Sophia de Mello Breyner Andresen

Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da lírica de Sophia de Mello Breyner Andresen.



ÍNDICE

1. Nota biográfica

2. Perfil poético

3. Temas e motivos poéticos

3.1. O jogo dos quatro elementos primordiais

3.2. A procura da justiça

3.3. A abordagem dos mitos gregos

3.4. As reflexões sobre poética: arte poética e valor educativo da poesia

5. Linguagem e estilo

6. Obras de Sophia de Mello Breyner Andresen

7. Leitura orientada e sugestões para análise literária de poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen:

[Ano] Obra

Poema

Incipit

[1944] Poesia

As fontes

Um dia quebrarei todas as pontes

[1944] Poesia

Casa branca

Casa branca em frente ao mar enorme

[1944] Poesia

Catilina

Eu sou o solitário e nunca minto

[1944] Poesia

Cidade

Cidade, rumor e vaivém sem paz nas ruas

[1944] Poesia

Em todos os jardins

Em todos os jardins hei de florir

[1944] Poesia

Mar

I - De todos os cantos do mundo

II - Cheiro a terra as árvores e o vento

[1944] Poesia

O jardim e a casa

Não se perdeu nenhuma coisa em mim.

[1944] Poesia

Paisagem

Passavam pelo ar aves repentinas,

[1947] Dia do mar

Horizonte vazio

Horizonte vazio em que nada resta

[1947] Dia do mar

Quando

Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta

[1947] Dia do mar

Um dia

Um dia, mortos, gastos, voltaremos

[1950] Coral

Chamei por mim quando cantava o mar

Chamei por mim quando cantava o mar

[1950] Coral

Eu chamei-te para ser a torre

Eu chamei-te para ser a torre

[1958] Mar novo

Este é o tempo

Este é o tempo

[1958] Mar novo

Meditação do duque de Gandia sobre a morte de Isabel de Portugal

Nunca mais

[1958] Mar novo

O Soldado Morto

Os infinitos céus fitam seu rosto

[1958] Mar novo

Poema inspirado nos painéis que Júlio Resende desenhou para o monumento que devia ser construído em Sagres

I - Nenhuma ausência em ti cais de partida.

II – Regresso

[1958] Mar novo

Porque

Porque os outros se mascaram mas tu não

[1962] Livro sexto

A veste dos fariseus

Era um Cristo sem poder

[1962] Livro sexto

As pessoas sensíveis

As pessoas sensíveis não são capazes

[1962] Livro sexto

Data

Tempo de solidão e de incerteza

[1962] Livro sexto

No poema

Transferir o quadro o muro a brisa

[1962] Livro sexto

O hospital e a praia

E eu caminhei no hospital

[1962] Livro sexto

Para atravessar contigo o deserto do mundo

Para atravessar contigo o deserto do mundo

[1962] Livro sexto

Pranto pelo dia de hoje

Nunca choraremos bastante quando vemos

[1962] Livro sexto

Ressurgiremos

Ressurgiremos ainda sob os muros de Cnossos

[1962] Livro sexto

Cantar

Tão longo caminho

[1962] Livro sexto

Pátria

Por um país de pedra e vento duro

[1967] Geografia

As Nereides

Pudesse eu reter o teu fluir, ó quarto

[1967] Geografia

Bach Segóvia Guitarra

A música do ser

[1967] Geografia

Epidauro

O cardo floresce na claridade do dia.

[1967] Geografia

Espera

Deito-me tarde

[1967] Geografia

Esta gente

Esta gente cujo rosto

[1967] Geografia

Procelária

É vista quando há vento e grande vaga

[1972] Dual

A paz sem vencedor e sem vencidos

Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

[1972] Dual

Camões e a tença

Irás ao paço. Irás pedir que a tença

[1972] Dual

Catarina Eufémia

O primeiro tema da reflexão grega é a justiça

[1972] Dual

Há muito

Há muito que deixei aquela praia

[1972] Dual

Não creias, Lídia, que nenhum estio

Não creias, Lídia, que nenhum estio

[1972] Dual

Retrato de uma princesa desconhecida

Para que ela tivesse um pescoço tão fino

[1977] O nome das coisas

25 de Abril

Esta é a madrugada que eu esperava

[1977] O nome das coisas

A forma justa

Sei que seria possível construir o mundo justo

[1983] Navegações

Deriva VIII

Vi as águas os cabos vi as ilhas

[1989] Ilhas

Carta(s) a Jorge de Sena

Não és navegador mas emigrante

[1989] Ilhas

Fúrias

Escorraçadas do pecado e do sagrado

[1989] Ilhas

Olímpia

Ele emergiu do poente como se fosse um deus

[1994] Musa

Oriente

Este lugar amou perdidamente

[1997] O búzio de cós e outros poemas

O búzio de cós

Este búzio não o encontrei eu própria numa praia

[2010] Poemas dispersos – Obra poética

Mar

De novo o som o ressoar o mar

 

 

 

Perfil poético e estilístico de Sophia de Mello Breyner Andresen - apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da lírica de Sophia de Mello Breyner Andresen, por José Carreiro. Folha de Poesia, 2020-07-17, <https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/07/sophia-de-mello-breyner-andresen.html>


1. Nota biográfica

Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu no Porto, em 6 de Novembro de 1916, e faleceu em Lisboa, em 2 de Julho de 2004. Pelo lado paterno, é de origem dinamarquesa. Vive a sua infância na Quinta do Campo Alegre, da qual diz ter sido "um território fabuloso com uma grande e rica família servida por uma criadagem numerosa".

Influenciada pelo avô materno, Thomaz Mello Breyner, cedo começa a tomar contacto com os grandes escritores portugueses.

Os seus pais alugavam uma casa na praia da Granja para passar férias de Verão. A Quinta do Campo Alegre e a casa da praia da Granja, voltada para o mar, estão omnipresentes na sua obra, pois ali passou uma infância feliz, uma adolescência e juventude muito sadias. Contudo, a casa da Granja destaca-se, pois a voz do mar, dos búzios, dos corais ficará para sempre gravada no seu coração e será a sua musa inspiradora.

Em 1947, casada com Francisco Sousa Tavares, inscreve-se na Assembleia da Granja, frequentada pela elite cultural do Porto e por muitos espanhóis cultos. Do seu casamento nasceram cinco filhos, um dos quais o conhecido jornalista Miguel Sousa Tavares.

Instalada em Lisboa, matricula-se em Filologia Clássica na Faculdade de Letras. Apesar de não ter concluído o curso, contacta com a cultura clássica que muito a veio a influenciar.

Nascida e criada na velha aristocracia portuguesa, educada nos valores tradicionais da moral cristã, dirigente de movimentos universitários católicos, vem a tornar-se uma das figuras mais representativas de uma atitude política liberal, denunciando os falsos critérios do regime salazarista e os seus seguidores mais radicais. Em 1975, foi eleita para a Assembleia Constituinte pelo círculo do Porto numa lista do Partido Socialista, enquanto o seu marido navegava rumo ao Partido Social Democrata.

Também dedicou especial atenção à literatura infanto-juvenil.

(Dossier Exame 12.º Português B, Mª José Peixoto e Célia Fonseca, Ed. Asa, 2001, p. 110)


2. Perfil poético


A poesia de Sophia de Mello Breyner revela uma grande fidelidade à realidade do mundo em que vivemos, e é a sua palavra poética que servirá de agente da transfiguração da realidade, fazendo surgir um mundo harmonioso.

A observação da realidade exterior, do presente caótico, faz despertar na poetisa reminiscências (crença na verdade antiga da natureza, da sabedoria, das gerações), assim como alimentar a esperança de uma nova realidade, baseada em valores como a justiça, a verdade e a igualdade.

É nos quatro elementos primordiaisterra, água, ar e fogoque Sophia busca não a beleza poética, mas essencialmente o reencontro e a comunhão com o primitivo e a verdade das origens.

É então na natureza (elemento de purificação) que encontra a perfeição e a harmonia que tanto deseja encontrar entre os homens. Deste modo, a natureza é o espaço primordial, onde a poetisa reencontra as suas origens, por oposição à cidade, local de conflitos e desencontros, onde existe "uma terrível atroz imensa / Desonestidade". (Peixoto: 2001, 118)


 

3. Temas e motivos poéticos

Português A e B: acesso ao ensino superior 2000:preparação para a prova de exame nacional – 12.º ano, Vasco Moreira e Hilário Pimenta, Porto Editora, 2000



3.1. O jogo dos quatro elementos primordiais

ar (vento, brisa, sopro, luar...)
fogo (sol, lume, luz - símbolo do fim das trevas e do caos, harmonia, encontro com o mundo)
terra (natureza, fauna, flora...)
água (mar, espuma, praia, conchas, búzios, polvos, areia, fonte...)

Para a poetisa a poesia "implica", isto é, compromete-se com o mundo exterior, interiorizando-o e retransmitindo-o. Há uma reconstrução da aliança com a natureza e com as coisas numa procura de harmonia e pureza. Nestes elementos Sophia busca a beleza poética, o fascínio, a meditação, o reencontro e a comunhão com o primitivo, com as origens.

 
O mar, com as suas imagens, aromas e música, é um motivo que percorre quase toda a obra de Sophia. Simbolicamente representa:

-          a totalidade, o infinito;
-          a recuperação genesíaca e purificadora da infância;
-          os segredos mais profundos do ser e do mundo;
-          o lugar do Bem, do Amor e da Verdade;
-          a transparência, a exatidão;
-          a beleza;
-          a abundância;
-          a pureza;
-          o desejo de aventura, descoberta e conhecimento;
-          o eterno movimento;
-          a vida e a morte.

Relacionados com o mar estão outros espaços e ambientes que marcaram a infância e juventude: a casa e o jardim (símbolo da beleza e da pureza dos dias vividos, chega a não ter dimensões, a existir fora do espaço e do tempo, e transforma-se em fonte de imagens do passado de sonho e fantasia).

Por oposição a estes elementos está a cidade por representar a destruição da natureza, lugar confuso, que limita os horizontes e a impede de atingir a perfeição e o equilíbrio, ou seja, a cidade aparece, pois, como símbolo da artificialidade, em contraste com a natureza, símbolo de beleza.

Esquema-síntese:
(In Dossier Exame – Port. B, Mª José Peixoto e Célia, Fonseca, Ed. Asa, 2001, 2ª ed., p.114)


3.2. A procura da justiça

  • denúncia das injustiças e da opressão numa atitude de empenhamento social e político;

  • a poesia como "perseguição do real": "aquele que o espantoso esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo" ("Arte Poética III", 1964);

  • nesta preocupação com a degradação do mundo ocorre o motivo poético do Tempo:

-   degradação do tempo histórico, do comportamento humano marcado pelo ódio e pela ameaça constante, pela mentira e pela impureza, pela injustiça e pelo Mal. Um "tempo dividido" entre o presente e o futuro, sendo o primeiro o tempo de agir na construção do segundo;

-    ao "tempo dividido" contrapõe-se o "tempo absoluto", transcendente, tempo fora do tempo que se espelha na natureza, no mar, no infinito. Um tempo da harmonia eterna, da realização suprema do homem, da verdade e da pureza, da justiça e do Bem.




3.3. A abordagem dos mitos gregos

-          evocação nostálgica e memória da Grécia e do mundo clássico cuja estética é conotada com a ideia de harmonia, equilíbrio, perfeição e unidade (o tempo absoluto procurado);
-          aliança entre beleza e verdade;
-          visão apolínea[1]; das divindades diurnas; da luz solar;
-          mundo povoado por deuses e não por homens.

Na cultura e educação da Grécia antiga encontrou uma ética (a consciência da justiça e do humanismo) e uma estética que conjugou harmoniosamente com a ideologia cristã. (adaptado de Acesso ao Ensino Superior 2005. Prova de Exame 12 Português A-B. Vasco Moreira e Hilário Pimenta. Porto Editora.)


    3.4. As reflexões sobre poética: arte poética e valor educativo da poesia

Para Sophia, a poesia é a "arte mágica do ser" e o poeta «o sacerdote», o «mago», que se compromete com o sofrimento do mundo.

Se o poeta nasce de um estado de atenção, o acto poético é o fruto de uma "revelação mágica" e constitui uma forma de comunhão com a Musa, o sobrenatural, o Absoluto, o outro lado da natureza. Então, as palavras que integram os poemas não são apenas a matéria-prima, elas são o "nome das coisas" e estabelecem uma aliança com o real, elas são o seu espelho vivo (Veríssimo: 1999, 119).



ARTE POÉTICA

As Artes Poéticas I, II, III, IV e V são sínteses meditativas fundamentais para uma mais completa compreensão do universo poético de Sophia e da sua evolução:


ARTE POÉTICA I

«Em Lagos em Agosto o sol cai a direito e há sítios onde até o chão é caiado. O sol é pesado e a luz leve. Caminho no passeio rente ao muro mas não caibo na sombra. A sombra é uma fita estreita. Mergulho a mão na sombra como se a mergulhasse na água.

A loja dos barros fica numa pequena rua do outro lado da praça. Fica depois da taberna fresca e da oficina do ferreiro.

Entro na loja dos barros. A mulher que os vende é pequena e velha, vestida de preto. Está em frente de mim rodeada de ânforas. A direita e à esquerda o chão e as prateleiras estão cobertos de louças alinhadas, empilhadas e amontoadas: pratos, bilhas, tigelas, ânforas. Há duas espécies de barro: barro cor-de-rosa-pálido e barro vermelho-escuro. Barro que desde tempos imemoriais os homens aprenderam a modelar numa medida humana. Formas que através dos séculos  vêm  de  mão em  mão.  A loja onde estou é como uma loja de Creta. Olho as ânforas de barro pálido poisadas em minha frente no chão. Talvez a arte deste tempo em que vivo me tenha ensinado a olhá-las melhor. Talvez a arte deste tempo tenha sido uma arte de ascese que serviu para limpar o olhar.

A beleza da ânfora de barro pálido é tão evidente, tão certa que não pode ser descrita. Mas eu sei que a palavra beleza não é nada, sei que a beleza não existe em si mas é apenas o rosto, a forma, o sinal de uma verdade da qual ela não pode ser separada. Não falo de uma beleza estética mas sim de uma beleza poética.

Olho para a ânfora: quando a encher de água ela me dará de beber. Mas agora ela me dá de beber. Paz e alegria, deslumbramento de estar no mundo, religação.

Olho para a ânfora na pequena loja dos barros. Aqui paira uma doce penumbra. fora está o sol. A ânfora estabelece uma aliança entre mim e o sol.

Olho para a ânfora igual a todas as outras ânforas, a ânfora inumeravelmente repetida mas que nenhuma repetição pode aviltar porque nela existe um princípio incorruptível.

Porém, fora na rua, sob o peso do mesmo sol, outras coisas me são oferecidas. Coisas diferentes. Não têm nada de comum nem comigo nem com o sol. Vêm de um mundo onde a aliança foi quebrada. Mundo que não está religado nem ao sol nem à lua, nem a Ísis, nem a Deméter, nem aos astros, nem ao eterno. Mundo que pode ser um habitat mas não é um reino.

O reino agora é aquele que cada um por si mesmo encontra e conquista, a aliança que cada um tece.

Este é o reino que buscamos nas praias de mar verde, no azul suspenso da noite, na purezacal, na pequena pedra polida, no perfume do orégão, Semelhante ao corpo de Orfeu dilacerado pelas fúrias[2] este reino está dividido. Nós procuramos reuni-lo, procuramos a sua unidade, vamos de coisa em coisa.

É por isso que eu levo a ânfora de barro pálido e ela é para mim preciosa. Ponho-a sobre o muro em frente do mar. Ela é ali a nova imagem da minha aliança com as coisas. Aliança ameaçada. Reino que com paixão encontro, reúno, edifico. Reino vulnerável. Companheiro mortal da eternidade


Síntese da Arte Poética I (a relação com a realidade):

  • A beleza é o sinal de uma verdade da qual ela não pode ser separada; daí ser evidente, certa, sem poder ser descrita.
  • Daí o contraste estabelecido entre:
- por um lado, a ânfora, modelada numa «medida humana», forma que «através dos séculos, vem «de mão em mão», dá ao poeta paz, alegria, deslumbramento de estar no mundo, religação
-  e, por outro lado, as coisas da cidade, que não têm nada de comum com o poeta «nem com o sol», «vêm de um mundo onde a aliança foi quebrada», um mundo que «pode ser um habitat, não um reino», que «não está ligado nem ao sol, nem à lua, nem a Ísis, nem a Deméter, nem aos astros nem ao eterno».




      ARTE POÉTICA II

«A poesia não me pede propriamente uma especialização pois a sua arte é uma arte do ser. Também não é tempo ou trabalho que a poesia me pede. Nem me pede uma ciência nem uma estética nem uma teoria. Pede-me antes a inteireza do meu ser, uma consciência mais funda do que a minha inteligência, uma fidelidade mais pura do que aquela que eu posso controlar. Pede-me uma intransigência sem lacuna. Pede-me que arranque da minha vida que se quebra, gasta, corrompe e dilui uma túnica sem costura. Pede-me que viva atenta como uma antena, pede-me que viva sempre, que nunca me esqueça. Pede-me uma obstinação sem tréguas, densa e compacta.

Pois a poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com as coisas, a minha participação no real, o meu encontro com as vozes e as imagens. Por isso o poema não fala duma vida ideal mas sim duma vida concreta: ângulo da janela, ressonância das ruas, das cidades e dos quartos, sombra dos muros, aparição dos rostos, silêncio, distância e brilho das estrelas, respiração da noite, perfume da tília e do orégão.

É esta relação com o universo que define o poema como poema, como obra de criação poética. Quandoapenas relação com uma matériaapenas artesanato.

É o artesanato que pede especialização, ciência, trabalho, tempo e uma estética. Todo o poeta, todo o artista é artesão duma linguagem. Mas o artesanato das artes poéticas não nasce de si mesmo, isto é da relação com uma matéria, como nas artes artesanais. O artesanato das artes poéticas nasce da própria poesia à qual está consubstancialmente unido. Se um poeta diz «obscuro», «amplo», «barco», «pedra» é porque estas palavras nomeiam a sua visão do mundo, a sua ligação com as coisas. Não foram palavras escolhidas esteticamente pela sua beleza, foram escolhidas pela sua realidade, pela sua necessidade, pela seu poder poético de estabelecer uma aliança. E é da obstinação sem tréguas que a poesia exige que nasce o «obstinado rigor» do poema. O verso é denso, tenso como um arco, exatamente dito, porque os dias foram densos, tensos como arcos, exatamente vividos. O equilíbrio das palavras entre si é o equilíbrio dos momentos entre si.

E no quadro sensível do poema vejo para onde vou, reconheço o meu caminho, o meu reino, a minha vida

Originalmente, o texto foi publicado na revista Távola Redonda, nº 21, jan. 1963. Seguidamente a Arte Poética I e II foram publicadas com alterações em Geografia, 1967


Síntese da Arte Poética II:
  • A poesia como «explicação do universo», como «participação no real», «encontro com as vozes e as imagens»;
  • «O poema não fala de uma vida ideal mas sim de uma vida concreta
  • A palavra como instrumento da aliança do poeta com as coisas.
  • Daí o «obstinado rigor» do poema. Daí a inteireza, a intransigência sem lacuna, a túnica sem costura que o poeta deve arrancar da sua vida que se quebra, gasta, daí a atenção e a obstinação sem tréguas exigidas ao poeta.




      ARTE POÉTICA III (1964)
     
«A coisa mais antiga de que me lembro é dum quarto em frente do mar dentro do qual estava poisada em cima duma mesa, uma maçã enorme e vermelha. Do brilho do mar e do vermelho da maçã erguia-se uma felicidade irrecusável, nua e inteira. Não era nada de fantástico, não era nada de imaginário: era a própria presença do real que eu descobria. Mais tarde a obra de outros artistas veio confirmar a objetividade do meu próprio olhar. Em Homero reconheci essa felicidade nua e inteira, esse esplendor da presença das coisas. E também a reconheci intensa, atenta e acesa na pintura de Amadeo de Sousa-Cardoso. Dizer que a obra de arte faz parte da cultura é uma coisa um pouco escolar e artificial. A obra de arte faz parte do real e é destino, realização, salvação e vida.

Sempre a poesia foi para mim uma perseguição do real. Um poema foi sempre um círculo traçado à roda duma coisa, um círculo onde o pássaro do real fica preso. E se a minha poesia, tendo partido do ar, do mar e da luz, evoluiu, evoluiu sempre dentro dessa busca atenta. Quem procura uma relação justa com a pedra, com a árvore, com o rio, é necessariamente levado, pelo espírito de verdade que o anima, a procurar uma relação justa com o homem. Aquele que o espantoso esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo. Aquele que o fenómeno quer ver todo o fenómeno. É apenas uma questão de atenção, de sequência e de rigor.

E é por isso que a poesia é uma moral. E é por isso que o poeta é levado a buscar a justiça pela própria natureza da sua poesia. E a busca da justiça é desde sempre uma coordenada fundamental de toda a obra poética. Vemos que no teatro grego o tema da justiça é a própria respiração das palavras. Diz o coro de Ésquilo: «Nenhuma muralha defenderá aquele que, embriagado com a sua riqueza, derruba o altar sagrado da justiça».  Pois a justiça se confunde com aquele equilíbrio das coisas, com aquela ordem do mundo onde o poeta quer integrar o seu canto. Confunde-se com aquele amor que, segundo Dante, move o sol e os outros astros. Confunde-se com a nossa no universo. Se em frente do esplendor do mundo nos alegramos com paixão, também em frente do sofrimento do mundo nos revoltamos com paixão. Esta lógica é íntima, interior, consequente consigo própria, necessária, fiel a si mesma. O facto de sermos feitos de louvor e protesto testemunha a unidade da nossa consciência.

A moral do poema não depende de nenhum código, de nenhuma lei, de nenhum programa que lhe seja exterior, mas, porque é uma realidade vivida, integra-se no tempo vivido. E o tempo em que vivemos é o tempo duma profunda tomada de consciência. Depois de tantos séculos de pecado burguês a nossa época rejeita a herança do pecado organizado. Não aceitamos a fatalidade do mal. Como Antígona, a poesia do nosso tempo não aprendeu a ceder aos desastres. Há um desejo de rigor e de verdade que é intrínseco à íntima estrutura do poema e que não pode aceitar uma ordem falsa.

O artista não é, e nunca foi, um homem isolado que vive no alto duma torre de marfim. O artista, mesmo aquele que mais se coloca à margem da convivência, influenciará necessariamente, através da sua obra, a vida e o destino dos outros. Mesmo que o artista escolha o isolamento como melhor condição de trabalho e criação, pelo simples facto de fazer uma obra de rigor, de verdade e de consciência, ele está a contribuir para a formação duma consciência comum. Mesmo que fale somente de pedras ou de brisas a obra do artista vem sempre dizer-nos isto: Que não somos apenas animais acossados na luta pela sobrevivência mas que somos, por direito natural, herdeiros da liberdade e da dignidade do ser.

Eis-nos aqui reunidos, nós escritores portugueses, reunidos por uma língua comum. Mas acima de tudo estamos reunidos por aquilo a que o Padre Teilhard de Chardin chamou a nossa confiança no progresso das coisas.

E tendo começado por saudar os amigos presentes quero, ao terminar, saudar os meus amigos ausentes: porque nãonada que possa separar aqueles que estão reunidos por uma e por uma esperança

(Texto lido em 11 de Julho de 1964 no almoço de homenagem promovido pela Sociedade Portuguesa de Escritores, por ocasião da entrega do Grande Prémio de Poesia, atribuído a Livro Sexto).


Síntese da Arte Poética III (a poesia é a «perseguição do real»):

  • na procura da relação justa com as coisas onde está implícita uma relação justa com o homem.
  • É por isso que a poesia é uma moral: «aquele que o espantoso esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo».
  • É por isso que a poesia conterá em si uma procura de justiça (a justiça «confunde-se com o equilíbrio das coisas, com aquela ordem do mundo que o poeta quer integrar no seu canto».
  • É por isso que o poeta se revolta perante o sofrimento do mundo.
  • É por isso que a moral do poema é o resultado de uma «integração no tempo vivido» – tempo «duma profunda tomada de consciência»; tempo de rejeição do «pecado burguês».
  • Por isso, o artista tem um papel a cumprir:
-    influencia a vida e o destino dos outros;
-    contribui para a formação de uma consciência comum dizendo-nos que «não somos apenas animais acossados na luta pela sobrevivência mas que somos, por direito natural, herdeiros da liberdade e da dignidade do ser».

(por: Luís Lima Barreto in http://www.esec-cidade-universitaria.rcts.pt/textosportugues)



ARTE POÉTICA IV (1972)

«Fernando Pessoa dizia: «Aconteceu-me um poema.» A minha maneira de escrever fundamental é muito próxima deste «acontecer». O poema aparece feito, emerge, dado (ou como se fosse dado). Como um ditado que escuto e noto.

É possível que esta maneira esteja em parte ligada ao facto de, na minha infância, muito antes de eu saber ler, me terem ensinado a decorar poemas.

Encontrei a poesia antes de saber que havia literatura. Pensava que os poemas não eram escritos por ninguém, que existiam em si mesmos, por si mesmos, que eram como que um elemento do natural, que estavam suspensos, imanentes. E que bastaria estar muito quieta, calada e atenta para os ouvir.

Desse encontro inicial ficou em mim a noção de que fazer versos é estar atento e de que o poeta é um escutador.

É difícil descrever o fazer de um poema. Há sempre uma parte que não consigo distinguir, uma parte que se passa na zona onde eu não vejo.

Sei que o poema aparece, emerge e é escutado num equilíbrio especial da atenção, numa tensão especial da concentração. O meu esforço é para conseguir ouvir o «poema todo» e não apenas um fragmento. Para ouvir o «poema todo» é necessário que a atenção não se quebre ou atenue e que eu própria não intervenha. É preciso que eu deixe o poema dizer-se. Sei que quando o poema se quebra, como um fio no ar, o meu trabalho, a minha aplicação não conseguem continuá-lo.

Como, onde e por quem é feito esse poema que acontece, que aparece como já feito? A esse «como, onde e quem» os antigos chamavam Musa. É possível dar-lhe outros nomes e alguns lhe chamarão o subconsciente, um subconsciente acumulado, enrolado sobre si próprio como um filme que de repente, movido por qualquer estímulo, se projeta na consciência como num écran. Por mim, é-me difícil nomear aquilo que não distingo bem. É-me difícil, talvez impossível, distinguir se o poema é feito por mim, em zonas sonâmbulas de mim, ou se é feito em mim por aquilo que em mim se inscreve. Mas sei que o nascer do poema só é possível a partir daquela forma de ser, estar e viver que me torna sensível — como a película de um filme — ao ser e ao aparecer das coisas. E a partir de uma obstinada paixão por esse ser e esse aparecer.

Deixar que o poema se diga por si, sem intervenção minha (ou sem intervenção que eu veja), como quem segue um ditado (que ora é mais nítido, ora mais confuso), é a minha maneira de escrever.

Assim algumas vezes o poema aparece desarrumado, desordenado, numa sucessão incoerente de versos e imagens. Então faço uma espécie de montagem em que geralmente mudo não os versos mas a sua ordem. Mas esta intervenção não é propriamente «inter-vir» pois só toco no poema depois de ele se ter dito até ao fim. Se toco a meio o poema nas minhas

mãos desagrega-se. O poema «Crepúsculo dos Deuses» (Geografia) é um exemplo desta maneira de escrever. É uma montagem feita com um texto caótico que arrumei: ordenei os versos e acrescentei no final uma citação de um texto histórico sobre Juliano, o Apóstata.

Algumas vezes surge não um poema mas um desejo de escrever, um «estado de escrita». Há uma aguda sensação de plasticidade e um vazio, como num palco antes de entrar a bailarina. E há uma espécie de jogo com o desconhecido, o «in-dito», a possibilidade. O branco do papel torna-se hipnótico. Exemplo dessa maneira de escrever, texto que diz esta maneira de escrever, é o poema de Coral:

Que poema, de entre todos os poemas,

Página em branco?

Outra ainda é a maneira que surgiu quando escrevi O Cristo Cigano: havia uma história, um tema, anterior ao poema. Sobre esse tema escrevi vários poemas soltos que depois organizei num só poema longo.

E por três vezes me aconteceu uma outra maneira de escrever: de textos que eu escrevera em prosa surgiram poemas. Assim o poema «Fernando Pessoa» apareceu repentinamente depois de eu ter acabado de escrever uma conferência sobre Fernando Pessoa. E o poema «Maria Helena Vieira da Silva ou O Itinerário Inelutável» emergiu de um artigo sobre a obra desta pintora. E enquanto escrevi este texto para a Crítica apareceu um poema que cito por ser a forma mais concreta de dar a resposta que me é pedida:

Aqui me sentei quieta

Com as mãos sobre os joelhos

Quieta muda secreta

Passiva como os espelhos

 

Musa ensina-me o canto

Imanente e latente

Eu quero ouvir devagar

O teu súbito falar

Que me foge de repente

 

Durante vários dias disse a mim própria: «tenho de responder à Crítica». Sabia que ia escrever e sobre que tema ia escrever. Escrevi pouco a pouco, com muitas interrupções, metade escrito num caderno, metade num bloco, riscando e emendando para trás e para a frente, num artesanato muito laborioso, perdida em pausas e descontinuidades. E através das pausas o poema surgiu, passou através da prosa, apareceu na folha direita do caderno que estava vazia.

Ninguém me tinha pedido um poema, eu própria não o tinha pedido a mim própria e não sabia que o ia escrever. Direi que o poema falou quando eu me calei e se escreveu quando parei de escrever. Ao tentar escrever um texto em prosa sobre a minha maneira de escrever «invoquei» essa maneira de escrever para a «ver» e assim a poder descrever. Mas, quando «vi», aquilo que me apareceu foi um poema.»

 

Sophia de Mello Breyner Andresen, Dual, 1972

 

ARTE POÉTICA V (1988)

Na minha infância, antes de saber ler, ouvi recitar e aprendi de cor um antigo poema tradicional português, chamado Nau Catrineta. Tive assim a sorte de começar pela tradição oral, a sorte de conhecer o poema antes de conhecer a literatura.

Eu era de facto tão nova que nem sabia que os poemas eram escritos por pessoas, mas julgava que eram consubstanciais ao universo, que eram a respiração das coisas, o nome deste mundo dito por ele próprio.

Pensava também que, se conseguisse ficar completamente imóvel e muda em certos lugares mágicos do jardim, eu conseguiria ouvir um desses poemas que o próprio ar continha em si.

No fundo, toda a minha vida tentei escrever esse poema imanente. E aqueles momentos de silêncio no fundo do jardim ensinaram-me, muito tempo mais tarde, que não há poesia sem silêncio, sem que se tenha criado o vazio e a despersonalização.

Um dia em Epidauro - aproveitando o sossego deixado pelo horário do almoço dos turistas - coloquei-me no centro do teatro e disse em voz alta o princípio de um poema. E ouvi, no instante seguinte, lá no alto, a minha própria voz, livre, desligada de mim.

Tempos depois, escrevi estes três versos:

A voz sobe os últimos degraus

Oiço a palavra alada impessoal

Que reconheço por não ser já minha.

 

(Lido na Sorbonne, em Paris, em dezembro de 1988, por ocasião do encontro intitulado Les Belles Étrangères.)

 

Sophia de Mello Breyner Andresen, Ilhas, 1989

 



Síntese das Artes Poéticas IV e V:

Na Arte poética IV e na Arte Poética V, Sophia recorre à expressão do ser e do fazer do poema como escuta do que concebe comonome deste mundo dito por ele próprio”(Arte Poética V), expressão enigmática onde o próprio mundo se diz a si próprio como nome, palavra, logos que a si próprio se anuncia e se exprime. Nas referidas Artes Poéticas IV e V, Sophia assume o estatuto do poeta como “escutador”(Arte Poética IV) cujo esforço consiste emconseguir ouvir o poema todo”, para que ele não se quebre, na tradição da poesia como escuta de uma musa, de um deus, neste caso do próprio poema.
O que se nos afigura a um tempo inesperado e coerente, no universo poético de Sophia, é a sua meditação sobre a dificuldade de saber como, onde e por quem se faz o poema, interrogando-se se vem do mundo onírico e/ou inconsciente – “não sei se é feito por mim em zonas sonâmbulas de mim”- ou do mundo imanente e/ou transcendente que venha ao encontro do seu ser, através da palavra que se transmuta em poesia – “ou se é feito por aquilo que em mim se inscreve” (Arte Poética IV). Parece clara a necessidade de, seja donde venha a palavra transmutada em poesia, criar, no sujeito escrevente poético, um modo de ser, estar e viver, pleno de atenção (recorde-se a expressãoatenta como uma antena”, in Arte Poética II), concentração e silêncio que lhe permita criar umestado de escrita”, no qual terá de vigorar a paixão pelo que é essencial e se desoculta mostrando-se – “paixão...pelo ser e o aparecer das coisas” (Arte Poética V).Daí a conceção da poesia como encontro com uma epifania, desocultação ou revelação do mundo, na sua essencialidade, um estado de sensibilidadecomo a película de um filme” (Arte Poética IV). Recorrendo a palavras do universo fílmico, escolhe a palavramontagempara a ordenação de versos, por vezes a partir de um caos, de “ uma sucessão incoerente de versos e de imagens” (Arte Poética IV). Nota que o poema pode ser longo – o caso de O Cristo Cigano, fundamentado numa história que lhe foi contada por João Cabral Melo Neto sobre um escultor que, ao procurar o rosto de Cristo sofredor, o encontrou no rosto de um cigano – na Andaluzia, Espanha –, quer escrito a partir de vários poemas, quer a partir de uma história. Outros poemasFernando Pessoa, Vieira da Silva – surgiram nas pausas da escrita de textos em prosa, sobre o mesmo assunto (Arte Poética IV).

(por: Helena S. C. Langrouva, «Sophia de Mello Breyner: Transmutação da Palavra em Poesia,
Artes Poéticas, Aedos e Cidades» in http://www.triplov.com/sophia/langr_alquimia_3.html)


(1) Apolíneo: de Apolo; relativo ao Sol; (fil.) em Nietzsche (filósofo alemão, 1844-1900), princípio da harmonia, da beleza, da mesura ou domínio de si. Em Sophia, o apolíneo brota "de um fundo dionisíaco" (princípio da exaltação trágica e patética da vida). A beleza e harmonia não foi dada ao homem, mas conquistada. (cf. CARDOSO: 2003, p. 196)
(2) Três deusas dos infernos: Alecto, Medusa e Némesis – deusas da discórdia, da vingança e do castigo, respetivamente.




5. Linguagem e estilo


No discurso de Sophia encontramos um conjunto de símbolos e alegorias, e uma ambiguidade que faz lembrar Fernando Pessoa. Sobressaem sensações visuais, auditivas e tácteis através das quais estabelece relações com a realidade.

Usa uma linguagem cheia de imagens evocativas e de alusões, uma métrica livre, criando um mundo abstracto e longínquo, em que o concreto e o presente surgem renovados pelo comentário indirecto a situações actuais ou actualizadas pelo contexto em que a sua meditação as coloca.

A metáfora e a comparação são figuras que brotam na poesia de Sophia, sugeridas, frequentemente, pelos elementos naturais que contribuem para acentuar a comunhão do poeta com a natureza, a união da poesia com aquilo que há de mais primitivo, puro e verdadeiro.

A hipálage e o animismo, que abalam as fronteiras lógicas do discurso, o assíndeto e a inversão, que anulam as leis da sintaxe, são marcas da poesia de Sophia que se afirma com uma escrita pessoal, de invenção, em fantasia e em liberdade.

A imagem-símbolo é outro recurso utilizado sistematicamente pela poetisa e que permite captar o real através da imagem e fazer com que essa realidade seja assumida como símbolo.

No que diz respeito à versificação, o ritmo, a rima, o metro, a pontuação e a anáfora ilustram os traços de liberdade e de fantasia próprias da escrita de Sophia. O versilibrismo e o ritmo livre estão ao serviço da expressão do pensamento e do devaneio. A rima nunca se impõe como rígida ou absorvente. A pontuação é pouco utilizada de modo a não tolher a imaginação e o sonho. A anáfora, que cria um ritmo repetitivo, serve para marcar a insistência em determinada ideia, emoção ou sensação, ou seja, para representar estilisticamente a redundância semântica.

A função mágica parece ser o núcleo da arte poética de Sophia, mesmo porque ser poeta é ser mágico, tal como o símbolo clássico do Poeta que Sophia faz reviver na sua poesia e a quem presta culto: Orfeu. Este atraía a si os homens, os animais e as plantas; era o grande músico que deslumbrava os seres com a melodia da sua lira; era o mítico poeta que estava em união sagrada com a natureza e a vida.
(Peixoto: 2001, 113)


 


6. Obras de Sophia de Mello Breyner Andresen

  

POESIA

POESIA, 1.ª ed., 1944, Coimbra, Edição da Autora • 2.ª ed., 1959, Lisboa, Edições Ática • 3.ª ed., Poesia I, 1975, Lisboa, Edições Ática • 4.ª ed., revista, 2003, Lisboa, Editorial Caminho • 5.ª ed., revista, 2005, Lisboa, Editorial Caminho • 6.ª ed., 2007, Lisboa, Editorial Caminho • 1.ª edição na Assírio & Alvim (7.ª ed.), Lisboa, 2013, prefácio de Pedro Eiras.

DIA DO MAR, 1.ª ed., 1947, Lisboa, Edições Ática • 2.ª ed., 1961, Lisboa, Edições Ática • 3.ª ed., 1974, Lisboa, Edições Ática • 4.ª ed., revista, 2003, Lisboa, Editorial Caminho • 5.ª ed., revista, 2005, Lisboa, Editorial Caminho • 6.ª ed., 2010, Alfragide, Editorial Caminho • 1.ª edição na Assírio & Alvim (7.ª ed.), Lisboa, 2014, prefácio de Gastão Cruz.

CORAL, 1.ª ed., 1950, Porto, Livraria Simões Lopes • 2.ª ed., s/d [c. 1979], Lisboa, Portugália Editora • 3.ª ed., s/d [c. 1980], Lisboa, Portugália Editora, ilustrações de José Escada • 4.ª ed., revista, 2003, Lisboa, Editorial Caminho • 5.ª ed., revista, 2005, Lisboa, Editorial Caminho • 1.ª edição na Assírio & Alvim (6.ª ed.), Lisboa, 2013, prefácio de Manuel Gusmão.

NO TEMPO DIVIDIDO, 1.ª ed., 1954, Lisboa, Guimarães Editores • 2.ª ed., 1985, in No Tempo Dividido e Mar Novo, Lisboa, Edições Salamandra, ilustrações de Arpad Szenes • 3.ª ed., revista, 2003, Lisboa, Editorial Caminho • 4.ª ed., revista, 2005, Lisboa, Editorial Caminho • 1.ª edição na Assírio & Alvim (5.ª ed.), Lisboa, 2013, prefácio de Frederico Bertolazzi.

MAR NOVO, 1.ª ed., 1958, Lisboa, Guimarães Editores • 2.ª ed., 1985, in No Tempo Dividido e Mar Novo, Lisboa, Edições Salamandra, ilustrações de Arpad Szenes • 3.ª ed., revista, 2003, Lisboa, Editorial Caminho • 4.ª ed., revista, 2005, Lisboa, Editorial Caminho • 1.ª edição na Assírio & Alvim (5.ª ed.), Lisboa, 2013, prefácio de Fernando J.B. Martinho.

O CRISTO CIGANO, 1.ª ed., O Cristo Cigano ou A Lenda do Cristo Cachorro, 1961, Lisboa, Minotauro, ilustrações de Júlio Pomar • 2.ª ed., 1978, Lisboa, Moraes Editores, ilustração de José Escada • 3.ª ed., revista, 2003, Lisboa, Editorial Caminho • 4.ª ed., revista, 2005, Lisboa, Editorial Caminho • 1.ª edição na Assírio & Alvim (5.ª ed.), Lisboa, 2014, prefácio de Rosa Maria Martelo.

LIVRO SEXTO, 1.ª ed., 1962, Lisboa, Livraria Morais Editora • 2.ª ed., 1964, Lisboa, Livraria Morais Editora • 3.ª ed., 1966, Lisboa, Livraria Morais Editora • 4.ª ed., 1972, Lisboa, Moraes Editores • 5.ª ed., 1976, Lisboa, Moraes Editores • 6.ª ed., 1985, Lisboa, Edições Salamandra • 7.ª ed., revista, 2003, Lisboa, Editorial Caminho • 8.ª ed., revista, 2006, Lisboa, Editorial Caminho. • 1.ª edição na Assírio & Alvim (9.ª ed.), Lisboa, 2014, prefácio de Gustavo Rubim.

GEOGRAFIA, 1.ª ed., 1967, Lisboa, Edições Ática • 2.ª ed., 1972, Lisboa, Edições Ática • 3.ª ed., 1990, Lisboa, Edições Salamandra, ilustrações de Xavier Sousa Tavares • 4.ª ed., revista, 2004, Lisboa, Editorial Caminho. • 1.ª edição na Assírio & Alvim (5.ª ed.), Lisboa, 2014, prefácio de Frederico Lourenço

ANTOLOGIA, 1.ª ed., 1968, Lisboa, Portugália Editora • 2.ª ed., 1970, Lisboa, Moraes Editores • 3.ª ed., 1975, Lisboa, Moraes Editores • 4.ª ed., 1978, Lisboa, Moraes Editores, prefácio de Eduardo Lourenço • 5.ª ed., 1985, Porto, Figueirinhas.

GRADES [Antologia de Poemas de Resistência], 1970, Lisboa, Publicações Dom Quixote.

11 POEMAS, 1971, Lisboa, Movimento.

«POEMAS DE UM LIVRO DESTRUÍDO», 1972, in Fevereiro — Textos de Poesia, Lisboa. (Incluído em No Tempo Dividido, a partir da 2.ª ed.).

DUAL, 1.ª ed., 1972, Lisboa, Moraes Editores • 2.ª ed., 1977, Lisboa, Moraes Editores • 3.ª ed., 1986, Lisboa, Edições Salamandra • 4.ª ed., revista, 2004, Lisboa, Editorial Caminho. • 1.ª edição na Assírio & Alvim (5.ª ed.), Lisboa, 2014, prefácio de Eduardo Lourenço

O NOME DAS COISAS, 1.ª ed., 1977, Lisboa, Moraes Editores • 2.ª ed., 1986, Lisboa, Edições Salamandra • 3.ª ed., revista, 2004, Lisboa, Editorial Caminho • 4.ª ed., revista, 2006, Lisboa, Editorial Caminho.

POEMAS ESCOLHIDOS, 1981, Lisboa, Círculo de Leitores.

NAVEGAÇÕES, 1ª ed., versão inglesa de Ruth Fainlight, versão francesa de Joaquim Vital, 1983, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, «Musarum officia», com um disco gravado pela Autora • 2.ª ed., 1996, Lisboa, Editorial Caminho • 3.ª ed., 1996, Lisboa, Editorial Caminho • 4.ª ed., revista, 2004, Lisboa, Editorial Caminho.

O SOL O MURO O MAR, 1984, Lisboa. Portfolio com seis fotografias de Eduardo Gageiro. (Incluído em Ilhas.)

ILHAS, 1.ª ed., 1989, Lisboa, Texto Editora, ilustração de Xavier Sousa Tavares • 2.ª ed., 1990, Lisboa, Texto Editora • 3.ª ed., 1992, Lisboa, Texto Editora, ilustração de Xavier Sousa Tavares • 4.ª ed., 2001, Lisboa, Texto Editora • 5.ª ed., revista, 2004, Lisboa, Editorial Caminho.

OBRA POÉTICA I, 1.ª ed., 1990, Lisboa, Editorial Caminho • 2.ª ed., 1991, Lisboa, Editorial Caminho • 3.ª ed., 1995, Lisboa, Editorial Caminho • 4.ª ed., 1998, Lisboa, Editorial Caminho • 5.ª ed., 1999, Lisboa, Editorial Caminho • 6.ª ed., 2001, Lisboa, Editorial Caminho.

OBRA POÉTICA II, 1.ª ed., 1991, Lisboa, Editorial Caminho • 2.ª ed., 1995, Lisboa, Editorial Caminho • 3.ª ed., 1998, Lisboa, Editorial Caminho • 4.ª ed., 1999, Lisboa, Editorial Caminho.

OBRA POÉTICA III, 1.ª ed., 1991, Lisboa, Editorial Caminho • 2ª ed., 1996, Lisboa, Editorial Caminho • 3.ª ed., 1999, Lisboa, Editorial Caminho • 4.ª ed., 2001, Lisboa, Editorial Caminho.

SINGRADURAS, 1991, Lisboa, Galeria 111, com seis gravuras de David de Almeida. (Poema VI de «As Ilhas», incluído em Navegações.)

OBRA POÉTICA I e OBRA POÉTICA II, 1992, Lisboa, Círculo de Leitores.

MUSA, 1.ª ed., 1994, Lisboa, Editorial Caminho • 2.ª ed., 1995, Lisboa, Editorial Caminho • 3.ª ed., 1997, Lisboa, Editorial Caminho • 4 ed., 2001, Lisboa, Editorial Caminho • 5.ª ed., revista, 2004, Lisboa, Editorial Caminho.

SIGNO (ESCOLHA DE POEMAS), 1.ª ed 1994, Lisboa, Editorial Presença/Casa Fernando Pessoa (inclui um CD com poemas ditos por Luís Miguel Cintra).

ILHAS — POEMAS ESCOLHIDOS/ISLANDS — SELECTED POEMS, 1995, Lisboa, Texto Editora/Expo’ 98, versão inglesa de Richard Zenith, fotografias de Daniel Blaufuks.

O BÚZIO DE CÓS E OUTROS POEMAS, 1.ª ed., 1997, Lisboa, Editorial Caminho • 2.ª ed., 1998, Lisboa, Editorial Caminho • 3.ª ed., 1999, Lisboa, Editorial Caminho • 4.ª ed., 2002, Lisboa, Editorial Caminho • 5.ª ed., revista, 2004, Lisboa, Editorial Caminho.

MAR [Antologia organizada por Maria Andresen de Sousa Tavares], 1.ª ed., 2001, Lisboa, Editorial Caminho • 2.ª ed., 2001, Lisboa, Editorial Caminho • 3.ª ed., 2001, Lisboa, Editorial Caminho • 4.ª ed., 2002, Lisboa, Editorial Caminho • 5.ª ed., revista e aumentada, 2004, Lisboa, Editorial Caminho • 6.ª ed., 2006, Lisboa, Editorial Caminho • 7.ª ed., 2009, Alfragide, Editorial Caminho.

ORPHEU E EURYDICE, 2001, Lisboa, Galeria 111, ilustrações de Graça Morais.

CEM POEMAS DE SOPHIA, 1.ª ed., 2004, Lisboa, Visão/JL — Jornal de Letras, Artes e Ideias, seleção e introdução de José Carlos de Vasconcelos.

OBRA POÉTICA (edição de Carlos Mendes de Sousa), 1.ª ed., 2010, Alfragide, Editorial Caminho • 2.ª ed., 2011, Alfragide, Editorial Caminho. • 1.ª edição na Assírio & Alvim (3.ª ed.), Lisboa, 2015, prefácio de Maria Andresen Sousa Tavares.

POEMAS SOBRE PESSOA [Antologia organizada por Maria Andresen de Sousa Tavares], 1ª ed., 2012, Alfragide, Editorial Caminho.

PROSA

CONTOS EXEMPLARES, 1.ª ed., 1962, Lisboa, Livraria Morais Editora • 2.ª ed., 1966, Lisboa, Portugália Editora • 3ª. ed., 1970, Lisboa, Portugália Editora, prefácio de D. António Ferreira Gomes • 11.ª ed., 1982, Porto, Figueirinhas, desenho de Carlos Natividade Corrêa • 35.ª ed., 2004, Porto, Figueirinhas • 37.ª ed., 2010, Porto, Figueirinhas • 1.ª edição na Porto Editora, Porto, 2013, ilustrações de João catarino • 1.ª edição na Assírio & Alvim (39.ª ed.), Lisboa, 2014, prefácio de Frederico Bertolazzi.

OS TRÊS REIS DO ORIENTE, 1.ª ed., 1965, Lisboa, Estúdios Cor, ilustrações de Manuel Lapa • 2.ª ed., s/d [1980], Lisboa, Galeria S. Mamede/Portugália Editora, ilustrações de Francisco Relógio • 3.ª ed., s/d [2004], Porto, Figueirinhas, ilustrações de Fedra Santos. (Incluído em Contos Exemplares, a partir da 3.ª ed.) • 1.ª edição na Porto Editora, Porto, 2013, ilustrações de Fátima Afonso.

A CASA DO MAR, Lisboa, Galeria S. Mamede, 1979, ilustrações de Maria Helena Vieira da Silva. (Incluído em Histórias da Terra e do Mar.)

HISTÓRIAS DA TERRA E DO MAR, 1.ª ed., 1984, Lisboa, Edições Salamandra • 2.ª ed., 1984, Lisboa, Edições Salamandra • 3.ª ed., 1989, Lisboa, Texto Editora • 21.ª ed., 2002, Lisboa, Texto Editora • reed., 2006, Porto, Figueirinhas • 1.ª edição na Porto Editora, Porto, 2013, ilustrações de Jorge Nesbitt • 1.ª edição na Assírio & Alvim (23.ª ed.), Lisboa, 2013, prefácio de Gustavo Rubim.

«O CARRASCO»As Escadas não Têm Degraus, n.º 5, 1991, Lisboa, Edições Cotovia.

ERA UMA VEZ UMA PRAIA ATLÂNTICA, 1997, Lisboa, Expo’ 98.

«LEITURA NO COMBOIO» e «O CEGO»Colóquio/Letras, n.º 159-160, Janeiro-Junho de 2002, ilustrações de Tiago Manuel.

O ANJO DE TIMOR, 2003, Marco de Canaveses, Cenateca, Associação Teatro e Cultura, ilustrações de Graça Morais.

QUATRO CONTOS DISPERSOS, ed. de Maria Andresen Sousa Tavares, 2008, Porto, Figueirinhas, ilustração de Diogo Vaz. 1.ª edição na Porto Editora, Porto, 2012, ilustrações de João Caetano.

CONTOS PARA CRIANÇAS

A MENINA DO MAR, 1.ª ed., 1958, Lisboa, Edições Ática, ilustrações de Sarah Affonso • 2.ª ed., 1961, Lisboa, Editorial Aster, ilustrações de Fernando de Azevedo • 3.ª ed., 1972, Porto, Figueirinhas, ilustrações de Armando Alves • 7.ª ed., 1977, Porto, Figueirinhas, ilustrações de Luís Noronha da Costa • 41.ª ed., 2002, Porto, Figueirinhas • ed. de Maria Andresen de Sousa Tavares, 2009, Porto, Figueirinhas • 1.ª edição na Porto Editora, Porto, 2012, ilustrações de Fernanda Fragateiro.

A FADA ORIANA, 1.ª ed., 1958, Lisboa, Edições Ática, ilustrações de Bió, capa de Quito sobre quadro de Nuno de Siqueira • 2.ª ed., 1964, Lisboa, Edições Ática • 3.ª ed., s/d [c. 1972], Lisboa, Edições Ática, ilustrações de Luís Noronha da Costa • 7.ª ed., 1982, Porto, Figueirinhas, ilustrações de Natividade Corrêa • 34.ª ed., 2002, Porto, Figueirinhas • 1.ª edição na Porto Editora, Porto, 2012, ilustrações de Teresa Calem.

A NOITE DE NATAL, 1.ª ed., 1959, Lisboa, Edições Ática, ilustrações de Maria Keil • 2.ª ed., s/d [1972], Lisboa, Edições Ática, ilustrações de José Escada • 3.ª ed., 1983, Lisboa, Edições «O Jornal», ilustrações de José Escada • 4.ª ed., 1989, Porto, Figueirinhas, ilustrações de Júlio Resende. • 1.ª edição na Porto Editora, Porto, 2013, ilustrações de Jorge Nesbitt.

O CAVALEIRO DA DINAMARCA, 1.ª ed., 1964, Porto, Figueirinhas, ilustrações de Armando Alves • 56.ª ed., 2001, Porto, Figueirinhas. • 1.ª edição na Porto Editora, Porto, 2014, ilustrações de Henrique Cayatte.

O RAPAZ DE BRONZE, 1.ª ed., 1966, Lisboa, Minotauro, ilustrações de Fernando de Azevedo • 2.ª ed., 1972, Lisboa, Moraes Editores • ed. da Comissão Organizadora das Comemorações do Dia de Portugal de Camões e das Comunidades Portuguesas, 1977 (Moraes Editores), ilustrações da colecção particular da Autora • 5.ª ed., 1978, Lisboa, Moraes Editores, ilustrações de Natividade Corrêa • 7.ª ed., 1983, Lisboa, Moraes Editores ilustração da capa de Vitorino Martins • 9.ª ed., 1990, Lisboa, Edições Salamandra, ilustrações de Júlio Resende • 19.ª ed., 1994, Lisboa, Edições Salamandra • reimpressão, 2006, Porto, Figueirinhas • 1.ª edição na Porto Editora, Porto, 2013, ilustrações de Inês de Carmo.

A FLORESTA, 1.ª ed., 1968, Porto, Figueirinhas, ilustrações de Armando Alves • 23.ª ed., 1995, Porto, Figueirinhas, ilustrações de Teresa Olazabal Cabral • 35.ª ed., 2003, Porto, Figueirinhas. 1.ª ed. na Porto Editora, Porto, 2013, ilustrações de Sofia Arez.

A ÁRVORE, 1.ª ed., 1985, Porto, Figueirinhas • 13.ª ed., 2002, Porto, Figueirinhas. 1.ª edição na Porto Editora, Porto, 2013, ilustrações de Teresa Lima.

«A CEBOLA DA VELHA AVARENTA», in A Antologia Diferente — De Que São Feitos os Sonhos, organização de Luísa Ducla Soares, 1986, Porto, Areal Editores, ilustração de Vítor Simões.

OS CIGANOS [edição especial], Sophia de Mello Breyner Andresen, Pedro Sousa Tavares, 1.ª edição, 2012, Porto, Porto Editora, ilustrações de Danuta Wojciechowska.

OS CIGANOS, Sophia de Mello Breyner Andresen, Pedro Sousa Tavares, 1.ª edição, 2012, Porto, Porto Editora, ilustrações de Danuta Wojciechowska.

ANTOLOGIAS ORGANIZADAS PELA AUTORA

POESIA SEMPRE I (em colaboração com Alberto de Lacerda), s/d [1964], Lisboa, Livraria Sampedro Editora.

POESIA SEMPRE II, s/d [1964], Lisboa, Livraria Sampedro Editora.

PRIMEIRO LIVRO DE POESIA, 1.ª ed., 1991, Lisboa, Editorial Caminho, ilustrações de Júlio Resende • 11.ª ed., 2008, Alfragide, Editorial Caminho.

TEATRO

O BOJADOR, 1.ª ed., s/d [1961], Lisboa, separata da Escola Portuguesa, Direcção-Geral do Ensino Primário • 2.ª ed., 2000, Lisboa, Editorial Caminho, ilustrações de Henrique Cayatte • 3.ª ed., 2006, Lisboa, Editorial Caminho • 4.ª ed., 2007, Lisboa, Editorial Caminho • 5.ª ed., 2009, Lisboa, Editorial Caminho. • 1.ª edição na Porto Editora, Porto, 2014, ilustrações de João Catarino.

O COLAR, 1.ª ed., 2001, Lisboa, Editorial Caminho • 2.ª ed., revista, 2002, Lisboa, Editorial Caminho • 3.ª ed., 2005, Lisboa, Editorial Caminho • 4.ª ed., 2006, Lisboa, Editorial Caminho • 5.ª ed., 2008, Alfragide, Editorial Caminho • 6.ª ed., 2009, Lisboa, Editorial Caminho • 1.ª edição na Porto Editora, Porto, 2012, ilustrações de Daniel Silvestre da Silva • 2.ª edição, 2013, Porto, Porto Editora, ilustrações de João Catarino. • 1.ª edição na Assírio & Alvim (9.ª ed.), Lisboa, 2013, prefácio de Luis Miguel Cintra.

ENSAIO (seleção)

«A POESIA DE CECÍLIA MEIRELES»Cidade Nova — Revista de Cultura, IV Série, n.º 6, 1956.

«POESIA E REALIDADE»Colóquio — Revista de Artes e Letras, n.º 8, 1960.

«CAMINHOS DA DIVINA COMÉDIA»Diário de Lisboa, 13 de Maio e 1 de Julho de 1965 • republicado em Ler — Livros & Leitores, n.º 58, Primavera de 2003, ilustrações de Tiago Manuel.

O NU NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA, 1.ª ed., 1975, in O Nu e a Arte, Lisboa,
Estúdios Cor • 2.ª ed., s/d [c. 1979], Lisboa, Portugália Editora • 3.ª ed., 1992, Lisboa, Editorial Caminho.

TRADUÇÕES

A VIDA QUOTIDIANA NO TEMPO DE HOMERO (Émile Mireaux), 1.ª ed., s/d [c.1957], Lisboa, Livros do Brasil • 3.ª ed., s/d [1979], Lisboa, Livros do Brasil.

A ANUNCIAÇÃO A MARIA (Paul Claudel), s/d [1960], Lisboa, Editorial Aster.

O PURGATÓRIO (Dante), 1.ª ed., 1962, Lisboa, Minotauro, ilustrações de J. Pomar, L. Freitas, L. F. Abreu, M. Keil, C. C. Pinto, F. Azevedo, C. Botelho, J. Júlio, A. Jorge, Menez, J. A. Manta, A. Charrua • 2.ª ed., 1981, Lisboa, Círculo de Leitores.

MUITO BARULHO POR NADA (William Shakespeare), 1964 (inédito).

HAMLET (William Shakespeare) [1965]; 1.ª ed., 1987, Porto, Lello & Irmão Editores.

QUATRE POÈTES PORTUGAIS — CAMÕES, CESÁRIO VERDE, MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO, FERNANDO PESSOA, 1.ª ed., 1970, Paris, Presses Universitaires de France e Fundação Calouste Gulbenkian — Centre Culturel Portugais • 2.ª ed., 1979, Paris, Presses Universitaires de France e Fundação Calouste Gulbenkian — Centre Culturel Portugais.

SER FELIZ (Leif Kristiansson), 1.ª ed., 1973, Lisboa, Editorial Presença • 6.ª ed., 1997, Lisboa, Editorial Presença.

UM AMIGO (Leif Kristiansson), 1.ª ed., 1973, Lisboa, Editorial Presença • 11.ª ed., 2001, Lisboa, Editorial Presença.

MEDEIA (Eurípides), 2006, Lisboa, Editorial Caminho, prefácio de Frederico Lourenço.


 

Fonte; Biblioteca Nacional de Portugal, 2011 <Bibliografia disponível em <https://purl.pt/19841/1/bibliografia/bibliografia.html> com atualização de Carlos Mendes de Sousa em: Obra Poética, Sophia de Mello Breyner Andresen. Lisboa, Assírio & Alvim, 2015.

 

  


CARREIRO, José. “Perfil poético e estilístico de Sophia de Mello Breyner Andresen” - apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da lírica de Sophia de Mello Breyner Andresen. Portugal, Folha de Poesia, 2020-07-17. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/07/sophia-de-mello-breyner-andresen.html


quinta-feira, 16 de julho de 2020

Cercado estou pela mitologia, Jorge Luis Borges




GÓNGORA

Marte, a guerra. Febo, o sol. Neptuno,
o mar que já ver não podem meus olhos
porque o apaga o deus. Tais despojos
desterraram Deus, que é Três e Uno,
do meu coração desperto. O fado
impõe-me esta curiosa idolatria.
Cercado estou pela mitologia.
Nada posso. Virgílio tem-me enfeitiçado.
Virgílio e o latim. Fez que cada
estrofe fosse um árduo labirinto
de entretecidas vozes, um recinto
vedado ao vulgo, que é apenas nada.
Vejo no tempo que foge uma seta
rígida e um cristal na corrente
e pérolas na lágrima dolente.
É assim o meu estranho ofício de poeta.
Que me importam a mofa ou o renome?
Troquei por oiro o cabelo, que está vivo.
Quem me dirá se no secreto arquivo
de Deus estão as letras do meu nome?

Quero voltar às comuns coisas:
a água, o pão, um cântaro, umas rosas...

Jorge Luis Borges, Os conjurados, Lisboa, Difel, s/d (2.ª edição)
Tradução de Maria da Piedade M. Ferreira e Salvato Teles de Meneses


GÓNGORA

Marte, la guerra, Febo, el Sol, Neptuno,
el mar que ya no pueden ver mis ojos
porque lo borra el dios. Tales despojos
han desterrado a Dios, que es Tres y es Uno,
de mi despierto corazón. El hado
me impone esta curiosa idolatría.
Cercado estoy por la mitología.
Nada puedo. Virgilio me ha hechizado.
Virgilio y el latín. Hice que cada
estrofa fuera un arduo laberinto
de entretejidas voces, un recinto
vedado al vulgo, que es apenas, nada.
Veo en el tiempo que huye una saeta
rígida y un cristal en la corriente
y perlas en la lágrima doliente,
Tal es mi extraño oficio de poeta.
¿Qué me importan las befas o el renombre?
Troqué en oro el cabello, que está vivo.
¿Quién me dirá si en el secreto archivo
de Dios están las letras de mi nombre?

Quiero volver a las comunes cosas:
el agua, el pan, un cántaro, unas rosas...

Jorge Luis Borges, Los conjurados, 1985




CARREIRO, José. “Cercado estou pela mitologia, Jorge Luis Borges”. Portugal, Folha de Poesia, 2020-07-16. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/07/cercado-estou-pela-mitologia-jorge-luis.html



terça-feira, 7 de julho de 2020

Sofro, Lídia, do medo do destino, Ricardo Reis



Sofro, Lídia, do medo do destino.
A leve pedra que um momento ergue
As lisas rodas do meu carro, aterra
        Meu coração.
Tudo quanto me ameace de mudar-me
Para melhor que seja, odeio e fujo.
Deixem-me os deuses minha vida sempre
        Sem renovar
Meus dias, mas que um passe e outro passe
Ficando eu sempre quási o mesmo, indo
Para a velhice como um dia entra
        No anoitecer.

Ricardo Reis, Poesia, edição de Manuela Parreira da Silva,
Lisboa, Assírio & Alvim, 2000, p. 181.


Apesar da referência a «Meu coração» (v. 4), que remete para o campo das emoções, Ricardo Reis assume uma atitude racional.
Tendo em conta os seis primeiros versos do poema, explicite em que consiste essa atitude racional, bem como o motivo que leva o sujeito poético a assumi-la.

Na resposta deve explicitar, adequadamente, quer em que consiste a atitude racional do sujeito poético, quer o motivo que o leva a assumi-la.
Devem ser abordados os tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:
o sujeito poético evidencia uma atitude racional ao intelectualizar as suas emoções/ao recusar (voluntariamente) a mudança/ao procurar a serenidade;
o sujeito poético assume essa atitude racional devido ao sentimento de terror face à mudança/ao destino, que lhe provoca sofrimento.

Transcreva a comparação presente no final do poema e interprete o seu sentido.
Na resposta transcreve a comparação presente no final do poema, delimitando-a de forma rigorosa, e interpreta, adequadamente, o seu sentido.
Devem ser abordados os tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:
transcrição da comparação – «indo / Para a velhice como um dia entra / No anoitecer»; interpretação da comparação – tal como o dia termina lenta e gradualmente, também o sujeito poético deseja que o tempo passe por ele de forma impercetível, encaminhando-o tranquilamente para a «velhice» (sem que isso lhe provoque sofrimento).

Fonte: itens 4 e 5 do grupo I do Exame Final Nacional de Português, Prova 639, 1.ª Fase, Ensino Secundário, 2020, 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho | Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho)

Nota:

Ricardo Reis é o poeta da razão, o poeta que, segundo Jacinto Prado Coelho (Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa), “é um homem de ressentimento e cálculo, um homem que se faz como faz laboriosamente o estilo”, e que, como “experimenta a dor da nossa miséria estrutural, sofre com as ameaças inelutáveis e permanentes do Fatum, da Velhice e da Morte”, pelo que “o seu fito é iludir (melhor: eludir) a dor construindo virilmente o próprio destino no restrito âmbito de liberdade que lhe é dado”. 
Onde está a atitude racional do sujeito poético neste poema? Precisamente na lúcida análise do que sente e do motivo da atitude que assume: tem consciência do desagrado (ódio) em relação à mudança e do que faz para a evitar (foge), tentando não ser afetado por ela. 
A comparação objeto de questionamento no item 5 do Grupo I não oferece nenhuma dúvida, estando este assunto em consonância com o indicado no programa de Português como tópico de estudo da poesia deste autor ("Ricardo Reis: a consciência e a encenação da mortalidade"). Com efeito, o sujeito poético exprime o desejo de que o tempo passe por ele de forma impercetível, encaminhando-o tranquilamente para a velhice como a lei natural do passar do tempo, que faz com que ao dia se siga a noite.

Fonte: Maria Regina Rocha, “A qualidade do exame de Português do 12.º ano”, https://www.publico.pt/2020/07/13/sociedade/opiniao/qualidade-exame-portugues-12-ano-1924161


 

Poderá também gostar de:

Fernando Pessoa - Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da obra de Fernando Pessoa, por José Carreiro. In: Lusofonia, https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/literatura-portuguesa/fernando_pessoa, 2021 (3.ª edição) e Folha de Poesia, 17-05-2018. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/fernando-pessoa-13061888-30111935.html

 




CARREIRO, José. “Sofro, Lídia, do medo do destino, Ricardo Reis”. Portugal, Folha de Poesia, 07-07-2020. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/07/sofro-lidia-do-medo-do-destino-ricardo.html



terça-feira, 30 de junho de 2020

Variações da perda, Nuno Dempster




A ANCIÃ DE LUTO

Percorre devagar a passadeira,
mais velha que este burgo medievo.
Chega de muito além, toda de negro.
O sol que brilha, as belas raparigas,
as cores da gente, o trânsito,
os plátanos do hotel adormecidos
supõem-lhe o pesado encargo
de transportar aos ombros
recordações alegres.
Por isso, os passos lentos,
por isso, o luto, estranhos
ao sol nos vidros e ao bulício urbano.
Parece vir cobrar alguma dívida,
sem pressa e sem olhar
quem espera nos carros que atravesse.
Não a vi afastar-se,
escondeu-se em qualquer esquina.
Os sinos talvez dobrem na distância
e, se eu medir a erosão dos anos
no espelho do meu carro,
dobrarão de certeza e mais de perto,
e a velha voltará o rosto para mim.


DEPREDAÇÃO
1
Rochedo por rochedo, a aprendizagem,
o polvo de entre as pedras,
o mexilhão, o arroz de lapas,
e depois a sardinha, o sol no cais,
as brasas, os pimentos, as peixeiras na rua.

2.
País de pescadores sem trabalho,
não tardará que venha a grande máquina
sorver o mar da costa
e nesse chão caótico apareça
a evidência dos que ajudaram
ao saque das cidades e à devastação
dos campos e do mar.

Nuno Dempster, Variações da Perda
Lajes do Pico, Companhia das Ilhas, 2020



CARREIRO, José. “Variações da perda, Nuno Dempster”. Portugal, Folha de Poesia, 30-06-2020. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/06/variacoes-da-perda.html



segunda-feira, 22 de junho de 2020

Cântico Negro, José Régio




Cântico Negro

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom se eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!

Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
- Sei que não vou por aí.

José Régio







CARREIRO, José. “Cântico Negro, José Régio”. Portugal, Folha de Poesia, 22-06-2020. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/06/cantico-negro.html



sábado, 13 de junho de 2020

A chave das coisas está no equívoco da idade, Nuno Júdice



ESCOLA

O que significa o rio,
a pedra, os lábios da terra
que murmuram, de manhã,
o acordar da respiração?

O que significa a medida
das margens, a cor que
desaparece das folhas no
lodo de um charco?

O dourado dos ramos na
estação seca, as gotas
de água na ponta dos
cabelos, os muros de hera?

A linha envolve os objetos
com a nitidez abstrata
dos dedos; traça o sentido
que a memória não guardou;

e um fio de versos e verbos
canta, no fundo do pátio,
no coro de arbustos que
o vento confunde com crianças.

A chave das coisas está
no equívoco da idade, na
sombria abóbada dos meses,
no rosto cego das nuvens.

Nuno Júdice, Meditação sobre ruínas.
Lisboa, Quetzal Editores, 1999.


A sugestão de que as etapas da vida ensinam e, o passar do tempo, traz um refinamento do olhar com a experiência do aprender, pode ser notada no poema “Escola”. Considera-se nesse título a multiplicidade de sentidos da palavra, uma vez que esta não se refere somente ao espaço escolar, mas também a um determinado método, estilo ou sistema, bem como remete a um tempo de conhecimento, de viver e aprender sobre as coisas, misturando assim os elementos tempo e espaço – lugar físico e de fala. Das seis estrofes que compõem o poema, as três primeiras são questionamentos – aparentemente de aspecto infantil, pelo menos a princípio, porém que se tornam difusos em sua objetividade [vv. 1 a 12]. […]
A semelhança com o narrar não se apresenta de forma clara nas essas três primei­ras estrofes de “Escola”. Essas destoam um pouco da predominância do estilo narra­tivo dos poemas judicianos, uma vez que não se sustentam em contar cenas, imagens concretas ou em experiências. Até então o tempo, no poema “Escola”, somente se marca por meio daquilo que escapa, fugidio, como o murmúrio dos lábios da terra nas manhãs, ao acordar. Ou ainda o desaparecer da cor das folhas e do dourado dos ramos, sugerindo um desgaste natural provocado pela ação do tempo. Contudo, es­pecialmente nas três últimas estrofes, esse estilo se destaca fortemente.
Mais do que a presença dos verbos no presente, o tempo é marcado pelas coisas que parecem perder a nitidez ao longo de uma trajetória. No espaço abstrato dos versos, há um desejo de que a poesia reflita sobre o que se perdeu ou o que foi es­quecido com o passar do tempo, “que a memória não guardou”, mas que, contudo, não se compreende de uma só maneira, uma vez que “a chave das coisas está / no equívoco da idade”. A percepção sobre as coisas, os fatos, a vida, vai se modificando com a idade, com o curso da vida, essa escola, que ensina, que faz aprender a partir das experiências.

“Marcas do tempo na poesia de Nuno Júdice”, Ivana Gund. Terra roxa e outras terras – Revista de Estudos Literários. Volume 36 (dez. 2018) – 1-123 – ISSN 1678-2054. http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/terraroxa




CARREIRO, José. “A chave das coisas está no equívoco da idade, Nuno Júdice”. Portugal, Folha de Poesia, 13-06-2020. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/06/a-chave-das-coisas-esta-no-equivoco-da.html



quarta-feira, 10 de junho de 2020

O que é amar um país, Tolentino de Mendonça

Discurso de Tolentino de Mendonça na cerimónia das comemorações do Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades Portuguesas, em 10 de Junho de 2020.




O QUE É AMAR UM PAÍS

Agradeço ao senhor Presidente o convite para presidir à Comissão das comemorações do dia 10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades. Estas comemorações estavam para acontecer não só com outro formato, mas também noutro lugar, a Madeira. No poema inicial do seu livro intitulado Flash, o poeta Herberto Helder, ali nascido, recorda justamente «como pesa na água (…) a raiz de uma ilha». Gostaria de iniciar este discurso, que pensei como uma reflexão sobre as raízes, por saudar a raiz dessa ilha-arquipélago, também minha raiz, que desde há seis séculos se tornou uma das admiráveis entradas atlânticas de Portugal.
É uma bela tradição da nossa República esta de convidar um cidadão a tomar a palavra neste contexto solene para assim representar a comunidade de concidadãos que somos. É nessa condição, como mais um entre os dez milhões de portugueses, que hoje me dirijo às mulheres e aos homens do meu país, àquelas e àqueles que dia-a-dia o constroem, suscitam, amam e sonham, que dia-a-dia encarnam Portugal onde quer que Portugal seja: no território continental ou nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira, no espaço físico nacional ou nas extensas redes da nossa diáspora.
Se interrogássemos cada um, provavelmente responderia que está apenas a cuidar da sua parte – a tratar do seu trabalho, da sua família; a cultivar as suas relações ou o seu território de vizinhança – mas é importante que se recorde que, cuidando das múltiplas partes, estamos juntos a edificar o todo. Cada português é uma expressão de Portugal e é chamado a sentir-se responsável por ele. Pois quando arquitetamos uma casa não podemos esquecer que, nesse momento, estamos também a construir a cidade. E quando pomos no mar a nossa embarcação não somos apenas responsáveis por ela, mas pelo inteiro oceano. Ou quando queremos interpretar a árvore não podemos esquecer que ela não viveria sem as raízes.

Camões e a arte do desconfinamento
Pensemos no contributo de Camões. Camões não nos deu só o poema. Se quisermos ser precisos, Camões deixou-nos em herança a poesia. Se, à distância destes quase quinhentos anos, continuamos a evocar coletivamente o seu nome, não é apenas porque nos ofereceu, em concreto, o mais extraordinário mapa mental do Portugal do seu tempo, mas também porque iniciou um inteiro povo nessa inultrapassável ciência de navegação interior que é a poesia. A poesia é um guia náutico perpétuo; é um tratado de marinhagem para a experiência oceânica que fazemos da vida; é uma cosmografia da alma. Isso explica, por exemplo, que Os Lusíadas sejam, ao mesmo tempo, um livro que nos leva por mar até à India, mas que nos conduz por terra ainda mais longe: conduz-nos a nós próprios; conduz-nos, com uma lucidez veemente, a representações que nos definem como indivíduos e como nação; faz-nos aportar – e esse é o prodígio da grande literatura – àquela consciência última de nós mesmos, ao quinhão daquelas perguntas fundamentais de cujo confronto, um ser humano sobre a terra, não se pode isentar.
Se é verdade, como escreveu Wittgenstein, que «os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo», Camões desconfinou Portugal. A quem tivesse dúvidas sobre o papel central da cultura, das artes ou do pensamento na construção de um país bastaria recordar isso. Camões desconfinou Portugal no século XVI e continua a ser para a nossa época um preclaro mestre da arte do desconfinamento. Porque desconfinar não é simplesmente voltar a ocupar o espaço comunitário, mas é poder, sim, habitá-lo plenamente; poder modelá-lo de forma criativa, com forças e intensidades novas, como um exercício deliberado e comprometido de cidadania. Desconfinar é sentir-se protagonista e participante de um projeto mais amplo e em construção, que a todos diz respeito. É não conformar-se com os limites da linguagem, das ideias, dos modelos e do próprio tempo. Numa estação de tetos baixos, Camões é uma inspiração para ousar sonhos grandes. E isso é tanto mais decisivo numa época que não apenas nos confronta com múltiplas mudanças, mas sobretudo nos coloca no interior turbulento de uma mudança de época.

Que a crise nos encontre unidos
Gostaria de recordar aqui uma passagem do Canto Sexto d’Os Lusíadas, que celebra a chegada da expedição portuguesa à Índia. Os marinheiros, dependurados na gávea, avistam finalmente «terra alta pela proa» e passam notícia ao piloto que, por sua vez, a anuncia vibrante a Vasco da Gama. O objetivo da missão está assim cumprido. Mas o Canto Sexto tem uma exigente composição em antítese, à qual não podemos não prestar atenção. É que à visão do sonho concretizado não se chega sem atravessar uma dura experiência de crise, provocada por uma tempestade marítima que Camões sabiamente se empenha em descrever, com impressiva força plástica. Digo sabiamente, porque não há viagem sem tempestades. Não há demandas que não enfrentem a sua própria complexificação. Não há itinerário histórico sem crises. Isso vem-nos dito n’Os Lusíadas de Camões, mas também nas Metamorfoses de Ovídio, na Eneida de Virgílio, na Odisseia de Homero ou nos Evangelhos cristãos.
No itinerário de um país, cada geração é chamada a viver tempos bons e maus, épocas de fortuna e infelizmente também de infortúnio, horas de calmaria e travessias borrascosas. A história não é um continuum, mas é feita de maturações, deslocações, ruturas e recomeços. O importante a salvaguardar é que, como comunidade, nos encontremos unidos em torno à atualização dos valores humanos essenciais e capazes de lutar por eles.
Mas à observação realística que Camões faz da tempestade, gostaria de ir buscar um detalhe, na verdade uma palavra, para a reflexão que proponho: a palavra «raízes». Na estância 79, falando dos efeitos devastadores do vento, o poeta diz: «Quantas árvores velhas arrancaram/ Do vento bravo as fúrias indignadas/ As forçosas raízes não cuidaram/Que nunca para o Céu fossem viradas». A leitura da imagem em jogo é imediata: as velhas árvores reviradas ao contrário, arrancadas com violência ao solo, expõem dramaticamente, a céu aberto, as próprias raízes. A tempestade descrita por Camões recorda-nos, assim, a vulnerabilidade, com a qual temos sempre de fazer conta. As raízes, que julgamos inabaláveis, são também frágeis, sofrem os efeitos da turbulência da máquina do mundo. Não há super-países, como não há super-homens. Todos somos chamados a perseverar com realismo e diligência nas nossas forças e a tratar com sabedoria das nossas feridas, pois essa é a condição de tudo o que está sobre este mundo.

O que é amar um país
O Dia de Portugal, e este Dia de Portugal de 2020 em concreto, oferece-nos a oportunidade de nos perguntarmos o que significa amar um país. A pensadora europeia Simone Weil, num instigante ensaio destinado a inspirar o renascimento da Europa sob os escombros da Segunda Grande Guerra, de cujo desfecho estamos agora a celebrar o 75º aniversário, escreveu o seguinte: um país pode ser amado por duas razões, e estas constituem, na verdade, dois amores distintos. Podemos amar um país idealmente, emoldurando-o para que permaneça fixo numa imagem de glória, e desejando que esta não se modifique jamais. Ou podemos amar um país como algo que, precisamente por estar colocado dentro da história, sujeito aos seus solavancos, está exposto a tantos riscos. São dois amores diferentes. Podemos amar pela força ou amar pela fragilidade. Mas, explica Simone Weil, quando é o reconhecimento da fragilidade a inflamar o nosso amor, a chama deste é muito mais pura.
O amor a um país, ao nosso país, pede-nos que coloquemos em prática a compaixão – no seu sentido mais nobre – e que essa seja vivida como exercício efetivo da fraternidade. Compaixão e fraternidade não são flores ocasionais. Compaixão e fraternidade são permanentes e necessárias raízes de que nos orgulhamos, não só em relação à história passada de Portugal, mas também àquela hodierna, que o nosso presente escreve. E é nesse chão que precisamos, como comunidade nacional, de fincar ainda novas raízes.
Nestes últimos meses abateu-se sobre nós uma imprevista tempestade global que condicionou radicalmente as nossas vidas e cujas consequências estamos ainda longe de mensurar. A pandemia que principiou como uma crise sanitária tornou-se uma crise poliédrica, de amplo espetro, atingindo todos os domínios da nossa vida comum. Sabendo que não regressaremos ao ponto em que estávamos quando esta tempestade rebentou, é importante, porém, que, como sociedade, saibamos para onde queremos ir. No Canto Sexto d’Os Lusíadas a tempestade não suspendeu a viagem, mas ofereceu a oportunidade para redescobrir o que significa estarmos no mesmo barco.

Reabilitar o pacto comunitário
O que significa estar no mesmo barco? Permitam-me pegar numa parábola. Circula há anos, atribuída à antropóloga Margaret Mead, a seguinte história. Um estudante ter-lhe-ia perguntado qual seria para ela o primeiro sinal de civilização. E a expectativa geral é que nomeasse, por exemplo, os primeiríssimos instrumentos de caça, as pedras de amolar ou os ancestrais recipientes de barro. Mas a antropóloga surpreendeu a todos, identificando como primeiro vestígio de civilização um fémur quebrado e cicatrizado. No reino animal, um ser ferido está automaticamente condenado à morte, pois fica fatalmente desprotegido face aos perigos e deixa de se poder alimentar a si próprio. Que um fémur humano se tenha quebrado e restabelecido documenta a emergência de um momento completamente novo: quer dizer que uma pessoa não foi deixada para trás, sozinha; que alguém a acompanhou na sua fragilidade, dedicou-se a ela, oferecendo-lhe o cuidado necessário e garantindo a sua segurança, até que recuperasse. A raiz da civilização é, por isso, a comunidade. É na comunidade que a nossa história começa. Quando do eu fomos capazes de passar ao nós e de dar a este uma determinada configuração histórica, espiritual e ética.
É interessante escutar o que diz a etimologia latina da palavra comunidade (communitas). Associando dois termos, cum e munus, ela explica que os membros de uma comunidade – e também de uma comunidade nacional – não estão unidos por uma raiz ocasional qualquer. Estão ligados sim por um múnus, isto é, por um comum dever, por uma tarefa partilhada. Que tarefa é essa? Qual é a primeira tarefa de uma comunidade? Cuidar da vida. Não há missão mais grandiosa, mais humilde, mais criativa ou mais atual.
Celebrar o Dia de Portugal significa, portanto, reabilitar o pacto comunitário que é a nossa raiz. Sentir que fazemos parte uns dos outros, empenharmo-nos na qualificação fraterna da vida comum, ultrapassando a cultura da indiferença e do descarte. Uma comunidade desvitaliza-se quando perde a dimensão humana, quando deixa de colocar a pessoa humana no centro, quando não se empenha em tornar concreta a justiça social, quando desiste de corrigir as drásticas assimetrias que nos desirmanam, quando, com os olhos postos naqueles que se podem posicionar como primeiros, se esquece daqueles que são os últimos. Não podemos esquecer a multidão dos nossos concidadãos para quem o Covid19 ficará como sinónimo de desemprego, de diminuição de condições de vida, de empobrecimento radical e mesmo de fome. Esta tem de ser uma hora de solidariedade. No contexto do surto pandémico, foi, por exemplo, um sinal humanitário importante a regularização dos imigrantes com pedidos de autorização de residência, pendentes no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. O desafio da integração é, porém, como sabemos, imenso, porque se trata de ajudar a construir raízes. E essas não se improvisam: são lentas, requerem tempo, políticas apropriadas e uma participação do conjunto da sociedade. Lembro-me de um diálogo do filme do cineasta Pedro Costa, «Vitalina Varela», onde se diz a alguém que chega ao nosso país: «chegaste atrasada, aqui em Portugal não há nada para ti». Sem compaixão e fraternidade fortalecem-se apenas os muros e aliena-se a possibilidade de lançar raízes.

Fortalecer o pacto intergeracional
Reabilitar o pacto comunitário implica robustecer, entre nós, o pacto intergeracional. O pior que nos poderia acontecer seria arrumarmos a sociedade em faixas etárias, resignando-nos a uma visão desagregada e desigual, como se não fossemos a cada momento um todo inseparável: velhos e jovens, reformados e jovens à procura do primeiro emprego, avós e netos, crianças e adultos no auge do seu percurso laboral. Precisamos, por isso, de uma visão mais inclusiva do contributo das diversas gerações. É um erro pensar ou representar uma geração como um peso, pois não poderíamos viver uns sem os outros.
A tempestade provocada pelo Covid19 obriga-nos como comunidade, a refletir sobre a situação dos idosos em Portugal e nesta Europa da qual somos parte. Por um lado, eles têm sido as principais vítimas da pandemia, e precisamos chorar essas perdas, dando a essas lágrimas uma dignidade e um tempo que porventura ainda não nos concedemos, pois o luto de uma geração não é uma questão privada. Por outro, temos de rejeitar firmemente a tese de que uma esperança de vida mais breve determine uma diminuição do seu valor. A vida é um valor sem variações. Uma raiz de futuro em Portugal será, pelo contrário, aprofundar a contribuição dos seus idosos, ajudá-los a viver e a assumir-se como mediadores de vida para as novas gerações. Quando tomei posse como arquivista e bibliotecário da Santa Sé, uma das referências que quis evocar nesse momento foi a da minha avó materna, uma mulher analfabeta, mas que foi para mim a primeira biblioteca. Quando era criança, pensava que as histórias que ela contava, ou as cantilenas com que entretinha os netos, eram coisas de circunstância, inventadas por ela. Depois descobri que faziam parte do romanceiro oral da tradição portuguesa. E que afinal aquela avó analfabeta estava, sem que nós soubéssemos, e provavelmente sem que ela própria o soubesse, a mediar o nosso primeiro encontro com os tesouros da nossa cultura.
Robustecer o pacto intergeracional é também olhar seriamente para uma das nossas gerações mais vulneráveis, que é a dos jovens adultos, abaixo dos 35 anos; geração que, praticamente numa década, vê abater-se sobre as suas aspirações, uma segunda crise económica grave. Jovens adultos, muitos deles com uma alta qualificação escolar, remetidos para uma experiência interminável de trabalho precário ou de atividades informais que os obrigam sucessivamente a adiar os legítimos sonhos de autonomia pessoal, de lançar raízes familiares, de ter filhos e de se realizarem.

Implementar um novo pacto ambiental
A pandemia veio, por fim, expor a urgência de um novo pacto ambiental. Hoje é impossível não ver a dimensão do problema ecológico e climático, que têm uma clara raiz sistémica. Não podemos continuar a chamar progresso àquilo que para as frágeis condições do planeta, ou para a existência dos outros seres vivos, tem sido uma evidente regressão. Num dos textos centrais deste século XXI, a Encíclica Laudato Sii’, o Papa Francisco exorta a uma «ecologia integral», onde o presente e o futuro da nossa humanidade se pense a par do presente e do futuro da grande casa comum. Está tudo conectado. Precisamos de construir uma ecologia do mundo, onde em vez de senhores despóticos apareçamos como cuidadores sensatos, praticando uma ética da criação, que tenha expressão jurídica efetiva nos tratados transnacionais, mas também nos estilos de vida, nas escolhas e nas expressões mais domésticas do nosso quotidiano.

Uma viagem que fazemos juntos
Camões n’Os Lusíadas não apenas documentou um país em viagem, mas foi mais longe: representou o próprio país como viagem. Portugal é uma viagem que fazemos juntos há quase nove séculos. E o maior tesouro que esta nos tem dado é a possibilidade de ser-em-comum, esta tarefa apaixonante e sempre inacabada de plasmar uma comunidade aberta e justa, de mulheres e homens livres, onde todos são necessários, onde todos se sentem – e efetivamente são – corresponsáveis pelo incessante trânsito que liga a multiplicidade das raízes à composição ampla e esperançosa do futuro. Portugal é e será, por isso, uma viagem que fazemos juntos. E uma grande viagem é como um grande amor. Uma viagem assim – explica Maria Gabriela Llansol, uma das vozes mais límpidas da nossa contemporaneidade –, não se esgota, nem cancela na fugaz temporalidade da história, mas constitui uma espécie de «rasto do fulgor» que exprime a ardente natureza do sentido que interrogamos.

Mosteiro dos Jerónimos, 10 de junho de 2020
Cardeal D. José Tolentino Mendonça
Presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas 2020



(sublinhado nosso)

CARREIRO, José. “O que é amar um país, Tolentino de Mendonça”. Portugal, Folha de Poesia, 10-06-2020. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/06/o-que-e-amar-um-pais-tolentino-de.html