Sputnik I |
A
Morte, O Espaço, A Eternidade
(ao José Blanc de Portugal, em
memória de um seu ente querido, que eu muito estimava.)
De morte natural nunca ninguém morreu.
Não foi para morrer que nós nascemos,
não foi só para a morte que dos tempos
chega até nós esse murmúrio cavo,
inconsolado, uivante, estertorado,
desde que anfíbios viemos a uma praia
e quadrumanos nos erguemos. Não.
Não foi para morrermos que falámos,
que descobrimos a ternura e o fogo,
e a pintura, a escrita, a doce música.
Não foi para morrer que nós sonhámos
ser imortais, ter alma, reviver,
ou que sonhámos deuses que por nós
fossem mais imortais que sonharíamos.
Não foi. Quando aceitamos como natural,
dentro da ordem das coisas ou dos anjos,
o inominável fim da nossa carne; quando
ante ele nos curvamos como se ele fora
inescapável fome de infinito; quando
vontade o imaginamos de outros deuses
que são rostos de um só; quando que a dor
é um erro humano a que na dor nos damos
porque de nós se perde algo nos outros, vamos
traindo esta ascensão, esta vitória, isto
que é ser-se humano, passo a passo, mais.
A morte é natural na natureza. Mas
nós somos o que nega a natureza. Somos
esse negar da espécie, esse negar do que
nos liga ainda ao Sol, à terra, às águas.
Para emergir nascemos. Contra tudo e além
de quanto seja o ser-se sempre o mesmo
que nasce e morre, nasce e morre, acaba
como uma espécie extinta de outras eras.
Para emergirmos livres foi que a morte
nos deu um medo que é nosso destino.
Tudo se fez para escapar-lhe, tudo
se imaginou para iludi-la, tudo
até coragem, desapego, amor,
tudo para que a morte fosse natural.
Não é. Como, se o fôra, há tantos
milhões de anos
a conhecemos, a sofremos, a vivemos,
e mesmo assassinando a não queremos?
Como nunca ninguém a recebeu
senão cansado de viver? Como a ninguém
sequer é concebível para quem lhe seja
um ente amado, um ser diverso, um corpo
que mais amamos que a nós próprios? Como
será que os animais, junto de nós,
a mostram na amargura de um olhar
que lânguido esmorece rebelado?
E desde sempre se morreu. Que prova?
Morrem os astros, porque acabam. Morre
tudo o que acaba, diz-se. Mas que prova?
Só prova que se morre de universo pouco,
do pouco de universo conquistado.
Não há limites para a Vida. Não
aquela que de um salto se formou
lá onde um dia alguns cristais comeram;
nem bem aquela que, animal ou planta,
foi sendo pelo mundo este morrer constante
de vidas que outras vidas alimentam
para que novas vidas surjam que
como primárias células se absorvam.
A Vida Humana, sim, a respirada,
suada, segregada, circulada,
a que é excremento e sangue, a que é semente
e é gozo e é dor e pele que palpita
ligeiramente fria sob ardentes dedos.
Não há limites para ela. É uma injustiça
que sempre se morresse, quando agora
de tanto que matava se não morre.
É o pouco de universo a que se agarram,
para morrer, os que possuem tudo.
O pouco que não basta e que nos mata,
quando como ele a Vida não se amplia,
e é como a pele do ónagro, que se encolhe,
retráctil e submissa, conformada.
É uma injustiça a morte. É cobardia
que alguém a aceite resignadamente.
O estado natural é complacência eterna,
é uma traição ao medo por que somos,
áquilo que nos cabe: ser o espírito
sempre mais vasto do Universo infindo.
O Sol, a Via Láctea, as nebulosas,
teremos e veremos até que
a Vida seja de imortais que somos
no instante em que da morte nos soltamos.
A Morte é deste mundo em que o pecado,
a queda, a falta originária, o mal
é aceitar seja o que for, rendidos.
E Deus não quer que nós, nenhum de
nós,
nenhum aceite nada. Ele espera,
como um juiz na meta da corrida
torcendo as mãos de desespero e angústia,
porque nada pode fazer nada e vê
que os corredores desistem, se acomodam,
ou vão tombar exaustos no caminho.
De nós se acresce ele mesmo que será
o espírito que formos, o saber e a força.
Não é nos braços dele que repousamos,
mas ele se encontrará nos nossos braços
quando chegarmos mais além do que ele.
Não nos aguarda – a mim, a ti, a quem amaste,
a quem te amou, a quem te deu o ser –
não nos aguarda, não. Por cada morte
a que nos entregamos ele se vê roubado,
roído pelos ratos do demónio,
o homem natural que aceita a morte,
a natureza que de morte é feita.
Quando a hora chegar em que já tudo
na terra foi humano — carne e sangue —,
não haverá quem sopre nas trombetas
clamando o globo a um corpo só, informe,
um só desejo, um só amor, um sexo.
Fechados sobre a terra, ela nos sendo
e sendo ela nós todos, a ressurreição
é morte desse Deus que nos espera
para espírito seu e carne do Universo.
Para emergir nascemos. O pavor nos traça
este destino claramente visto:
podem os mundos acabar, que a Vida,
voando nos espaços, outros mundos,
há-de encontrar em que se continui.
E, quando o infinito não mais fosse,
e o encontro houvesse de um limite dele,
a Vida com seus punhos levá-lo-á na frente,
para que em Espaço caiba a Eternidade.
Assis, 1 de abril
de 1961, sábado de Aleluia
Jorge
de Sema, Metamorfoses, 1963
Na poesia de Jorge de Sena é
possível vislumbrar várias atitudes diante da morte, como bem aponta Ana Maria
Gottardi (2002). No entanto, para a feitura deste trabalho, três são as que
gostaria de me deter: a morte como aniquilamento do ser; como trânsito deste
mundo para um além inescrutável; e, por fim, como término do possível de si. Na
primeira, nitidamente nota-se uma atitude de recusa e resistência, por ser
antinatural; na segunda, a resistência parte de outra nuança: da escrita
enquanto continuidade da voz do sujeito; e, na última, o sujeito tem a morte
como fim de sua existência.
Como exemplo da primeira
atitude diante da morte apontada anteriormente, gostaria de destacar o célebre
poema “A morte, o espaço e a eternidade”, parte da obra Metamorfoses (1963). Este
poema é um claro exemplo de negação da morte, como nos diz o próprio sujeito
poético:
De morte natural nunca
ninguém morreu.
Não foi para morrer que nós nascemos,
não foi só para a morte que dos tempos
chega até nós esse murmúrio cavo,
inconsolado, uivante, estertorado,
desde que anfíbios viemos a uma praia
e quadrumanos nos erguemos. Não.
Não foi para morrermos que falámos,
que descobrimos a ternura e o fogo,
e a pintura, a escrita, a doce música.
Não foi para morrer que nós sonhámos
ser imortais, ter alma, reviver,
ou que sonhámos deuses que por nós
fossem mais imortais que sonharíamos.
Não foi. Quando aceitamos como natural,
dentro da ordem das coisas ou dos anjos,
o inominável fim da nossa carne; quando
ante ele nos curvamos como se ele fora
inescapável fome de infinito; quando
vontade o imaginamos de outros deuses
que são rostos de um só; quando que a dor
é um erro humano a que na dor nos damos
porque de nós se perde algo nos outros, vamos
traindo esta ascensão, esta vitória, isto
que é ser-se humano, passo a passo, mais.
A morte é natural na natureza. Mas
nós somos o que nega a natureza. Somos
esse negar da espécie, esse negar do que
nos liga ainda ao Sol, à terra, às águas.
Para emergir nascemos. Contra tudo e além
de quanto seja o ser-se sempre o mesmo
que nasce e morre, nasce e morre, acaba
como uma espécie extinta de outras eras.
[...] (SENA, 2014, p. 355-356).
No poema, deparamos com uma
explícita negação da morte: “A morte é natural na natureza. Mas/nós somos o que
nega a natureza. Somos/esse negar da espécie, esse negar do que nos liga ainda
ao Sol, às terras, às águas (SENA, 2014, p. 355-356). E isso pode relacionar-se
ao facto de o ser humano, racional, diante dela – ou de sua possibilidade real –
ser lançado em uma animalidade que já perdera há muitos séculos, acabando por
esquecer que não é imortal. Para Bataille (2016, p. 106), “A morte é, num
sentido, vulgar, inevitável, mas, num sentido profundo inacessível. O animal a
ignora, embora ela lance o homem de volta à animalidade. O homem ideal que
encarna a razão permanece-lhe estranho”.
O sujeito poético seniano
assinala exatamente o caráter inumano, horrendo da morte: “Não foi para
morrermos que falámos,/que descobrimos a ternura e o fogo,/e a pintura, a
escrita, a doce música” (SENA, 2014, p. 355-356). Ela, tantas vezes negada,
esquecida, conscientemente escondida nos mais recônditos espaços, exaspera no
homem a angústia e o horror. Ela “não é menos o desejo desvairado de ser eu do
que aquele de não ser mais nada” (BATAILLE, 2016, p. 106).
Diante do horror da morte, o
eu poético se insurge. Ele resiste. Mesmo sabendo que vai morrer em algum
momento, ele a recusa, apontando-a como irracional, ou seja, inumana. Em várias
passagens, essa recusa se faz poema: “Tudo se fez para escapar-lhe, tudo/se
imaginou para iludi-la, tudo/até coragem, desapego, amor/para que a morte fosse
natural [...] Não há limites para a Vida” (SENA, 2014, p. 355-356).
A vida, nesse poema, é nada
menos que negação da morte. É sua condenação, exclusão. Se, de acordo com
Philippe Ariès, até o início do século XIX, a convivência com a finitude humana
era relativamente pacífica, a partir de então o negar a morte tornou-se cada
vez mais intenso. O ser humano busca a eternidade em vida, explora outros
espaços, órbitas, desbrava mundos e realidades só imaginados em utopias
ficcionais – como bem representado pela figura que acompanha o poema, imagem do
Sputnik I, o primeiro satélite artificial lançado da Terra, em 1957. Apesar de
todos os avanços científicos e tecnológicos, ainda não se descobriu nenhuma
fórmula da vida, ou fonte da eterna juventude. Indignado, o sujeito poético
profere:
É uma injustiça a
morte. É cobardia
que alguém a aceite resignadamente.
O estado natural é complacência eterna,
é uma traição ao medo por que somos,
àquilo que nos cabe: ser o espírito
sempre mais vasto do Universo infindo.
[...] (SENA, 2014, p. 355-356).
Ana Maria Gottardi (2002, p.
161) revela que, em Sena, a resistência à morte revela-se nas asserções
negativas, na recusa, na reafirmação da recusa, na valorização do medo da morte
e valorização da vida, “até a sua identificação com o infinito, ou Deus, mas um
Deus produto do espírito humano”. Como é possível assinalar, em “A morte, o
espaço e a eternidade”, Deus é convidado a encenar:
Não foi para morrer
que nós sonhamos
ser imortais, ter alma, reviver
ou que sonhamos deuses que por nós
fossem mais imortais que sonharíamos.
[...]
E Deus não quer que nós, nenhum de nós,
nenhum aceite nada. Ele espera
como um juiz na meta da corrida,
Torcendo as mãos de desespero e angústia,
porque não pode fazer nada e vê
que os corredores desistem, se acomodam,
ou vão tombar exaustos no caminho.
De nós se acresce ele mesmo que será
o espírito que formos, o saber e a força.
[...] (SENA, 2014, p. 355-356).
A encenação que traz à luz a
presença divina nada mais é que vontade de humano, racionalização, é um
verdadeiro convite ao desafio, de maneira tal que se assemelha a um novo
caminho para as índias modernas em que o desejo maior é de ultrapassá-lo, de
negá-lo, em que a ressurreição humana “é morte desse Deus que nos espera”
(SENA, 2014, p. 355-356).
A morte em Sena aparece
também como trânsito deste para outro mundo, circulação entre espaços e tempos
que, mais que significar finitude existencial, pode também deixar resquícios de
continuidade por meio da cultura e do próprio poema enquanto sua manifestação.
Como exemplo desta outra face da morte, selecionei o poema “Sacrifício da
imortalidade”, publicado em Tempo
de Coroa da Terra, 1942-1944:
A minha voz quando
estiver tão longe,
que apenas eruditos ma percebam,
no que, do tempo, eu não levei comigo,
já não dirá desilusões ou sonhos,
quantas esperanças dei não crendo nelas,
para que as vissem quem não via o mundo,
ou visse o mundo alguém, mesmo sem elas
– será como um silêncio do passado,
onde o futuro se advinha extremo,
e não sabemos qual, se será vosso,
se outro será, de que nasceu conosco
o erro de o julgar, como se fora
alheia a liberdade ao próprio tempo...
E só no tempo em vão me perderei.
[...] (SENA, 2015, p. 501).
Este poema tem em si não só o
performativo de um sujeito que se escreve na própria morte, como também um novo
olhar diante dela, uma visão de continuidade. Por mais que ele sacrifique a sua
imortalidade carnal, abra mão de sua existência no mundo, a sua permanência lhe
será assegurada por meio da escrita, pela presença da sua voz. A morte neste
poema não possui sentido de fim, uma vez que, mesmo sendo ouvida apenas por
eruditos, se fará presente. Para Ernest Becker (1995), em A negação da morte,
o desejo de continuação do nosso ser na eternidade, através de que modo se
manifestar, atua para acalmar o ser humano, a fim de que ele não precise ter
nenhuma angústia.
No poema, a voz metafórica se
torna, pois, vida, carne em que confluem o sangue e o desejo de falar, como bem
aponta o poema “Efêmero”, presente em Tempo de Perseguição, 1938-1942: “A carne que possuo é minha voz./É única, é suja... mas
escorre/a baba, sangue, o suor e o mais que escorre/de um corpo humano sob e
contra nós” (SENA, 2015, p. 399). Por meio da escrita, o sujeito materializa-se,
dá formas e contornos às suas ideias e o poema, enquanto espaço erótico de
tensões, passa a ser palco de desejo e de atrito voluptuoso entre aquele que
fala e quem o lê.
O sujeito poético de
“Sacrifício da imortalidade” se sabe enquanto ser que, temporalmente, sempre
será de cultura, tendo o poema enquanto máxima representação de seus anseios,
desejos e medos. Por esse motivo, a voz que depreende do peito-papel desse
mesmo sujeito se recusa ao silêncio. Ela é vocalização de um movimento interior
que ultrapassa esse ser no tempo e espaço, é som de passado com desejo de
futuro: “Será mistério, escuridão, cansaço,/memória tênue de ansioso abraço,/em
volta de um saber de coisa alguma [...]” (SENA, 2015, p. 501).
Esse eu poético se desnuda
diante do leitor de modo a reconhecer que a sua voz no futuro não será retorno,
justamente porque cada leitor que com ela travar contato escutará diferentes
nuanças do som: “O que ficou/jamais dirá que tornarei a ser” (SENA, 2015, p.
501). Como bem destaca Octavio Paz (2012, p. 198), o poeta ao falar de factos,
experiências, sentimentos e pessoas, fala-nos do próprio ato de criar e nomear,
levando o leitor a repetir e recriar o poema e, assim, “o leitor recria o
instante e cria a si mesmo”. Por isso, mesmo afastados anos ou séculos um do
outro, na comunhão poética entre poema e leitor, o que há de ser lido é sempre
outra coisa, e isso feito de distintas maneiras. Tendo a escrita enquanto permanência,
a cada leitor que com ela travar contato o poema será modificado, indo ao
encontro com o que diz Octavio Paz (2012, p. 198) em relação ao poema ser
sempre uma obra inacabada, “sempre disposta a ser completada e vivida por um
novo leitor”. Tendo em consideração esse caráter do poema ser algo sempre em
devir, é possível sublinhar que em “Sacrifício da imortalidade” a morte não é
um ato banal, porque não é o fim.
A terceira e última face da
morte que desejo apresentar neste trabalho aparece na poesia de Jorge de Sena
como término do sujeito, finitude existencial, sem em nenhum momento apontar
para desejo de continuidade, seja por meio da escrita, seja em direção e uma
existência post mortem. Essa visão é muito
bem representada pelo poema
“Morte...”, parte da seção de Poesia 2, intitulada Primeiro Tempo, 1936-1938:
Quando morrer
não verei o mundo apagar-se,
enegrecer,
à minha volta.
Morrerei de olhos fechados.
Mesmo quando morrer
já estarão mais do que fechados
porque os fechei há muito
ao espaço que rodeia
a minha presença material
de cada instante...
Morrer para mim
não será deixar de ver,
nem de ouvir, nem de sentir qualquer coisa,
porque os meus outros sentidos
também descansam do cansaço
de não terem encontrado
o cansaço procurado...
Enfastiaram-se de monotonia...
Queriam outros perfumes...
outra gente...
outros horizontes...
e não tiveram nada,
tiveram mal,
ou tiveram para depois ficarem
com menos do que tinham...
Na minha morte
não há-de haver
despedida dos sentidos.
As despedidas já estão feitas.
A minha morte
há-de ser só morte,
uma simples morte de morrer...
(SENA, 2015, p. 200-201).
O primeiro elemento que me
salta aos olhos na leitura deste poema é o facto de a aniquilação, finitude do
ser, não estar relacionada apenas ao momento específico da morte. Em vida, o
sujeito já se mostra desprovido de desejos, de liberdade, entregue a
indignidade. Ao considerar este aspeto, é possível evocar o que diz Ernest
Becker (1995) em relação às diferentes imagens que o ser humano pode traçar e
escolher para si no tocante à morte; para ele, há aquela em que o indivíduo,
atirado aos seus próprios parcos poderes, parece muito pouco livre para
deslocar-se e muitíssimo desprovido de dignidade. E isso vai ao encontro do
sujeito poético seniano que, de maneira um tanto quanto melancólica, vai revelando
que a própria vida que vive já se assemelha a um apagamento: “Mesmo quando
morrer/já estarão mais do que fechados/porque os fechei há muito/ ao espaço que
rodeia/a minha presença material/de cada instante [...]” (SENA, 2015, p.
200-201). Nesse caso, a vida tornou-se lápide, espaço sepulcral em que o
sujeito poético apenas respira à espera de “uma simples morte de morrer” (SENA,
2015, p. 200-201).
De alguma forma, esse eu
poético tornado em pedra, em ser que performativamente se diz em estado
vegetativo, vive em uma espécie de exílio auto-imposto causado pelo
enfastiamento de uma vida monótona. Trata-se de um ser tomado por uma profunda
melancolia diante de uma vida que poderia ter sido outra e à qual foram negados
“[...] outros perfumes.../outra gente.../outros horizontes...” (SENA, 2015, p. 200-201). Um sujeito que diz
não ter tido nada ou, quando teve algo que desejou, “[...] tiveram para depois
ficarem/com menos que tinham...” (SENA, 2015, p. 200-201).
O leitor deste poema se vê
diante de uma morte como continuidade de um apagamento iniciado em vida,
perante um poema tumular, em que o sujeito poético se fecha e anuncia que “As
despedidas já estão feitas” (SENA, 2015, p. 200-201), mesmo antes de a vida
findar. Mais que desejo de desaparecimento, o poema se faz enquanto constatação
de um alguém que não verá as luzes do mundo apagarem-se, por estar nele de
olhos fechados. Por isso, essa escrita não se assemelha a uma voz de um alguém
que deseja permanência e, sim, como testemunho de uma vida vivida em
desencanto, desespero e abandono.
Rodrigo Machado, “Faces da morte na poesia de Jorge de Sena” in Todas as Letras, São Paulo, v. 21, n. 2, p. 137-145, maio/ago. 2019 http://dx.doi.org/10.5935/1980-6914/letras.v21n2p137-145