Helena Oliveira: Voz
Natália Correia: Poema
Aníbal Raposo: Música
Carlos Frazão: Arranjo e Piano
Joaquim Teles (Quiné): Bateria
Manuel Rocha: Violinos
Mike Ross: Contrabaixo (2007)
Natália Correia: Poema
Aníbal Raposo: Música
Carlos Frazão: Arranjo e Piano
Joaquim Teles (Quiné): Bateria
Manuel Rocha: Violinos
Mike Ross: Contrabaixo (2007)
POEMA DESTINADO A HAVER DOMINGO
Bastam-me as cinco pontas de uma estrela
E a cor dum navio em movimento.
E como ave, ficar parada a vê-la
E como flor, qualquer odor no vento.
Basta-me a lua ter aqui deixado
Um luminoso fio do cabelo
Para levar o céu todo enrolado
Na discreta ambição do meu novelo.
Só há espigas a crescer comigo
Numa seara para passear a pé
Esta distância achada pelo trigo
Que me dá só o pão daquilo que é.
Deixem ao dia a cama de um domingo
Para deitar um lírio que lhe sobre.
E a tarde cor-de-rosa de um flamingo
Seja o tecto da casa que me cobre
Baste o que o tempo traz na sua anilha
Como uma rosa traz Abril no seio.
E que o mar dê o fruto duma ilha
Onde o Amor por fim tenha recreio.
Bastam-me as cinco pontas de uma estrela
E a cor dum navio em movimento.
E como ave, ficar parada a vê-la
E como flor, qualquer odor no vento.
Basta-me a lua ter aqui deixado
Um luminoso fio do cabelo
Para levar o céu todo enrolado
Na discreta ambição do meu novelo.
Só há espigas a crescer comigo
Numa seara para passear a pé
Esta distância achada pelo trigo
Que me dá só o pão daquilo que é.
Deixem ao dia a cama de um domingo
Para deitar um lírio que lhe sobre.
E a tarde cor-de-rosa de um flamingo
Seja o tecto da casa que me cobre
Baste o que o tempo traz na sua anilha
Como uma rosa traz Abril no seio.
E que o mar dê o fruto duma ilha
Onde o Amor por fim tenha recreio.
Natália Correia, Passaporte. Lisboa, Ed. Gráf. Portuguesa, 1958
LINHAS DE LEITURA
“E que o mar dê o fruto duma ilha
Onde o Amor por fim tenha recreio.”
Onde o Amor por fim tenha recreio.”
Na Ilha de Natália, assim como numa certa Ilha referenciada em Os Lusíadas,habita o Amor.
“De longe a Ilha viram fresca e bela,
Que Vénus pelas ondas lha levava
(Bem como o vento leva branca vela)
Para onde a forte armada se enxergava;
[…]” (IX, 52, 1-4)
Que Vénus pelas ondas lha levava
(Bem como o vento leva branca vela)
Para onde a forte armada se enxergava;
[…]” (IX, 52, 1-4)
Repare-se em certos sentidos que ambos os poemas comungam:
‑ No poema de Natália, o campo lexical de “navegação” comunica com o de Camões: “estrela”, “navio em movimento”, “ave”, “vê-la” (parónimo de vela de uma embarcação), “vento”, “céu”, “mar”, “ilha”.
‑ O ponto de ancoragem é comum: uma ilha onde se recreia o Amor: a “formosa ilha alegre e deleitosa” (IX, 54, 4), onde “Vénus com prazeres inflamava” (IX, 83, 6).
A Ilha de Natália, “Onde o Amor por fim tenha recreio”, é vista como um “fruto”, uma compensação (“por fim”) desejada.
Num domingo, normalmente destinado a relaxar (v.13), a poetisa mostra-se confiante no devir (“Baste o que o tempo traz na sua anilha”, v. 17), de modo que assim “Como uma rosa traz Abril no seio” (v.18) também ela antevê o seu fruto merecido: a ilha (mitificada no ideário de Natália Correia).
O eu poético está consciente do aqui e agora do poema: “Na discreta ambição do meu novelo // Só há espigas a crescer comigo” (vv. 8-9). Repare-se no estado de introspeção e ensimesmamento (“meu novelo”, “crescer comigo”) que leva a poetisa a desejar evadir-se com o mínimo de estímulos externos: “Bastam-me as cinco pontas de uma estrela /E a cor dum navio em movimento” (vv. 1-2), “Basta-me a lua ter aqui deixado / Um luminoso fio do cabelo” (vv. 5-6); “Baste o que o tempo traz na sua anilha” (v.17): “o fruto duma ilha” (v. 19).
Para enriquecer esta leitura, proponho ao leitor que proceda à interpretação de marcas espiritualistas no poema de Natália Correia. (Sugiro também como leitura extensiva os estudos sobre os valores espiritualistas portugueses e a sua tradução na cultura portuguesa com incidência no culto do Espírito Santo.)
José Carreiro, “Poema destinado a haver domingo (Natália
Correia)” in Folha de Poesia, 2013-02-04, <https://folhadepoesia.blogspot.com/2013/02/poema-destinado-haver-domingo-natalia.html>
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► Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise
literária de textos de Natália Correia, por José Carreiro. In: Lusofonia
– plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo. Disponível
em: https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/europa-galiza-e-portugal-continental-e-ilhas/Lit-Acoriana/Natalia_Correia,
2021 (3.ª
edição).
► O panteísmo pentecostal de Natália Correia e o culto do Espírito Santo nos Açores: análise de um inédito, Ângela Almeida, 2005. (Tese de doutoramento apresentada no Departamento de Línguas e Literaturas Modernas da Universidade de Lisboa)
[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2013/02/04/PoemaDestinadoAHaverDomingo.aspx]