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segunda-feira, 29 de julho de 2024

Dança do Vento, Afonso Lopes Vieira

 



DANÇA DO VENTO

Cruel vento, cruel vento,
ah!, roubador maioral!

Romanceiro

O vento é bom bailador,
baila, baila e assobia,
baila, baila e rodopia
e tudo baila em redor!

E diz às flores, bailando:
— Bailai comigo, bailai!
E elas, curvadas, arfando,
começam, débeis, bailando,
e suas folhas, tombando,
uma se esfolha, outra cai,
e o vento as deixa, abalando,
— e lá vai!...

O vento é bom bailador,
baila, baila e assobia,
baila, baila e rodopia
e tudo baila em redor!

E diz às altas ramadas:
— Bailai comigo, bailai!
E elas sentem-se agarradas,
bailam no ar desgrenhadas,
bailam com ele assustadas,
já cansadas, suspirando,
e o vento as deixa, abalando,
— e lá vai!...

O vento é bom bailador,
baila, baila e assobia,
baila, baila e rodopia
e tudo baila em redor!

E diz às folhas caídas:
— Bailai comigo, bailai!
No quieto chão remexidas,
as folhas, por ele erguidas,
pobres velhas ressequidas
e pendidas como um ai,
bailam, doidas e chorando,
e o vento as deixa abalando,
— e lá vai!...

O vento é bom bailador,
baila, baila e assobia,
baila, baila e rodopia
e tudo baila em redor!

E diz às ondas que rolam:
— Bailai comigo, bailai!
E as ondas no ar se empolam,
em seus braços nus o enrolam,
e batalham,
e seus cabelos se espalham
nas mãos do vento, flutuando,
e o vento as deixa, abalando,
— e lá vai!...

O vento é bom bailador,
baila, baila e assobia,
baila, baila e rodopia
e tudo baila em redor!

E diz à chuva caindo:
— Bailai comigo, bailai!
E ao de ela seu corpo unindo,
beija-a na boca, sentindo
que ela o abraça sorrindo
e desmaia, volteando,
e já verga ao beijo, e cai,
e o vento a deixa, abalando,
— e lá vai!...

 

Afonso Lopes Vieira, Canções do Vento e do Sol. Lisboa, Typ. «A Editora», [1911]. Disponível em: https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/7894

 

Typ. «A Editora», [1911]


De acordo com a leitura do poema “Dança do Vento”, de Afonso Lopes Vieira (1878-1946), classifica cada afirmação que se segue como verdadeira ou falsa. Procede à correção das afirmações falsas. 

1. O poema "Dança do Vento" retrata o vento como um elemento estático da natureza.

2. O vento é descrito como uma força destrutiva e violenta sem qualquer beleza ou graça.

3. O vento é personificado como um bailarino incansável.

4. No poema, as flores, ramadas, folhas, ondas e chuva são personificadas.

5. A repetição de frases e estruturas no poema cria um efeito de monotonia e estagnação.

6. A palavra “baila” é repetida várias vezes no poema, criando um ritmo dançante.

7. O poema sugere que o vento apenas causa destruição e não possui qualquer aspeto positivo.

8. As folhas caídas são descritas como envelhecidas, secas e inclinadas como um suspiro.

9. A personificação do vento cria uma ligação emocional entre o leitor e os elementos naturais descritos.

10. O poema termina cada estrofe com a imagem do vento a afastar-se, sugerindo um ciclo contínuo.

11. Cada estrofe termina com a frase "— e lá vai!...", sugerindo um ciclo contínuo de movimento.

12. O poema inclui um diálogo direto do vento com os elementos da natureza.

13. A dualidade entre a beleza e a crueldade do vento é uma temática presente no poema, ecoando a epígrafe que menciona o vento como "cruel" e "roubador maioral".

14. O vento simboliza a estabilidade e permanência da vida.

 

Respostas:

1. Falso. O poema retrata o vento como um elemento dinâmico - O título “Dança do Vento” sugere movimento e ritmo.

2. Falso. O vento é descrito como um "bom bailador" que se move com graça e leveza.

3. Verdadeiro.

4. Verdadeiro.

5. Falso. A repetição cria um efeito cumulativo que enfatiza a persistência e a presença constante do vento.

6. Verdadeiro.

7. Falso. Embora o vento cause algum impacto negativo, ele é também retratado de forma encantadora e graciosa.

8. Verdadeiro (As folhas caídas são descritas como “pobres velhas ressequidas e pendidas como um ai.”)

9. Verdadeiro.

10. Verdadeiro.

12. Verdadeiro.

12. Verdadeiro.

13. Verdadeiro

14. Falso. O vento simboliza a mudança constante e a efemeridade da vida.

 


segunda-feira, 22 de julho de 2024

Não quero, não, Eugénio de Andrade


"Não quero, não" | cantarmais.pt, 06-03-2022


NÃO QUERO, NÃO

Não quero, não quero, não,
ser soldado nem capitão.

Quero um cavalo que é só meu,
seja baio ou alazão,
sentir o vento na cara,
sentir a rédea na mão.

Não quero, não quero, não,
ser soldado nem capitão.

Não quero muito do mundo:
quero saber-lhe a razão,
sentir-me dono de mim,
ao resto dizer que não.

Não quero, não quero, não,
ser soldado nem capitão.

 

Eugénio de Andrade, Aquela nuvem e outras. Porto, Asa, 1986

 

Leitura

O poema "Não quero, não" de Eugénio de Andrade é uma expressão clara da busca pela liberdade individual e da rejeição do militarismo. A repetição do verso "não quero, não quero, não" reforça a negação de uma vida militar e, por conseguinte, da guerra. Este refrão cria uma musicalidade que atrai leitores de todas as idades, cumprindo o objetivo de cativar tanto crianças quanto adultos.

O cavalo, figura central do poema, simboliza a liberdade e a autonomia. O desejo do eu lírico de possuir um cavalo "seja baio ou alazão" e de "sentir o vento na cara" e "a rédea na mão" expressa uma aspiração por uma vida livre, em que ele é o dono do seu próprio destino. Este anseio por independência e contato com a natureza contrasta com a vida regimentada de um soldado ou capitão. A negação do militarismo, sustentada pela repetição enfática do verso central, é evidente no desejo do eu lírico por uma vida simples e autêntica, livre das imposições externas.

O poema “Não quero, não”, expressão lírica que revela a busca pela liberdade individual e a recusa de certos papéis sociais, combina elementos da tradição literária escrita e oral. Através do uso de rimas, aliterações, reiterações e estribilhos, evoca a musicalidade típica das canções e poesias orais. A métrica de sete sílabas e a simplicidade da linguagem ligam o leitor à cadência da fala quotidiana e às narrativas populares. 

 

Textos de apoio

Trata-se de um poema no qual, para além da «reivindicação da liberdade individual» (José António Gomes, Figurações do Desejo e da Infância em Eugénio de Andrade. Porto: Tropelias & Cª, 2010, p. 45), conotada com a figura do cavalo a galope e a «rédea na mão» (ANDRADE, 1999, p. 44), se pressente a negação, sustentada estilisticamente pela repetição do verso «não quero, não quero, não», do materialismo, do militarismo e, por consequência da guerra, como aponta José António Gomes.

Sara Silva, “Conflitos bélicos, literatura para a infância e sistema educativo: uma reflexão necessária” in Devir Educação, v.1, n.1, p. 17-40, 2017.

***

Diz Eugénio de Andrade, no breve mas substancial texto «À maneira de explicação, se tal for necessário», com que encerra o seu livro de poemas Aquela Nuvem e Outras (1986), consagrado à infância (mesmo se é, como todas as boas obras destinadas a uma receção por parte da infância e da juventude, de leitura cativante e proveitosa para todas as idades): «a simples matéria sonora – rimas, aliterações, reiterações, estribilhos, consonâncias – é fonte de sedução e razão de encantamento desde que o homem se demorou, pela primeira vez, a escutar o vento entre os ramos» (servimo-nos da 11.ª ed., Vila Nova de Famalicão, Edições Quasi, 2005, sem numeração de páginas; com cores e ilustrações que de imediato arrebatam os sentidos do leitor ou do simples utente do livro, materializando em corpos icónico -empíricos a construção poética que, com a imagem, transfigura a legibilidade do mundo conhecido e desconhecido). De certo modo, cumpre-se a cada leitura (silenciosa ou em voz alta) o desejo formulado pelo poeta exatamente no fim do posfácio: «Quis misturar a minha voz às vozes anónimas da infância – oxalá ela venha a tornar-se anónima também». E, para isso, nem é necessário que se exija destes poemas a disseminação e a persistência na memória coletiva oral, a contaminação com outros textos e o desdobramento em variantes, a sua adequação, numa palavra, às leis da tradicionalidade: não só porque, ainda nas palavras do poeta, a «uma retórica de fogo de artifício» se opõe aqui «uma poética da luz, articulando a nudez e a transparência com a simplicidade de quem fala para que outros o escutem – daí o uso frequente das sete sílabas contadas que é o ritmo natural e português da nossa fala, se não for também o dos nossos passos», mas igualmente porque em cada um destes textos se cumpre a utopia de uma voz literária primordial; uma voz de vozes, forte e total, que, no caso, pelo recurso ágil à arte poética própria das obras literárias orais e pela convocação de uma memória literária (oral e escrita) que modela um tecido intertextual muito rico e diverso, faz de cada um destes textos um monumento já tradicional (com o que, diríamos, quase deixa de ser funcional o conceito de popularizante ou de popularismo estético, tal é a verdade destes textos, em si mesmos alheios às categorias com que muitas vezes partimos para a análise de certas obras: oral/escrito, popular/culto, tradicional/não tradicional, etc.).

 

Carlos Nogueira, Aspectos do Cancioneiro Infantil e Juvenil de transmissão oral. Lisboa, Apenas Livros Lda., 2007

 



Análise musical da canção

Características melódicas 

 

A melodia está na tonalidade de Mi M e tem um âmbito de 8ª Perfeita [Si 2 – Si 3].

Na 1ª parte é constituída por notas repetidas e intervalos melódicos de 2ª (m e M) e 3ª menor. Na 2ª parte tem intervalos de 2ª (m e M), 3ª (m e M) e uma 4ª P e uma 5ª diminuta.

As duas partes começam e terminam na Tónica (Mi). A 1ª parte é inteiramente composta por três notas: o 1º grau (tónica de Mi M), e os graus superior e inferior (Fá# e Ré#, que é a Sensível de Mi Maior). A 2ª parte, apesar de oferecer uma maior variedade melódica, arpejando os acordes de Tónica e da Sensível (ou da 7ª da Dominante com a fundamental omitida), pode ser vista como uma versão mais elaborada da parte anterior, já que, não só a harmonia e o ritmo harmónico se mantêm, como a Tónica e a Sensível surgem nos mesmos tempos dos compassos.

Destaca-se nesta parte a utilização dos referidos arpejos do acorde de tónica, um arpejo Perfeito Maior (“cavalo só”) e da Sensível, um arpejo diminuto (“ou alazão”), e o intervalo de 5ª diminuta descendente,  em “só meu”.

 

Características rítmicas

 

A melodia está escrita no compasso 2/4, binário de tempos de divisão binária.

É composta por duas partes A e B, apresentando a segunda uma variação rítmica, aquando da sua repetição (B’). O ritmo é silábico e quase exclusivamente escrito em colcheias e semínimas, destacando-se a célula rítmica, [colcheia duas semicolcheias], presente em todas as frases da canção, e a célula [colcheia pontuada semicolcheia], que aqui surge como uma transformação da célula anterior.

O andamento é moderado (Andante), sem variações. 

 

Forma

 

Forma ternária (ABA).

A melodia divide-se em duas partes organizadas no esquema formal AA BB’ AA BB’ AA, funcionando a parte A como um refrão. A parte A é constituída por (aa’), a parte B por (bc) e a parte B’ por (bd).

 

Arranjo/Instrumentação

 

O arranjo segue o plano formal seguinte: Introd. AA BB’ AA BB’ AA

O presente arranjo foi concebido para ser interpretado por voz acompanhada ao piano. Entretanto, na versão áudio aqui apresentada e interpretada pelo autor do arranjo, foram acrescentados outros instrumentos que julgou poderem enriquecer a sonoridade da canção.

Partitura da canção

Partitura completa da canção (em formato pdf), aqui.

  

Poema “Não quero, não” de Eugénio de Andrade, com música de Manuela Encarnação e arranjo de Carlos Garcia. Ciclo Eugénio de Andrade – Encomenda da Associação Portuguesa de Educação Musical para o Cantar Mais @cantarmais.pt Disponível em: https://www.cantarmais.pt/pt/cancoes/teatromusical/cancao/ciclo-eugenio-de-andrade-nao-quero-nao?

 


terça-feira, 1 de agosto de 2023

A tradução como interpretação no Cântico dos Cânticos: o caso da cor da pele da noiva

 


“Sou negra – MAS bela”? - Não!

(A propósito dos episódios de racismo desta semana que envergonham toda a raça humana)

O nome – ainda que não o punho – de Salomão foi responsável por aquele que pode ser considerado o brinde-surpresa da Bíblia: o facto de, neste heteróclito e tantas vezes contraditório conjunto de livros (de épocas e autorias muito diversas) sobre a história da relação dos judeus com Jeová, se encontrar lá no meio uma pequena antologia de versos eróticos de que Jeová está totalmente ausente.

O motivo que justificou a inclusão desta antologia erótica no Antigo Testamento foi a atribuição da sua autoria ao rei Salomão. Na versão grega do Antigo Testamento, o título afirma-se como “Cântico dos Cânticos, que é de Salomão” e o nome do filho de David surge, com efeito, no interior do texto; de tal forma, aliás, que não é impossível experimentarmos a ilusão de ser o próprio rei a enunciar alguns dos versos emitidos por uma boca masculina, em resposta a outros versos claramente enunciados por uma mulher. No entanto, tal como no caso do livro de Sabedoria (também falsamente atribuído a Salomão), questões de cronologia tornam impossível a aceitação de que tenha sido o grande rei judeu a compor este conjunto de versos desgarrados em que um noivo e uma noiva antevêem (e, a dada altura, parecem gozar) as delícias do leito conjugal.

Excluída a possibilidade da autoria salomónica, fica então a pergunta: o que fazer deste pequeno livro, no seio da austera Bíblia, livrinho esse cujo tema é sintetizado pela palavra “sexo”? Porque com ou sem a assinatura de Salomão, o conteúdo do livro é inescapável: é uma antologia de versos eróticos.

Confrontados com a necessidade de explicar a razão da existência do Cântico dos Cânticos, exegetas bíblicos de todas as épocas e quadrantes (judeus, católicos, ortodoxos, protestantes, etc.) desenvolveram uma artilharia de interpretações metafóricas do Cântico, através das quais procuraram fazer-nos ver que não é de sexo entre um casal humano que aqui se trata, mas do amor de Deus (o “noivo”) ou de Jesus por uma noiva que pode ser o povo eleito, a igreja católica ou até a Virgem Maria. A liturgia das Vésperas Marianas inclui trechos do Cântico dos Cânticos, como “Pulchra es, amica mea” (“És bela, minha amiga”), e – surpreendentemente – os versos do primeiro capítulo deste livrinho que começam “Nigra sum – sed formosa” (“Sou negra – mas bela”, Cântico dos Cânticos 1: 5).

Esta voz feminina que aqui nos fala descrevendo-se como negra (“mas” bela) sugere um caminho de reflexão bem interessante. Porquê o “mas”? Que surge tanto na tradução portuguesa da Bíblia dos Capuchinhos, como na consagrada tradução latina da Vulgata? Na versão grega do Antigo Testamento, a noiva do Cântico dos Cânticos diz de si própria “sou negra e bela” (μέλαινά εμι κα καλή). Segundo o comentário ao Cântico de Othmar Keel, também é nessa linha que devemos entender o original hebraico (e por isso o ilustre teólogo suíço traduz “schwarz bin ich und anziehend”). São Jerónimo, autor da tradução latina, deve ter sentido a necessidade de pôr uma desculpa na boca da Sulamita (como a noiva é designada no capítulo 7 do Cântico) por ser negra, levando-a a afirmar que era bela apesar de ser negra. Os tradutores da Bíblia dos Capuchinhos mantêm espantosamente o “mas”, mitigando-o por meio da alteração de “negra” para “morena”: “Sou morena, mas formosa... não estranheis eu ser morena: foi o sol que me queimou...” Tanto em hebraico, em grego como em latim, a noiva é claramente negra. Não há volta a dar.

E o noivo – surpresa! – é branco. “O meu amado é alvo e rosado”, canta a noiva negra (5: 10); o ventre dele é da cor de marfim (5: 14); as pernas são “pilares de alabastro” (5: 15). Além de ser uma antologia de versos eróticos incrustada no meio da Bíblia, o Cântico dos Cânticos celebra aquilo que, ainda nos anos 60 do século passado, era proibido no chamado Bible Belt dos EUA: um casamento “misto”. Ainda bem que, “no fundo”, se trata de um texto altamente alegórico que nada tem que ver com aquilo que ostensivamente se lê no próprio texto... Ainda bem que é tudo sobre (os nunca mencionados) Jeová ou Jesus ou Maria ou a Igreja... É que ler o Cântico dos Cânticos de forma literal e simplista seria decerto muito redutor! É melhor dizermo-nos que os peitos referidos (8: 10) não são peitos, mas símbolos de realidades místico-divinas. Contudo, temos o direito de ser selectivos com a aplicação destas leituras alegóricas, pois por vezes é mais aconselhável ler o texto à letra! É claro que o noivo a entrar no “seu jardim” para “colher lírios” no “canteiro dos aromas” (6: 2) só designa mesmo actividades hortícolas...

Sarcasmo à parte (e perdoem-me todos aqueles que perfilham a ideia de que o Cântico dos Cânticos é o grande texto religioso sobre o amor místico de Deus): como são belos os versos desta extraordinária antologia erótica; versos para os quais a filologia bíblica contemporânea encontra paralelos expressivos em tantas outras literaturas de territórios próximos de Israel (mormente o Egipto antigo e helenístico). Quão belos são os versos que nos dizem “forte como a morte é o amor; implacável como o abismo é a paixão” (8: 6). Como é verdade, meu Deus, que não há fortuna no mundo que possa comprar o amor (8: 7). E como é mais verdade ainda que se identifica o verdadeiro amor por ser aquele que, simplesmente, é portador da paz (8:10).

 

#RacismoNão #viniciusjunior #Bíblia #teologia

 

Crónica de Frederico Lourenço, «Sou negra – MAS bela? - Não!» in https://www.facebook.com/professor.frederico.lourenco, 28-05-2023


Orfeu Negro ou Orfeu do Carnaval,
Marcel Camus, Brasil, Itália, 1959

 

  

Poderá também gostar de:

 

 

Cantar de Cantares - Códice Alcaíns, Javier Alcaíns.
Barcelona, Moleiro editor, 1999. ISBN: 9788488526700

quarta-feira, 22 de março de 2023

Mia irmana fremosa, treides comigo (Cantiga de Amigo)


 






5






10


Mia irmana fremosa, treides1 comigo
a la igreja de Vig’2, u3 é o mar salido4:
       E miraremos las ondas!

Mia irmana fremosa, treides de grado5
a la igreja de Vig’, u é o mar levado6:
       E miraremos las ondas!

A la igreja de Vig’, u é o mar salido,
e verra i7, mia madre, o meu amigo:
       E miraremos las ondas!

A la igreja de Vig’, u é o mar levado,
e verra i, mia madre, o meu amado:
       E miraremos las ondas!

Martim Codax (B 1280/V 886/PV 3)

A Lírica Galego-Portuguesa, edição de Elsa Gonçalves e Maria Ana Ramos, 2.ª ed., Lisboa, Comunicação, 1985, p. 262.

_________
1 treides – vinde.
2 Vig’ – Vigo.
3 u – onde.
4 salido – agitado.
5 de grado – de vontade; com gosto.
6 levado – agitado.
7 verra i – virá aí.

Nesta cantiga de Martim Codax “a donzela incita a sua irmã formosa a irem ao santuário de Vigo, onde o mar é bravo, para olharem as ondas. Na verdade, como compreendemos nas duas últimas estrofes, essa ida é um pretexto para estar com o seu amigo, que também lá irá (como confessa, dirigindo-se agora à mãe). Note-se, de resto, como o refrão, mantendo-se inalterado, ganha, nestas estrofes finais, um outro (ambíguo) sentido”.

Fonte: Lopes, Graça Videira; Ferreira, Manuel Pedro et al. (2011-), Cantigas Medievais Galego Portuguesas [base de dados online]. Lisboa: Instituto de Estudos Medievais, FCSH/NOVA. [Consulta em 2023-03-21] Disponível em: https://cantigas.fcsh.unl.pt/cantiga.asp?cdcant=1310&pv=sim




 

Paráfrase da cantiga

Minha irmã formosa, vinde comigo
à igreja de Vigo, que fica no meio do mar:
       E miraremos as ondas!

Minha irmã formosa, vinde com vontade
À igreja de Vigo, onde o mar é levantado:
       E miraremos as ondas!

À igreja de Vigo, que fica no meio do mar,
e virá aí, minha mãe, o meu amigo:
       E miraremos as ondas!

À igreja de Vigo, onde o mar é levantado,
e virá aí, minha mãe, o meu amado:
       E miraremos as ondas!



 

Questionário sobre a cantiga de Martim Codax

1. Refira dois dos sentimentos que motivam o sujeito de enunciação desta cantiga a ir a Vigo. Apresente, para cada um desses sentimentos, uma transcrição pertinente.

2. Explicite o papel da natureza nesta cantiga, bem como o valor simbólico que assume.

3. Complete as afirmações seguintes, selecionando a opção adequada a cada espaço.

Na folha de respostas, registe apenas as letras – a), b) e c) – e, para cada uma delas, o número que corresponde à opção selecionada em cada um dos casos.

Do ponto de vista formal, esta cantiga classifica-se como paralelística. Uma evidência dessa estrutura formal é a).

Quanto ao desenvolvimento temático, é de assinalar, por um lado, o facto de, em todas as estrofes, o sujeito poético se dirigir a um interlocutor; a partir da terceira estrofe, esse interlocutor passa a ser b).

Por outro lado, constata-se que, nas duas últimas estrofes, o sentido do verso «E miraremos las ondas!» evolui, podendo, mais claramente, ser associado c).

a)

b)

c)

1. o facto de todos os dísticos terem o mesmo número de sílabas métricas

2. a existência de quatro estrofes, todas elas constituídas por tercetos

3. a repetição dos versos da primeira estrofe na segunda estrofe e da terceira estrofe na quarta estrofe,

com variação das palavras em

posição de rima

1. o mar revolto

2. a mãe

3. a irmã

1. à ideia de proximidade entre a donzela e o seu amado

2. à permanente vigilância que familiares exercem sobre a donzela

3. à preocupação da donzela com o estado do mar

 

Explicitação de cenários de resposta:

1. Devem ser abordados os tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

o amor, patente, por exemplo, em «o meu amigo» (v. 8) ou «o meu amado» (v. 11);

a esperança de ver o seu «amigo», patente, por exemplo, em «e verra i, mia madre, o meu amigo» (v. 8) ou «E miraremos las ondas!» (refrão).

2. Devem ser abordados os tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

o espaço físico constitui o cenário natural para o encontro entre a donzela e o amigo;

o mar agitado espelha, simbolicamente, o estado de alma da donzela, que espera com ansiedade encontrar o seu amigo.

3. Chave de correção: a-3; b.2; c-1.

 

Fonte: Exame Final Nacional de Português n.º 639 – Ensino Secundário, 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho | Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho). Portugal, IAVE– Instituto de Avaliação Educativa, I.P., 2020, 2.ª Fase

 


     Poderá também gostar de:

 “Poesia trovadoresca galego-portuguesa”, José Carreiro. In: Folha de Poesia, 2018-05-18. Síntese didática disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/poesia-trovadoresca-galego-portuguesa.html


 


CARREIRO, José. “Mia irmana fremosa, treides comigo (Cantiga de Amigo)”. Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 22-03-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/03/mia-irmana-fremosa-treides-comigo.html