Da infância em Inglaterra, da
impenetrabilidade de ler Camões em português ainda menino regressado de Oxford,
passando pela licenciatura em Estudos Clássicos - onde finalmente se fez luz
nos meus estudos camonianos - até aos dias de hoje, com o lançamento de
«Camões. Uma antologia», com comentários meus a diversos momentos da sua obra.
A minha intenção com «Camões. Uma
antologia» é ajudar a perceber mais e melhor a obra do nosso maior Poeta. E na
condição de alguém que conheceu muito bem a dificuldade de ler Camões, este
livro é também um convite, a quem nunca o leu, para ingressar no fascinante
mundo que é a sua obra, de mão dada comigo.
“A minha
história com Camões”, Frederico Lourenço, Coimbra, 28-05-2024
Em três poemas das suas «Rimas»,
Camões chama às situações sentimentais descritas na sua poesia lírica «verdades
puras». Esta declaração do poeta incentivou desde o século XVII a leitura da
poesia de Camões como confissão autobiográfica, como diário sentimental. A meu
ver, essa interpretação é um equívoco: foi isso que procurei demonstrar na aula
de abertura do FeLiCidade Festival 2024, ontem, 04.05.24, no CCB.
O «Eu» da poesia lírica de Camões
não é o homem real Luís Vaz de Camões (que se declara, nas cartas aos amigos,
frequentador de prostitutas), mas sim uma personagem que, ao declarar-se
platonicamente apaixonado por uma Dama, está a encenar as biografias reais ou
inventadas de poetas anteriores, admirados por Camões.
Horácio, Ovídio, Petrarca e
Garcilaso são os modelos nos quais Camões baseia a sua «persona» lírica. Quanto
ao termo «verdade», é usado segundo o código da poesia greco-latina, em que
«verdade poética» equivale a «qualidade poética». O que se exige da verdade
poética é que se pareça com a verdade factual, tal como Horácio afirma no v.
338 da sua «Arte Poética», ao recomendar que «coisas fingidas por causa do
deleite sejam próximas das verdadeiras». A minha argumentação segue várias
etapas, até chegar a três passagens de «Os Lusíadas», que nos ajudam a perceber
melhor o enigma daquilo que Camões entende por «verdade».
“Camões e a
verdade poética | Camões: 500 anos”, Frederico
Lourenço, Coimbra, 05-05-2024