VOLVESTE
Volveste
instando absolvição
para, acaso, vaza a alquimia, te encontre.
Volveste.
No entanto, nas mesas sobre as mesas
nas passagens das horas das ruas eu continuo a
procurar-te
não há fôlego em que não possas comparecer
que te não negue
também
ar aura que em nada me ajusta
desordem líquida, refrigério.
Falemos da experiência ou da falta de tacto
e comiseração nas pequenas ambiências
moradias adiadas por um sentido obliterado dos
termos
palavras vãs
cascatas, supremos gostos
validades
fulgores, risos de deuses bem dispostos
chuva, na maior das vezes, apodrecendo os sentidos
mastigação do riso por cada um dos intervalos.
Vem da floresta a sugestão ideada
a voz devolvida
alguma vez direi não mais!
por algum motivo descurado ou
um não sentido imotivado pensado no estômago.
Chuva
de Época, Ponta Delgada, 2005.
*
ARREPENDIMENTO, UMA EMOÇÃO BÁSICA
As emoções provocadas face ao erro e as respectivas reacções vão desde a tristeza até à raiva, passando pela vergonha, a culpa e os remorsos. Há quem se recomponha depressa e quem se atormente o resto da vida.
O arrependimento é uma emoção universal que nos permite pedir desculpa e recomeçar, pois está relacionado com a generosidade e a empatia (i.e., compreensão do eu de outrem, procurando prever as suas potencialidades mediante um esforço de lucidez e participação).
O perdão é sempre benéfico, quer seja sincero e sentido ou não. O importante é concedê-lo. A sinceridade não é um factor muito claro nesta conduta invisível que é o perdão, uma atitude em que a vontade se sobrepõe aos sentimentos e em que é preciso proceder a uma renúncia emocional para que a razão governe a vida. Por exemplo, os ciumentos patológicos, aqueles que reagem intempestivamente a uma causa real ou inventam as suas próprias fantasias, oscilam constantemente entre a agressão e o arrependimento.
Contudo, também há aqueles que simplesmente não se arrependem do mal que provocam. Por exemplo, os jovens que pegaram fogo a uma sem-abrigo numa caixa Multibanco ou os que torturaram e deixaram morrer um transexual sabem perfeitamente o que fazem. O arrependimento talvez venha depois ou talvez nunca surja. (P.V./I.J., Super Interessante nº108 – adaptado)
NÃO DIGA QUE A CULPA É MINHA!
Nós ocidentais, com uma tradição cultural judaico-cristã, temos os próprios pais míticos, Adão e Eva, a fazerem o jogo da culpa: o homem disse que a culpa era da mulher e esta atribuiu-a à serpente. Sobre esta cena, C. R. Snyder faz o seguinte comentário: “O primeiro acto livre da humanidade… não foi acompanhado por um sentimento de orgulho ou de realização pessoal, mas, sim, por uma desculpa” (Excuses, John Wiley & Sons, 1983, p.9).
Tony Gough, num livro que tem o interessante título Não diga que a culpa é minha. Como deixar de se culpabilizar a si e aos outros, é peremptório no que diz:
“A culpa é, pois, o que fica depois de abdicarmos da nossa responsabilidade pessoal.”
Segundo este psicoterapeuta, “culpar nem sempre é «ou… ou», raramente é uma questão com dois lados – o certo e o errado; culpar é mais um continuum, com diferentes níveis de culpa, que vão do «mais» ao «menos» (único culpado, principal culpado, igualmente culpado, parcialmente culpado, sem nenhuma culpa). Culpar tem a ver com graus de responsabilidade e não com uma atitude «ou tudo ou nada»”.
Ursula Markham (hipnoterapeuta e consultora especializada na área das relações do trabalho) descreve um tipo de pessoa-problema que acha que a culpa é de todos ou de tudo, menos dela: “O Delfim (e outros parecidos) na sua mente vê o mundo como aquele lugar perfeito que acha que devia ser e, quando esse mundo não corresponde às suas expectativas, sente-se impotente para fazer seja o que for. O único recurso que lhe resta é ir à procura de outras pessoas que considera mais capazes do que ele e chorar-lhes no ombro até que façam qualquer coisa para rectificarem a situação. Ao queixar-se, o Delfim acha que desempenhou o seu papel e que agora compete aos outros todos resolver o problema.
O Delfim faz a vida negra a todas as pessoas com quem está em contacto. A maior parte dessas pessoas acabam por se tornar defensivas ou passar uma quantidade descomunal de tempo a tentar animá-lo e fazê-lo esquecer a situação de partida. Mesmo quando consegue apontar um problema real, o discernimento do Delfim desaparece num pântano de lamúrias e os outros acabam por ignorá-lo.”
COMO ABANDONAR O JOGO DA CULPA?
Ursula Markham (no seu livro Como lidar com pessoas difíceis, Gradiva, 2006) propõe as seguintes medidas que se devem tomar frente a alguém como o Delfim:
· Não concorde com ele, não lhe peça desculpa, nem lhe dê justificações (porque se o fizesse só serviria para prolongar os choros e as lamúrias).
· Procure enquadrá-lo numa situação mental de resolução de problema.
· Interrompa-lhe qualquer discurso negativo na primeira oportunidade.
· Parafraseie o que ele disse (mas só as críticas, não as opiniões, que deverá ignorar).
· Faça perguntas tendentes à resolução do problema e veja se ele propõe uma solução positiva.
Voltando ao livro Não diga que a culpa é minha (Difusão Cultural, 1993), Tony Gough apresenta algumas frases destinadas a aumentar o grau de consciencialização tanto do acusador irremediável como do irremediável culpado:
· Recuso-me a aceitar a culpa por...
· Tu é que fizeste essa opção, não fui eu!
· A responsabilidade não é minha, é tua!
· Porque tens tanta dificuldade em reconhecer que és culpado?
· Eu não te obriguei… tu é que quiseste!
· Assume a responsabilidade das tuas acções!
· Fico mesmo chateado quando tentas que eu assuma a responsabilidade pelos teus erros!
· Já reparaste que a decisão de te inscreveres naquele curso foi tua e não minha?
· Não vou consentir que continues a fazer de mim bode expiatório!
· Estou farto de ser tratado como o caixote de lixo da família!
· Não aceito ser o único responsável pela tua infelicidade!
· Porque te consideras sempre responsável por tudo o que corre mal no nosso casamento?
Hino de Amor, Canto da Maya (1890-1981), Col. Museu Carlos Machado. |
REACÇÕES SAUDÁVEIS CONTRA REACÇÕES DOENTIAS
Confessar as nossas próprias culpas, ou confrontá-las com as dos outros, é sempre difícil. Para dar um exemplo divertido, peguemos neste excerto da conhecida série de televisão Fawlty Towers. Basil Fawlty vê dois hóspedes abraçados e, como não sabe que são pai e filha, convence-se de que se trata de uma união ilícita. Manda-os embora, mas tem de se explicar à esposa, a indomável Sybil. Segue-se este diálogo:
SYBIL: O que fizeste?
BASIL: Mandei-os embora.
SYBIL: Mandaste-os embora?
BASIL: Bem, como querias que eu soubesse? Porque não me disseste nada, minha imbecil? Porque é que eles não me disseram? Não podes atirar as culpas para cima de mim.
SYBIL: Vai lá dizer-lhes que podem ficar.
BASIL: Porque não vais tu?
SYBIL: Não fui eu quem os mandou embora.
BASIL: Pois, pois, estou a ver que a culpa é toda minha, não é?
SYBIL: Vai lá dizer-lhes! Já!
BASIL: Não vou, não.
SYBIL: Vais sim.
BASIL: Não vou, não.
SYBIL: Ai isso é que vais.
BASIL: Ai isso é que vou. Pronto! Está bem… deixa comigo. Eu que te salve desta situação! É para isso que eu sirvo, não é? Resolver as trapalhadas dos outros. Por indicação da esposa, Sybil... Eu sei lá o que lhes hei-de dizer.
SYBIL: Diz-lhes que te enganaste.
BASIL: Oh, brilhante. Foi isso que fez a grandeza da Inglaterra? «Peço imensa desculpa mas enganei-me.» O que é que tens em vez de cérebro, pão de ló?» (sobe as escadas a correr, ensaiando) «Peço imensa desculpa, mas enganei-me, peço imensa desculpa, mas enganei-me...» (Para os ocupantes do quarto)... Desculpem... peço imensa desculpa mas a minha mulher enganou-se. Não sei como, mas enganou-se. Arranjou uma enorme embrulhada, como de costume, é evidente que podem ficar, já esclareci tudo, peço as maiores desculpas, mas sabem como são as mulheres, todas juntas têm só um cérebro, bem todas não, mas algumas, em particular a minha esposa, portanto façam o favor de ficar e até logo, muito obrigado... Fiquem, por favor, a minha mulher enganou-se redondamente.
(© John Cleese e Connie Booth, The Complete Fawlty Towers, Methuen, 1988, pp. 70-71)
Podemos acreditar que a «honestidade é a melhor política», mas perder a dignidade por termos de confessar o que fizemos, ou perder a amizade de uma pessoa por a confrontarmos com o que ela acabou de fazer, é capaz de ser tarefa muito difícil, em especial para todos os Basil Fawlty deste mundo. Afinal, podemos magoar alguém!
Não há hipótese de abandonarmos o «Jogo da Culpa» se não atribuirmos e aceitarmos a culpa verdadeira, em vez de a evitarmos.
Seguem-se algumas sugestões de fórmulas linguísticas que, no nosso próprio interesse, devíamos aprender. De início, podemos engasgar-nos com algumas, mas com a prática tornar-se-ão mais naturais.
· Lamento. Lamento muito.
· A culpa foi minha.
· Peço desculpa.
· Assumo inteiramente a responsabilidade.
· Errei.
· Admito que estás a dizer a verdade. Eu menti.
· Fui eu. Eu fiz isso.
· Tu não tens culpa nenhuma.
· Por favor, perdoa-me.
· Tens razão em estares zangado pelo que eu acabei de fazer.
CARREIRO, José. “O sentimento de culpa”. Portugal, Folha
de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 19-03-2007. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2007/03/o-sentimento-de-culpa.html
(2.ª edição) (1.ª edição: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2007/03/19/culpa.aspx)