Sonhava,
anónimo e disperso,
O Império por Deus mesmo visto,
Confuso como o Universo
E plebeu como Jesus Cristo.
Não foi
nem santo nem herói,
Mas Deus sagrou com Seu sinal
Este, cujo coração foi
Não português, mas Portugal
28-3-1930
Mensagem. Fernando
Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934
O
Bandarra
Nascido por volta de 1500,
Gonçalo Anes, de alcunha «O Bandarra», famoso sapateiro da Vila de Trancoso
(Beira Alta), foi autor de trovas, largamente divulgadas, não raras vezes
refundidas, interpretadas ou modificadas à medida dos anseios do momento,
sobretudo em épocas de crise. Pode dizer-se que a obra do famoso sapateiro
beirão, perdida a independência nacional, e desafiando os rigores da Inquisição
(o próprio Bandarra havia sido objecto de um processo em 1541), não só gozou de
enorme prestígio, como depressa se transformou no evangelho do sebastianismo.
Sobre o Bandarra e as suas profecias
discorre Pessoa abundantemente em Sobre Portugal.
A reter, por agora, é a importância que o
poeta da Mensagem lhe consagra, seja pelo que ele representa dessa «voz
do Povo português», que grita a «existência sagrada de Portugal», seja pelo que
nele existe de impulsionador do «nosso sentimento imperial». Um Bandarra que é
«um nome colectivo», pois inclui os que se lhe seguiram, e que, «servindo-se do
seu tipo de visão e da sua forma literária, buscaram legitimamente o anonimato
designando as suas trovas como sendo do Bandarra também» (Pessoa: 1981, 175).
É, em parte, como eco dessa apropriação colectiva que o Bandarra nos é definido
na Mensagem como aquele «cujo coração foi / Não português mas Portugal».
Dicionário da Mensagem, Artur Veríssimo. Porto, Areal
Editores, 2000, pp. 16-17
“O Bandarra -
Primeiro Aviso na Mensagem, de Fernando Pessoa” in Folha de Poesia, José
Carreiro. Portugal, 31-12-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/12/o-bandarra-primeiro-aviso-na-mensagem.html
Que símbolo fecundo
Vem na aurora ansiosa?
Na Cruz Morta do Mundo
A Vida, que é a Rosa.
Que símbolo divino
Traz o dia já visto?
Na Cruz, que é o Destino,
A Rosa, que é o Cristo.
Que símbolo final
Mostra o sol já desperto?
Na Cruz morta e fatal
A Rosa do Encoberto.
s.d.
Mensagem. Fernando Pessoa.
Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed.
1972). - 87. Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/102
ROSACRUZ
«A Rosa é, simultaneamente, o Cristo e o Encoberto,
ambos são a Vida - o Cristo é a Vida do Mundo e o Encoberto é a Vida da Nação» (Silva Carvalho: 1981). Ou seja, a vida que, metade de nada, morre e se
regenera. (Veríssimo:
2000, 141)
Rosicrucismo
Do rosicrucismo pode ler,
numa enciclopédia ou num livro da especialidade, as suas remotas origens, os
seus fundadores, as sociedades secretas que inspirou, a sua pretensa ligação à
Maçonaria, aspetos que não cabem no âmbito deste estudo. O nosso propósito é bem
mais modesto: trata-se tão-só de saber qual o interesse que o tema tem para a
compreensão da Mensagem, designadamente do poema […] “O Encoberto” […].
Sobre o poema, ouçamos
Carlos Castro da Silva Carvalho (1981, 32):
«Que símbolo é esse?
Uma Rosa (A Vida, o Cristo, A Rosa do Encoberto) numa cruz (morta do
mundo, o Destino, morta e fatal), isto é, o símbolo da rosacruz: sobre uma
cruz, à volta do centro definido pelos dois madeiros, sete rosas, envolvendo
uma oitava, essa implícita, no centra; o todo inscrito numa estrela de cinco
pontas.
Este símbolo é, para os
rosacruzes, um símbolo de geração que ‘contém a chave da evolução passada, constituição
presente e desenvolvimento futuro do homem, além do método de realização desse
desenvolvimento’ [Silva Carvalho cita Max Heindel]; a cruz representa o homem: ‘O
madeiro maior representa o corpo, os dois horizontais, os dois braços, o madeiro
curto, superior, representa a cabeça…’ e a Rosa, essa, o Libertador, o Cristo,
o Cabeça Central, ‘… e a rosa está colocada no lugar da laringe’.»
[Outros autores situam esta rosa sobre o coração, símbolo
da alma e da faculdade do conhecimento, simbologia ligada à do Sol, presente no
poema.]
ROSACRUZ
Note, também, que o
percurso seguido por Carlos Castro da Silva Carvalho lhe permite, com elevado
acerto, concluir, intersecionando a religiosidade da rosa cruz com o misticismo
nacionalista, que «a Rosa é simultaneamente o Cristo e o Encoberto, ambos são a
Vida - o Cristo é a Vida do Mundo e o Encoberto é a Vida da Nação.»
Não menos importante é
constatar, sem nos alongarmos na simbologia esotérica que atravessa o poema,
que a rosa é, na iconografia cristã, o símbolo das chagas de Cristo e do
sangue, que derramado, representa a redenção, a regeneração da vida, a
ressurreição, a imortalidade. A mesma simbologia é, hereticamente, atribuída ao
Encoberto no poema.
A estes elementos vem
juntar-se o facto de «O Encoberto» ser justamente o quinto dos símbolos que a Mensagem
inclui. Note que o número cinco é símbolo de um novo ciclo que começa,
denunciado também, no poema, no ciclo do sol, saído da noite (e da morte),
desde a «aurora ansiosa» ao despertar, passando pelo «dia já visto», onde a
Rosa surge, significativamente, com um símbolo fecundo, divino e final.
Pressupõe este novo ciclo
um recomeço, já anunciado nos «Símbolos» que, na Mensagem, precedem o
poema consagrado ao Encoberto. Trata-se do já profetizado regresso de D.
Sebastião, não do D. Sebastião «que houve» (M, 42), que este morreu em Alcácer,
mas do que com Deus se guardou, i. e., um D. Sebastião mítico,
sacralizado, profeta que, a si próprio, se anuncia como Messias. Note as
maiúsculas heréticas em «O» e «Esse»:
É O que eu me sonhei que eterno dura,
É Esse que regressarei.
(M, 81)
Há de
regressar, com a legitimidade de quem é o Desejado, (e aqui o
rosicrucismo liga-se à simbologia da Demanda), «Galaaz com pátria»,
bramindo a «Excalibur do Fim», trazendo consigo o Quinto Império, a «Eucaristia
Nova» contra a apatia do presente. Um regresso tornado indispensável e do qual
se espera.
Que a sua Luz ao mundo dividido
Revele o Santo Graal!
(M, 84)
Uma espera que vive na
ânsia e na impaciência do eu do poema que dá forma ao terceiro dos «avisos»:
Quando virás a ser o Cristo
De a quem morreu o falso Deus,
E a despertar do que existo
A Nova Terra e os Novos Céus?
Bibl.: Carlos Castro da Silva Carvalho, «Aspectos
formais do nacionalismo místico da Mensagem», in Colóquio/Letras, n.º 62, julho
de 1981, p. 26
Artur Veríssimo,
Dicionário da Mensagem. Porto, Areal Editores, 2000, pp. 119-121
A trajetória do Cristo e a sustentação do discurso prospetivo
Como temos visto, os
poemas, tratando de um presente negativo, marcado pelo decaimento e pelo
ostracismo da nação portuguesa, voltam-se para um futuro em que se dará o
ressurgimento da proeminência de Portugal, principal tematização da última
parte da obra. Essa tematização de Mensagem se explica pela atualização
do ato preditivo próprio do discurso messiânico (..., então b), que
envolve uma necessária sustentação (se a, ...).
No messianismo português,
a crença numa condição de nação eleita é o que sustenta a previsão de retomada
de uma proeminência análoga à do passado. Em última análise, os poemas que
tematizam a constituição de Portugal (sobretudo na parte 1, Brasão) e
seus feitos gloriosos durante a expansão ultramarina (notadamente na parte 2, Mar
Português) constituem uma forma de busca de comunhão em torno da crença
nessa eleição.
Mais concretamente, porém,
há poemas que permitem observar uma sustentação do discurso preditivo na homologação
da história de Portugal com a do Cristo. Essa aproximação, que atravessa
diferentes poemas da obra, aparece no segundo poema, O das quinas, no
qual se apresenta a “verso-máxima”: “Compra-se a glória com desgraça”.
Ressalta-se aí o valor do sofrimento, tido como uma marca de eleição num
processo de espiritualização associado a Portugal, como se viu, por exemplo, no
poema “O Quinto Império”, já analisado. A confirmação dessa máxima se dá a
partir do exemplo prototípico do Cristo: “Foi com desgraça e com vileza / Que
deus ao Cristo definiu / Assim o opôs à Natureza / E Filho o ungiu”. Graças
a esse poema, a trajetória de sofrimento (e de posterior glória) do Cristo
associa-se à trajetória de Portugal, relação evocada em diferentes poemas de Mensagem.
Além do já analisado poema
(Terceiro) que identifica o retorno do Encoberto com a parousia do
Cristo, o poema D. Felipa de Lencastre (PESSOA, 2010, p. 30), por
exemplo, remete à homologação de que falamos. A personagem histórica,
chamada no poema de “Humano ventre do Império”, por ter sido mãe de
vários membros da corte portuguesa e mesmo de monarcas, é associada à Virgem
Maria (“Que arcanjo teus sonhos veio /Velar, maternos, um dia?”).
Já na parte 3 de Mensagem,
a relação volta no símbolo maior do messianismo português: a figura do Encoberto.
[…]
Nesse poema, a
identificação do Encoberto com o Cristo se dá graças à figura da Rosa, que, de
acordo com Quesado (1999, p. 148), é um símbolo esotérico para a vida. Com
efeito, vai-se da Vida que é Rosa, passa-se pela Rosa que é o Cristo e
chega-se à Rosa do Encoberto, numa espécie de transferência (doação do
objeto de valor vida, em termos narrativos) que sugere a ressurreição gloriosa
do Encoberto, como a do Cristo. A cruz parece ser utilizada, no
poema, como o símbolo ambíguo que é na simbologia cristã, indicando a morte
salvadora do Cristo e, ao mesmo tempo, seu martírio necessário (“Na Cruz, que é
o Destino/ A Rosa, que é o Cristo”).
Esses símbolos retomam,
assim, a história de sacrifício do Cristo, trazendo do passado (“Que símbolo
divino/ Traz o dia já visto?”) o exemplo que faz crer no ressurgimento de
Portugal pelas mãos do Encoberto. Aqui ecoa o verso-máxima do já citado poema O
das quinas: “compra-se a glória com desgraça”. A eleição implica, como no
caso do Cristo, o necessário sofrimento (o destino) que antecede e assegura a
vida gloriosa. Essa lógica é o que permite a geração do “símbolo final” (A
Rosa do Encoberto), que já é possível observar no presente (“mostra
o sol já desperto”), marcado, como no caso do Cristo, por um sofrimento
fatalista (Na Cruz morta e fatal).
A nosso ver, os poemas
analisados evidenciam que, de forma mais ampla, a crença numa eleição divina
para um destino que mescla desgraça e glória e, de forma mais restrita, a
homologação da história de Portugal à do Cristo são elementos que, retomados e
reelaborados poeticamente pelo enunciador, remetem a um argumento de base para
o discurso prospectivo. A explicitação da fórmula argumentativa resultaria num
encadeamento como: se somos eleitos como foi o Cristo, então, como o
Cristo, aguarda-nos uma ressurreição gloriosa, aqui atualizado num contexto
de adesão prévia, como é próprio do gênero epidítico.
“O Encoberto ou o
Rosicrucismo na Mensagem, de Fernando Pessoa” in Folha de Poesia, José
Carreiro. Portugal, 30-12-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/12/o-encoberto-ou-o-rosicrucismo-na.html
Ondequerque, entresombras e dizeres,
Jazas, remoto, sente-te sonhado,
E ergue-te do fundo de não-seres Parateunovofado!
Vem, Galaaz1compátria, erguer de novo, Masjá
no auge da supremaprova,
A almapenitente
do teupovo
À Eucaristia2Nova.
Mestre da Paz, ergue teugládio3
ungido4,
Excalibur5 do Fim, emjeitotal QuesuaLuz ao mundo
dividido
Revele o Santo Gral6!
18-1-1934
Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa:
Parceria António Maria Pereira, 1934
________________
(1) Galaaz: Galaaz é o herói da demanda do Santo
Graal, o cavaleiroperfeito,
eleito entre os melhores,
predestinado a vencer. Tem a honra
de ser o primeiro a aceder ao Santo
Graal.
(2) Eucaristia: na teologiacatólica, sacramentoque é Cristosob as espécies
do pão e do vinho
consagrados;
ato litúrgico, comsentido de ação de graças
e de sacrifício, durante
o qual se realiza a consagração
eucarística.
(3) Gládio: espada.
(4) Ungir: untarcomóleo; darposseouinvestir de autoridadepormeio de unção; sagrar.
(5) Excalibur: espada oferecida peloRei Artur a Galaaz paraesteiremdemanda do Santo Graal.
(6) Graal: copooucálice de que
Jesus Cristo se teria servido na últimaceiacom os discípulos
e no qual José de Arimateia teria recolhido
o sangue e a água
dimanados das chagas do Salvador
na cruz; segundolendasmedievais
bretãs, o Santo Graal teria sido levadopara a Bretanha (atual
Inglaterra) no ano 64 d. C. e depositado
numa capeladentro
de umbosque.
A demanda
(procura) do Santo
Graal serviu de tema a uma série de lendas
e romances do ciclo
do rei Artur e dos seuscavaleiros da Távola Redonda.
I –
Questionário sobre o poema “O Desejado”, de Fernando Pessoa
Apresente, de forma clara e bem estruturada, as suas
respostas aos itens que se seguem.
1.
Explique como, na primeira quadra, o sujeito poético perspetiva a figura de D.
Sebastião.
2.
Explicite o apelo a D. Sebastião, a partir da apóstrofe «Galaaz com pátria»
(verso 5).
3.
Interprete a figura do cavaleiro e a sua missão na estrofe final.
4.
Considere o poema “O Desejado”, de Fernando Pessoa, e as estâncias 15-17 Do Canto
I de Os Lusíadas, abaixo transcritas. Compare os dois textos,
explicitando os significados neles construídos.
15
«E, enquanto eu estes canto, e a
vós não posso,
Sublime Rei, que não me atrevo a
tanto,
Tomai as rédeas vós do Reino
vosso:
Dareis matéria a nunca ouvido
canto.
Comecem a sentir o peso grosso
(Que polo mundo todo faça
espanto)
De exércitos e feitos singulares
De África as terras e do Oriente
os mares.
16
Em vós os olhos tem o Mouro frio,
Em quem vê seu exício afigurado;
Só com vos ver, o bárbaro Gentio
Mostra o pescoço ao jugo já
inclinado;
(...)
17
Em vós esperam ver-se renovada
Sua memória e obras valerosas;
E lá vos tem lugar, no fim da
idade,
No templo da suprema Eternidade.»
CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas – Canto I, est. 15-17
Elabore umcomentárioglobal do poema “O Desejado”, de Fernando Pessoa, que integre os
seguintestópicos:
estrutura externa e interna do poema;
tom exortativo / apelativo
identificação e caracterização
do invocado;
razões subjacentes à invocação;
integração do texto
na estrutura da obra
e suajustificação.
Proposta
de correção:
O poema apresentado é constituído portrêsestrofesregulares de quatroversoscada
(quadras), estendendo-se a regularidade
à própriamétrica,
dadoque
os 3 primeirosversos
de cadaestrofesão decassílabos e os últimos hexassílabos (6 sílabasmétricas).
A rima é cruzada,
talcomo
se vêpeloesquema rimático (a b a b / c d c d / e f e f), pobre e consonântica.
A harmoniavisível
a nívelformal
perpassa a nível do conteúdo.
Comefeito,
o poema desenvolve-se de formalinear, dadoque a primeiraestrofe funciona comointrodução, onde
se inicia o apeloàqueleque no momento
jaz adormecido, inconsciente,
ainda, do destinoquelhe
está reservado. Na segundaestrofe, o apelo
continua e começam a desvendar-se as razõesque subjazem ao pedidoque é feito:
a pátriaesperaque “ele”
a venha erguer, isto
é, o povo sofredor exige dele a “supremaprova”, que o fará atingir a “EucaristiaNova”,
ou seja, a glória
de outrora, a projecção da nação. Na últimaestância, a exortação
ao “Mestre da Paz”
continua, masaqui
é perceptível a recompensareservada
ao “Galaaz” que usou a espada ungida, cuja
“luz” permitirá à nação
revelar-se.
O tom exortativo estende-se portodo o poema,
sugerindo a angústia e aflição
do sujeito poético que,
através das apóstrofes
e do imperativo, reclama a presença do predestinado (D. Sebastião), de modo a que a glória do povoportuguês possa ser
restabelecida. Logo na primeiraestrofe
surge a formaverbal
“ergue-te” que remete para
o estado de inérciaemque
se encontrava o invocado; na segunda, temos novamente
o uso do imperativo
do verbovir
(“vem”) e o vocativo “Galaaz compátria”; na
terceiraestrofe,
apostrofa-se o “Mestre da Paz” e emprega-se, de novo,
a formaverbal
“ergue”, agora referindo-se à espada.
O apelo é, assim,
sucessivamentefeito
a alguémque
jaz “remoto” no “fundo
do não-ser” e que vai, aos poucos, ser desvendado, aindaque
metaforicamente, como sendo um “Galaaz compátria”, o “Mestre
da Paz”, caracterizado,
primeiro, comoalguémque
foi esquecido, que deixou de ser, masqueainda tem pátria e que, porisso, deve
preparar-se para o seu
“novofado”,
o de ultrapassar a supremaprova. Paraisso, pode contarcom o “gládio
ungido”, que na suamão funcionará como
“Luz” para o
“mundo dividido”. Parece, pois, possível antever-se, neste Galaaz, a figuralendária
de D. Sebastião, desaparecido em
Alcácer-Quibir, masemquem o povo
depositava a suafé,
a suaesperança,
vendo nele o salvador, o redentor
da pátria adormecida, apenasenvoltaemglórias
antigas que urgiam recuperar.
Se a nação portuguesa não
se encontrasse num estado de marasmo e de estagnação, não
teria havido a necessidade de ancoragem
no mito sebastianista, vendo no rei desaparecido o guia,
aqueleque
seria capaz de revitalizar
a forçaespiritual
dos portugueses, de modo a que a chama, que se ateara no tempo
das descobertas, fosse novamente avivada e fizesse Portugal recuperar
a famaoutrora
alcançada, através da construção
do “QuintoImpério”,
que seria superior
ao anterior, porque
do domínio cultural e espiritual.
Pelatemáticaque o poemaencerra, é fácil
ver-se aqui o mesmotomque
percorre os textos da terceiraparte
da Mensagem. Comefeito, é nesta parte
(“O Encoberto”) que
se refere o desfazer, a morte
do impérioportuguês,
umimpériomoribundo, que
exige o lançamento do gérmen da ressurreição, ante- vendo-se, também,
o nascimento, isto é, o despoletarpara a vida, porque D.
Sebastião viria, numa manhã de nevoeiro, comandar os
portugueses, dando-lhes novoalento,
fazendo-os acreditar na suasuperioridade, na suapotencialidadeparaconstruirumnovoimpério.
(Dossier
Exame ‑ Português A, 12º ano, Maria José Peixoto, Célia
Fonseca, Edições ASA, 2003)
Poderá também gostar de:
Fernando Pessoa
- Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da
obra de Fernando Pessoa, por José Carreiro.
“O Desejado -
terceiro símbolo na Mensagem, de Fernando Pessoa” in Folha
de Poesia, José Carreiro. Portugal, 29-12-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/12/o-desejado-terceiro-simbolo-na-mensagem.html
Triste de quem
vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!
Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz -
Ter por vida a sepultura.
Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!
E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.
Grécia, Roma, Cristandade,
Europa - os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?
21-2-1933
Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa:
Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972). - 82. Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/96
Linhas de leitura do poema “O Quinto Império”,
de Fernando Pessoa:
Trata-se
de um poema que afirma uma filosofia sobre o homem e o viver.
Da
Terceira Parte/O Encoberto (D. Sebastião), este é o segundo símbolo, o
do Quinto Império que iluminará a alma nacional revelando-lhe grandeza
futura.
O poema divide-se em três partes:
1.ª parte, estrofes I e II (vv. 1-10) - Para o poeta, e retomando o que vinha
dizendo desde a 1ª parte, a única coisa que faz sentido na vida é o sonho -
«Triste de quem vive em casa/ Contente com o seu lar[reparaste, certamente, no
oxímoro] / Sem que um sonho, no erguer de asa,/ Faça até mais rubra a brasa /
Da lareira a abandonar.» Ou seja: sem o sonho, capaz de remover montanhas, a
vida é triste, ainda que no conforto sensato do lar. Prosseguindo, nesta
espécie de introdução, constituída pelas 2 primeiras quintilhas, o poeta
reincide no oxímoro, ao afirmar: «Triste de quem é feliz!»
Naturalmente
que tal afirmação paradoxal necessitaria de explicação: é que quem é feliz
limita-se a viver por viver, «porque a vida dura» e enquanto dura - como se
dizia no poema D. Sebastião (da 1ªparte-Brasão), «sem a loucura que é o homem /
mais que a besta sadia /cadáver adiado que procria?»E nós já sabemos
que para Pessoa, loucura é o sonho que impele a ir mais além. O que distingue o
homem do animal é a capacidade de sonhar e de partir nas asas ou nas naus do
sonho, para que a obra nasça. (Pais: 2001, 141-142)
Em
síntese: o poeta faz a apologia do sonho, que evita a mediocridade de viver e
favorece a grandeza da alma, que possibilita os grandes feitos. (Guerra: 1999)
2ª parte, estrofe III (vv. 11-15) - O poema prossegue, com uma breve visão da
História e do que faz a História: «Eras sobre eras se somem /No tempo que em
eras vem./ Ser descontente é ser homem.» A História faz-se de
descontentes e ser descontente, como diz, é próprio do homem, capaz de ter como
força condutora a«visão que a alma tem.» (Pais: 2001, 141-142)
Portanto,
reflectindo sobre a História, a passagem do tempo, o poeta volta a salientar
que a insatisfação constante é o motor do impulso que conduz à felicidade,
entendida como uma vida plenamente realizada.
3ª parte, estrofes IV e V (vv. 16-25) - O poeta sonhador, que já leu a história do
passado, volta-se para o futuro. Assim,
passando a antever o futuro - a profecia -, a partir do olhar sobre o passado
dos quatro impérios /tempos – o grego, o romano, o cristão, o europeu, e em
tempos de «erma noite»,– o poeta afirma que virá o dia em que «a terra será
teatro / Do dia claro» – o dia em que alguém virá «viver a verdade /Que morreu
D. Sebastião».[1]
Aqui
a lição da História é a vitória do homem sobre o tempo:
«E
assim» (v.16), conclui, «A terra será...», profetiza. Finalmente chama o ator a
que venha ocupar o seu lugar, o lugar que o tempo dominado lhe destinou.
Passados
os quatro impérios que a tradição estabeleceu, com base no sonho de
Nabucodonosor, que se transcreve em texto próprio, e da qual Fernando Pessoa
diverge, surgirá o Quinto Império: a Idade Perfeita, a Eterna Luz, a Paz
Universal. É clara a influência da Bíblia sobre Fernando Pessoa.
O
advento do Quinto Império apenas se concretizará com o regresso de D.
Sebastião; qual Fénix, fará surgir das cinzas o Império Universal, cuja cabeça
será a Pátria Lusitana. Retoma o poema "O dos Castelos", fortificando
assim a unidade da obra.
Fernando
Pessoa conhecia a Bíblia e, por isso, apresenta D. Sebastião como um símile de
Cristo, morto e ressuscitado. (Guerra: 1999)
Mas atenção ao seguinte equívoco sobre
o Quinto Império:
Entre as leituras equívocas que o Quinto Império
suscita, estão aquelas que o fazem convergir para um império ecuménico de
inspiração cristã, no sentido estrito da profecia tradicional. Esse império,
profetizado pelo Bandarra e trabalhado intelectualmente por António Vieira, inspira
o de Pessoa, mas não é por este reproduzido nos mesmos termos. A cristianização
do Quinto Império, na Mensagem, de todo, insustentável. (Artur Veríssimo, Dicionário da
Mensagem. Porto, Areal Editores, 2000).
É
da morte de D. Sebastião que nasce o «sonho» que faz a «brasa» «mais rubra».
Da
visão profunda que, na escuridão, vê já a luz, brota a certeza profética de um
novo domínio, de um quinto império: «[…] o dia claro, que no atro/ Da erma noite
começou.».
Desperta-se
a evidência de estar no intervalo entre os impérios que já foram e o
«quinto império» que há de vir e há de ser português, animado pelo «sonho» (3),
pelo «erguer da asa» (3), «pela visão que a alma tem» (15), um império
espiritual, «dia claro» (19) a inventar.
Formalmente
o poema apresenta-se como uma despretensiosa série de quatro quintilhas,
aparentemente simples, mas densas de significado, a fazer lembrar as quintilhas
de Sá de Miranda ao seu rei D. João III. Fernando Pessoa não tem rei a quem as
enviar. Escreve-as para fazer nascer um império. Lança um pregão, um
desafio a um povo que tem de reencontrar o seu domínio: «Quem vem? [...] que morreu D. Sebastião.»
O ritmo do verso, a tradicional redondilha maior, integra-se perfeitamente
nesta intencionalidade.
A
imagística («vive em casa»; «contente com o seu lar»; «a brasa da lareira»; «a
lição da raiz») traduz a percepção da rusticidade, da domesticidade de um
destinatário — povo, adormecido, domado, cego, imerso na «erma noite».
«quem»;
«Quem?» — é o pronome que, no seu mistério, concentra o nome que não desvenda:
ninguém e todos. Este é o sujeito que o enunciado encobre: não o escolhe e não
o indica. Chamamento envolto em mistério, destinado a quem seja capaz do
«sonho», do «erguer da asa».
O
discurso, no seu tecido verbal, vai poetizando o pregão:
- «rubra a brasa», em que
as sonoridades combinadas da labial e da vibrante sopram e explodem, acendendo
plasticamente a imagem;
- «triste e feliz», em que
o oxímoro, ao confundir, aviva o engano, desmascara a ilusão;
- a ordem sintática
buscada na expressão popular: triste de mim, triste de ti, «triste de quem...»,
onde a implantação idiomática do «de» torna a toada lamentosa, afadistada, de
cantiga da rua;
- as palavras repetem-se,
enleiam-se em jogos que as sublinham («vive/vida/vida»; «eras/eras/eras»),
ganham o recorte da expressão feita do falar popular: «eras sobre eras».
A
linguagem é entretecida de jogos («ser é ser»; «o dia claro» e «erma noite»)
que, pelo seu poder encantatório, garantem verdade poética, atração, fascínio
para os ouvidos para que preparam o repto final: «Quem vem...?» (Soares: 2000,
51-52)
[1] Nesta última quintilha e nos dois últimos
versos, novo dizer diferentemente as coisas. Pessoa 'infringe' as normas
sintácticas, considerando o verbo morrer como transitivo – assim, e em simetria
com a expressão: viver a verdade –surge um: morrer a verdade.
O «que» de «Que morreu D. Sebastião» é, assim, pronome
relativo, referindo-se a ' verdade' e desempenhando a função de complemento
directo de «morreu». Se há infracção sintáctica em relação à norma, é evidente
que tal vai trazer consigo um reforço da atitude, do modo como actuou D.
Sebastião: morrer a verdade é bem mais, sentimo-lo, que viver a verdade.
(Pais: 2001,
141-142)
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Homem enterrado vivo, Antoine Wiertz, 1838
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Sugestão: visiona o Módulo de Português do 12.º Ano respeitante à análise e interpretação do poema “O Quinto Império”, de Fernando Pessoa:
Texto & Pretexto – “O Quinto Império – Fernando Pessoa em linguagem matemática”, por João Ribeiro (colaboração
na revisão e edição: professora de Matemática Fátima Delgado):
Na sequência de uma atividade realizada no âmbito do estudo da obra Mensagem de Fernando Pessoa, o aluno João Ribeiro, do 12.º F, turma da professora de Português Dulce Sousa, associou a proposição inscrita na imagem ao lado, sobre o conceito de Quinto Império, à linguagem matemática, da forma que abaixo se apresenta, com o intuito de representar uma afirmação de cariz literário sob a forma de um raciocínio lógico-matemático.
Biblioteca da Escola Secundária Daniel Sampaio. Disponível em: https://bibliblogue.wordpress.com/2015/05/29/texto-pretexto-o-quinto-imperio-fernando-pessoa-em-linguagem-matematica-por-joao-ribeiro/, 29-05-2015
“O Quinto Império
(Mensagem, Fernando Pessoa)” in Folha de Poesia, José Carreiro.
Portugal, 28-12-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/12/o-quinto-imperio-mensagem-fernando.html