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domingo, 19 de junho de 2022

O tema do sebastianismo no exame nacional de Português (OS LUSÍADAS, FREI LUÍS DE SOUSA e MENSAGEM)



 GRUPO I

PARTE A

D. Sebastião

 

‘Sperai! Caí no areal e na hora adversa

Que Deus concede aos seus

Para o intervalo em que esteja a alma imersa

Em sonhos que são Deus.

 

Que importa o areal e a morte e a desventura

Se com Deus me guardei?

É O que eu me sonhei que eterno dura,

É Esse que regressarei.

 

Fernando Pessoa, Mensagem e Outros Poemas sobre Portugal, edição de Fernando Cabral Martins e Richard Zenith, Lisboa, Assírio & Alvim, 2014, p. 102.

 

 

1. No poema, está presente um «eu», D. Sebastião, que se dirige a um «vós», os Portugueses.

Explicite o apelo feito na primeira estrofe e, com base nesse apelo, infira os sentimentos desse «eu» e desse «vós».

 

2. Evidencie a presença do herói histórico e a presença do herói mítico na segunda estrofe do poema, fundamentando a resposta com a referência a um elemento textual para cada um dos tipos de herói.

 

3. Selecione a opção de resposta adequada para completar a afirmação.

Na primeira estrofe, o uso do vocábulo «intervalo» remete para um antes e um depois, correspondendo a um tempo

(A) de desistência durante o qual a essência do sujeito poético perdura.

(B) de transição durante o qual a essência do sujeito poético esmorece.

(C) de desistência durante o qual a essência do sujeito poético esmorece.

(D) de transição durante o qual a essência do sujeito poético perdura.

 

PARTE B

     Leia o texto seguinte, constituído pelas estâncias 15 a 18 do Canto I de Os Lusíadas, e as notas.

 

Est. 15

E, enquanto eu estes canto – e a vós não posso,

Sublime Rei, que não me atrevo a tanto –,

Tomai as rédeas vós do Reino vosso:

Dareis matéria a nunca ouvido canto.

Comecem a sentir o peso grosso

(Que polo mundo todo faça espanto)

De exércitos e feitos singulares,

De África as terras e do Oriente os mares.

 

Est. 16

Em vós os olhos tem o Mouro frio,

Em quem vê seu exício1 afigurado;

Só com vos ver, o bárbaro Gentio

Mostra o pescoço ao jugo2 já inclinado;

Tétis todo o cerúleo senhorio3

Tem pera vós por dote aparelhado4,

Que, afeiçoada ao gesto5 belo e tenro,

Deseja de comprar-vos pera genro.

 

Est. 17

Em vós se vêm6, da Olímpica morada,

Dos dous avós7 as almas cá famosas;

Ũa, na paz angélica dourada,

Outra, pelas batalhas sanguinosas.

Em vós esperam ver-se renovada

Sua memória e obras valerosas;

E lá vos têm lugar, no fim da idade,

No templo da suprema Eternidade.

 

Est. 18

Mas, enquanto este tempo passa lento

De regerdes os povos, que o desejam,

Dai vós favor ao novo atrevimento,

Pera que estes meus versos vossos sejam,

E vereis ir cortando o salso argento8

Os vossos Argonautas9, por que vejam

Que são vistos de vós no mar irado,

E costumai-vos já a ser invocado.

 

Luís de Camões, Os Lusíadas, edição de A. J. da Costa Pimpão, 5.ª ed., Lisboa, MNE/IC, 2003, pp. 4-5.

 

NOTAS

1 exício – destruição; ruína; mortandade.

2 jugo – peça de madeira que une os bois de uma junta; domínio; força repressiva; sujeição.

3 cerúleo senhorio – domínio do mar de cor azul-celeste.

4 aparelhado – preparado.

5 gesto – aspeto; aparência; rosto.

6 vêm – veem.

7 dous avós – D. João III, pai do príncipe D. João, e Carlos V, pai da princesa D. Joana.

8 salso argento – mar da cor da prata.

9 Os vossos Argonautas – referência aos navegadores portugueses.

 

4. Releia a estância 15.

Explicite o modo como se desenvolve a estratégia argumentativa usada pelo poeta nessa estância para incitar o rei D. Sebastião à ação gloriosa.

 

5. Nas estâncias 16 e 17, o poeta confere ao rei D. Sebastião uma dimensão excecional.

Comprove esta afirmação, recorrendo a dois exemplos pertinentes mencionados nessas estâncias.

 

6. Selecione a opção de resposta adequada para completar a afirmação.

A par do louvor aos feitos dos navegadores cantados n’Os Lusíadas, na estância 18, está subjacente

(A) a crítica à ambição desmesurada que o rei manifesta.

(B) a alusão à demora na ação heroica que se espera do rei.

(C) o reconhecimento pelo rei da força guerreira dos povos que há de dominar.

(D) o elogio que o rei tece ao valor artístico dos versos escritos pelo poeta.

 

PARTE C

7. Baseando-se na sua experiência de leitura de Mensagem, de Fernando Pessoa, e de Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, escreva uma breve exposição sobre o modo como o sebastianismo emerge em cada uma das obras.

A sua exposição deve incluir:

uma introdução ao tema;

um desenvolvimento no qual compare as duas obras, referindo uma manifestação significativa do sebastianismo em cada uma delas;

uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

 

GRUPO III

 

Para muitas pessoas, o heroísmo exige percorrer um caminho árduo, que implica renúncia e sofrimento.

Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta palavras, defenda uma perspetiva pessoal sobre a conceção de heroísmo apresentada.

No seu texto:

explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos, cada um deles ilustrado com um exemplo significativo;

formule uma conclusão adequada à argumentação desenvolvida;

utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).

 

CENÁRIOS DE RESPOSTAS

Nota prévia sobre o Grupo I: Nos tópicos de resposta de cada item, as expressões separadas por barras oblíquas à exceção das utilizadas no interior de cada uma das citações correspondem a exemplos de formulações possíveis, apresentadas em alternativa. As ideias apresentadas entre parênteses não têm de ser obrigatoriamente mobilizadas para que as respostas sejam consideradas adequadas.

 

1. Explicitação do apelo que D. Sebastião dirige aos portugueses: incita-os a aguardar o seu regresso messiânico (no pressuposto de que a morte física é um momento transitório em que os sonhos «são Deus» – v. 4).

Identificação dos sentimentos do «eu» e do «vós»: D. Sebastião revela confiança na concretização dos seus sonhos (apesar da sua morte); o apelo de D. Sebastião permite inferir que os portugueses manifestam desânimo/descrença, o que leva o rei a incutir-lhes um sentimento de esperança no seu regresso/naquilo de que ele é o símbolo.

 

2. Relativamente a cada uma das dimensões do herói, deve ser abordado um dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

Herói histórico

referência ao «areal» para identificar o local da batalha em Alcácer Quibir/no Norte de África;

referência à «morte» física de D. Sebastião no decurso da batalha;

referência à «desventura» que conduziu à morte do rei (e à desgraça do país).

 

Herói mítico

referência ao carácter transcendente de D. Sebastião, enquanto figura guardada por Deus/enquanto figura identificada através do uso de maiúsculas em «O» e «Esse»;

referência à permanência do sonho do rei, que é aquilo que «eterno dura» (v. 7);

referência à certeza do regresso do rei enquanto sonho criador.

 

3. (D)

 

4.Primeiramente, o poeta tece o elogio do rei – «Sublime Rei» –, dando a entender que ele está predestinado a cometer tão grandes feitos que o poeta afirma não ousar cantá-los.

Seguidamente, o poeta aconselha o rei D. Sebastião:

· a assumir o controlo e a responsabilidade da governação (o que dará assunto para um novo e singular canto épico);

· a dominar as terras de África e os mares do Oriente (vitórias que serão exaltadas e admiradas por todos).

 

5. Devem ser abordados dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

· D. Sebastião assusta de tal modo os Mouros e os Gentios que os primeiros o veem como a causa da sua ruína futura e os segundos se mostram já predispostos a submeter-se-lhe;

· a própria Tétis deseja oferecer a filha em casamento a D. Sebastião e, como dote, o controlo dos mares;

· os feitos de D. Sebastião serão motivo de orgulho para os seus antepassados, que esperam dele a realização de feitos tão grandiosos como os do passado/de feitos que mereçam ser para sempre recordados.

 

6. (B)

 

7. Relativamente a cada obra, deve ser abordado um dos tópicos seguintes, ou outro igualmente relevante.

Mensagem

·  Séculos após a Batalha de Alcácer Quibir, não é mais a crença no regresso do rei vivo que está em causa, mas o que ele representa – o mito, fecundador da realidade/o Desejado, que surge como o Salvador.

· D. Sebastião surge na obra como o mito que exprime o drama nacional de um país decadente que precisa de acreditar nas suas capacidades para superar o presente de «nevoeiro» (recusa do presente e crença no futuro).

· O sebastianismo evidencia-se na crença no regresso messiânico do Salvador que conduzirá Portugal a nova conquista – o império espiritual e civilizacional («Senhor, falta cumprir-se Portugal!»).

· D. Sebastião é o símbolo da loucura positiva, da sede de infinito que caracteriza o ser humano que pretende ultrapassar a sua própria natureza («Louco, sim, louco, porque quis grandeza»).

 

Frei Luís de Sousa

· Num contexto em que Portugal está sob o domínio filipino, o sebastianismo evidencia-se na crença nacional de que D. Sebastião não morreu na batalha de Alcácer Quibir.

·  O sebastianismo evidencia-se na convicção de que o regresso de D. Sebastião devolverá a Portugal a independência e a liberdade perdidas.

· Existem na obra personagens fortemente sebastianistas: Telmo, vinte e um anos passados sobre a fatídica batalha, mantém a esperança de que o seu antigo amo esteja vivo e regresse, o que significaria que D. Sebastião poderia também regressar / Maria, porta-voz da ilusão popular de que D. Sebastião está vivo, acredita que o rei regressará a qualquer momento para salvar o seu povo do jugo castelhano.

·  A mensagem sebastianista não é absolutamente linear: se com a chegada do Romeiro, ou seja, de D. João, se verifica a destruição de quem ele ama (o seu regresso, em vez de ser uma graça, é uma des – graça), o hipotético regresso de D. Sebastião também poderia não ser a melhor solução para Portugal.

 

 Fonte: Exame Final Nacional de Português | Prova 639 | 1.ª Fase | Ensino Secundário | 2022 |12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho | Decreto-Lei n.º 27-B/2022, de 23 de março):

Prova – versão 1: https://iave.pt/wp-content/uploads/2022/06/EX-Port639-F1-2022-V1_net.pdf

Critérios de correção: https://iave.pt/wp-content/uploads/2022/06/EX-Port639-F1-2022-CC-VT_net.pdf


 

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Fernando Pessoa - Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da obra de Fernando Pessoa, por José Carreiro. In: Lusofonia, https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/literatura-portuguesa/fernando_pessoa, 2021 (3.ª edição) e Folha de Poesia, 17-05-2018. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/fernando-pessoa-13061888-30111935.html

 



CARREIRO, José. “O tema do sebastianismo no exame nacional de Português (Os Lusíadas, Frei Luís de Sousa e Mensagem)”. Portugal, Folha de Poesia, 19-06-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/06/o-mito-do-sebastianismo-em-os-lusiadas.html



segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Felizmente há luar!



Felizmente Há Luar!
em versão rap


Na Escola Secundária D. Dinis, em Chelas, Lisboa, os alunos são incentivados de maneira original a interessarem-se pelo Português.

"Esta turma de 12º ano da Escola Secundária D. Dinis, em Chelas, Lisboa, transforma obras literárias em canções de rap. Foi a estratégia encontrada pela professora Carmo para combater a falta de interesse dos alunos pelas aulas de Português".
«RAP Literário» reportagem de Rita Fernandes para a Antena 1, 2017-05-24 https://www.rtp.pt/noticias/reportagem/rap-literario_a1003824


Poderá também gostar de:

Luís de Sttau Monteiro, "Hoje tive sorte" - Poema dactilogafado em papel timbrado de "Luiz de Sttau Monteiro", duas páginas., não assinado, nem datado. Desconhece-se se inédito e se o seu o autor foi o próprio Sttau Monteiro. À venda em http://www.doutrotempo.com/livros/poema---20%E2%82%AC/3712/ por Adelino Correia-Pires, Torres Novas.





sexta-feira, 3 de julho de 2015

Mário Viegas (1948-1996)

  
António Mário Lopes Pereira Viegas começou a sua carreira no TEC – Teatro Experimental de Cascais - após a interrupção do curso na Escola de Teatro do Conservatório Nacional. Actor, encenador e declamador fez do teatro português uma marca internacional. Um verdadeiro mestre da cultura em Portugal, Viegas adaptou e traduziu diversas obras de autores estrangeiros como o irlandês Samuel Beckett.

A sua atividade teatral irrequieta e irreverente como a sua vida que necessitava de uma constante liberdade criativa proporcionou, na sua diversidade, grandes criações artísticas.
Mário Jacques e Silva Heitor, Os actores na Toponímia de Lisboa. Lisboa: Câmara Municipal, 2001.



Mário Viegas declama a "Cantiga dos ais", Armindo Mendes de Carvalho


"O Teatro foi sempre a minha vida e a minha morte", Mário Viegas

     Nota biográfica

     António Mário Lopes Pereira Viegas nasceu em Santarém a 10 de Novembro de 1948 (e faleceu a 01 de Abril de 1996). Inicia-se no teatro amador no Circulo Cultural Scalabitano com 17 anos onde representa Trágico á força de Anton Tchekhov.
     Torna-se aluno do curso de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa onde iniciou o seu percurso no teatro académico ao mesmo tempo que frequentava aulas noturnas no Conservatório Nacional de Teatro, também, em Lisboa. A sua carreira é finalmente impulsionada em Julho de 1966 com a peça A Maluquinha de Arroios no Teatro Experimental de Cascais (TEC), texto de André Brun com encenação de Carlos Avilez 10. Por exercer uma atividade que lhe era negada por lei enquanto estudante, Viegas foi expulso do conservatório e “chumbou” o segundo ano da faculdade em 1968.
     A sua estreia como ator profissional considera-se ter começado na TEC em 1968 com a peça O Comissário de Policia, com texto de Gervásio Lobato, e encenação de Avilez, onde Viegas participou como figurante, com apenas 20 anos. (Jacques e Heitor 2001:135)
     Ingressou na Faculdade de Letras da Universidade do Porto para dar continuação a sua formação em História, local onde participou em diversas atividades culturais e artísticas do Teatro universitário do Porto, e foi de novo chamado ao TEC onde foi abordado pela PIDE e enviado para cumprir serviço militar, fase que descreve como uma fase marcante da sua vida pessoal e artística, em que esteve impedido de atuar em publico por três anos « (apesar de atuar às escondidas)».
     Afirma ainda que contudo esta fase:
[…] deu-me uma certa energia e uma certa disciplina, que afinal eu tenho – porque se não fosse assim eu não aguentava estar a fazer quatro peças ao mesmo tempo. (Mário Viegas, Entrevista de Viriato Telles, in Auto-Photo Biografia (não autorizada), pp. 167.)
É como declamador que o seu nome começa a ser bastante conhecido, rompendo com as tradições de João Villaret e impondo-se como o grande diseur de poesia em Portugal nos anos 70. (Ramos 1989:408) Neste período grava quatro discos, participa no programa televisivo Disco e Daquilo (1973/74) e representa a peça Oh Papá, Pobre Papá, a Mamã Pendurou-te no Armário e Eu Estou tão Triste, texto de Artur Kopit e encenação de João Lourenço na Casa da Comédia em 1973.
Em 1974 funda o Grupo de Teatro Feira da Ladra, traduzindo e trabalhando na peça Eva Péron de Copi que sofre várias repressões por parte da Embaixada da Argentina e nunca chega a ser estreada.
Em 1975 estreia-se no cinema e 1976 na Rádio como declamador e em folhetins.
Neste ano torna-se ainda coautor e intérprete da série televisiva Ninguém (com Artur Semedo) e da série infantil Peço a palavra.
Para complementar a sua formação artística Mário Viegas participou em 1977 no Curso de Atores e Dramaturgia de Augusto Boal e começa a sua carreira na Barraca, da qual foi um elemento fundador.
Em 1978 inicia na RDP um programa semanal de divulgação de poesia Portuguesa, Palavras Ditas que continua ate 1982, e que é também editado como uma série televisiva de 13 episódios. Em conversa com a Professora Vera San Payo e João Lourenço é-nos dito:
[…] o Villaret criou um estilo de dizer poesia, mas o Villaret era o Villaret a dizer poemas […] e ele ficava bem a dizer aquele estilo […] mas ficava mal nos outros […] nos que imitam Villaret […].
[…] fez o programa Palavras ditas para a televisão e era uma maravilha […], corria Portugal com os poetas […] em sítios […] com clima muito pós 25 de Abril, quase comícios […] e aparecia a dizer poemas e as pessoas pensavam que os poemas eram dele […] ele chamava tanto a si os poemas, ele dizia-os de uma forma tão pessoal, tão pessoal, que ele era um poeta […] (Conversa com Vera San Payo e João Lourenço - Apêndice II)
Viegas era sem sombra de dúvida um homem «[…] muito ligado à palavra […] gostava que os textos tivessem palavras […] palavras muito significativas ele gostava muito de as dizer com tudo o que ele achava que elas tinham para dizer […]» (Apêndice II)
Ao longo dos anos 80 destacam-se a fundação do Novo Grupo, sediado no Teatro Aberto, onde interpretou várias obras (ver Apêndice I) e encena o espetáculo Confissões numa Esplanada de Verão (que incluía as peças Trágico á força de Tchekhov, A mais Forte de August Strindberg, O Homem da Flor na Boca de Pirandello e A Última Gravação de Beckett). Concebe e encena ainda O Esfinge Gorda, colagem de textos de Mário de Sá Carneiro, Fernando Pessoa e José de Araújo).
Em 1985 assume a direção artística do Teatro Experimental do Porto (TEP), onde encena e participa como ator em diversos espetáculos. (ver Apêndice I)
A sua atividade teatral irrequieta e irreverente como a sua vida que necessitava de uma constante liberdade criativa proporcionou, na sua diversidade, grandes criações artísticas.
Mário Jacques e Silva Heitor in Os actores na Toponímia de Lisboa, pp. 135 Em 1988 deixa o TEP para fundar a Companhia Teatral do Chiado (CTC) que «[…] nasceu da ideia de fazer uma companhiazinha com meia dúzia de tarecos e sem dinheiro […]» (Viegas 2003:165), algo que ainda hoje é ouvido da boca dos atores da companhia que se referem à mesma como “a Companhia Teatral do Chiado reduzida”; Viegas investiu na companhia recorrendo a fundos próprios.
Fundada por Mário Viegas, Juvenal Garcês e Eduardo Firmino, a companhia estreou-se em 1991 com a apresentação com quatro espetáculos. Eram eles A Birra do Morto; 3 Atos de Beckett; O Cantinho de Maria e Mário Gin Tónico Volta a Atacar. Napeça A birra do morto, Viegas participou como ator, encenador, diretor artístico e produtor. Este texto de Vicente Sanches já tinha sido encenado por si no TEP em 1986.(foto do programa no Anexo III)

  


Companhia Teatral do Chiado (CTC)

O que antes era quase uma arrecadação do Teatro Municipal S. Luiz tornou-se rapidamente a sala-estúdio - e única sala até hoje - da Companhia Teatral do Chiado.
Oferecida pela Câmara municipal de Lisboa a sala era pobre em condições; no entanto o público suportava essa falta de condições em prol do teatro que Viegas lhes conseguia oferecer; um teatro onde predominava o ator e a palavra, numa enorme simplicidade.
Os espetáculos eram simples também na sua estética. Com o dinheiro atribuído pela Secretaria de Estado da Cultura para a realização de um único espetáculo, Viegas levou à cena quatro espetáculos.
Mas nem essa dificuldade monetária põe de parte a atração do público pela companhia ou pelos seus membros. Os espetáculos esgotam, não existem lugares vazios na plateia e rapidamente se espalha a palavra de que a Companhia Teatral do Chiado tem uma nova obra em cena e que deve ser vista. Amigo passa a palavra a amigo – porque não existe melhor publicidade do que a palavra, que precisa apenas de um começo e, logo, o fio condutor se dividiu em múltiplas linhas de contacto – e é, novamente, sala cheia. Mário Viegas chamava-lhe «um teatro pobre no bom sentido da palavra. Sem meios, mas com toda a sinceridade» e era isso que o público procurava nesta companhia e em Viegas – um teatro e atores sinceros que lhes oferecessem algo diferente das superproduções de outros grupos. Não existia uma explicação estética para os cenários inexistentes ou para os projetores de poucas cores. «[…] nós temos meia dúzia de projetores, e a maior parte dos que temos foram roubados. […] Roubei mesmo, de roubar, em vários teatros onde fui» diz Viegas em entrevista a Ana Maria Ribeiro «[…] parece que a falta de dinheiro é incentivo ao talento, mas não.» (Viegas 2003:197)
Ainda hoje, tantos anos após a criação desta companhia, o estilo – se é o que podemos chamar assim – mantem-se o mesmo. Espetáculos como Broadway Baby, As obras completas de William Shakespeare em 90 minutos ou O gato contam todas com acessórios simples, facilmente removíveis e focam-se no ator e no que este traz para o palco que nada tem do tamanho ou maquinaria dos teatros nacionais mas, ao mesmo tempo, nada perde por isso.
O humor de Mário Viegas transmitiu passa por conceitos diversificados do cómico: há grandes diferenças entre o humor farsesco de Vicente Sanches, inserido no contexto Português, e o humor trágico Beckett. (Viegas 2003:151)
[…] Para ele a arte não e apenas um processo de realização, uma afirmação ética e expressão pessoal de criatividade […] O público existe, não como um conjunto de espectadores, mais ou menos interessantes, escondidos na sombra; […] o público existe como um grupo de pessoas com quem estabelece comunicação no sentido da palavra, como recetor e emissor. (Mário Viegas, Entrevista de João Porto para Jornal de Letras, artes e ideiasin Auto-Photo Biografia (não autorizada), pp. 151.)
Em homenagem ao ator e encenador, a Companhia Teatral do Chiado é hoje em dia o Teatro Estúdio Mário Viegas.





O Teatro na Política

A 17 de Agosto de 1993, Mário Viegas escreveu um texto, que publicou, em que explicava a criação do seu último espetáculo Enquanto se está à espera de Godot.
Afirma que a sua conceção durou seis meses «de forçado silêncio, de enormes sofrimentos» da companhia. Claramente desiludido pelo rumo do teatro em Portugal Viegas torna a referir este texto no final deste mesmo espetáculo (Viegas 2003:190)
Poderíamos, talvez dizer que, se não fosse pela sua participação ativa na vida politica o humor de Viegas, a sua visão, o seu trabalho em palco tanto como encenador e ator e, até mesmo, a sua escolha de repertório e traduções não teriam sido os mesmos. Viegas “sustentou” a CTC com baixos subsídios do estado e já sabia que seria assim.
Eu nem concorri aos subsídios da Secretaria de Estado da Cultura porque disse tão mal do dr. Santana Lopes e da sua política que achei, por coerência e por dignidade, que não devia pedir dinheiro. O dinheiro não é dele, é de todos nós que pagamos os impostos […]
Mário Viegas, Entrevista de Ana Maria Ribeiro,
 in Auto-Photo Biografia (não autorizada), pp. 197

A 06 de Setembro de 1995 baseia-se no Manifesto Anti-Dantas para criticar o Primeiro-ministro em funções Cavaco Silva num texto a que chamou Manifesto Anti-Cavaco e que apresentou no S. Luiz. Viegas participou em diversos comícios, e viveu em plenitude o espírito pós 25 de Abril.

http://marioviegasparaquasetodos.blogspot.pt/2012/10/manifesto-anti-cavaco.html

No mesmo ano, candidatou-se a deputado, como independente nas listas da União Democrática Popular, e posteriormente à Presidência da República Portuguesa (também apoiado pela UDP), adotando o slogan “O sonho ao poder”, e procurou apoio no meio universitário lisboeta.
Adota como lemas de campanha a frase de Eduardo de Filippo “os atores vivem a sério no palco, o que os outros na vida representam mal”.
Os seus slogans de campanha possuíam também eles um certo toque teatral: “Viegas amigo! O Mário está contigo!!”; “Mário só há um! O Viegas e mais nenhum!” e “O Mário que se lixe! O Viegas é que é fixe!”

http://marioviegasparaquasetodos.blogspot.pt/2012/07/nesta-patria-onde-terra-acaba-e-o-mario.html


«CANDIDATURA À PRESIDÊNCIA - O monólogo mais feroz e alucinado feito entre nós»
http://marioviegasparaquasetodos.blogspot.pt/2013/02/mario-viegas-o-mal-amado.html




Ligação a Beckett

A 18 de Abril de 1959 Ribeirinho levou à cena, no Teatro da Trindade a peça À espera de Godot de Samuel Beckett e foi através desta encenação que o dramaturgo Irlandês chegou a Portugal.
[…]
Não é difícil perceber que existia uma ligação entre Mário Viegas e Samuel Beckett. Não só por este se tratar do seu autor preferido mas também pela personalidade deste (ver Capítulo 2).
Encontrava nos trabalhos de Beckett também, «[…] talvez […] uma certa poesia, algo não muito concreto mas universal; as pessoas não percebem, sentem […]»; o facto deste não ser «[…] um autor muito realista; ter assim uma escrita enigmática […] (Apêndice II) e o reduzido número de personagens eram fatores muito apelativo nos trabalhos de Beckett, uma vez que permitiam a Viegas uma maior liberdade para moldar e estruturar o texto e os seus intervenientes à sua maneira.
[…] as coisas que ele gostava, que eram muito claras, […] o Beckett e os poetas […] gostava e gostava muito […] e queria muito partilhar também com os outros. (Conversa com Vera San Payo e João Lourenço - Apêndice II)

Numa nota mais pessoal

Mário Viegas era caracterizado por aqueles que o conheciam melhor de diversas maneiras.
Viriato Teles descreve a vida de Viegas como:
[…] um corrupio de cenas e emoções, poemas e paixões, amigos e bebedeiras. Poucos atores conseguem aguentar um ritmo de trabalho tão intenso como este Mário Viegas, mas menos ainda são capazes de que a essa intensidade corresponda uma tão grande dose de prazer. (in Viegas 2003:165)

Cristina Peres em 1993, em crónica a Mário Viegas (Viegas 2003:195) referia-se ao ator como «um grande encadeador de palavras, às quais vem dedicando a vida.»
João Lourenço (Apêndice II) descreve Mário Viegas como sendo muito inteligente, muito culto e bem preparado, mas nada humilde.
A sua irmã, Hélia Viegas, em entrevista ao seminário regional O Mirante descrevia-o como uma pessoa excecional, desde cedo muito dotado de um espírito muito crítico.
Era uma pessoa espetacular, com uma auto-disciplina rigorosa que exigia muito de si. Na família era uma pessoa observadora, calada, com muita graça. Tinha uma linha satírica e de crítica social que já vinha do meu pai e do meu bisavô Francisco José Pereira. Nasceu com eles. Em casa era uma pessoa normal, que gostava de estar em família, sobretudo nos últimos 20 anos.
Após a minha conversa com Vera San Payo de Lemos e João Lourenço, fiquei a conhecer um Mário Viegas irreverente, curioso e cheio de vida. Estar com ele significava espera o inesperado e o mesmo se pode dizer do seu trabalho.
As interpretações funcionavam com ele muito bem, sempre. Mas havia noites em que ele era genial. (…) Fazia umas coisas que nós ficávamos de boca aberta. O que ele conseguia tirar da personagem e transmitir ao público. Ele era sempre um bocadinho diferente não é? Mas havia noites espantosas não é? Eu lembro-me de o ver… o que este homem fez. Ele não era possível de fazer igual. De vez em quando o público tinha esse prémio, de quem o assistia, de ver, de vez em quando, qualquer coisa genial. (João Lourenço - Apêndice II)
A sua personalidade levava-o a actos que marcavam qualquer um. Desde o roubo – da ideia da transgressão, do “contra” – até ao comer as folhas após decorar as falas da peça. O seu lado crítico era integrado em quase tudo o que fazia. Vimos nos capítulos anteriores algumas das suas “peças políticas” como Manifesto Anti-Cavaco ou Europa não! Portugal nunca! e podemos ainda acrescentar uma crónica ao Diário de Notícias intitulada Retratos do público feito a partir da bilheteira onde Viegas fazia uma analise do público baseando-se nas perguntas feitas à bilheteira sobre o espetáculo.
(…) ele entrevistou a bilheteira que era a D. Emília e então ela que escrevesse um catálogo de perguntas, uma lista de perguntas das pessoas que telefonavam para lá. “Tem desconto? Quanto tempo dura? É chato? Tem catálogo? É drama?” depois ele a partir dessas perguntas fazia um retrato do público. Ele era um poeta muito bem visto por isso também tinha esse pensamento sobre o teatro e sobre a sociedade. Tinha esse lado crítico contra a burguesia, contra as pessoas instaladas, contra o sistema. (Vera San Payo de Lemos -Apêndice II)
Viveu a vida a alta velocidade e com um gosto invejado por muitos. Fez teatro pela arte e não pelo dinheiro e nunca se conformou com a visão dos outros, mantendo sempre firme a sua posição em relação à sociedade e à política. Recusava-se a traduzir as obras mas tinha sempre uma opinião sobre a tradução dos outros e, seja em que palco estivesse, deixava sempre a sua marca.
João Lourenço: Mas era muito inteligente, muito vivo. Muito engraçado.
Vera San Payo de Lemos: Faz muita, muita falta. (Apêndice II)




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  • Mário Viegas... e Tudo, documentário realizado em 1997 por Maria João Rocha e produzido por Fernanda Teixeira para a RTP.