sábado, 24 de outubro de 2015

Antipoemas de Daniel de Sá











Na próxima terça-feira, dia 27, pelas 19h30, vai decorrer na livraria Solmar uma sessão de apresentação de um livro que tem por tema aquele que, histórica e factualmente, é o primeiro livro de Daniel de SáEm Nome do Povo. Amem. O livro a apresentar tem como título Prós sem Contra traduzindo, de alguma forma, com cambiantes várias, o pensamento expresso nos textos de três autores diferentes que dão a sua opinião sobre o livro - Luiz Fagundes Duarte, Sidónio Bettencourt e quem assina estas linhas.
Em relação ao livro do Daniel – Em Nome do Povo. Amem – as considerações de maior interesse com que se pode abordar este livro podem reduzir-se a três.
Em primeiro lugar, não é, não pretendeu ser nunca, um livro de poesia, mas de antipoesia. O seu subtítulo di-lo expressamente   Antipoemas e outras palavras. E coerentemente com isto, em todo o livro, Daniel só usará por duas vezes a palavra poesia, mas sempre no sentido de a menorizar. Numa das vezes, para contrapô-la à prosa nos seguintes termos: “Porque a prosa é a arquitectura e a poesia é o ornato”. E carregará na minimização apodando-a do “belo superficial das coisas essenciais”. Doutra vez, para ironizar com os chavões desse simples ornato que é a poesia. Dirá num parêntese, que isolará o termo do restante texto, como para não o contaminar:
(Na poesia, quando há olhos
E alma,
Há quase sempre abrolhos
E calma).
É de salientar que esta consideração pejorativa desse artifício verbal, deste convencional e estereotipado jogo de consonâncias e rimas será precisamente um dos aspectos fulcrais realçado pela corrente da Antipoesia, nomeadamente do seu principal corifeu – o chileno Nicanor Parra.
Ainda com a mesma coerência, o livro não se compõe de poemas, mas de “Textos” que Daniel cataloga com a aridez pouco poética do número, contabilizando-os tabelionicamente de I a XXV.
A segunda observação a fazer deriva da anterior. Esta detinha-se na forma que assumia nos seus cultores a poesia tradicional. A poesia, segundo Parra tinha de libertar-se dos formalismos useiros e vezeiros da poética tradicional, porque ela já não correspondia às exigências de um mundo, em que a relação com a natureza, como objecto de contemplação, mais ou menos lírico, e a relação com a sociedade se transformara de um mundo de certeza e certezas e de ordem, num mundo de inquietação, dúvida e angústia . E esse mundo, nesta nova desarmonia, reclamava não o lirismo subjectivista, mas o pessimismo, o cepticismo e a crítica sarcástica. Em resumo, a alteração formal pretendia responder às novas exigências de uma alteração de fundo. Este fenómeno de rotura e mudança radical, no caso do Em Nome do Povo. Amem, não será ao nível da relação com a natureza, mas com a história e os acontecimentos dos tempos de então que Daniel vivia no seu quotidiano e revivia nos seus “textos”. A rotura será o abalo social e político do “25 de Abril” que exigia também outras formas de abordagem da sociedade e dos acontecimentos. Com este livro, Daniel traduz as etapas de uma ruptura social e política que assumiu, inicialmente, a magia de todas as mudanças radicais num contexto adverso e contraditório. Penso que poucos autores, em Portugal, terão traduzido como Daniel com vestes de antipoesia, ou mesmo de poesia, as vicissitudes, as contingências, a ambivalência, os avanços e recuos do chamado “PREC” e de todas as transformações ansiadas e sonhadas no 25 de Abril.
Todo o livro capta em cheio este sinuoso contexto e percurso sequente ao 25 de Abril de 74.
Apenas um exemplo a ilustrar o que fica dito:
“Achou-se que era velho demais um velho Estado Novo
E descobriu-se que um estado é a voz do povo.
E houve a sublime certeza
De que é o povo quem manda,
Sem clero nem nobreza.
Mas é com estes ainda que tudo anda”.
Finalmente, o terceiro aspecto. Trata-se de um livro que o Daniel retirou da sua bibliografia. Não creio que o tenha renegado, mas sem dúvida que o enjeitou.
Que alcance e significado se deve retirar desse facto? Em primeiro lugar, enquadrá-lo nos numerosíssimos exemplos de rejeições das suas Juvenílias ou primeiras obras por muitos autores. Desde Virgílio, que tentou queimar a Eneida por duas vezes, até autores que, em alguns casos, já depois de publicada a obra, tentarão fazê-la desaparecer, como Nathaniel Hawthorne, celebrado autor do século XIX com a sua Letra Escarlate, ou ainda como Vitorino Nemésio que “enjeitou” a sua obra de estreia. Em segundo lugar, que, na sua maturidade, e depois da sua evolução até à plena posse de todos os seus recursos de conteúdo e expressão, muitos autores tendem a condenar ao limbo obras de estreia que a seus olhos apenas sobressaem pelas insuficiências ou imperfeições.

Dionísio Sousa, 22.10.2015 (23h41).
“Daniel de Sá - o único grande nome da antipoesia na literatura açoriana”,
Correio dos Açores, Ano 96, n.º 30766, 2015-10-24








Poderá também gostar de:



O homem que escreveu uma carta de amor auma ilha”, Azorean Spirit Magazine – SATA Magazine n.º 58, 20 outubro / 20 dezembro 2013.

Verbete “Sá, Daniel Augusto Raposo de”, Enciclopédia Açoriana [em linha].



          

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

SOPA DE PEDRA


Ilustrações de Paula Rego para Sopa de Pedra, Texto de Cas Willing. Porto Editora, 2015



SOPA DE PEDRA

Um escrevia o nome da mulher amada com letras de macarrão
Enquanto a sopa esfriava no prato.
Outro era metade solidão e metade multidão.
Estou de olho neles.
Um andava com a espada sangrenta na mão.
Outro fingia que sentia o que de verdade sentia.
Este dizia que não cabe no poema o preço do feijão.
Estou de olho neles.
Este vê a vida como origem da sua inspiração,
A vida que é comer, defecar e morrer.
Todo poeta é maluco.
Estou de olho neles.
E também tem que ser maluco o pintor
E o músico e o prosador.
A loucura é muito boa
Para todo o criador.
Mesmo para os cozinheiros
Ou qualquer inventor.
Estou de olho neles.
É melhor ser capenga do que cego.
A poesia é uma sopa de pedra.
Cabe tudo dentro dela.

Rubem Fonseca, Amálgama.
Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 2013
.


 

O CALDO DE PEDRA

 

       Um frade andava ao peditório; chegou à porta de um lavrador, mas não lhe quiseram aí dar nada. O frade estava a cair com fome, e disse:

       – Vou ver se faço um caldinho de pedra. E pegou numa pedra do chão, sacudiulhe a terra e pôsse a olhar para ela para ver se era boa para fazer um caldo. A gente da casa pôsse a rir do frade e daquela lembrança. Diz o frade:

       – Então nunca comeram caldo de pedra? Só lhes digo que é uma coisa muito boa.

       Responderamlhe:

       – Sempre queremos ver isso.

       Foi o que o frade quis ouvir. Depois de ter lavado a pedra, disse:

       – Se me emprestassem aí um pucarinho…

       Deramlhe uma panela de barro. Ele encheua de água e deitoulhe a pedra dentro.

       – Agora se me deixassem estar a panelinha aí ao pé das brasas…

       Deixaram. Assim que a panela começou a chiar, disse ele:

       – Com um bocadinho de unto é que o caldo ficava de primor…

       Foramlhe buscar um pedaço de unto. Ferveu, ferveu, e a gente da casa pasmada para o que via. Diz o frade, provando o caldo:

       – Está um bocadinho insonso, bem precisa de uma pedrinha de sal.

       Também lhe deram o sal. Temperou, provou, e disse:

       – Agora é que com uns olhinhos de couve ficava que os anjos o comeriam.

       A dona da casa foi à horta e trouxelhe duas couves tenras. O frade limpouas e ripouas com os dedos, deitando as folhas na panela.

       Quando os olhos já estavam aferventados, disse o frade:

       – Ai, um naquinho de chouriço é que lhe dava uma graça…

       Trouxeramlhe um pedaço de chouriço; ele botouo na panela, e enquanto se cozia, tirou do alforge pão, e arranjouse para comer com vagar. O caldo cheirava que era um regalo. Comeu e lambeu o beiço; depois de despejada a panela, ficou a pedra no fundo; a gente da casa, que estava com os olhos nele, perguntoulhe:

       – Oh senhor frade, então a pedra?

       Respondeu o frade:

       – A pedra, lavoa e levoa comigo para outra vez.

       E assim comeu onde não lhe queriam dar nada.

 

BRAGA, Teófilo – “O caldo de pedra”. In Contos Tradicionais do Povo Português (uma seleção), Porto Editora, 2015, pp. 4546.

 

 

UMA SOPINHA PARA O CAMINHO

Se o frade alguma vez existiu por aqui, ninguém sabe. Mas a história da sopa da pedra era boa e vinha mesmo a calhar para a sopa que José Manuel "Toucinho" inventou nos anos 60. Hoje a sopa faz mexer a economia de Almeirim.

Na realidade esta sopa da pedra tem duas histórias - a lenda, e a história real. A lenda é conhecida de todos. Havia um frade espertalhão que para conseguir comida chegava a casa dos aldeões e garantia que conseguia fazer uma sopa deliciosa só com uma pedra. Os que o recebiam, ansiosos por perceber como é que isso era possível, iam acedendo aos pedidos dele - "Se agora me dessem só um dentezinho de alho é que isto ficava delicioso", "Está quase pronta, mas com um bocadinho de toucinho...", "E umas folhitas de couve." E por aí fora, até a panela estar cheia de coisas boas e a sopa estar deliciosa, com a pedra no fundo e tudo o resto que o frade tinha conseguido que lhe dessem.

A outra história, a real, nasce aqui neste restaurante, que começou por ser uma mercearia, fundada por José Manuel "Toucinho" e pela mulher, Maria Manuela Aranha. "Para receber os viajantes, e para ser mais rápido dar o jantar, os proprietários faziam esta sopa", conta João Paulo Simões. "E o número de viajantes foi aumentando." A fama da sopa começava a espalhar-se. "Alguém terá dito que era tão pesada que parecia as pedras da calçada." Foi então que se lembraram da lenda do frade e começaram a chamar-lhe "sopa da pedra".

Alexandra Prado Coelho, https://www.publico.pt/2011/08/08/jornal/uma-sopinha--para-o-caminho-22619383 (com supressões)


Ilustrações de Paula Rego para Sopa de PedraTexto de Cas Willing. Porto Editora, 2015



A pintora portuguesa de 80 anos juntou-se à sua filha Cas Willing e reinventaram este conto popular

        A história corria mais ou menos assim: era uma vez um frade que andava a pedir esmola para poder ter alguma coisinha para comer. Os aldeões eram todos uns mãos-de-vaca e ninguém lhe dava tostão. O frade espertalhão pegou numa pedra e, perante os olhares curiosos, preparou-se para ferver água só com o seixo lá dentro. “Bom, bom era com um bocado de sal.” E trouxeram-lhe sal. “Bom, bom era com um bocado de azeite.” E trouxeram-lhe azeite. 

A lengalenga segue por aí fora até haver no tacho do frade cebolas, cenouras e até um chouriço. No fim do repasto, com a panela vazia, a pedra é lavada e guardada no bolso do religioso. Como assim?, perguntam os aldeões, indignados. “Guardo-a para a próxima vez que tiver fome.”
Com mais ou menos ponto acrescentado por quem conta este conto, esta história popular portuguesa tem seguido sempre pelo mesmo caminho. Até chegar às mãos da família de Paula Rego. A pintora de 80 anos que vive em Londres juntou-se à sua filha, Cas Willing, e juntas deram nova roupagem à história. 
Em vez do frade, a protagonista passa a ser agora uma rapariga de vestido vermelho e os aldeões conseguem ser ainda mais vis do que no conto tradicional. Também há um pai que acaba por (spoiler alert) morrer de fome e, uma vez na cozinha, a miúda de vestido vermelho, para além da sopa, também sabe fazer o melhor arroz de pedra do reino. E pelo estômago conquista os sacanas da aldeia. Se a filha Cas tornou as esquinas da história mais contemporâneas, a mãe juntou-lhe o seu traço inconfundível e criou 14 pinturas inéditas que, por si só, já são uma narrativa. Tudo junto, o livro torna-se uma pequena obra de arte, capaz de distrair miúdos na hora de ir para a cama, mas igualmente capaz de enriquecer a prateleira de um coleccionador de livros de arte. 

QUEM SAI AOS SEUS Sobre Paula Rego, há pouco de novo a dizer, já que é um dos nomes grandes da arte europeia e a sua obra já ultrapassou há muito as fronteiras de Portugal. Mas Cas Willing é outra história e o exemplo vivo de que filho de peixe sabe nadar. 
Cas, hoje casada e com duas filhas, nasceu em Londres, fruto do casamento de Paula Rego com o pintor britânico Victor Willing. A escrita para crianças não é novidade para si, tendo já trabalhado em vários argumentos e produzido histórias infantis para a televisão. Uma das séries mais emblemáticas em que participou, “Little Princess”, continua no ar no Reino Unido, no Channel 5, nove anos depois da estreia. Antes disso, e já com um mestrado em Artes no Royal College of Art, trabalhou na indústria cinematográfica como designer e marionetista. No filme “O Cristal Encantado”, de Jim Henson (o criador dos Marretas), Cas fez parte da equipa que criou e produziu os skeksis, a raça de vilões da película. E em “Sonhos de Criança”, o filme que retrata a relação de Lewis Carroll (“Alice no País das Maravilhas”) com Alice Liddell, fez parte da equipa que controlava os cabos que davam vida ao Chapeleiro Louco e às outras personagens do conto infantil.


Ana Kotowicz, 23/10/2015
http://www.ionline.pt/artigo/418465/uma-sopa-de-pedra-feita-em-casa-de-paula-rego?seccao=Mais_i















Paula Rego: os contos tradicionais “mostram a natureza humana como ela”


Numa entrevista à agência Lusa, Paula Rego e a filha, Cas Willing, explicaram como foi o processo de recriar a história "Sopa da Pedra", que as duas publicaram em conjunto.

REMY-PIERRE RIBIERE/LUSA
A pintora Paula Rego acredita que as histórias tradicionais são muito importantes para descobrir o mundo e quem somos, e coloca as fábulas portuguesas entre as “melhores de todas”, porque “mostram a natureza humana como ela é”.
“Sopa de Pedra” foi uma dessas histórias tradicionais que recentemente fascinou a pintora, levando-a a criar ilustrações e a pedir a colaboração da filha, Cas Willing, para escrever o texto do livro lançado este mês em Portugal pela Porto Editora.
Numa entrevista à agência Lusa, por correio eletrónico, a pintora e a filha explicaram como foi o processo de recriar uma história – da qual existem versões em vários países – que mantém o enredo principal, mas muda o protagonista.
Na versão tradicional portuguesa, um frade consegue convencer um camponês de que é capaz de fazer uma sopa apenas com uma pedra, mas vai-lhe pedindo ingredientes para dar mais sabor ao caldo.
“‘A Sopa de Pedra’ é uma história universal. Há muitas versões. Em Portugal, o trapaceiro é um frade, mas, em França, é um grupo de soldados e, na Escandinávia, é um mendigo”, observou Paula Rego, artista portuguesa radicada em Londres desde os anos 1970.
Nesta versão ilustrada pela pintora, o frade é substituído por uma jovem que tem de ser muito persistente e perspicaz para sobreviver em tempos difíceis.
Escolher uma jovem para o centro da história tem razões óbvias para Paula Rego: “O mais importante é que o protagonista tem muita fome. Não são só os homens que têm muita fome, as mulheres também. E uma jovem sozinha é muito mais vulnerável”.
Cas Willing – filha de Paula Rego e do artista britânico Victor Willing (1928-1988) — acompanha sobretudo a área da gestão e questões empresariais do trabalho da mãe, assim como a atividade da Casa das Histórias, em Cascais, inaugurada em 2009.
Pela primeira vez, com este livro, fizeram algo juntas ao nível criativo: “Quando tinha nove anos, bordei uma cabeça numa tapeçaria da minha mãe. Acho que foi a última vez que a ajudei num trabalho. Eu nem sequer faço de modelo para as pinturas dela”, disse à Lusa.
Para criar “Sopa de Pedra”, Cas explicou que se sentiu uma espécie de “detetive”. Paula Rego – que completou 80 anos em janeiro – mostrou à filha uns desenhos que dizia serem basicamente a história da sopa de pedra e precisava de um texto para acompanhar, na esperança de que fosse publicada.
“Ela foi muito persuasora e persistente, e, finalmente, eu disse que tentaria. Mas se não conseguisse um resultado ao fim de uma semana, ela teria de procurar outra pessoa”, relatou à Lusa a autora, que tem criado argumentos e produção de programas infantis para a televisão, entre eles “Little Princess”, série exibida no Reino Unido.
A primeira vez que olhou para os desenhos sentiu-se um pouco perdida: “Não percebi do que se tratava. Vi burros alados, casais a discutir e uma rapariga a cozinhar algo numa panela”.
“Espalhei os desenhos no chão e olhei para as imagens como se fossem um ‘story board’ para um filme ou um livro de banda desenhada. Reordenei-os, até sentir que tinha criado uma história visual com um início, meio e fim”, descreveu.
Através da leitura das imagens, e tendo como referência a “Sopa de Pedra”, a autora foi imaginando uma narrativa: um homem que parecia doente passou a ser o pai impossibilitado de sustentar a família; a jovem que, por vezes, aparecia com um vestido vermelho demasiado largo, passou a ser a protagonista, que usava as roupas da mãe já falecida.
Nesta construção – que diz ter sido um processo “interessante e divertido” – também incluiu memórias mútuas em Portugal, da vida de camponeses, em aldeias junto ao mar, e da história da própria família, como o pai doente, e decidiu ainda incluir questões ligadas às mulheres, por a protagonista ser uma rapariga.
“Não basta ter um sorriso doce e ser bonita. É preciso ser-se bom a fazer alguma coisa e ser persistente. Não há um príncipe que apareça para a salvar. Ela vai ter de continuar a trabalhar para ter comida”, salienta a autora.
Para Cas Willing, em resposta às questões colocadas pela Lusa, esta história da sopa de pedra “não acaba com uma moral, mas com a ideia de que a partilha beneficia todos”.
Para Paula Rego, é enorme a importância dos contos tradicionais, sobretudo os mais antigos, porque são “os mais verdadeiros”.
“Mostram a natureza humana como ela é, sem terem sido corrompidos com a ideia de ‘como deve ser’ ou qualquer sentimentalismo. As pessoas acham que as crianças devem ser protegidas da crueldade que há nestas histórias, mas elas não se importam. Gostam porque as compreendem muito bem”, sustenta a pintora.
“Por isso dei ao museu de Cascais o nome Casa das Histórias”.
Texto: Agência Lusa, http://observador.pt/2015/10/29/paula-rego-os-contos-tradicionais-mostram-a-natureza-humana-como-ela/  29/10/2015

sábado, 17 de outubro de 2015

“no help for that” by Charles Bukowski



there is a place in the heart that
will never be filled
a space
and even during the
best moments
and
the greatest times
times
we will know it
we will know it
more than
ever
there is a place in the heart that
will never be filled
and
we will wait
and
wait

in that space.

sábado, 3 de outubro de 2015

LAMURIAS D'UM ELEITOR (José Augusto da Costa Resende)





LAMURIAS D'UM ELEITOR


Muito embora não rufe o tambor,
Nem se ponha a troar o canhão,
Ai que vida a d'um pobre eleitor,
Quando perto vem uma eleição!

Não se sente soar os clarins,
Nem tão pouco rugir a metralha,
Mas vagueiam intrujões galopins,
E se fere renhida batalha!

Não há fumo, nem fogo, nem balas,
Nem há scenas de fera carnagem,
Mas não faltam mentiras nem palas,
Nem proezas de reles coragem!

Não há sangue a correr das feridas,
Não há gritos nem berros crueis,
Mas há pratos de favas cosidas,
E bom vinho a correr dos toneis!

Um aqui se propõe deputado,
Outro ali deputado quer ser,
Cada qual a puxar p'ra seu lado
E mil lerias cantando a valer!

D'esta banda recebe elogios,
D'aquella outra lhe dão pateada;
Aqui diz-se ter tino e ter brios,
Ali diz-se não presta p'ra nada !

Um a patria propõe-se salvar,
Outro quer a nação defender;
Mas em regra (o que cumpre notar)
A mór parte o que quer é comer!

Vê-se em pancas um pobre eleitor,
E mettido no meio de dois fogos,
Sem saber do seu voto dispor,
Tantos são os pedidos e rogos!

Dependente e não q'rendo mal q'renças
E temendo o furor dos mandões,
Põe de parte principios e crenças.
E lá vota c'os taes figurões!


José Augusto da Costa Resende,  Rimas Humoristicas e Satiricas. 
Ponta Delgada, Edição do autor, 1892.


José Augusto da Costa Rezende (1849-1896), jornalista, poeta satírico, natural de Ponta Delgada, aí residiu, trabalhou e veio a falecer. Teve como pseudónimo: Aníbal Metralha.