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quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Feia, Carolina Deslandes




FEIA

Ó Mãe, eu nasci num país
Nasci num país que me odeia
Dizem: "Deixa passar a louca"
Dizem: "Deixa passar a feia"
Ó Mãe, eu nasci num país
Nasci num país que me odeia
Dizem: "Deixa passar a louca"
Dizem: "Deixa passar a feia"

A extrema direita que eu assumo é ter na mão direita um punho que carrega uma caneta
Voz armada com bala de chumbo, tiro seguido de fumo, sou mulher e sou poeta
Querem voltar atrás no tempo, plantar o medo cá dentro, gritam "Deus, Pátria е Família"
E um marido que traga sustento ou mais um olho cinzento, diz quе foi contra a mobília

Ó Mãe, eu nasci num país
Nasci num país que me odeia
Dizem: "Deixa passar a louca"
Dizem: "Deixa passar a feia"
Ó Mãe, eu nasci num país
Nasci num país que me odeia
Dizem: "Deixa passar a louca"
Dizem: "Deixa passar a feia"

Vocês odeiam as mulheres e quando matam as mulheres, querem chorar e acender velas
Mas metade do mundo são mulheres e a outra metade do mundo é feita dos filhos delas
Um país sem casa nem conforto, querem falar do aborto, querem nos tirar os livros
Sou filha de Abril, saí do esgoto, nasci pronta para o confronto e eles gritam-me aos ouvidos

Ó Mãe, eu nasci num país
Nasci num país que me odeia
Dizem: "Deixa passar a louca"
Dizem: "Deixa passar a feia"
Ó Mãe, eu nasci num país
Nasci num país que me odeia
Dizem: "Deixa passar a louca"
Dizem: "Deixa passar a feia"

Ó Mãe, eu nasci
Ó Mãe, eu nasci
Ó Mãe, eu nasci
Num país
Ó Mãe, eu nasci
Ó Mãe, eu nasci
Ó Mãe, eu nasci
Deixa passar a feia


Carolina Deslandes


terça-feira, 20 de maio de 2025

Os que sobem, Carlos Conde


 


OS QUE SOBEM

 

Era operário vulgar

Mas dos tais que a trabalhar

Julgam descer à ruína;

Falador mas animado

Censurava em todo o lado

Os colegas de oficina

 

Censurava-os de cobardes

Só porque eles sem alardes

Cumpriam ganhando o pão

E então era dos primeiros

A arrastar os companheiros

Na guerra contra o patrão!

 

E ele que tinha ideais

Doutrinas várias das tais

De ferir matar às cegas

Foi de repente elevado

Ao posto de encarregado

P’ra mandar nos seus colegas!

 

Ficou doido radiante

Era o ponto culminante

De alguém que lhe dava a mão,

E então, cheiinho de engodos

Passou a ser pera todos

Muito pior que o patrão!...

 

Sei de muitos idealistas

Que são assim, dão nas vistas

Por forma vaga, imprecisa;

Mas em chegando o momento

Mudam logo o pensamento

Como quem muda a camisa!...

 

Carlos Conde

Original no Museu do Fado, em Lisboa. Disponível em linha: https://www.museudofado.pt/colecao/repertorio/os-que-sobem-carlos-conde-1945

 

 


 

Carlos Conde (N. 22 novembro, 1901 - M. 13 julho, 1981)

Carlos Augusto Conde, filho de Maria Antónia da Silva Conde e de Manuel José Conde, nasceu no dia 22 de Novembro de 1901 na povoação do Monte, Murtosa, distrito de Aveiro. Casou-se com Laura dos Santos em 18 de Setembro de 1936 e desse casamento nasceram três filhas, Noémia, Maria de Lourdes e Flora. Mais tarde mudam-se para Lisboa, fixando-se na Praça das Amoreiras e nestes primeiros anos de transição para a cidade, Carlos Conde emprega-se como chefe de escritório na firma F.H. de Oliveira.

Se antes deste seu percurso profissional, Carlos Conde já escrevia os primeiros versos, a história do fado veio a consagrá-lo como destacado poeta popularautor de inúmeros repertórios de fados e textos de cegadas, musicados ao longo das décadas de 20 e 30 do século passado. Quando questionado pela revista “ABC” sobre as temáticas dos seus versos dirá: “O amor, as mulheres, o campo. Adoro as flores, as águas claras, o sol, a luz, a natureza. Tudo o que tenha vida, que tenha alma.” (cf. “Revista ABC”, 23 de Janeiro de 1931). Dono de um talento imenso, a sua pena fixou o imaginário de Lisboa, descrevendo costumes, personalidades, recantos, becos, vielas, festividades e outros temas do quotidiano da capital.

Em 1924 o jornal “A Alma de Portugal” dava destaque a Carlos Conde, caracterizando o jovem poeta: “Carlos Conde pertence a essa plêiade de novos que nos últimos tempos se tem evidenciado, na sua bagagem literária encontram-se produções de merecimento (…) Carlos Conde não sendo contudo um consagrado é no entanto um novel com inspiração, a sua obra encontra-se espalhada nas mãos dos mais competentíssimos cantadores e dispersa nas colunas dos inúmeros jornaes onde tem colaborado com proficiente estudo.” (cf. “A Alma de Portugal”, 1ª Quinz. de Setembro de 1924). A notoriedade de Carlos Conde foi muitas vezes referenciada pelos periódicos de fado, que surgiram ao longo das décadas de 20, 30 e 40 do passado século, fulcrais na legitimação e divulgação desta expressão musical.

Dada a impossibilidade de nomearmos todos os textos de cegadas que Carlos Conde escreveu destacamos os títulos: “O Crime Daquela Noite” (1946) com música de Alfredo Silva, “Homem ao Mar” (1950) música de Casimiro Ramos, “Quatro Contos a Mais” (1959), música de Albertino Vilar, entre muitos outros textos. Estas e outras cegadas tinham lugar nas colectividades, clubes e festas que povoavam a cidade de Lisboa e arredores.

A paixão pela escrita leva Carlos Conde a participar e a concorrer em numerosos concursos poéticos alcançando, na maioria das vezes, os primeiros prémios e menções honrosas. Destaque para a vitória alcançada, em 1966, com a letra para o “Hino da Força Aérea”, reforçando os méritos entretanto já atribuídos ao poeta ao longo de outras décadas.

Profundamente acarinhado pelo universo do fado, os seus poemas foram cantados na voz dos grandes vultos do fado : Ada de Castro, Adelina Ramos, Amália Rodrigues, Argentina Santos, Ercília Costa, Fernanda Maria, Lucília do Carmo, Maria Amélia Proença, Maria da Fé, Alfredo Duarte Júnior, Alfredo Marceneiro, Carlos do Carmo, Fernando Maurício, Gabino Ferreira, João Ferreira Rosa, Raul Pereira, Rodrigo, Vítor Duarte, entre muitos outros.

Carlos Conde foi autor de centenas de letras de Fado, e revelam-no como um dos expoentes máximo na área. Esses fados, traduziram-se em verdadeiros sucessos nas vozes de muitos fadistas: “A mulher que já foi tua”, “Baile dos Quintalinhos”, “Bairros de Lisboa”, “Um resto de Mouraria”, “O Fado da Bica”, “Não sou ciumenta”, “Rapsódia de fado antigo”, “Trem desmantelado”, “Não passes com ela à minha rua”, “Fins do século passado”, entre muitos outros…

Paralelamente à sua projecção como poeta, Carlos Conde foi alvo de um grande número de homenagens, com especial destaque para o almoço comemorativo do seu 50º aniversário, e que teve lugar no dia 22 Novembro de 1951, na Adega Mesquita, com a presença de Francisco Radamanto, Felipe Pinto, Dr. Amaro de Almeida, Amália Rodrigues, Teresa Nunes, Alfredo Marceneiro, entre outros. Outras festas de homenagens ocorreram contando com a presença de muitos nomes do universo artístico da rádio, do teatro e do fado e que souberam enaltecer a grandiosidade da sua obra poética e humana.

Vítima de um trágico acidente de viação, Carlos Conde viria a falecer em Julho de 1981.

Em 2001 a Câmara Municipal de Lisboa, presta ao poeta uma última homenagem, ao atribuir o seu nome a uma das artérias da cidade situada na zona de Campolide.

Paulo Conde, neto de Carlos Conde, lançou em Setembro de 2001 o livro “Fado, Vida e Obra do Poeta Carlos Conde”. Tratando-se de um inesgotável tributo ao seu avô, Paulo Conde revê toda a vida e consequente obra literária daquele que é hoje considerado como uma referência na poesia de fado.

 

Fontes: “Alma de Portugal”, 1ª Quinzena de Setembro de 1924. “A Canção do Povo”, 26 de Setembro de 1926. “Guitarra de Portugal2, 17 de Abril de 1926. “Guitarra de Portugal”, 10 de Agosto de 1928. “ABC”, 23 de Janeiro de 1931. “Guitarra de Portugal”, 15 de Março de 1948. Cartaz promocional da “Festa de Homenagem ao poeta popular Carlos Conde”, 29 de Março de 1958. “República”, 21 de Junho de 1966. Conde, Paulo (2001) “Fado, Vida e Obra do Poeta Carlos Conde”, Lisboa, Garrido Editores. “Correio da Murtosa”, 28 de Novembro de 2007. Adaptação de biografia gentilmente cedida por Paulo Conde.

 

Verbete biográfico disponível em: https://www.museudofado.pt/fado/personalidade/carlos-conde. Consultado em 2025-05-20



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terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Não se ama quem não ouve a mesma canção?


 

Tu eras aquela que eu mais queria  
Para me dar algum conforto e companhia
 
Era só contigo que eu sonhava andar
 
Para todo o lado e até quem sabe talvez casar
 

Ai o que eu passei só por te amar
 
A saliva que eu gastei para te mudar
 
Mas esse teu mundo era mais forte do que eu
 
E nem com a força da música ele se moveu
 

Mesmo sabendo que não gostavas
 
Empenhei o meu anel de rubi
 
Pra te levar ao concerto
 
Que havia no Rivoli
 
 
 
Era só a ti que eu mais queria
 
Ao meu lado no concerto nesse dia
 
Juntos no escuro de mão dada a ouvir
 
Aquela música maluca sempre a subir
 

Mas tu não ficaste nem meia hora
 
Não fizeste um esforço pra gostar e foste embora
 
Contigo aprendi uma grande lição
 
Não se ama alguém que não ouve a mesma canção...
 

Mesmo sabendo que não gostavas
 
Empenhei o meu anel de rubi
 
Pra te levar ao concerto
 
Que havia no Rivoli
 

Foi nesse dia que percebi
 
Nada mais por nós havia a fazer
 
A minha paixão por ti era um lume
 
Que não tinha mais lenha por onde arder
 

Mesmo sabendo que não gostavas
 
Empenhei o meu anel de rubi
 
Pra te levar ao concerto
 
Que havia no Rivoli

 

“Paixão”, letra de Carlos Tê cantada por Rui Veloso

Piano, teclados e acordeão: Manuel Paulo

Guitarra acústica: Miguel Mascarenhas

Baixo: Zé Nabo

Percussão: André Rocha

Bateria: Alexandre Frazão

Vozes: Paulo Ramos, Berg, Sandra e Dora Fidalgo


Possíveis tópicos para discussão:

  • A influência da música na construção da identidade.
  • A relação entre a indústria musical e a promoção de estereótipos.
  • A importância de uma educação sexual que inclua a discussão sobre relacionamentos saudáveis.



Eu cá acho que aquela atriz do Bay Watch, a Pamela Anderson deveria ser condenada pelo mau exemplo que deu às mulheres da minha geração. Ainda por cima ela era daquelas mulheres que podia ter tudo e depois divorcia-se lá do outro brutamontes que lhe batia para se casar com ele outra vez? Mas que mau exemplo era aquele? Já viste a quantidade de exemplos que nós recebíamos só pela televisão no domingo à tarde? É que ela não era bem como a Elizabeth Taylor que se casou duas vezes com o Richard Burton mas pelo meio, antes e depois, lá se foi casando com mais 7 e não era só ele que lhe batia, aquilo era uma tourada para todos os lados, mas a Pamela Anderson? De fato banho laranja e cabelo ao vento, podia ter qualquer nadador salvador aos seus pés e teima de ir para aquele idiota? Já viste o que é que ela estava a dizer às mulheres adolescentes da altura como eu? Dizia primeiro que era possível fugir daquele inferno mas que depois se pode escolher voltar para ele? É um dos meus ódios de estimação. Sim, tu falas do Woody Allen e que te recusas a ver mais filmes dele, e eu … aliás… nem precisamos ir mais longe, já ouviste bem as letras do Carlos Tê do Rui Veloso? Há lá pior campanha de manipulação do que ouvir a canção do rubi todas as férias, em cassete, dentro do carro, a caminho do Algarve no verão?

Achas normal fazer uma canção daquelas? Mesmo sabendo que não gostavas comprei-te um bilhete para ires àquele concerto? Mas como é que isto pode ser uma canção de amor que uma família inteira canta dentro do carro enquanto come sandes de atum com maionese e bebe Bongo-sumo-rei-da-selva enquanto está parado na fila de trânsito de sábado ao final da manhã para atravessar a ponte?

Tu já reparaste bem na letra daquela canção? Eu lembro-me dos meus pais a cantarem e lembro-me de pensar:  Mas por que raio é que ele comprou um bilhete para um concerto de uma banda que ela não gostava? E por que raio ficou à espera que ela gostasse de propósito só para lhe agradar? Mas tem de ser assim, no amor? Oh, lá vens tu com as tuas teorias de romance de algibeira… a curiosidade, a curiosidade… ouve lá bem a letra… espera aí que eu agora não me lembro… como é que é, como é que começa? Ah! Começa assim: Tu eras aquela que eu mais queria… estás a ouvir bem? Já não tem nada a ver com os dois, começa logo com uma queixa, tipo: estás a ver, estás a ver? Eu gostava tanto de ti e tu népia, ainda te atreves a deitar-me fora que sou tão incrível e gosto tanto de ti… e vai por aí fora… e porque é que ele gostava dela? Para lhe dar conforto e companhia… sim não gostava do que dizia ou do que fazia ou do que era… gostava dela para lhe dar conforto e companhia… já viste bem? E depois ele diz: era só contigo que eu sonhava andar, para todo o lado e até, quem sabe?, talvez casar… quem sabe? Sim, quem sabe… já viste a imagem de romance que isto passa a uma miúda de 8 anos… olha como ele está triste, ele até te tinha escolhido e tu? Népia…e depois continua… Ai o que eu passei só por te amar, A saliva que eu gastei para te mudar. Para te mudar? Mas que raio de história é esta? Então ele gostava dela ou não? E depois fica pior, espera, espera, ouve bem a letra que eu acho que nunca reparaste bem… O que eu passei só por te amar … sofreu sozinho, não aceitava não ser correspondido, certo? E porquê? Ele explica: Mas esse teu mundo era mais forte do que eu, ou seja, ela tinha vontade própria, tu já viste bem a lata da miúda? Pensava lá à maneira dela, e ele coitado que queria tanto até, talvez, quem sabe, um dia casar com ela, e ela nem percebia a sorte que tinha? Olha que coisa! E ele vai mais longe e diz – não só ela tinha lá um mundo dela mais forte do que ele como nem com a força da música ele se moveu. Ah! E claro, era o mundo dela que se tinha de mover, não era o dele… isto fazia-me uma confusão quando eu ouvia isto no carro dos meus pais, eu no banco detrás de mini saia, eles de camisolas sem alças a cantar e a abanar a cabeça lá à frente. Mas o pior ainda está para vir… ele já tinha percebido que o mundo dela era mais forte do que ele, certo? e que ela não ia lá nem mesmo com a força da música, certo? E o que é que ele se lembra de fazer?

Vou cantar para ti que vale a pena, ora ouve-me bem, vou dar o meu melhor: Mesmo sabendo que não gostavas, Empenhei o meu Anel de Rubi, Pra’ te levar ao concerto que havia no Rivoli.

E eu não cantei com tanto ímpeto, mas aquilo é tudo muito sentido, imaginas como não deve ser em concerto, tudo de isqueiro, os namorados de mão dada, elas a suspirar, a ver se ele empenha o anel da avó deles isso é que é sinal de amor e tal… E ela tem mais é que se sentir culpada porque era só a ti, que eu mais queira / Ao meu lado no concerto nesse dia, Juntos no escuro de mão dada a ouvir / Aquela musica maluca sempre a subir…

Ora, ele tinha tudo planeado, a música a dar, eles a sentirem muito, tudo a cantar mas ela não ficou nem meia hora, já viste, a desgraçada? Então eu empenhei o meu anel de rubi que roubei à minha avó e ela nem fez um esforço para gostar e foi-se embora?

Então mas ele não sabia que ela não gostava? E se sabia para que é que ele a levou até um concerto que já sabia que não era do agrado dele? E se ela lhe fizesse o mesmo? Não lhe ocorreu que esta podia ter sido uma má escolha, nem lhe ocorreu que a poderia estar a torturar, já viste o que é ires a um concerto de uma banda que odeias? É que para ler uma pessoa ainda pode fechar os olhos, mas num concerto não dá para fechar os ouvidos… E o que é que ele conclui desta bonita ideia? Que se calhar era melhor terem ido jantar fora? Ou ir a uma peça de teatro? Ou passear num jardim? Ou perguntar-lhe de que música gostava? Não, claro que não. Ele aprendeu uma grande lição: NÃO SE AMA ALGUÉM QUE NÃO OUVE A MESMA CANÇÃO!

Olha que porra!

E como se não chegasse, e para provar que não tinha percebido nada do que lhe tinha acontecido, ele volta a repetir que mesmo sabendo que não gostavas, empenhei o meu anel de rubi, para te levar ao concerto que havia no Rivoli. E lá entra a harmonicazinha ainda a dar um tom de alpendre americano ao pôr do sol… que carago! Nunca mais me esqueci desta canção! Puxa!J

Dedicado a Keli Freitas, Crista Alfaiate e Isabel Campante e a uma belíssima noite passada a atrapalhar o trânsito na praça de D. Duarte em Viseu. 

"Não se ama quem não ouve a mesma canção?", Patrícia Portela, JL, 13-07-2021. Disponível em: https://visao.pt/jornaldeletras/ideiasjl/2021-07-13-nao-se-ama-quem-nao-ouve-a-mesma-cancao/

 

quarta-feira, 17 de julho de 2024

Vivo numa outra terra, Sérgio Godinho


 

VIVO NUMA OUTRA TERRA

Contigo, na nossa terra
quisera eu bailar
contigo, eu trocara a jura
de a gente se amar
contigo, na nossa terra
quisera eu viver
mas vivo numa outra terra
a trabalhar
e a ganhar
p´ra viver
e a viver
p´ra ganhar

Eu sei que na minha terra
há gente a lutar
quisera eu estar lá com eles
sem ter que emigrar
mas tanto atirei semente
sem ter colher
que pedi um passaporte
para emigrar
e ganhar
p´ra viver
e viver
p´ra ganhar

Eu fui lavar saudades ao Tejo
a aguinha doce deu-me logo um beijo
eu fui lavar saudades ao Douro
abraços desses valem mais do que ouro

Aqui em terra distante
vivo mal e bem
sinto saudades imensas
de quem me quer bem
tenho um salário melhor
não há que duvidar
mas era na minha terra
que eu queria estar
e ganhar
p´ra viver
e não ter
que emigrar

Haja um dia que vem vindo
quem dera que já
em que eu faça uma viagem
de cá para lá
e que o trabalho me renda
sem ter de emigrar
que eu viva na minha terra
a trabalhar
e ganhar
p´ra viver
e não ter
que emigrar

Eu fui lavar saudades ao Tejo
a aguinha doce deu-me logo um beijo
eu fui lavar saudades ao Douro
abraços desses valem mais do que ouro

 

Letra, música e interpretação de Sérgio Godinho, do álbum Campolide. Editora Orfeu, 1979

 

QUESTIONÁRIO

1. Estabelece a correspondência entre cada uma das estrofes indicadas na coluna da esquerda e o seu assunto, na coluna da direita:

1.ª estrofe

2.ª estrofe

4.ª estrofe

5.ª estrofe

A.   O sujeito poético descreve a sua vida atual. 

B.   O sujeito poético manifesta um desejo para o futuro. 

C.   O sujeito poético revela um desejo e explica por que razão não pode ser realizado. 

D.  O sujeito poético explica a causa da sua situação atual. 

 

2. De acordo com a leitura da letra da canção “Vivo numa outra terra”, de Sérgio Godinho, classifica cada afirmação que se segue como verdadeira ou falsa. Procede à correção das afirmações falsas.

2.1. O título sugere o tema da emigração.

2.2. O tema do poema é a vida em terra estrangeira e o desejo de retornar à terra natal.

2.3. O sujeito poético está dividido entre viver mal (devido ao baixo salário) e bem (por estar quase na sua terra).

2.4. Na quinta estrofe, o sujeito poético expressa o desejo de ir e voltar da sua terra natal.

2.5. O sentimento dominante no poema é o desejo de enriquecer, expresso principalmente na terceira, quarta e sexta estrofes.

2.6. O tempo verbal predominante na quinta estrofe é o pretérito perfeito.

2.7. Há três refrões no poema: os quatro versos finais das estrofes 1 e 2; as estrofes 3 e 6; os quatro versos finais das estrofes 4 e 5.

2.8. Conclui-se que o sujeito poético está satisfeito com a sua vida na terra estrangeira.

 

RESPOSTAS

1.Chave de correção: C-D-A-B

1.ª estrofe: O sujeito poético revela um desejo e explica por que razão não pode ser realizado. 

2.ª estrofe: O sujeito poético explica a causa da sua situação atual. 

4.ª estrofe: O sujeito poético descreve a sua vida atual. 

5.ª estrofe: O sujeito poético manifesta um desejo para o futuro. 

2.1. Verdadeiro.

2.2. Verdadeiro.

2.3.  Falso. O sujeito poético está dividido entre viver mal (por estar longe da sua terra) e bem (devido ao salário melhor).

2.4. Falso. Na quinta estrofe, o sujeito poético expressa o desejo de um dia poder voltar à sua terra natal e trabalhar lá sem precisar emigrar.

2.5. Falso. O sentimento dominante no poema é a saudade, expressa principalmente na terceira, quarta e sexta estrofes.

2.6. Falso.O tempo verbal predominante na quinta estrofe é o presente do conjuntivo, que é usado para expressar um desejo ou vontade.

2.7. Verdadeiro.

2.8. Falso. O sujeito poético não está totalmente satisfeito com a sua vida na terra estrangeira, pois sente saudades imensas da sua terra natal e de quem lhe quer bem. 

(Adaptado de: Diálogos 7, Fernanda Costa e Luísa Mendonça. Porto Editora, 2011)




CAMPOLIDE (1979), Sérgio Godinho

A imagem é um retrato quase banal: um homem e uma caixa de viola numa estação de comboios, um relógio onde ainda não são duas horas, um cartaz na parede com o mesmo homem e a mesma viola, gente normal em volta. O homem da viola é Sérgio Godinho, a estação, lê-se no painel de azulejo sobre a porta, é Campolide. Há 35 anos, o homem, a viola e a estação tornaram-se num disco com dez canções sem tempo.

«Campolide» é o sexto álbum de originais de Sérgio Godinho, quarto gravado e publicado após o 25 de Abril e o regresso a Portugal do compositor. É, também, o segundo e último que grava para a etiqueta Orfeu, de Arnaldo Trindade.

«Campolide», porém, não é sequer o título de qualquer das canções deste álbum. Chama-se assim, apenas, porque foi gravado nos estúdios localizados no 103-C da Rua de Campolide, ao tempo propriedade da empresa de Arnaldo Trindade e conhecidos como «estúdios de Campolide», onde gravaram algumas das mais importantes figuras da música portuguesa.

Foi aqui, por exemplo, que em 1969 Adriano Correia de Oliveira registou o histórico «O Canto e As Armas», sobre poemas de Manuel Alegre. Adriano cumpria o serviço militar, tal como Rui Pato, que o acompanhou à viola: «O disco foi gravado durante duas noites de patrulha da polícia militar do alferes Adriano, com ele fardado e com a pistola, o capacete e a braçadeira poisados em cima do piano, e o jipe a passear por Lisboa, com a cumplicidade de certos militares amigos», contaria Rui Pato, muitos anos depois.

Adriano foi apenas uma das vozes que se fizeram ouvir nos estúdios de Campolide, que durante anos estiveram para Lisboa um pouco como os estúdios de Abbey Road para a capital inglesa. De Zeca Afonso a Fausto Bordalo Dias, passando por Carlos Mendes, Maria da Fé ou Tony de Matos, praticamente não houve nome grande da música portuguesa que por ali não tenha passado. Não admira, pois, que acabasse por ser nome próprio de um disco. Este, de Sérgio Godinho.

«Campolide», publicado em 1979, tem uma ficha técnica de luxo: Carlos Zíngaro, Pedro Caldeira Cabral, Pedro Osório, Guilherme Inês, Luís Caldeira ou José Eduardo são alguns dos participantes, a que se juntam as colaborações especiais de Adriano Correia de Oliveira, Fausto, José Afonso e Vitorino. Dos dez temas desse disco, destacam-se “Arranja-me um Emprego”, “Cuidado com as Imitações”, “Espectáculo” ou “Lá em Baixo”. Ou “Quatro Quadras Soltas”, o único registo que reúne de uma assentada Sérgio, Fausto, Adriano e Zeca.

De resto, não é gratuito dizer que a vida musical de Sérgio Godinho está, desde o início ligada a Campolide: foi para a Sassetti, outra editora histórica, sedeada na Avenida Conselheiro Fernando de Sousa, que gravou dois discos a partir do exílio («Os Sobreviventes», em 1971, e «Pré-Histórias», em 72) e os dois primeiros após a revolução («À Queima-Roupa», em 74, e «De Pequenino se Torce o Destino», em 76) . Depois, já na Orfeu, é nos estúdios de Campolide que grava o aclamado «Pano-Cru», de que fazem parte algumas das suas canções mais emblemáticas, como “Balada da Rita”, “A Vida é Feita de Pequenos Nadas”, “Feiticeira” e, principalmente, “O Primeiro Dia”. E, finalmente, «Campolide».

Criados nos anos 60, os estúdios de Campolide viriam mais tarde a mudar de mãos, mas não de rumo. Como Estúdios Rádio Triunfo, depois Namouche, e finalmente Xangrilá, o 103-C da Rua de Campolide continuou até há pouco tempo a acolher vozes e personagens importantes da música portuguesa. Agora, restam as memórias de algumas gravações que fizeram história. Como o disco de Sérgio Godinho.

Notícias de Campolide, setembro de 2014. Disponível em: https://viriatoteles.com/imprensa/imprensa-2010/269-um-disco-um-estudio-uma-historia.html


terça-feira, 16 de julho de 2024

Notícias locais, Sérgio Godinho


 

NOTÍCIAS LOCAIS

Ainda a procissão vai no adro
e já a zaragata é do ébrio
ainda a discussão vai no híbrido
e já a certidão é do óbito
de súbito
um punhal
e ei-lo que cai em
decúbito
dorsal
pobre instante, pobre morte
esse rapaz nunca teve grande sorte
não faz mal, não faz mal
pelo menos vem no jornal
pelo menos vem no jornal
pelo menos vem no jornal

 

Letra, música e interpretação de Sérgio Godinho, do álbum Escritor de Canções. Editora Guilda da Música, 1990 (Gravação: setembro de 1972)

_________

Notas: 1. Híbrido - que resulta do cruzamento de espécies diferentes. 2. Óbito – morte; certidão de óbito – documento em que um médico declara a morte de alguém. 3. Decúbito dorsal – deitado de costas.

 

De acordo com a leitura da letra da canção “Notícias locais”, de Sérgio Godinho, classifica cada afirmação que se segue como verdadeira ou falsa. Procede à correção das afirmações falsas.

1. A letra da canção “Notícias locais” começa com uma notícia satisfatória sobre um rapaz.

2. A expressão “ainda a procissão vai no adro” é uma metáfora que sugere que os eventos estão apenas a começar e que há mais por vir.

3. A zaragata que ocorre no texto é causada por um ébrio.

4. A "certidão de óbito" é emitida antes de o rapaz ser apunhalado.

5. O rapaz que é apunhalado tem uma vida cheia de sorte, conforme descrito no texto.

6. O facto de o rapaz ter sido noticiado no jornal é visto como uma forma de compensação pela sua morte.

7. A frase “pelo menos vem no jornal” aponta para uma crítica à superficialidade da busca pela visibilidade.

8. A frase “pelo menos vem no jornal” carrega satisfação e aponta para uma sociedade que valoriza a notoriedade, mesmo quando se trata de tragédias pessoais.

9. A expressão “não faz mal, não faz mal” sugere uma aceitação resignada da tragédia.

10. A expressão “não faz mal, não faz mal” sugere uma indiferença resignada à tragédia da morte, como se esta fosse apenas mais uma notícia passageira.

11. O texto critica a banalização da violência e da morte nos meios de comunicação social.

12. O texto termina com uma reflexão otimista sobre a notoriedade momentânea nos jornais.

 

RESPOSTAS:

1. Falso. O poema começa com uma notícia trágica: um ébrio apunhalou mortalmente um rapaz durante uma zaragata.

2. Verdadeiro

3. Verdadeiro.

4. Falso. A certidão de óbito é emitida após a morte do rapaz, simbolizando que a discussão evoluiu rapidamente para um desfecho fatal.

5. Falso. Na letra da canção diz-se que "esse rapaz nunca teve grande sorte", indicando que ele não foi afortunado na sua vida.

6. Verdadeiro

7. Verdadeiro

8. Falso. A frase “pelo menos vem no jornal” carrega sarcasmo e aponta para uma sociedade que valoriza a notoriedade, mesmo quando se trata de tragédias pessoais.

9. Verdadeiro

10. Verdadeiro

11. Verdadeiro

12. Falso. O poema termina com uma reflexão amarga, sugerindo que a única consolação para a tragédia é a sua notoriedade momentânea nos jornais.

 

 

ESCRITA

Proposta 1 – Notícia

Tendo por base o conteúdo da letra da canção "Notícias locais", redige o primeiro parágrafo (lead) da notícia que veio no jornal. Terás de responder às perguntas Quem? Fez o quê? Quando? Onde? (podes inventar a informação que a letra da canção de Sérgio Godinho não fornece).

 

Proposta 2 – Texto de opinião

A frase “pelo menos vem no jornal” sugere que a notoriedade é valorizada mesmo em situações trágicas.

Na tua opinião, a sociedade atual prioriza a visibilidade a qualquer custo?

Deves redigir o teu texto, tendo em conta a seguinte estrutura:

Introdução: Apresentação do tema; manifestação da tua posição sobre a questão colocada.

Desenvolvimento: Apresentação de, pelo menos, duas razões que te permitam justificar essa mesma posição, bem como de exemplos que as ilustrem.

Conclusão: Reforço da tua opinião sobre o tema e/ou conselho final aos teus colegas.

 

Proposta 3 – Texto de opinião

A violência nos telejornais é um assunto que tem gerado muita polémica e debate na sociedade. Há quem defenda que os telejornais devem mostrar a realidade tal como ela é e há quem critique o aumento de notícias sobre violência.

Escreve um texto de opinião em que defendas o teu ponto de vista sobre a problemática apresentada.

Segue a seguinte estrutura:

1.º parágrafo – introdução: apresentação do tema que está indicado na instrução + opinião

2.º parágrafo – desenvolvimento: razão 1 + exemplo 1

3.º parágrafo – desenvolvimento: razão 2 + exemplo 2

4.º parágrafo – conclusão: síntese + conselho final

 

Proposta 4 – Texto de opinião

«Numa altura em que a lógica da informação televisiva e os tradicionais valores do jornalismo se apresentam em mutação profunda; onde a violência e as catástrofes do mundo ganham cada vez mais destaque nos ecrãs da televisão, percebemos que as fronteiras da violência se encontram algo indefinidas. É possível estabelecer limites à exibição de violência na informação televisiva de serviço público?»

Sara Silva, O Tratamento da Violência na Informação de Serviço Público: O Caso da RTP. Escola Superior de Comunicação Social, 2015

Num texto de opinião bem estruturado, defende uma perspetiva pessoal sobre a questão colocada por Sara Silva.

No teu texto:

− explicita, de forma clara e pertinente, o teu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos, cada um deles ilustrado com um exemplo significativo;

− utiliza um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).