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quarta-feira, 17 de julho de 2024

Vivo numa outra terra, Sérgio Godinho


 

VIVO NUMA OUTRA TERRA

Contigo, na nossa terra
quisera eu bailar
contigo, eu trocara a jura
de a gente se amar
contigo, na nossa terra
quisera eu viver
mas vivo numa outra terra
a trabalhar
e a ganhar
p´ra viver
e a viver
p´ra ganhar

Eu sei que na minha terra
há gente a lutar
quisera eu estar lá com eles
sem ter que emigrar
mas tanto atirei semente
sem ter colher
que pedi um passaporte
para emigrar
e ganhar
p´ra viver
e viver
p´ra ganhar

Eu fui lavar saudades ao Tejo
a aguinha doce deu-me logo um beijo
eu fui lavar saudades ao Douro
abraços desses valem mais do que ouro

Aqui em terra distante
vivo mal e bem
sinto saudades imensas
de quem me quer bem
tenho um salário melhor
não há que duvidar
mas era na minha terra
que eu queria estar
e ganhar
p´ra viver
e não ter
que emigrar

Haja um dia que vem vindo
quem dera que já
em que eu faça uma viagem
de cá para lá
e que o trabalho me renda
sem ter de emigrar
que eu viva na minha terra
a trabalhar
e ganhar
p´ra viver
e não ter
que emigrar

Eu fui lavar saudades ao Tejo
a aguinha doce deu-me logo um beijo
eu fui lavar saudades ao Douro
abraços desses valem mais do que ouro

 

Letra, música e interpretação de Sérgio Godinho, do álbum Campolide. Editora Orfeu, 1979

 

QUESTIONÁRIO

1. Estabelece a correspondência entre cada uma das estrofes indicadas na coluna da esquerda e o seu assunto, na coluna da direita:

1.ª estrofe

2.ª estrofe

4.ª estrofe

5.ª estrofe

A.   O sujeito poético descreve a sua vida atual. 

B.   O sujeito poético manifesta um desejo para o futuro. 

C.   O sujeito poético revela um desejo e explica por que razão não pode ser realizado. 

D.  O sujeito poético explica a causa da sua situação atual. 

 

2. De acordo com a leitura da letra da canção “Vivo numa outra terra”, de Sérgio Godinho, classifica cada afirmação que se segue como verdadeira ou falsa. Procede à correção das afirmações falsas.

2.1. O título sugere o tema da emigração.

2.2. O tema do poema é a vida em terra estrangeira e o desejo de retornar à terra natal.

2.3. O sujeito poético está dividido entre viver mal (devido ao baixo salário) e bem (por estar quase na sua terra).

2.4. Na quinta estrofe, o sujeito poético expressa o desejo de ir e voltar da sua terra natal.

2.5. O sentimento dominante no poema é o desejo de enriquecer, expresso principalmente na terceira, quarta e sexta estrofes.

2.6. O tempo verbal predominante na quinta estrofe é o pretérito perfeito.

2.7. Há três refrões no poema: os quatro versos finais das estrofes 1 e 2; as estrofes 3 e 6; os quatro versos finais das estrofes 4 e 5.

2.8. Conclui-se que o sujeito poético está satisfeito com a sua vida na terra estrangeira.

 

RESPOSTAS

1.Chave de correção: C-D-A-B

1.ª estrofe: O sujeito poético revela um desejo e explica por que razão não pode ser realizado. 

2.ª estrofe: O sujeito poético explica a causa da sua situação atual. 

4.ª estrofe: O sujeito poético descreve a sua vida atual. 

5.ª estrofe: O sujeito poético manifesta um desejo para o futuro. 

2.1. Verdadeiro.

2.2. Verdadeiro.

2.3.  Falso. O sujeito poético está dividido entre viver mal (por estar longe da sua terra) e bem (devido ao salário melhor).

2.4. Falso. Na quinta estrofe, o sujeito poético expressa o desejo de um dia poder voltar à sua terra natal e trabalhar lá sem precisar emigrar.

2.5. Falso. O sentimento dominante no poema é a saudade, expressa principalmente na terceira, quarta e sexta estrofes.

2.6. Falso.O tempo verbal predominante na quinta estrofe é o presente do conjuntivo, que é usado para expressar um desejo ou vontade.

2.7. Verdadeiro.

2.8. Falso. O sujeito poético não está totalmente satisfeito com a sua vida na terra estrangeira, pois sente saudades imensas da sua terra natal e de quem lhe quer bem. 

(Adaptado de: Diálogos 7, Fernanda Costa e Luísa Mendonça. Porto Editora, 2011)




CAMPOLIDE (1979), Sérgio Godinho

A imagem é um retrato quase banal: um homem e uma caixa de viola numa estação de comboios, um relógio onde ainda não são duas horas, um cartaz na parede com o mesmo homem e a mesma viola, gente normal em volta. O homem da viola é Sérgio Godinho, a estação, lê-se no painel de azulejo sobre a porta, é Campolide. Há 35 anos, o homem, a viola e a estação tornaram-se num disco com dez canções sem tempo.

«Campolide» é o sexto álbum de originais de Sérgio Godinho, quarto gravado e publicado após o 25 de Abril e o regresso a Portugal do compositor. É, também, o segundo e último que grava para a etiqueta Orfeu, de Arnaldo Trindade.

«Campolide», porém, não é sequer o título de qualquer das canções deste álbum. Chama-se assim, apenas, porque foi gravado nos estúdios localizados no 103-C da Rua de Campolide, ao tempo propriedade da empresa de Arnaldo Trindade e conhecidos como «estúdios de Campolide», onde gravaram algumas das mais importantes figuras da música portuguesa.

Foi aqui, por exemplo, que em 1969 Adriano Correia de Oliveira registou o histórico «O Canto e As Armas», sobre poemas de Manuel Alegre. Adriano cumpria o serviço militar, tal como Rui Pato, que o acompanhou à viola: «O disco foi gravado durante duas noites de patrulha da polícia militar do alferes Adriano, com ele fardado e com a pistola, o capacete e a braçadeira poisados em cima do piano, e o jipe a passear por Lisboa, com a cumplicidade de certos militares amigos», contaria Rui Pato, muitos anos depois.

Adriano foi apenas uma das vozes que se fizeram ouvir nos estúdios de Campolide, que durante anos estiveram para Lisboa um pouco como os estúdios de Abbey Road para a capital inglesa. De Zeca Afonso a Fausto Bordalo Dias, passando por Carlos Mendes, Maria da Fé ou Tony de Matos, praticamente não houve nome grande da música portuguesa que por ali não tenha passado. Não admira, pois, que acabasse por ser nome próprio de um disco. Este, de Sérgio Godinho.

«Campolide», publicado em 1979, tem uma ficha técnica de luxo: Carlos Zíngaro, Pedro Caldeira Cabral, Pedro Osório, Guilherme Inês, Luís Caldeira ou José Eduardo são alguns dos participantes, a que se juntam as colaborações especiais de Adriano Correia de Oliveira, Fausto, José Afonso e Vitorino. Dos dez temas desse disco, destacam-se “Arranja-me um Emprego”, “Cuidado com as Imitações”, “Espectáculo” ou “Lá em Baixo”. Ou “Quatro Quadras Soltas”, o único registo que reúne de uma assentada Sérgio, Fausto, Adriano e Zeca.

De resto, não é gratuito dizer que a vida musical de Sérgio Godinho está, desde o início ligada a Campolide: foi para a Sassetti, outra editora histórica, sedeada na Avenida Conselheiro Fernando de Sousa, que gravou dois discos a partir do exílio («Os Sobreviventes», em 1971, e «Pré-Histórias», em 72) e os dois primeiros após a revolução («À Queima-Roupa», em 74, e «De Pequenino se Torce o Destino», em 76) . Depois, já na Orfeu, é nos estúdios de Campolide que grava o aclamado «Pano-Cru», de que fazem parte algumas das suas canções mais emblemáticas, como “Balada da Rita”, “A Vida é Feita de Pequenos Nadas”, “Feiticeira” e, principalmente, “O Primeiro Dia”. E, finalmente, «Campolide».

Criados nos anos 60, os estúdios de Campolide viriam mais tarde a mudar de mãos, mas não de rumo. Como Estúdios Rádio Triunfo, depois Namouche, e finalmente Xangrilá, o 103-C da Rua de Campolide continuou até há pouco tempo a acolher vozes e personagens importantes da música portuguesa. Agora, restam as memórias de algumas gravações que fizeram história. Como o disco de Sérgio Godinho.

Notícias de Campolide, setembro de 2014. Disponível em: https://viriatoteles.com/imprensa/imprensa-2010/269-um-disco-um-estudio-uma-historia.html


terça-feira, 16 de julho de 2024

Notícias locais, Sérgio Godinho


 

NOTÍCIAS LOCAIS

Ainda a procissão vai no adro
e já a zaragata é do ébrio
ainda a discussão vai no híbrido
e já a certidão é do óbito
de súbito
um punhal
e ei-lo que cai em
decúbito
dorsal
pobre instante, pobre morte
esse rapaz nunca teve grande sorte
não faz mal, não faz mal
pelo menos vem no jornal
pelo menos vem no jornal
pelo menos vem no jornal

 

Letra, música e interpretação de Sérgio Godinho, do álbum Escritor de Canções. Editora Guilda da Música, 1990 (Gravação: setembro de 1972)

_________

Notas: 1. Híbrido - que resulta do cruzamento de espécies diferentes. 2. Óbito – morte; certidão de óbito – documento em que um médico declara a morte de alguém. 3. Decúbito dorsal – deitado de costas.

 

De acordo com a leitura da letra da canção “Notícias locais”, de Sérgio Godinho, classifica cada afirmação que se segue como verdadeira ou falsa. Procede à correção das afirmações falsas.

1. A letra da canção “Notícias locais” começa com uma notícia satisfatória sobre um rapaz.

2. A expressão “ainda a procissão vai no adro” é uma metáfora que sugere que os eventos estão apenas a começar e que há mais por vir.

3. A zaragata que ocorre no texto é causada por um ébrio.

4. A "certidão de óbito" é emitida antes de o rapaz ser apunhalado.

5. O rapaz que é apunhalado tem uma vida cheia de sorte, conforme descrito no texto.

6. O facto de o rapaz ter sido noticiado no jornal é visto como uma forma de compensação pela sua morte.

7. A frase “pelo menos vem no jornal” aponta para uma crítica à superficialidade da busca pela visibilidade.

8. A frase “pelo menos vem no jornal” carrega satisfação e aponta para uma sociedade que valoriza a notoriedade, mesmo quando se trata de tragédias pessoais.

9. A expressão “não faz mal, não faz mal” sugere uma aceitação resignada da tragédia.

10. A expressão “não faz mal, não faz mal” sugere uma indiferença resignada à tragédia da morte, como se esta fosse apenas mais uma notícia passageira.

11. O texto critica a banalização da violência e da morte nos meios de comunicação social.

12. O texto termina com uma reflexão otimista sobre a notoriedade momentânea nos jornais.

 

RESPOSTAS:

1. Falso. O poema começa com uma notícia trágica: um ébrio apunhalou mortalmente um rapaz durante uma zaragata.

2. Verdadeiro

3. Verdadeiro.

4. Falso. A certidão de óbito é emitida após a morte do rapaz, simbolizando que a discussão evoluiu rapidamente para um desfecho fatal.

5. Falso. Na letra da canção diz-se que "esse rapaz nunca teve grande sorte", indicando que ele não foi afortunado na sua vida.

6. Verdadeiro

7. Verdadeiro

8. Falso. A frase “pelo menos vem no jornal” carrega sarcasmo e aponta para uma sociedade que valoriza a notoriedade, mesmo quando se trata de tragédias pessoais.

9. Verdadeiro

10. Verdadeiro

11. Verdadeiro

12. Falso. O poema termina com uma reflexão amarga, sugerindo que a única consolação para a tragédia é a sua notoriedade momentânea nos jornais.

 

 

ESCRITA

Proposta 1 – Notícia

Tendo por base o conteúdo da letra da canção "Notícias locais", redige o primeiro parágrafo (lead) da notícia que veio no jornal. Terás de responder às perguntas Quem? Fez o quê? Quando? Onde? (podes inventar a informação que a letra da canção de Sérgio Godinho não fornece).

 

Proposta 2 – Texto de opinião

A frase “pelo menos vem no jornal” sugere que a notoriedade é valorizada mesmo em situações trágicas.

Na tua opinião, a sociedade atual prioriza a visibilidade a qualquer custo?

Deves redigir o teu texto, tendo em conta a seguinte estrutura:

Introdução: Apresentação do tema; manifestação da tua posição sobre a questão colocada.

Desenvolvimento: Apresentação de, pelo menos, duas razões que te permitam justificar essa mesma posição, bem como de exemplos que as ilustrem.

Conclusão: Reforço da tua opinião sobre o tema e/ou conselho final aos teus colegas.

 

Proposta 3 – Texto de opinião

A violência nos telejornais é um assunto que tem gerado muita polémica e debate na sociedade. Há quem defenda que os telejornais devem mostrar a realidade tal como ela é e há quem critique o aumento de notícias sobre violência.

Escreve um texto de opinião em que defendas o teu ponto de vista sobre a problemática apresentada.

Segue a seguinte estrutura:

1.º parágrafo – introdução: apresentação do tema que está indicado na instrução + opinião

2.º parágrafo – desenvolvimento: razão 1 + exemplo 1

3.º parágrafo – desenvolvimento: razão 2 + exemplo 2

4.º parágrafo – conclusão: síntese + conselho final

 

Proposta 4 – Texto de opinião

«Numa altura em que a lógica da informação televisiva e os tradicionais valores do jornalismo se apresentam em mutação profunda; onde a violência e as catástrofes do mundo ganham cada vez mais destaque nos ecrãs da televisão, percebemos que as fronteiras da violência se encontram algo indefinidas. É possível estabelecer limites à exibição de violência na informação televisiva de serviço público?»

Sara Silva, O Tratamento da Violência na Informação de Serviço Público: O Caso da RTP. Escola Superior de Comunicação Social, 2015

Num texto de opinião bem estruturado, defende uma perspetiva pessoal sobre a questão colocada por Sara Silva.

No teu texto:

− explicita, de forma clara e pertinente, o teu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos, cada um deles ilustrado com um exemplo significativo;

− utiliza um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).

 


domingo, 7 de julho de 2024

Desfado, Ana Moura e Pedro da Silva Martins


 

DESFADO

Quer o destino que eu não creia no destino
E o meu fado é nem ter fado nenhum
Cantá-lo bem
sem sequer o ter sentido
Senti-lo como ninguém,
mas não ter sentido algum

Ai que tristeza, esta minha alegria
Ai que alegria, esta tão grande tristeza
Esperar que um dia
eu não espere mais um dia
Por aquele que nunca vem
e que aqui esteve presente

Ai que saudade que eu tenho de ter saudade
saudades de ter alguém que aqui está e não existe
Sentir-me triste só por me sentir tão bem
E alegre sentir-me bem só por eu andar tão triste

Ai se eu pudesse não cantar «ai se eu pudesse»
e lamentasse não ter mais nenhum lamento
Talvez ouvisse
no silêncio que fizesse
uma voz que fosse minha
cantar alguém cá dentro

Ai que desgraça esta sorte que me assiste
Ai mas que sorte eu viver tão desgraçada
Na incerteza
que nada mais certo existe
além da grande incerteza
de não estar certa de nada

Ai que saudade que eu tenho de ter saudade
saudades de ter alguém que aqui está e não existe
Sentir-me triste só por me sentir tão bem
E alegre sentir-me bem só por eu andar tão triste

 

Ana Moura, in Desfado. Letra e música de Pedro da Silva Martins

 

"Desfado", escrito por Pedro da Silva Martins e interpretado por Ana Moura, é um poema que subverte a tradição do fado português, oferecendo uma reflexão metalinguística sobre o próprio conceito de destino e saudade. Este texto não apenas celebra a ambivalência emocional característica do fado, mas também questiona e desconstrói as noções de destino, tristeza e alegria.

Desde o início, o poema estabelece uma relação paradoxal com o destino: "Quer o destino que eu não creia no destino / E o meu fado é nem ter fado nenhum". A palavra "fado" aqui carrega uma dupla conotação, referindo-se tanto ao destino inevitável quanto ao género musical tradicional. A negação do destino — ou a ideia de ter um fado "sem sentido algum" — desafia a fatalidade típica do fado, abrindo espaço para uma abordagem mais pessoal e subjetiva da existência.

O poema prossegue com uma exploração profunda da dualidade emocional: "Ai que tristeza, esta minha alegria / Ai que alegria, esta tão grande tristeza". Esta ambiguidade emocional é central ao fado, mas aqui é elevada a um novo nível de introspeção. A justaposição de alegria e tristeza cria uma tensão que revela a complexidade das emoções, refletindo a incerteza e a instabilidade da vida.

A saudade, um tema recorrente no fado, é abordada de maneira inovadora: "Ai que saudade que eu tenho de ter saudade / saudades de ter alguém que aqui está e não existe". A saudade de uma ausência presente sugere uma nostalgia paradoxal, onde o sujeito lírico anseia por uma ligação com alguém que nunca esteve verdadeiramente presente. Este sentimento de ausência dentro da presença destaca a fragilidade das relações e a constante busca por significado.

Uma das características mais marcantes do poema é a sua reflexão sobre o próprio ato de cantar o fado: "Ai se eu pudesse não cantar 'ai se eu pudesse' / e lamentasse não ter mais nenhum lamento". Esta autocrítica sugere um desejo de transcender as limitações do gênero e encontrar uma voz autêntica dentro do silêncio. A voz que "fosse minha" representa a busca por uma identidade própria, distinta das tradições impostas.

O poema conclui com uma meditação sobre a incerteza: "Na incerteza / que nada mais certo existe / além da grande incerteza / de não estar certa de nada". Este reconhecimento da incerteza como a única certeza da vida reflete um profundo existencialismo. A aceitação da incerteza não é apenas uma resignação, mas uma afirmação da liberdade individual e da complexidade da experiência humana.


quinta-feira, 27 de junho de 2024

No comboio descendente, Fernando Pessoa


 

No comboio descendente
Vinha tudo à gargalhada,
Uns por verem rir os outros
E os outros sem ser por nada —
No comboio descendente
De Queluz à Cruz Quebrada...

No comboio descendente
Vinham todos à janela,
Uns calados para os outros
E os outros a dar-lhes trela —
No comboio descendente
Da Cruz Quebrada a Palmela...

No comboio descendente
Mas que grande reinação!
Uns dormindo, outros com sono,
E os outros nem sim nem não —
No comboio descendente
De Palmela a Portimão...

 

s.d.

Quadras ao Gosto Popular. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido e prefaciado por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1965. (6ª ed., 1973).  - 117.

Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/4240

 



Análise do poema "No comboio descendente" de Fernando Pessoa

Estrutura e forma

O poema "No comboio descendente" de Fernando Pessoa é estruturado em três estrofes, cada uma com seis versos. A forma fixa do poema destaca-se pela ênfase na sonoridade das rimas, incluindo as internas. A repetição é um elemento crucial, visível na métrica, no ritmo, na estrutura sintática e nos recursos sonoros, como assonâncias e aliterações.

Função da repetição

A repetição no poema tem o propósito de induzir um estado de sonolência, semelhante às canções de ninar. A repetição sintática e semântica cria um efeito de relaxamento, que acalma e adormece os leitores, como se fossem crianças.

Primeira estrofe: de Queluz à Cruz Quebrada

Na primeira estrofe, o tom é de alegria e animação:

  • Sonoridade vibrante: A aliteração com a consoante /k/ e os encontros consonantais /kr/ e /br/ no verso "De Queluz à Cruz Quebrada" evocam o som e a confusão típicos de uma viagem animada de comboio.
  • Rima interna: A rima entre "Queluz" e "Cruz" reforça a ideia de repetição e alegria entre os passageiros.

Segunda estrofe: de Cruz Quebrada a Palmela

Na segunda estrofe, a atmosfera começa a acalmar:

  • Transição para a calma: A sonoridade indica uma diminuição na agitação, sugerindo que os passageiros estão a acalmar à medida que a viagem continua.

Terceira estrofe: de Palmela a Portimão

Na terceira estrofe, há uma mudança de tom:

  • Quebra da repetição: A estrutura paralela dos versos é interrompida pela expressão "Mas que grande reinação!", usada de forma irónica para indicar que, apesar da frase, a atmosfera agora é de sono.
  • Sonoridade nasal: O último verso "De Palmela a Portimão" destaca sons nasais, que sugerem um ambiente tranquilo e os passageiros adormecidos.

Análise alegórica

O poema não descreve apenas uma viagem de comboio animada e barulhenta, mas também representa alegoricamente o processo de adormecimento:

  • Transição de animação para sonolência: A sonoridade e a escolha das palavras ao longo do poema ilustram a transição da vivacidade para a calma e, finalmente, para o sono dos passageiros.
  • Linguagem infantil: Expressões coloquiais como "reinação" e "dar-lhes trela" evocam uma linguagem simples e infantil, reforçando a sensação de uma canção de ninar.

Conclusão

Fernando Pessoa, no poema "No comboio descendente", utiliza a repetição em múltiplos níveis para criar um efeito tranquilizante. O poema leva o leitor de um estado de alegria e excitação para uma serenidade sonolenta, refletindo o processo de adormecimento. A estrutura sonora e a escolha das palavras contribuem para essa transformação gradual, fazendo do poema uma rica alegoria do cair no sono.

 

Adaptado de: “Fernando Pessoa e Cecília Meireles: o encontro entre poesia e criança”, Alice Martha. Actas do IV Congresso Internacional da Associação Portuguesa de Literatura Comparada – Estudos Literários/Estudos Culturais. Universidade de Évora, maio 2001

 



segunda-feira, 24 de junho de 2024

É tão bom uma amizade assim, Sérgio Godinho

 


               É TÃO BOM

 

Vale a pena ver

 

castelos no mar alto

 

Vale a pena dar o salto

 

p’ra dentro do barco

5

rumo à maravilha

 

e pé ante pé desembarcar na ilha

 

Pássaros com cores que nunca vi

 

que o arco-íris queria para si

 

eu vi o que quis ver afinal

 

 

10

É tão bom uma amizade assim

 

Ai, faz tão bem saber com quem contar

 

Eu quero ir ver quem me quer assim

 

É bom para mim e é bom p’ra quem tão bem me quer

 

 

 

Vale a pena ver

15

o mundo aqui do alto

 

vale a pena dar o salto

 

Daqui vê-se tudo

 

às mil maravilhas

 

na terra as montanhas e no mar as ilhas

20

Queremos ir à lua mas voltar

 

convém dar a curva

 

sem se derrapar

 

na avenida do luar

 

 

 

É tão bom uma amizade assim

25

Ai, faz tão bem saber com quem contar

 

Eu quero ir ver quem me quer assim

 

É bom para mim e é bom p’ra quem tão bem me quer

“É tão bom”, letra de Sérgio Godinho, do álbum Sérgio Godinho canta com os amigos do Gaspar, 1988

 

De acordo com a leitura da letra da canção “É tão bom”, de Sérgio Godinho, classifica cada afirmação que se segue como verdadeira ou falsa. Procede à correção das afirmações falsas.

1. A primeira estrofe usa comparações como "castelos no mar alto" e "dar o salto p’ra dentro do barco".

2. A expressão “dar o salto p’ra dentro do barco” sugere a hesitação e a procura de segurança no interior da embarcação.

3. A expressão "castelos no mar alto" simboliza algo grandioso e distante, representando a coragem e o desejo de explorar e se aventurar no desconhecido.

4. O refrão da canção celebra a importância das amizades e o apoio mútuo.

5. A ilha mencionada na letra da canção representa um lugar de maravilhas e novas experiências.

6. A expressão "eu vi o que quis ver afinal" (verso 9) sugere uma sensação de deceção com as descobertas feitas.

7. A terceira estrofe (versos 14 a 23) sugere que é importante tomar cuidado ao buscar novas experiências para evitar problemas.

8. A menção à lua e à “avenida do luar” (verso 23) adiciona um toque de realismo à música.

 

Respostas:

1. Falso. A primeira estrofe usa metáforas como "castelos no mar alto" e "dar o salto p’ra dentro do barco".

2. Falso. A expressão “dar o salto p’ra dentro do barco” simboliza a coragem de embarcar em novas jornadas e explorar o desconhecido. Ela não sugere hesitação, mas sim disposição para se aventurar.

3. Verdadeiro.

4. Verdadeiro.

5. Verdadeiro.

6. Falso. A expressão "eu vi o que quis ver afinal" sugere uma satisfação pessoal com as descobertas feitas, e não uma sensação de deceção. O sujeito poético encontrou o que procurava e está satisfeito com as suas descobertas.

7. Verdadeiro

8. Falso. As menções à lua e à "avenida do luar" adicionam um toque de fantasia e sonho à música, e não realismo. Elas servem para enriquecer a letra com uma qualidade poética e imaginativa, reforçando os temas de exploração e maravilha de maneira encantada e idealizada. A música utiliza esses elementos para criar um ambiente que é mais sobre aspiração e encantamento do que sobre a realidade prática e quotidiana.