Gosto tanto do 25 de Abril. É um dia que me reconcilia com Portugal. Penso sempre nele
quando passo em Lisboa na Rua da Alfândega à frente da Igreja da Conceição
Velha, que, segundo o letreiro lá colocado pela Câmara Municipal de Lisboa,
ocupa o lugar de uma sinagoga desactivada e depois reconvertida em templo
cristão pela rainha D. Leonor (mulher de D. João II). Que passado o nosso:
séculos de perseguição, de tortura e de execução de judeus. Que bom termos em contrapartida o 25 de
Abril.
Penso também sempre no 25 de
Abril quando países do mundo ocidental com cadastro de esclavagistas e
negreiros reconhecem e enfrentam esse passado. Não faz muito o nosso género,
pois somos um país de brandos costumes e, normalmente, estamos mais atentos à
culpa alheia. Mas sim, fomos negreiros. Que bom termos em contrapartida o 25 de
Abril.
Tivemos 48 anos de fascismo,
é certo. Fomos um país onde não havia liberdade de expressão e onde, em pleno
pós 1945, nas prisões se praticava a tortura. Mas que bom termos em
contrapartida o 25 de Abril.
Fomos um país que tem na
consciência uma Guerra Colonial, que tudo temos feito para esquecer e enterrar.
Mas que bom termos em contrapartida o 25 de Abril.
Somos um país em que o Estado
e a Igreja Católica nunca tiveram uma relação saudável. O casamento entre
Catolicismo e Estado Novo foi uma vergonha. Tivemos a Inquisição e levámo-la
para os territórios que lusitanizámos na sequência da nossa Expansão
imperialista (a que gostamos de chamar “Descobrimentos”). Mas que bom termos em
contrapartida o 25 de Abril.
Hoje, olhamos para Lisboa, a capital
do nosso país, como uma cidade que voltou à sua matriz mais funda de “Jerusalém
Lusitana”: uma cidade de cristãos, de judeus e de muçulmanos, cujas religiões
coexistem em paz. E onde com elas coexistem em paz hindus e budistas. Já para
não falar de ateus e agnósticos.
Que bom termos o Portugal que temos
hoje, graças ao 25 de Abril.
Frederico
Lourenço, página pessoal do Facebook, 25 de Abril de 2016
Ricardo Araújo Pereira, “Literaturas
Comparadas: A Lírica de David, Mickael e Tony”, in Mixórdia de Temáticas, programa emitido pela Rádio Comercial em 2012-04-10
[…] creio ser possível identificar
certas constantes, motivos e argumentos recorrentes que reemergem
sistematicamente, e acabam por definir o modo como falamos de poesia. O
problema que me suscita os exemplos iniciais decorre da percepção de uma
identidade comum àquele discurso e a uma certa tradição do discurso
crítico-literário. Uma tradição fortemente marcada pelo tom descritivista, ao
qual não será porventura alheia a “heresia da paráfrase”, mas cuja negação do
poder de actualização do poético vai muito para além disso: o gesto crítico
volve-se num exercício taxonómico, numa pulsão classificativa que se enreda
sobre si mesma e se ocupa do jogo infinito de fazer e desfazer a sua própria
trama, à imagem de Penélope.
Creio que, em tempos recentes,
ninguém conseguiu captar tão bem o fundo irónico desta tendência quanto Ricardo
Araújo Pereira, na rábula “Literaturas Comparadas”, integrada no espaço
radiofónico Mixórdia de Temáticas.
Ricardo Araújo Pereira propõe-se fazer uma análise comparativa de três autores
de música popular portuguesa, e fá-lo nos termos mais familiares ao discurso
crítico (onde pode incluir-se o académico) dos nossos dias. Com o devido
indulto que exigem os coloquialismos e impropérios, vale a pena citar o
diálogo, já que nele ficam evidenciados de modo lapidar alguns destes “tiques”
mais persistentes na produção crítico-interpretativa, hoje:
- Bom, em primeiro lugar, é
importante distinguir estes três trovadores: Tony é um cantor romântico, Micael
propõe romance também, mas em ritmos latinos, com especial atenção às
sonoridades do caribe, e David opera uma mistura única entre o pop, a dance
music, o hip-hop e as grandes baladas R&B - estou a citar o site oficial do
poeta.
- Mas olha, Ricardo, eles podem ser
enquadrados nessas categorias ou extravasam os seus limites? É que a minha
sensação é que eles extravasam esses limites...
- Ó Vasco, vejo que tens formação em
literatura. De facto, extravasam e de que maneira. Talvez as pessoas se
surpreendam se souberem que Tony Carreira, por exemplo, além de incurável
romântico, sabe ser também um atrevido maroto. É um dos aspectos mais interessantes
da lírica toniniana, aliás, e está presente, por exemplo, no poema “Eu quero
Nanana”:
(...)
Repara, Vasco, como o poeta,
marotamente, substitui aquilo que se adivinha ser obsceno pela expressão
“nanana”. Agora: fá-lo por pudor, ou porque tem dificuldade em usar a língua
portuguesa para se exprimir? É a dúvida que acrescenta mistério ao poema.
- Mistério ao poema. Mas, por outro
lado, David Carreira é mais moderno... Como é que se faz sentir na poesia essa
modernidade do David?
- Olha, Vasco, através da introdução
subtil de vocábulos em inglês: David Carreira usa termos em estrangeiro, logo,
é moderno.
(...)
Não sei se reparaste que, um poeta
menos moderno, limitar-se-ia a festejar. David vai mais longe, e festeja in the club, yeah. Designadamente, no dance floor.
- Notável, notável. E quanto ao
Micael? Ao que julgo saber, a poesia do Micael distingue-se por uma certa, como
hei-de dizer, idealização da mulher?
- É, sim, sim, sobretudo na medida em
que a mulher, enquanto ideal de pureza, consegue, ainda assim, abanar o
pandeiro, portanto, o nalguedo, a pandeireta, vá. Mas é uma pandeireta
idealizada, ela também. Repara no poema “Mexe bem demais”:
(...)
Vê, Vasco, como a mulher ideal de
Micael Carreira tem calor latino, que é dos melhores calores que se pode ter,
e, não satisfeita com o facto de ter tudo aquilo com que o poeta sonha, ela
ainda mexe bem demais. Podia limitar-se a estar sossegada, ou a mexer
relativamente bem. Mas não: ela mexe bem demais. Ora bom, nisto de mexer,
pergunto eu, haverá demasiado bem? A partir de que momento é que mexer bem se
torna mexer bem demais? São questões extremamente interessantes, Vasco.
- Que vão ter de ficar para outra
vez, Ricardo, porque já excedemos o nosso tempo.
- Já, olha, é sempre a mesma coisa,
nunca há tempo para a poesia. Mas enfim...
O registo irónico não retira à
caricatura o poder de penetração num certo modo bastante disseminado de falar
sobre poesia: um misto de formalismo com um sentimentalismo deliquescente,
concentrado quase exclusivamente em explicaro como, mas pouco ou nada preocupado
com o porquê, e menos ainda o para quê da poesia, numa justificação
fática do poético, quase sempre aliada a uma reivindicação sem profundidade nem
fundamento da sua necessidade: “nunca há
tempo para a poesia. Mas enfim...”.
Tudo isto configura um quadro de
sintomas que se integram naquilo que Slavoj Žižek, em For they know not what they do. Enjoyment as a political factor,
caracteriza como os efeitos da crise desencadeada pela perda do elo entre a
referência e a coisa, entre o discurso e as suas consequências. Esse “elo
perdido”, afirma, que o estruturalismo vincou com determinação ao afirmar o
princípio da “prioridade da sincronia sobre a diacronia”, reemerge no discurso
contemporâneo como um “sujeito” espectral, a apontar o vazio que precede e
sucede à linguagem, numa ordem circular e auto-referencial, que apenas declara
a impossibilidade de comunicação entre o discurso e um lugar que lhe seja exterior.
O poético, lido como lugar sem
fora, no entendimento que lhe é dado nos problemas que convoquei
inicialmente, corresponde a esta tipificação:
All
of a sudden, by means of a miraculous leap, we find ourselves within a closed
synchronous order which does not allow of any external support since it turns
in its own vicious circle. This lack of support because of which language
ultimately refers only to itself – in other words: this void that language
encircles in its self-referring – is the subject as “missing link”. The
“autonomy of the signifier” is strictly correlative to the “subjectivization”
of the signifying chain: “subjects” are not the “effective” presence of
“flesh-and-blood” agents that make use of language as part of their social
life-practice, filling out the abstract language schemes with actual content;
“subject” is, on the contrary, the very abyss that forever separates language
from the substantial life-process. (Žižek 2008: 201)
Talvez seja este o (pesado) legado
dos projectos formalistas e estruturalistas para a forma como lemos poesia:
acreditando que estamos a celebrar a autonomia
do significante, não deixamos de contribuir para o ciclo vicioso da
reificação de um “sujeito” idealisticamente concebido, que se manifesta na
cisão, no próprio abismo entre a
ordem do simbólico e a estrutura real dos processos da vida quotidiana. A
violência da tensão resultante deste duplo impulso revela-se, na caricatura de
Ricardo Araújo Pereira, pela acomodação do princípio auto-referencial da
leitura comparatista com as interferências de uma linguagem exterior ao código
convencionado, colocando em destaque a extrema dificuldade que enfrenta a
crítica de poesia no que toca a estabelecer canais de comunicação com o
contexto, enquanto realidade actuante.
De um modo geral,
pode dizer-se que as obras modernas realizadas durante o século XX não foram
explicitamente solicitadas pelo público, mas resultaram essencialmente da vontade
dos artistas. A liberdade interior dos artistas que as produziram apela, porém,
para a liberdade de cada um dos indivíduos componentes do público. A história
da arte precede a história do gosto. | Rui Mário Gonçalves, 1991.
Um grupo de jovens brincou com a ideia de "arte moderna" no Museum of Modern Art de São Francisco. Um par de óculos de um dos visitantes passou a ser 'obra de arte'. | Glasses (spectacles) placed on the floor in an art gallery at SFMONA as a prank by TJ Khayatan and his friend to see how people would react. Photograph: TJ Khayatan/Twitter
Por dois milénios,
grandes artistas estabeleceram o padrão de beleza. Agora esses padrões foram
abandonados. A arte moderna é uma competição entre o feio e o distorcido; a
obra mais chocante vence. O que aconteceu? Como o belo veio a ser aviltado e o
mau gosto veio a ser celebrado? O artista Robert Florczak explica a
história e o mistério por trás dessa mudança e como ela pode ser impedida e até
mesmo revertida. | Título original: Why is Modern Art so Bad? Fonte: https://www.prageru.com Legendas e tradução:
Jonathan Silveira
Why is modern art so terrible and
what does it say about our society? | «Porque é que a "arte"
moderna é tão má e o que é que isso diz sobre a nossa sociedade?» Paul Joseph
Watson (Infowars) desenvolve neste vídeo.
Jornalista Luciano
Trigo critica o vale tudo na arte contemporânea.
Com afinalidadede dar a conhecer seus argumentos
sobreos porquês daarte contemporâneaseruma“arte falsa“, a crítica de arte
Avelina Lésperapresentoua conferência “El Arte Contemporáneo-
El dogma incuestionable” naEscuela
Nacional de Artes Plásticas (ENAP), sendo ovacionada pelos estudantes na
ocasião.
A arte falsa e o vazio criativo
“A carência de rigor (nas obras) permitiu que o
vazio de criação, o acaso e a falta de inteligência passassem a ser os valores
desta arte falsa, entrando qualquer coisa para ser exposta nos museus“
A crítica explicaque os objetosevalores
estéticos que seapresentamcomo arte são aceitesemcompleta
submissãoaos princípiosde uma autoridadeimpositora. Isto faz comque, acada dia,formem-sesociedades menos inteligentese aproximando-nos dabarbárie.
OReady Made
Lésper abordatambém otema doReady Made,expressando perante esta corrente“artística” uma regressãoao mais elementar e irracional dopensamento humano, um retornoaopensamento
mágicoquenega a realidade.Aartefoi reduzidaa uma crençafantasiosa esuapresençaemum merosignificado. “Necessitamosdearteenão decrenças”.
Génio artístico
Da mesma maneira,a
crítica afirma quea figura do“génio”, artista comobras insubstituíveis,já não tem possibilidade de
manifestar-se na atualidade.“Hoje
em dia,coma superpopulaçãode artistas, estesdeixam de serprescindíveis e qualquerobra substitui-se por outra qualquer,uma vez quecada uma delascarece de singularidade“.
Ostatusde artista
Asubstituição constantede artistas dá-sepelafraca qualidadede seus trabalhos, “tudoaquilo queoartista
realizaestá predestinado a ser
arte, excremento, objetose
fotografiaspessoais, imitações,
mensagensde internet,brinquedos, etc. Atualmente, fazer
arteéumexercício
ególatra; as performances, os vídeos,asinstalaçõesestão feitas de maneira tão óbviaquesubjugaa simplicidadecriativa,além de ser em peças que,emsua
grande maioria,apelamaomínimoesforçoe cujaacessibilidadecriativarevela tratar-se de uma realidade
quepoderia ter sido alcançada
porqualquer um“.
Nestesentido,Lésperafirmaque, aoconceder ostatusdeartistaa qualquer um,todo o mérito é-lhe dissolvido e
ocorre umabanalização.“Cada vezque alguémsemqualquer
méritoesemtrabalho
realmenteexcepcional expõe,aartedeprecia-se em sua presença e
concepção.Quanto mais artistas existirem,
piores são as obras. Aquantidade
não reflete a qualidade“.
Que cada trabalho fale pelo
artista
“Oartistadoready
made atinge a todas as dimensões, mas asatinge compouco profissionalismo;se fazvídeo, nãoalcança ospadrões requeridospelo cinemaou pelapublicidade; se fazobras eletrónicas, manda-as
fazer,sem ser capaz de alcançaros padrões de um técnico mediano;
se envolve-se com sons, não chega à experiência proporcionada por um DJ;assumeque, por tratar-se de umaobrade arte
contemporânea,nãotemporquê
alcançarum mínimo rigorde qualidade em sua realização.
Os artistasfazem
coisas extraordinárias edemonstramemcada
trabalho suacondição de
criadores. Nem Damien Hirst, nemGabriel Orozco,nemTeresa
Margolles, nemajáimensae crescentelista de artistaso são de fato. E istonão o digo eu, dizemsuas obraspor eles“.
Para os Estudantes
Como conselho aos estudantes,Avelina
dizquedeixem que suas obras falem por eles,
nãoumcurador, umsistemaouumdogma.“Sua obra dirá sesão ou não artistas e,se produzem estafalsaarte,repito,nãosãoartistas”.
O público ignorante
Lésper assegura que,nos
dias que correm, a arte deixou de ser inclusiva, pelo que voltou-se contra seus
próprios princípios dogmáticos e, caso não agrade ao espectador, acusa-o de
“ignorante, estúpidoe diz-lhe
com grande arrogânciaque, se não
agrada é por que nãoapercebe“.
“Oespectador, para
evitar serchamado ignorante, não
podedizer aquilo que pensa,uma vez que,para estaarte,todo público que não submete-se a
ela éimbecil, ignoranteenunca
estará a altura da peça exposta ou do artista por trás dela.Desta maneira, o
espectador deixa depresenciarobras que demonstreminteligência”.
Finalizando
Finalmente,Lésper
sinalizaque aarte contemporânea éendogâmica, elitista; com vocaçãosegregacionista,érealizadapara suaprópria estrutura burocrática,favorecendo apenasàs instituições eseus patrocinadores. “Aobsessãopedagógica,anecessidadede explicar cada obra, cada exposiçãogera asobre–produçãode textos que nada maisé do que umaencenação implícita de critérios,uma negação à experiência estética
livre,umasobre–intelectualização da obra
para sobrevalorizá-la eimpedir
que asuapercepçãoseja exercida com naturalidade“.
Acriação élivre,no entanto a contemplaçãonão é.“Estamosdiante da ditadura do maismedíocre”
A arte -
Viviane Mosé, Enrique Diaz e Marcos Chaves
Publicado a
19/02/2013
Café
Filosófico
Como a
filosofia pode nos ajudar a enfrentar a crise contemporânea.
O que é ser
artista? O que é a arte dos dias de hoje? Como a arte se expressa numa
sociedade como a nossa, que se transforma tão rapidamente, com o avanço da
tecnologia, com as descobertas científicas e que ao mesmo tempo, se questiona
sobre os seus valores, seu futuro? O mundo reinventa a arte ou a arte recria o
mundo?
Quais os
desafios da arte no mundo contemporâneo? Como as artes plásticas, o teatro, a
poesia convivem com a tecnologia, e os novos meios? O lugar do teatro; Os
destinos do livro; a computação gráfica; o (des)limite entre as artes; o
direito autoral; expectativas e ansiedades sobre o mundo contemporâneo.
Nesse Café
Filosófico Viviane Mosé convida o ator Henrique Diaz e o artista plástico
Marcos Chaves para um debate sobre os desafios da arte no mundo contemporâneo.
Por que a arte se tornou feia?
Por um
longo tempo, os críticos de arte moderna e pós-moderna têm contado com a
estratégia do “Isso não é repulsivo?”. Refiro-me à estratégia de, dado que as
obras de arte são feias, triviais, ou de mau gosto, apontar que “uma criança de
cinco anos poderia tê-las feito”, e assim por diante. Em sua maioria, eles têm
deixado por isso mesmo. Os argumentos têm sido muitas vezes verdadeiros, mas
também cansativos e pouco convincentes – e o mundo da arte tem sido
completamente indiferente a eles. É claro que as grandes obras do
mundo da arte do século XX são feias. É claro que muitas são
ofensivas. É claro que uma criança de cinco anos, em muitos casos,
poderia ter feito um produto indistinguível. Esses argumentos não são
discutíveis – e eles estão totalmente afastados da questão principal. A questão
importante é: por que o mundo da arte do século XX adotou o feio e o
ofensivo? Por que ele tem derramado suas energias criativas e
inteligência para o trivial e o autoproclamadamente sem sentido?
É fácil
apontar os psicologicamente perturbados ou os “players” cínicos
que aprendem a manipular o sistema para obter os seus quinze minutos ou um
grande e agradável cheque de uma fundação, ou os bajuladores que jogam o jogo,
a fim de serem convidados para as festas certas. Mas todo campo
humano de trabalho tem os seus bajuladores, seus membros perturbados e cínicos,
e eles nunca são os que dirigem a cena. A pergunta é: por que o cinismo e a
feiura se tornaram o jogo que você tinha que jogar para ter sucesso no mundo da
arte?
Meu
primeiro tema será o de que o mundo da arte moderna e pós-moderna foi e está
englobado dentro de um quadro cultural mais amplo gerado no final dos séculos
XIX e XX. Apesar das invocações ocasionais de “a arte pela arte” e as
tentativas de se abster da vida, a arte sempre foi significativa, sondando as
mesmas questões sobre a condição humana que todas as formas de vida cultural
sondam. Artistas são pessoas que pensam e sentem, e eles pensam e sentem
intensamente sobre as mesmas coisas importantes que todos os seres humanos
inteligentes e apaixonados o fazem. Mesmo quando alguns artistas alegam que o
seu trabalho não tem significado, referência ou sentido, essas alegações são
sempre significativas e têm uma referência e sentido. O que conta como uma
alegação cultural significativa, no entanto, depende do que está acontecendo no
âmbito intelectual e cultural mais amplo. O mundo da arte não é hermeticamente
fechado – seus temas podem ter uma lógica de desenvolvimento interno, mas esses
temas quase nunca são gerados a partir de dentro do mundo da arte.
Meu
segundo tema será o de que a arte pós-moderna não representa uma ruptura real
com o modernismo. Apesar das variações que o pós-modernismo retrata, o mundo da
arte pós-moderna nunca desafiou fundamentalmente a estrutura que o modernismo
adotou no final do século XIX. Existe uma continuidade mais fundamental entre
eles do que uma descontinuidade. O pós-modernismo tornou-se simplesmente um
conjunto cada vez mais estreito de variações sobre um conjunto modernista
estreito de temas. Para ver isso, vamos relatar detalhadamente as principais
linhas de desenvolvimento.
Temas do Modernismo
Até agora
os principais temas da arte moderna estão claros para nós. Histórias padrão da
arte dizem-nos que a arte moderna morreu por volta de 1970, seus temas e
estratégias exauriram-se, e que agora temos mais de um quarto de século do
pós-modernismo atrás de nós. A grande ruptura com o passado ocorreu no final do
século XIX. Até o final do século XIX, a arte era um veículo de sensualidade,
significado e paixão. Seus objetivos eram a beleza e a originalidade. O artista
era um mestre qualificado de seu ofício. Esses mestres eram capazes de criar
representações originais com significado humano e apelo universal. Combinando
habilidade e visão, os artistas eram seres elevados, capazes de criar objetos
que por sua vez tinham um poder incrível para exaltar os sentidos, o intelecto,
e as paixões de quem os vivenciavam.
A ruptura
com essa tradição surgiu quando os primeiros modernistas do final dos anos 1800
fixaram-se sistematicamente no projeto de isolar todos os elementos da arte e
se posicionar contra ou, se fosse necessário, eliminá-los.
As causas
da ruptura foram muitas. O naturalismo crescente do século XIX levou, para
aqueles que não tinham sacudido sua herança religiosa, a se sentirem
desesperadamente sozinhos e sem orientação num universo vasto e vazio. O
surgimento das teorias filosóficas do ceticismo e irracionalismo levaram muitos
a desconfiar de suas faculdades cognitivas de percepção e razão. O
desenvolvimento das teorias científicas da evolução e entropia trouxeram com
elas explicações pessimistas sobre a natureza humana e o destino do mundo. A
propagação do liberalismo e do livre mercado levaram seus oponentes na esquerda
política, muitos dos quais eram membros da vanguarda artística, a ver os
desenvolvimentos políticos como uma série de decepções profundas. E as
revoluções tecnológicas impulsionadas pela combinação de ciência e capitalismo
levaram muitos a projetar um futuro em que a humanidade seria desumanizada ou
destruída pelas próprias máquinas que deveriam melhorar seu destino.
No início
do século XX, o sentimento de inquietação do mundo intelectual do século XIX já
se tinha tornado ansiedade na sua forma mais avançada. Os artistas responderam,
explorando em suas obras as implicações de um mundo em que a razão, a
dignidade, o otimismo e a beleza pareciam ter desaparecido.
O novo
tema era: A arte deve ser uma busca da verdade, ainda que brutal, e não a
busca da beleza. Portanto, a questão tornou-se: Qual é a verdade da arte?
A
primeira grande alegação do modernismo é uma reivindicação de conteúdo: a
demanda por um reconhecimento da verdade de que o mundo não é belo. O mundo é
fraturado, decadente, horrível, deprimente, vazio e, em última instância,
ininteligível.
Essa
alegação por si só não é exclusivamente modernista, embora o número de artistas
que a assumiu é unicamente modernista. Alguns artistas do passado acreditavam
que o mundo era feio e horrível – mas tinham usado as tradicionais formas
realistas de perspectiva e de cor para expressar tal opinião. A inovação dos
primeiros modernistas era afirmar que a forma deve corresponder ao
conteúdo. A arte não deve usar as formas tradicionais realistas de
perspectiva e de cor, porque as formas pressupõem uma realidade ordenada,
integrada e cognoscível.
Edvard
Munch chegou lá primeiro (O Grito, 1893): Se
a verdade é que a realidade é um turbilhão revoltante e desintegrado,
então ambo a forma e o conteúdo devem expressar o sentimento. Pablo
Picasso chegou lá em segundo (Les Demoiselles d’Avignon,
1907): Se a verdade é que a realidade é fraturada e vazia,
então ambos a forma e o conteúdo devem expressar isso. As pinturas
surrealistas de Salvador Dali vão um passo além: Se a verdade é que a realidade
é ininteligível, então, a arte pode ensinar esta lição usando formas
realistas contra a ideia de que podemos distinguir a realidade
objetiva de sonhos irracionais e sonhos subjetivos.
O segundo
e paralelo desenvolvimento dentro do modernismo é o Reducionismo. Se
estamos desconfortáveis com a ideia de que a arte ou qualquer disciplina pode
nos dizer a verdade sobre a realidade objetiva externa, então vamos recuar a
partir de qualquer tipo de conteúdo e se concentrar apenas na singularidade da
arte. E, se estamos preocupados com o que é único na arte, então cada meio
artístico é diferente. Por exemplo, o que distingue a pintura da literatura?
Literatura conta histórias — então a pintura não deve fingir ser literatura; em
vez disso, ela deve se concentrar em sua própria singularidade. A verdade sobre
a pintura é que ela é uma superfície bidimensional com tinta. Então, em vez de
contar histórias, o movimento reducionista na pintura afirma que para encontrar
a verdade da pintura, os pintores devem deliberadamente eliminar o que pode ser
eliminado da pintura e ver o que sobrevive. Então, vamos conhecer a
essência da pintura.
Dado que
estamos eliminando, nas seguintes obras icônicas do mundo artístico do século
XX, frequentemente não é o que está na tela que conta – é o
que não está lá. O que é importante é o que foi eliminado e está
agora ausente. A arte passa a ser sobre ausência.
Muitas
estratégias de eliminação foram levadas a cabo pelos primeiros
reducionistas. Se, tradicionalmente, a pintura era cognitivamente
significativa na medida em que nos dizia algo sobre a realidade externa, então
a primeira coisa que devemos tentar eliminar é o conteúdo baseado em uma
suposta consciência da realidade. A Metamarforse de Narciso de Dali aqui tem dupla
função. Dali desafia a ideia de que o que chamamos de realidade é algo
mais do que um estado psicológico subjetivo bizarro. A de Picasso
também tem dupla-função: Se os olhos são a janela da alma, então estas almas
são assustadoramente vagas. Ou, se voltarmos o foco para outra direção,
dizendo que os nossos olhos são o nosso acesso ao mundo, então, as mulheres de Picasso
não estão vendo nada.
Assim,
eliminamos da arte uma conexão cognitiva a uma realidade externa. O que
mais pode ser eliminado? Se, tradicionalmente, a habilidade na pintura é
uma questão de representar um mundo tridimensional em uma superfície
bidimensional, então, para ser fiel à pintura, temos de eliminar a pretensão de
uma terceira dimensão. A escultura é tridimensional, mas a pintura não é
escultura. A verdade da pintura é a de que ela não é
tridimensional. Por exemplo, Dionysius de Barnett Newman (1949)
– que consiste em um fundo verde com duas linhas finas e horizontais, um
amarelo e um vermelho – é o representante dessa linha de desenvolvimento. É
pintura em tela e só uma pintura em tela.
Mas
tintas tradicionais têm uma textura, conduzindo a um efeito tridimensional
quando se olha de perto. Assim, como mostra Morris Louisem Alpha-Phi (1961),
podemos nos aproximar da essência da pintura bidimensional diluindo as tintas
de modo que não há nenhuma textura. A situação é tão bidimensional quanto
possível, e este é o fim da estratégia reducionista – a terceira dimensão não
existe mais.
Por outro
lado, se a pintura é bidimensional, então talvez ainda possamos ser verdadeiros
à pintura, se pintarmos coisas que em si são bidimensionais. Por exemplo,
a obra White Flag (1955-1958)
deJasper Johns é
uma bandeira dos EUA pintada, e as obras de Roy Lichtenstein, Drowning Girl (1963)
e Whaam! (1963),
e outras são painéis de histórias em quadrinhos de grandes dimensões ampliado
em grandes telas. Mas bandeiras e histórias em quadrinhos são, em si,
objetos bidimensionais, então uma pintura bidimensional deles mantém a sua
verdade essencial, enquanto nos permite permanecer fiel ao tema da
bidimensionalidade da pintura. Este dispositivo é particularmente
inteligente, porque, enquanto permanece bidimensional, pode-se, ao mesmo tempo,
contrabandear algum conteúdo ilícito – conteúdo que anteriormente tinha sido
eliminado.
Mas é
claro que isso é trapacear, como Lichtenstein passou a apontar com o seu humor
em Brushstroke (1965). Se
a pintura é o ato de fazer pinceladas sobre tela, então, para ser verdadeiro
para o ato de pintar, o produto deve parecer o que é: uma pincelada sobre
tela. E com essa brincadeira, essa linha de desenvolvimento se encerra.
Até
agora, em nossa busca da verdade da pintura, tentamos apenas jogar com a
diferença entre tridimensional e bidimensional. E sobre composição e
diferenciação de cores? Podemos eliminá-los?
Se,
tradicionalmente, a habilidade em pintura requer um domínio da composição,
então, como as peças de Jackson Pollock famosamente
ilustram, podemos eliminar a cuidadosa composição por aleatoriedade. Ou
se, tradicionalmente, a habilidade em pintura é um domínio da gama de cores e
diferenciação de cores, então podemos eliminar a diferenciação de
cores. No início do século XX, a obra de Kasimir Malevich White on White (1918)
era um quadrado esbranquiçado pintado sobre um fundo branco. A obra de Ad Reinhardt, Abstract Painting (1960-1966),
trouxe esta linha de desenvolvimento ao extremo, mostrando uma cruz muito,
muito preta pintada sobre um fundo muito, muito, muito preto.
Ou se,
tradicionalmente, o objeto da arte é um artefato especial e único, então
podemos eliminar o status especial do objeto da arte ao fazer obras de arte que
são reproduções de objetos terrivelmente comuns. As pinturas de latas de
sopa de Andy Warhol as e reproduções de caixas de suco de tomate têm exatamente
esse resultado. Ou, em uma variação desse tema introduzido em
algumas críticas culturais, podemos mostrar que o que a arte e o capitalismo
fazem é levar objetos que são, de fato, especiais e únicos, como Marilyn
Monroe, e os reduzir a commodities bidimensionais produzidas em massa
(Marilyn (Three Times), 1962).
Ou se a
arte, tradicionalmente, é sensual e perceptivamente encarnada, então podemos
eliminar a sensualidade e a percepção completamente, como na arte conceitual.
Considere a obra It was It (Era
isso), Number 4, de Joseph Kosuth.
Kosuth primeiro criou um fundo com um texto tipografado em que se lê:
A
observação das condições em que ocorrem equívocos dá origem a uma dúvida que eu
não gostaria de deixar de mencionar, porque ela pode, eu acho, tornar-se o
ponto de partida para uma investigação frutífera. Todo mundo sabe como
frequentemente o leitor descobre que, ao ler em voz alta, a sua atenção se
desvia do texto e se volta para seus próprios pensamentos. Como resultado desta
digressão de parte de sua atenção, ele é muitas vezes incapaz, se interrompido
e interrogado, de dar qualquer explicação sobre o que ele acabou de ler. Leu,
por assim dizer, automaticamente, mas não corretamente.
Ele então
cobriu o texto preto com as seguintes palavras em neon azul:
Descrição
do mesmo conteúdo duas vezes.
Era isso.
Aqui, o
apelo perceptivo é mínimo, e arte torna-se um empreendimento puramente
conceitual e nós eliminamos a pintura completamente.
Se
juntarmos todas as estratégias reducionistas acima, o percurso da pintura
moderna tem sido a de eliminar a terceira dimensão, composição, cor, conteúdo
perceptual, e o sentido do objeto de arte como algo especial.
Isso,
inevitavelmente, conduz-nos de volta para Marcel Duchamp, o grande pai do
modernismo, que viu o fim da estrada décadas mais cedo. Com sua Fonte (1917), Duchamp fez a declaração por
excelência sobre a história e o futuro da arte. Duchamp naturalmente conhecia a
história da arte e, dadas as tendências recentes, sabia para onde ela estava
indo. Ele sabia o que tinha sido alcançado, como ao longo dos séculos a arte
tinha sido um veículo poderoso que invocou o maior desenvolvimento da visão
criativa humana e exigiu habilidade técnica exigente, e ele sabia que a arte
tinha um incrível poder de exaltar os sentidos, as mentes e as paixões de quem
a vivencia. Com seu mictório, Duchamp ofereceu profeticamente uma declaração
sumária. O artista não é um grande criador – Duchamp foi às compras em uma loja
de encanamento. A obra de arte não é um objeto especial – ele foi produzido em
massa em uma fábrica. A experiência da arte não é emocionante e enobrecedora –
é intrigante e nos deixa com uma sensação de desgosto. Mas muito além disso,
Duchamp não selecionou apenas um objeto pronto e acabado para exibir. Ele
poderia ter escolhido uma pia ou uma maçaneta. Ao selecionar o mictório, a sua
mensagem era clara: A arte é algo no que você urina.
Mas há
ainda um ponto mais profundo que o urinol de Duchamp ensina-nos sobre a
trajetória do modernismo. No modernismo, a arte torna-se um
empreendimento filosófico em vez de artístico. O objetivo
condutor do modernismo não é fazer arte, mas descobriro que é
arte. Nós eliminamos X – ainda é arte? Agora nós eliminamos Y- ainda é arte? O
ponto dos objetos não foi a experiência estética, mas sim o de que as obras são
símbolos que representam um estágio na evolução de uma experiência filosófica.
Na maioria dos casos, as discussões sobre as obras são muito mais
interessantes do que as próprias obras. Isso significa que podemos manter as
obras em museus e arquivos e olhamos para eles e não para seu próprio bem, mas
para a mesma razão que os cientistas mantêm notas de laboratórios – como um
registro de seu pensamento em vários estágios. Ou, para usar uma analogia
diferente, a finalidade de objetos de arte é como a sinalização ao longo da
rodovia – não como objetos de contemplação, mas como marcadores para nos dizer o
quão longe viajamos por uma determinada estrada.
Este foi
o ponto de Duchamp, quando observou ele, desdenhosamente, que a maioria dos
críticos tinha perdido o ponto: “Eu joguei o porta-garrafas e o mictório em seus rostos como um
desafio, e agora eles os admiram por sua beleza estética“. O
mictório não é arte, é um dispositivo usado como parte de um exercício
intelectual para descobrir por que ele não é arte.
O
modernismo não teve resposta ao desafio de Duchamp, e na década de 1960 ele
percebeu que havia atingido um beco sem saída. Na medida em que a arte moderna
tinha conteúdo, seu pessimismo levou à conclusão de que nada valia a pena
dizer. Na medida em que ele jogou a eliminação redutiva, ele descobriu que nada
de unicamente artístico sobreviveu à eliminação. Arte tornou-se nada. Na década
de 1960, Robert Rauschenberg foi
muitas vezes citado ao dizer “Os artistas não são melhores do que os
funcionários de arquivamento.” E Andy Warhol encontrou seu caminho sorridente
habitual para anunciar o fim, quando perguntado o que ele achava o que ainda
era a arte: “Arte? Oh, é o nome de um homem”.
Os quatro temas do
Pós-Modernismo
Onde a
arte poderia ir após a morte do modernismo? O pós-modernismo não foi longe. Ele
precisava de algum conteúdo e algumas novas formas, mas ele não quis voltar ao
classicismo, ao romantismo ou ao realismo tradicional.
Como
aconteceu no final do século XIX, o mundo da arte se estendeu e moveu sobre o
contexto intelectual e cultural mais amplo dos anos 1960 e 1970. Ele absorveu o
modismo do universo absurdo do Existencialismo, o fracasso do reducionismo do
Positivismo e do colapso do Socialismo da Nova Esquerda. É ligado a pesos
pesados intelectuais como Thomas Kuhn, Michel Foucault eJacques Derrida, e
levou sua sugestão de seus temas abstratos do anti-realismo, da desconstrução e
a sua elevada posição adversária à cultura ocidental. A partir desses temas, o
pós-modernismo introduziu quatro variações sobre o modernismo.
Em
primeiro lugar, o pós-modernismo reintroduziu o conteúdo, mas apenas o conteúdo
auto-referencial e irônico. Tal como acontece com o pós-modernismo filosófico,
o pós-modernismo artístico rejeitou qualquer forma de realismo e tornou-se
anti-realista. A arte não pode ser sobre a realidade ou a natureza, porque, de
acordo com o pós-modernismo, “realidade” e “natureza” são meras construções
sociais. Tudo o que temos é o mundo social e suas construções sociais, sendo
uma dessas construções o mundo da arte. Então, podemos ter o conteúdo em nossa
arte desde que falemos auto-referencialmente sobre o mundo social da arte.
Em
segundo lugar, o pós-modernismo definiu-se como uma desconstrução mais cruel
das categorias tradicionais que os modernistas não eliminaram
totalmente. O modernismo foi reducionista, mas algumas metas artísticas
permaneceram.
Por
exemplo, a integridade estilística sempre foi um elemento de grande arte, e a
pureza artística foi uma força motivadora dentro do modernismo. Assim, uma
estratégia pós-moderna tem sido o de misturar estilos ecléticos, a fim de minar
a ideia de integridade estilística. Um exemplo de obra de arquitetura do início
do pós-modernismo é o edifício da AT&T (hoje
Sony) de Philip Johnson, em Manhattan – um arranha-céu
moderno, que também poderia ser um gigantearmário Chippendale do
século XVIII. A firma de arquitetura Foster & Partners projetou
a sede doHong Kong e Shanghai Banking
Corporation(1979-1986) – um edifício que também poderia ser a ponte
de um navio, com simulações de armas anti-aéreas, se o banco um dia precisar
deles. A Casa de Friedensreich Hundertwasser(1986),
em Viena, é mais extrema, um grupo deliberado de arranha-céus de vidro, estuque
e tijolos ocasionais, junto com varandas distribuídas estranhamente e janelas
de tamanhos arbitrários, completados com uma ou duas cúpulas russas (em forma
de cebola).
Se
juntarmos as duas estratégias acima, então a arte pós-moderna tornar-se-á tanto
auto-referencial quanto destrutiva. Será um comentário interno sobre a história
social da arte, mas um comentário subversivo. Aqui há uma continuidade do
modernismo. Picasso pegou um dos retratos da filha de Matisse e usou-o como um
alvo de dardos, incentivando seus amigos a fazerem o mesmo. A obra L.H.O.O.Q. (1919)
de Duchamp é uma versão da Mona Lisa com uma barba e bigode caricatural que
foram acrescentados. Rauschenberg apagou
uma obra de De Kooning com um lápis de cera pesado. Na década de 1960, uma
gangue liderada por George Maciunas realizaram a performance de Piano
Activities de Philip Corner – a qual apelou para um número de homens com
instrumentos de destruição, como serras e cinzéis para destruir um piano de
cauda. A obra de Vênus de Milo (1962) de Niki de Saint Phalle é uma versão, em
tamanho natural, de gesso em cerca de arame da bela obra clássica, com sacos de
tinta vermelha e preta; em seguida, Saint Phalle pegou um rifle e disparou
sobre a Vênus, perfurando a estátua e os sacos de tinta com um efeito
salpicado.
A Vênus de Saint Phalle nos
liga à terceira estratégia pós-moderna. O pós-modernismo permite fazer
declarações de conteúdo, desde que elas sejam sobre a realidade social, e
não sobre uma realidade natural ou objetiva e – aqui é a
variação – desde que elas sejam declarações
mais estreitas sobre raça/classe/sexo do que alegações universais e
pretensiosas sobre algo denominado A Condição Humana. O pós-modernismo rejeita
uma natureza humana universal e substitui a alegação de que são todos
construídos em grupos concorrentes por nossas circunstâncias raciais,
econômicas, étnicas e sexuais. Aplicada à arte, esta alegação pós-moderna
implica que não existem artistas, e sim somente artistas hifenizados:
negros-artistas, mulheres-artistas, homossexuais-artistas, hispânicos
pobres-artistas, e assim por diante.
O
obra PMS (TPM) do artista conceitual Frederic, dos anos 1990, ajuda
ao fornecer um esquema. A obra é textual, uma tela preta com as seguintes
palavras em vermelho:
WHAT CREATES P.M.S. IN WOMEN? [O que
cria a TPM (PMS, em ingles) na mulher?
Power (Poder)
Money (Dinheiro)
Sex
(Sexo)
Vamos
começar com o Poder e considerar a raça. A obra Butcher Boys de
Jane Alexander (1985-1986) é uma peça adequadamente poderosa sobre o “poder
branco”. Alexander coloca três personagens brancas sul-africanas em um banco. A
pele delas é fantasmagórica ou branco-cadáver, e ela coloca cabeças de monstros
e cicatrizes de cirurgia de coração nos personagens, sugerindo a sua crueldade.
Mas todas as três estão sentadas casualmente no banco - elas podem estar
esperando por um ônibus ou observando os transeuntes em um shopping. Seu tema é
a banalidade do mal: os brancos nem sequer reconhecem os monstros que são.
Agora, o
Dinheiro. Existe a regra de longa data na arte moderna de que nunca se deve
dizer nada gentil sobre o capitalismo. Das críticas da cultura capitalista de
produção em massa de Andy Warhol, podemos mover-se facilmente à obra Private Property Created Crime (1982),
de Jenny Holzer. No centro do capitalismo mundial- a Times Square em Nova
York - Holzer combinou o conceitualismo com o comentário social de uma
forma ironicamente inteligente, usando meios próprios do capitalismo para
subvertê-lo. A obra A Liberdade agora simplesmente vai ser patrocinada –
por uma bagatela de dinheiro, do artista alemão Hans Haacke é outro exemplo
monumental. Enquanto o resto do mundo estava comemorando o fim da brutalidade
por trás da Cortina de Ferro, Haacke ergueu um enorme logotipo da Mercedes-Benz
no topo de uma torre de guarda na ex-Alemanha Oriental. Homens armados ocuparam
anteriormente a torre - mas Haacke sugere que tudo que estamos fazendo é
substituir o controle dos Soviéticos pelo controle igualmente cruel das
Corporações.
Agora, o
Sexo. A Venus de Saint Phalle pode ter dupla função aqui. Podemos
interpretar o rifle que atira na Vênus como uma ferramenta de dominação fálica,
caso em que a obra de Saint Phalle pode ser visto como um protesto feminista de
destruição masculina da feminilidade. A arte feminista mainstream inclui
os pôsteres de
Barbara Kruger e exposições em tamanho de um cômodo em negrito preto e vermelho
com rostos irritados que gritam slogans politicamente corretos sobre
vitimização feminina – a arte como um pôster de uma convenção política. A obra Branded
(1992, Figura 10), de Jenny Savill,e é um auto-retrato grotesco: contra
qualquer concepção de beleza feminina, Saville afirma que ela vai ser
distendida e hedionda – jogando na sua.
A quarta
e última variação pós-moderna no modernismo é um niilismo mais cruel. O texto
acima, embora focado no negativo, ainda está lidando com temas importantes de
poder, riqueza e justiça para as mulheres. Como podemos eliminar mais
profundamente qualquer positividade na arte? Mesmo sendo a arte algo
incessantemente negativo, o que ainda não foi feito para piorar?
Vísceras
e sangue: uma exposição de arte, em 2000, pediu aos patronos para
colocar um peixe dourado em um liquidificador e ligar o liquidificador - a arte
como a vida reduzida a indiscriminadas entranhas líquidas. A obra Self (1991),
de Marc Quinn, é o sangue do próprio artista recolhido ao longo de vários meses
e moldado em um molde congelado de sua cabeça. Isso é reducionismo com uma
vingança.
Sexo não
usual: sexualidades alternativas e fetiches foram muito bem
trabalhados ao longo do século XX. Mas, até recentemente, a arte não tinha
explorado o sexo envolvendo crianças. A obra Sleepwalker (1979),
de Eric Fischl, mostra
um menino púbere se masturbando enquanto estava nu em uma piscina infantil no
quintal. A obra Bad Boy (1981),
de Fischl, mostra um menino roubando a bolsa de sua mãe e olhando para o seu
corpo nu, que está dormindo com as pernas esparramadas. Se lermos o nosso
Freud, no entanto, talvez isso não seja muito chocante. Então passamos para Cultural Gothic (1992-93)
de Paul McCarthy e
ao tema da bestialidade. Nesta exibição móvel e em tamanho real, um jovem rapaz
está atrás de uma cabra que ele está violando. Aqui temos mais do que
sexualidade infantil e sexo com animais, no entanto: McCarthy adiciona algum
comentário cultural ao ter o pai do menino presente e apoiando as suas mãos
paternalmente sobre os ombros do menino, enquanto este empurra o corpo para
frente.
A
preocupação com a urina e fezes: Mais uma vez, o pós-modernismo
continua uma tradição modernista de longa data. Depois de mictório de
Duchamp, Kunst ist
Scheisse ("A arte é uma merda") tornou-se,
apropriadamente, o lema do movimento Dadaísmo. Na década de 1960, Piero Manzoni enlatou,
rotulou, expos e vendeu noventa latas de seus próprios excrementos (em 2002, o
Museu Britânico adquiriu lata número 68 para cerca de US$ 40.000). Andres Serrano gerou
controvérsia na década de 1980 com seu Piss Christ, um
crucifixo imerso em um frasco de urina do artista. Na década de 1990, The Holy Virgin Mary (1996),
de Chris Ofili,
retratou a Madonna rodeada por genitálias desencarnadas e pedaços de fezes
secas. Em 2000, Yuan Cai e Jian Jun Xi prestaram homenagem ao seu mestre,
Marcel Duchamp. "Fonte" está agora no Museu Tate, em Londres, e
durante as horas normais de museu Yuan e Jian abriram e começaram a urinar no
mictório de Duchamp. (Os diretores do museu não gostaram, mas Duchamp ficaria
orgulhoso de seus filhos espirituais). E há GG Allin, o
auto-proclamado artista performático que alcançou seus 15 minutos de fama por
defecar no palco e arremessar suas fezes para a plateia.
Então,
mais uma vez, chegamos a um beco sem saída: Do Piss on art de Duchamp,
no início do século, para a Shit on you de Allin, no final - isto não
é um desenvolvimento significativo ao longo de um século.
O auge do
pós-modernismo na arte foram os anos 1980 e 1990. O modernismo tornou-se
obsoleto na década de 1970, e eu entendo que o pós-modernismo chegou a um beco
sem saída semelhante, um estágio do tipo “o que vem depois?”. A arte
pós-moderna foi um jogo jogado dentro de uma faixa estreita de suposições, e
estamos cansados da mesmice, com apenas pequenas variações. As coisas feitas
para nos enojar se tornaram mecânicas e repetitivas e elas já não nos enojam
mais.
Então, o que vem depois?
É útil
lembrar que o modernismo na arte saiu de uma cultura intelectual muito
específica do final do século XIX, e que se manteve lealmente presa nesses
temas. Mas esses não são os únicos temas abertos a artistas, e muita coisa
aconteceu desde o final do século XIX.
Nós não
saberíamos por meio do mundo da arte moderna que a expectativa média de vida
dobrou desde que Edvard Munch gritou. Nós não saberíamos que as doenças que
rotineiramente mataram centenas de milhares de recém-nascidos a cada ano foram
eliminadas. Nem saberíamos nada sobre o aumento dos padrões de vida, a
propagação do liberalismo democrático, e os mercados emergentes.
Estamos
brutalmente cientes dos desastres horríveis do socialismo nacionalista e do
comunismo internacional, e a arte tem um papel em nos manter conscientes. Mas
nós nunca saberíamos através do mundo da arte sobre o fato igualmente
importante que essas batalhas foram vencidas e a brutalidade foi derrotada.
E
entrando em território ainda mais exótico, se conhecêssemos apenas o mundo da
arte contemporânea, nós nunca conseguiríamos um vislumbre da emoção na
psicologia evolutiva, cosmologia do Big Bang, a engenharia genética, a beleza
de matemática fracionária - e do fato impressionante que os seres humanos são o
tipo de ser que pode fazer todas essas coisas interessantes.
Artistas
e o mundo da arte devem estar no limite. O mundo da arte é agora marginalizado,
criado internamente e conservador. Ele está sendo deixado para trás, e para
qualquer artista que se preze não deve haver nada mais humilhante do que ser
deixado para trás.
Há poucos
objetivos culturais mais importantes do que realmente avançar a arte. Todos nós
intensa e pessoalmente sabemos o que a arte significa. Nós nos cercamos dela.
Livros e vídeos de arte. Filmes no cinema e em DVD. Aparelhos de som em casa,
música em nossos walkmans e CD players em nossos carros. Romances na praia e
como leitura de cabeceira. Viagens para galerias e museus. Arte nas paredes das
nossas salas de estar. Cada um de nós está criando o mundo artístico em que
queremos estar. Da arte em nossas vidas individuais para a arte que são
símbolos nacionais e culturais, de um pôster de 10 dólares à pintura de 10
milhões de dólares adquirida por um museu - todos nós fazemos um grande
investimento na arte.
O mundo
está pronto para um corajoso e novo movimento artístico. Isso só pode vir
daqueles que não se contentam em manchar a última variação trivial sobre temas
atuais. Ele só pode vir daqueles cuja ideia de ousadia não é essa - esperando
para ver o que pode ser feito com resíduos de produtos que nunca foram feito
antes.
A questão
não é que não existam coisas negativas lá fora no mundo para a arte enfrentar,
ou que a arte não possa ser um meio para criticá-los. Há pontos negativos e a
arte nunca deve se encolher a partir deles. Meu argumento é contra a
negatividade uniforme e a destrutividade presente no mundo da arte atual.
Quando a arte no século XX disse alguma coisa encorajadora sobre as
relações humanas, sobre o potencial da humanidade para a dignidade e coragem,
sobre a pura paixão positiva pura de se estar no mundo?
Revoluções
artísticas são feitas por uns poucos indivíduos-chave. No coração de cada
revolução está um artista que atinge a originalidade. Um novo tema, um assunto
novo, ou o uso criativo de composição, figura ou cor marca o início de uma nova
era. Artistas são verdadeiramente deuses: eles criam um mundo no seu trabalho,
e contribuem para a criação de nosso mundo cultural.
No
entanto, para artistas revolucionários alcançarem o resto do mundo, outras
pessoas desempenham um papel crucial. Colecionadores, galeristas, curadores e
críticos tomam decisões sobre quais artistas estão realmente criando - e,
consequentemente, sobre quais artistas são mais merecedores do seu dinheiro,
espaço de galeria e recomendações. Esses indivíduos também fazem as revoluções.
Num mundo da arte mais amplo, uma revolução depende daqueles que são capazes de
reconhecer a conquista do artista original e que têm a coragem empreendedora
para promover esse trabalho.
A questão
não é voltar para os anos 1800 ou tornar a confecção de lindos cartões postais
em arte. O ponto é sobre ser um ser humano que olha para o mundo novamente. Em
cada geração, há apenas uns poucos que fazem isso no nível mais alto. Esse é
sempre o desafio da arte e a sua vocação principal.
O mundo
da arte pós-moderna é uma inteira sala de espelhos que reflete, cansada,
algumas inovações introduzidas há um século. É hora de seguir em frente.
Tradução de Ronaldo Bassitt
Giovannetti. Revisão de Matheus Pacini
Stephen Hicks é professor de
Filosofia na Rockford University em Illinois. Ele é o autor de "Explaining
Postmodernism: Skepticism and Socialism from Rousseau to Foucault"
(Scholargy Publishing, 2004).
Este livro vem
na sequência do anterior História da
Beleza. Aparentemente, beleza e fealdade são conceitos que mutuamente se
exigem: habitualmente entende-se a fealdade como o oposto da beleza, de modo
que bastaria definir a primeira para se saber o que é a outra. Mas as diversas
manifestações do feio através dos séculos são mais ricas e imprevisíveis do que
comumente se julga. Por isso, não só os textos antológicos, mas também as
ilustrações extraordinárias deste livro, levam-nos a percorrer um itinerário
surpreendente entre pesadelos, terrores e amores de quase trinta mil anos, onde
os atos de repulsa caminham de mãos dadas com comoventes movimentos de paixão,
e a rejeição da deformidade é acompanhada de êxtases decadentes que, as mais
das vezes, são violações sedutoras de todos os cânones clássicos.
Entre demónios,
loucos, inimigos horríveis e presenças perturbantes, entre abismos revoltantes
e deformidades que atingem o sublime, freaks
e mortos-vivos, descobre-se uma veia iconográfica vastíssima e, muitas vezes,
inimaginável. Assim, ao longo deste livro, vamos encontrando feio de natureza,
feio espiritual, assimetria, desarmonia, desfiguração, numa sequência de
mesquinho, débil, vil, banal, casual, arbitrário, grosseiro, repugnante,
desajeitado, horrendo, sensaborão, nauseabundo, criminoso, espectral, bruxo,
satânico, repelente, desagradável, grotesco, abominável, odioso, indecente,
imundo, porco, obsceno, pavoroso, abjeto, monstruoso, horripilante, medonho,
terrível, terrificante, tremendo, repulsivo, nojento, nauseabundo, fétido,
ignóbil, desgraçado, sem graça nenhuma nem decência.
Índice:
Introdução
8
CapítuloI
Afealdade
nomundoclássico
1.
Ummundodominadopelobelo?
23
2.
Helenismoehorror
34
CapítuloII
APaixão,amorte eomartírio
1.
Avisãopancalistadouniverso
43
2.
AdordeCristo
49
3.
Mártires,eremitasepenitentes
56
4.
Otriunfodamorte
62
Capítulo III
OApocalipse, oinferno
eodiabo
1.
Umuniversodehorrores
73
2.
Oinferno
82
3.
O diabo
90
CapítuloIV
Monstrose portentos
1.
Prodígiosemonstros
107
2.
Umaestéticadodesmedido
111
3.
Alibertaçãorenascentista
113
4.
Osmirabilia
116
5.
Odestinodosmonstros
125
Capítulo V
Ofeio, ocómicoeoobsceno
1.
Príapo
131
2.
Sátirassobreovilãoefestascarnavalescas
135
3.
Alibertaçãorenascentista
142
4.
A caricatura
152
Capítulo VI
Afealdadedamulher daAntiguidadeaoBarroco
1.
Atradiçãoantifeminina
159
2.
ManeirismoeBarroco
169
CapítuloVII
Odiabo
nomundomoderno
1.
DeSatanásrebeldeaopobreMefistófeles
179
2.
Ademonizaçãodoinimigo
185
CapítuloVIII
Bruxaria,satanismo, sadismo
1.
A
bruxa
203
2.
Satanismo, sadismoegostopelacrueldade
216
CapítuloIX
Physicacuriosa
1.
Partoslunaresecorposesventrados
241
2.
Afisiognomonia
257
CapítuloX
Oresgateromântico dofeio
1.
Asfilosofiasdofeio
271
2.
Feiosecondenados
282
3.
Feioseinfelizes
293
4.
Infelizesedoentes
302
CapítuloXI
Operturbante
311
CapítuloXII
Torresdeferroetorres demarfim
1.
Afealdadeindustrial
333
2.
ODecadentismoealuxúriadofeio
350
CapítuloXIII
Avanguarda eotriunfodofeio
365
CapítuloXIV
Ofeioalheio, okitsch e o camp
1.
Ofeioalheio
391
2.
Okitsch
394
3.
Ocamp
408
CapítuloXV
O feiohoje
421
Bibliografiaessencial
441
Referênciasbibliográficasdastraduções utilizadas
443
Índicedosautoreseoutrasfontes
447
Índicedosartistas
449
Referênciasfotográficas
454
Entrevistado sobre a História do
feio, Umberto Eco fala sobre o conceito central do livro: a fealdade.