terça-feira, 29 de novembro de 2022

Manias, Cesário Verde


 

MANIAS

 

 

 

 

 

 

5

 

 

 

 

 

10

 

 

 

 

 

O mundo é velha cena ensanguentada,

Coberta de remendos, picaresca1;

A vida é chula2 farsa3 assobiada,

Ou selvagem tragédia romanesca.

 

Eu sei4 um bom rapaz, - hoje uma ossada -,

Que amava certa dama pedantesca5,

Perversíssima, esquálida6 e chagada7,

Mas cheia de jactância8 quixotesca9.

 

Aos domingos a deia10, já rugosa11,

Concedia-lhe o braço, com preguiça,

E o dengue12, em atitude receosa,

 

Na sujeição canina mais submissa,

Levava na tremente mão nervosa,

O livro com que a amante ia ouvir missa!


Lisboa

Porto, Diário da Tarde, 23 de janeiro de 1874

Edição utilizada: Obra completa de Cesário Verde, 4.ª edição organizada, prefaciada e anotada por Joel Serrão. Lisboa, Livros Horizonte, 1983

 

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Notas:

1 Picaresco - Que provoca riso ou zombaria; ridículo. Na literatura, corresponde a uma narrativa (frequentemente autodiegética e satírica) das aventuras de uma personagem, geralmente de baixa condição, que vive de expedientes nem sempre honestos.

2 Chulo: Grosseiro; sem educação nem delicadeza ou refinamento; rude, vulgar; aquele que se aproveita de alguém e vive à sua custa.

3 Farsa: Peça teatral, geralmente de elenco reduzido, de ação trivial ou burlesca, na qual se empregam gracejos, situações cómicas e ridículas.

4 Eu sei: eu conheço.

5 Pedantesco: que é pedante; afetado; pessoa que é vaidosa no falar e na apresentação; pretensioso.

6 Esquálida; muito magra.

7 Chagada: que apresenta chagas, feridas.

8 Jactância: Atributo ou atitude de quem se julga superior e faz alarde das suas qualidades e proezas.

9 Quixotesco: relativo a D. Quixote, personagem de Miguel de Cervantes, personagem idealista, ingénua, romântica e um tanto alienada. No caso da mulher, seria ousada, irrealista, utópica.

10 Deia: deusa.

11 Rugosa: cheia de rugas

12 Dengue: indivíduo que age de forma insinuante ou afetada com o propósito de seduzir ou agradar.

 ***


Questionário sobre o poema “Manias”, de Cesário Verde:

1. Na estrofe introdutória, podemos encontrar um indício de que se vai relatar uma história já contada ou recuperar um dado já conhecido. Justifique.

2. Mencione em que expressão o tópico literário da “morte por amor” é aludido.

3. Demonstre que no texto se conta uma história tragicómica, isto é, que pode ser vista como uma “farsa” ou, por outro ponto de vista, ser entendida como uma “tragédia romanesca”.

4. Proceda à caracterização do casal grotesco apresentado no texto.

5. Caracterize a voz poética.

6. Justifique o título atribuído ao poema.

 

Manias, Cesário Verde”, José Carreiro. Folha de Poesia, 29-11-2022. Disponível em https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/11/manias-cesario-verde.html

 

Sugestões de resposta:

1. Quando se refere, na 1.ª estrofe, que o mundo é uma velha cena, ensanguentada e cheia de remendos, o sujeito poético sugere que irá recontar uma história já conhecida, embora com alterações. Assim, recupera, satirizando, a imagem da mulher sem compaixão pelo homem e que surge, por exemplo, nas cantigas de amor trovadorescas ou possivelmente da literatura ultrarromântica. Ao subverter a imagem idealizada da mulher, torna-a, ao mesmo tempo, perversa e ridícula.

2. A referência, no verso 5, de que o rapaz se tornou uma ossada” revela como o amor foi fatal.

3. O texto é escrito partindo das impressões que causou no sujeito poético a história de um rapaz que se apaixona e se submete a uma mulher arrogante e fria, tendo ele vindo a morrer, provavelmente, por conta de um cruel jogo de sedução.

Por um lado, a história é uma farsa, na medida em que é descrito o estado de desonra da figura feminina, que, enquanto “pícara”, se aproveitou de um pobre coitado – “um bom rapaz”, como apelida o sujeito poético.

Por outro lado, a situação torna-se numa “cena ensanguentada”, isto é, num desfecho trágico, na medida em que o rapaz, qual “herói trágico”, mantém-se firme na sua missão de amante até à morte (“hoje uma ossada”, v. 5). Apesar de não sabermos as circunstâncias, o poema faz-nos suspeitar de um suicídio, tamanha a submissão dele pela mulher “perversíssima” que é exposta ao longo do texto.

Em síntese, no texto descreve-se uma “cena” tragicómica, um episódio da “peça da vida” de um rapaz, parte do “teatro do mundo”, para demonstrar o caráter tragicómico do todo.

4. Ambos os amantes constituem um casal grotesco, por representarem o caráter ultrapassado e anacrónico do amor romântico.

O sujeito poético descreve o jogo de sedução da mulher, repleto de caprichos (“cheia de jactância quixotesca”) e de arrogância (“Concedia-lhe o braço, com preguiça, / E o dengue, em atitude receosa”). Na segunda e terceira estrofes, vemos que se trata de uma mulher velha e de má aparência (“a deia já rugosa”), além de “(...) esquálida e chagada”, apenas inferior/temente a Deus (“Levava na tremente mão nervosa, / O livro com que a amante ao ouvir missa!”).

Por antítese, caricatural, surge o amante, por sinal mais novo, em completa submissão passional, tão ao gosto ultrarromântico (“na sujeição canina mais submissa”). Por exemplo, a rotina dominical do bom rapaz que acompanha a sua amada à missa mais se assemelha a uma cena cómica, na qual a mulher, provavelmente já velha, ironicamente chamada de “deia rugosa”, longe de ser uma jovem virginal como cantam os românticos, oferece-lhe o braço com preguiça, enquanto o rapaz, dengoso, como um cão que com medo se submete ao dono, leva na mão nervosa e trémula o missal.

Enfim, um casal romântico, que, nessa época, é metonímia do mundo romântico lisboeta criticado.

5. O poema inicia com uma caracterização do mundo e da vida sob o ponto de vista do eu lírico que os associa com os dois géneros por excelência do teatro: a comédia (sob a designação da farsa) e a tragédia. Com este posicionamento ideológico, o sujeito poético dá conta da sua capacidade analítica dos costumes da malha social burguesa, ao assumir uma postura crítica e, como quem conta uma anedota, usa uma sagaz ironia para nos contar a história de um rapaz seu conhecido. Assim, o quadro que encena o amor romântico de forma ridícula, jocosa e humilhante, é produto do olhar analítico do “eu”, que observa objetivamente o mundo ao seu redor.

Nota:

Não se pode esquecer que Cesário Verde é contemporâneo do Realismo e do Naturalismo, correntes estéticas que buscavam a observação concreta e o comentário social, à maneira do método crítico de Taine, que Hélder Macedo define como “a aplicação da análise ao real com o propósito implícito de exacerbar a sua compreensão crítica” (“Coordenadas Ideológicas”, in Nós, uma leitura de Cesário Verde. Lisboa: Presença, 1999). O quadro é, portanto, produto de um olhar consoante à doutrina da época, que vive a decadência do Romantismo à luz dessa nova metodologia de reflexão dos factos; de um olhar de um pintor naturalista que observa e retrata o mundo sem maquilhagem.

6. O tom irónico rodeia todo o poema, desde o título (“Manias”) até ao último verso (“O livro com que a amante ao ouvir missa!”). Nos tercetos, desenrola-se uma “cena” que se repete “aos domingos” e que justifica o título, "Manias”: aos domingos o moço leva a “dama” à missa; ela lhe oferece o braço – esquálido, chagado, rugoso – de maneira preguiçosa, pedante, snobe; ele, com as mãos tremendo de nervoso por estar com a amada, leva-lhe “ o livro com que amante ia ouvir missa” (provavelmente um missal) feito o seu cãozinho. Um quadro de chorar – de rir.

 

Bibliografia:

Manias, de Cesário Verde - Uma leitura”, Luiz Renato. <http://oburricodebalaao.blogspot.com/2009/07/manias-de-cesario-verde-uma-leitura.html>, 30-07-2009.

“O eu-personagem de Cesário Verde em Manias”, Gabriela Mori. <https://gabrielamori.wordpress.com/2010/09/16/o-eu-personagem-de-cesario-verde-em-manias/>, 16-09-2010

“Uma análise do poema Manias, de Cesário Verde”, Nicole Cristofalo. <http://dadoacaso.blogspot.com/2010/03/uma-analise-do-poema-manias-de-cesario.html>, 14-03-2010.

 

 

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segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Humilhações, Cesário Verde

 

HUMILHAÇÕES

De todo o coração - a Silva Pinto1


I









Esta aborrece quem é pobre. Eu, quase Job2,
Aceito os seus desdéns, seus ódios idolatro-os;
E espero-a nos salões dos principais teatros,
       Todas as noites, ignorado e só.

II




5




Lá cansa-me o ranger da seda, a orquestra, o gás3;
As damas, ao chegar, gemem nos espartilhos4,
E enquanto vão passando as cortesãs5 e os brilhos,
       Eu analiso as peças no cartaz.

III





10



Na representação dum drama de Feuillet6,
Eu aguardava, junto à porta, na penumbra,
Quando a mulher nervosa e vã que me deslumbra
       Saltou soberba o estribo do coupé7.

IV






15


Como ela marcha! Lembra um magnetizador.
Roçavam no veludo as guarnições das rendas;
E, muito embora tu, burguês, me não entendas,
       Fiquei batendo os dentes de terror.

V







20

Sim! Porque não podia abandoná-la em paz!
Ó minha pobre bolsa, amortalhou-se a ideia
De vê-la aproximar, sentado na plateia,
       De tê-la num binóculo mordaz!

VI









Eu ocultava o fraque usado nos botões;
Cada contratador dizia em voz rouquenha:
- Quem compra algum bilhete ou vende alguma senha?
       E ouviam-se cá fora as ovações.

VII




25




Que desvanecimento! A pérola do Tom!
As outras ao pé dela imitam de bonecas;
Têm menos melodia as harpas e as rabecas,
       Nos grandes espetáculos do Som.

VIII





30



Ao mesmo tempo, eu não deixava de a abranger;
Via-a subir direita, a larga escadaria
E entrar no camarote. Antes estimaria
       Que o chão se abrisse para me abater.

IX






35


Saí; mas ao sair senti-me atropelar.
Era um municipal sobre um cavalo. A guarda
Espanca o povo. Irei-me; e eu, que detesto a farda,
       Cresci com raiva contra o militar.

X






40

De súbito, fanhosa, infecta, rota, má,
Pôs-se na minha frente uma velhinha suja,
E disse-me, piscando os olhos de coruja:
      
- Meu bom senhor! Dá-me um cigarro? Dá?...

 O Livro de Cesário Verde, Lisboa, 1887

Edição utilizada: Obra completa de Cesário Verde, 4.ª edição organizada, prefaciada e anotada por Joel Serrão. Lisboa, Livros Horizonte, 1983

 

______________

Notas:

1 Silva Pinto - Crítico literário, ensaísta, dramaturgo e romancista português, da segunda metade do século XIX, nascido a 14 de abril de 1848, em Lisboa, e falecido a 4 de novembro de 1911, na mesma cidade. Foi um dos principais doutrinadores do Realismo-Naturalismo, privilegiando a estética de Balzac, de cuja obra foi tradutor e grande admirador, e a crítica de Gustavo Planche. Depois de uma passagem pelo colégio de jesuítas de Campolide, começa a trabalhar como ajudante de despachante de alfândega. A partir de 1872, dedica-se ao jornalismo, estreando-se como colaborador no jornal O Trabalho e fundando, juntamente com Magalhães Lima, Gomes Leal, Guilherme de Azevedo e Luciano Cordeiro, a revista literária O Espetro de Juvenal. Ao longo da sua vida, deixará uma imensa colaboração dispersa por periódicos como O Ocidente, Jornal da Tarde, A Atualidade, A Voz do Povo, Revista do Norte e Revista Literária, parte da qual foi posteriormente recolhida nos três volumes dos Combates e Críticas. Em Espanha, combate ao lado dos republicanos contra os carlistas. Depois de uma estada de dois anos no Brasil, regressa a Portugal. Em 1887, recolhe os poemas de Cesário Verde, organizando a edição do seu livro póstumo, que prefaciou e anotou. A partir de 1889, dedica cada vez mais a sua atenção à obra de Camilo, publicando a correspondência mantida com o escritor. (Porto Editora – Silva Pinto na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2022-11-12]. Disponível em https://www.infopedia.pt/$silva-pinto)

2 Job - Figura bíblica que encarna o homem justo atingido pela infelicidade extrema; (fig.) homem dotado de grande paciência e resignação, muito pobre.

3 Em 1848, tinham aparecido os primeiros candeeiros a gás a iluminar as ruas de Lisboa.

4 Espartilho - espécie de cinta que vai das ancas até abaixo dos seios, com ilhós por onde passam fios de seda longos que são puxados de forma a apertar ao máximo a cintura da mulher.

5 Cortesã - amante de soberano; prostituta com clientela de estrato social elevado. Na poesia baudelairiana, as cortesãs e prostitutas têm lugar de destaque. Inclusivamente, Baudelaire chega a comparar o escritor a uma cortesã que deve agradar ao público para vender a sua mercadoria, que nada mais é que seu próprio corpo: “Se de um lado a atriz se aproxima da cortesã, por outro assemelha-se ao poeta” (in O pintor da vida moderna). "As cortesãs não eram bem recebidas na sociedade respeitável parisiense no século XIX. Mas, havia apenas um século, estas mulheres eram aceites aos mais altos níveis – e a mais famosa foi Jeanne-Antoinette Poisson, que, durante perto de 20 anos, foi a amante oficial do rei Luís XV de França." Educada na arte e literatura, casou aos 19 anos, mas em 1745 conheceu Luís XV e tornou-se amante dele. Como consequência, terminou o casamento, mudou-se para o Palácio de Versailles e passou a influenciar a moda e a política. (cf. Os grandes mistérios do passado, Lisboa: Seleções do Reader’s Digest, p. 308).

6 Feuillet - novelista e dramaturgo preferido da alta sociedade da época. De acordo com Hélder Macedo, a informação do poeta sobre o drama do escritor francês Octave Feuillet (1821-1890), que era encenado naquela noite, representa também uma crítica ao autor de peças. A peça Roman d’un jeune homme pauvre, de Feuillet, tem como temática um relacionamento impossível entre um jovem de classe social baixa apaixonado por uma mulher de classe elevada, tal qual ocorre no poema de Cesário Verde: «(...) Feuillet era o manipulador de personagens-tipo que, no dizer ferino de Flaubert, devia o seu sucesso a duas razões: a primeira, as classes baixas acreditarem que as classes altas eram como ele as representava; e, a segunda, as classes altas verem-se representadas como gostariam de ser.» (Cesário Verde, o romântico e o feroz. Lisboa: Engrenagem, 1988. Apud: Entre Paris e Lisboa: a modernidade de Cesário Verde, Luciana Nascimento. Campinas-SP, UNICAMP, 2003).

7 Coupé - carruagem fechada de tração animal, com dois lugares no interior e um no exterior para o cocheiro.

 



Análise de texto

O poema o poema “Humilhações”, de Cesário Verde, pode ser dividido em duas partes. A primeira compreende as oito primeiras estrofes e a segunda parte é constituída pelas duas últimas estrofes.

Esquematicamente, o poema pode visualizar-se do seguinte modo:

CABRAL, A. S. [1997] Cesário Verde – Propostas de Análise, Edições Sebenta – Português

 

No início do poema, logo na primeira estrofe, o poeta faz uma comparação ao personagem bíblico Job, homem de caráter e de uma ética inquestionável. Na narrativa da vida de Job o mesmo é marcado pelas humilhações, sofrimentos, perdas, abandonos, injustiças, dores e desprezos que o mesmo sofre na vida, uma vez que este é fiel e temente a Deus e que aceita todas as desgraças por idolatração ao seu Deus, seu Salvador. A comparação feita pelo poeta com a história de Job se dá pelo facto de o eu lírico também ser humilhado e desprezado pela sua amada que se encontra em uma condição de vida melhor do que a dele, mas que, mesmo assim, diante de todas as humilhações ele a idolatra. A segunda estrofe é marcada pelo incómodo do ranger da seda, ou seja, o eu lírico se incomoda pelo facto de não fazer parte daquele mundo, mundo artificial, desumano que advém da civilização urbana, uma das fortes características do poeta em estudo, para ele a vida na cidade é marcada pela artificialidade e pela desumanidade, uma vez que, é nesse espaço que as desigualdades sociais são encontradas de forma gritante.

Na terceira estrofe, o poeta descreve a presença do eu lírico aguardando junto à porta do teatro para ver a sua amada, mulher inatingível, inalcançável, por pertencer a outra realidade social bem diferente da sua, como revela o verso “Eu aguardava, junto à porta, na penumbra.

O eu lírico relata a humilhação que sofre por desejar aquela mulher que lhe humilha e se desfaz dele. Ainda nessa estrofe percebemos a figura feminina definida pela mulher burguesa, rica e que mostra uma distância enorme entre ela e o eu lírico, pelo facto, de o mesmo não estar na mesma classe social que ela, motivo que a leva a desprezá-lo e torná-lo cada vez mais distante de sua amada: E entrar no camarote. Antes estimaria / Que o chão se abrisse para me abater.

Nas demais estrofes da primeira parte do poema, o poeta descreve a diferença social que há entre o eu lírico e a sua amada ao descrever suas vestimentas, o local onde o mesmo se encontra, no caso do lado de fora do teatro, onde a amada assiste ao espetáculo sentada no camarote e ele assiste apenas o percurso que a mesma faz para entrar no teatro, falta-lhe dinheiro, vestimentas adequadas em comparação aos que ali estão presentes. O eu-lírico é pobre, porém com certo grau de conhecimento elevado, facto observado quando ele diz que espera a chegada de sua amada e que até ela chegar fica a analisar as peças no cartaz.

Mais uma vez é lançada uma crítica a sociedade desigual, injusta que não está nem um pouco interessada ao que acontece ao seu redor, que os menos favorecidos são tratados de forma humilhante, indiferente, desprezível, pontos que marcam a obra de Cesário Verde por ele ser um poeta que se incomoda com as diferenças de classes sociais.

Cesário é tido como o poeta do quotidiano, de uma linguagem clara, sem muitos rodeios para expressar o que deseja e o que quer passar para o leitor, isso fica claro e evidente na segunda parte do poema, quando o mesmo denuncia a guarda municipal espancando o povo, o mesmo confessa se revoltar contra os militares diante de tais atitudes.

Saí; mas ao sair senti-me atropelar.
Era um municipal sobre um cavalo. A guarda
Espanca o povo. Irei-me; e eu, que detesto a farda,
----- Cresci com raiva contra o militar.

Nesta estrofe, o autor faz uma crítica social, na qual mostra com clareza a opressão do povo comum diante dos poderosos, das autoridades, como também a indignação com relação ao tratamento do povo humilde. E na última estrofe, com sua linguagem clara e objetiva, Cesário Verde nos apresenta mais uma crítica no que se refere à sociedade, desta vez ele mostra-nos uma verdadeira imagem do contexto social como responsável por um dos maiores conflitos do sujeito – a convivência dentro da perspetiva de desigualdade social.

De súbito, fanhosa, infecta, rota, má,
Pôs-se na minha frente uma velhinha suja,
E disse-me, piscando os olhos de coruja:
-----
- Meu bom senhor! Dá-me um cigarro? Dá?...

É nessas duas últimas estrofes, ou seja, na segunda parte do poema que Cesário Verde mostra a identificação do eu lírico com a sua realidade social, ou seja, no poema é mostrado duas realidades: na primeira, o eu lírico contempla a amada, mulher burguesa que o despreza por estar inserida numa condição social diferente da dele; nesse caso, podemos afirmar que, nessa realidade representada no poema, o sujeito lírico encontra-se fora da sua realidade social; já na segunda parte, ao  encontrar-se com a velhinha, o eu lírico  encontra-se de facto com a sua realidade social, a de um povo oprimido, injustiçado e desprezado pelo sistema, carente e, acima de tudo, humilhado pelos poderosos.

É na figura dessa velhinha que o autor deixa claro a representação, na sua obra, da imagem dos conflitos sociais. Em suma, o poema Humilhações, desde o seu título, mostra-nos o que de facto o autor pretende nos passar, ou seja, a humilhação na qual o povo oprimido se encontra, seja no que se refere à vida social, seja na vida particular do indivíduo.

 

Maria Verônica de Oliveira, Entre “humilhações” e “contrariedades”: representações de conflitos sociais na poesia de Cesário Verde. Campina Grande, UEPB, 2016

 


 

Síntese do poema

"A dialética semântica Opressão / Humilhação exclui qualquer veleidade aproximativa e, por conseguinte, qualquer possibilidade de consecução em termos de relação homem/mulher. Só a revolta do poeta permitirá introduzir um terceiro termo superador da antítese Senhor/Escravo: a Vingança". (...) Este paradigma temático ocorre em "Humilhações", onde a vingança é conseguida através do reverso da mulher atriz na velhinha "suja", "fanhosa, infecta, rota, má", que o poeta antepõe como sucedâneo irreversível da mulher altiva e opressora".

José Bernardes, "A Mulher na Poesia de Cesário Verde" in Cadernos de Literatura, n.º 24, outubro de 1986)





 

Modernidade do poema Humilhações, de Cesário Verde

O poema “Humilhações”, publicado postumamente em 1887, em O Livro de Cesário Verde, tem vários pontos de contato com o restante da obra de Cesário Verde, no que ela tem de característico e inovador no quadro da poesia portuguesa da segunda metade do século XIX.

  Por isso cabe uma análise detida, a começar pela forma, desse poema que não é dos mais conhecidos e apreciados do autor, mas que já contém muito de seu estilo.

 A começar pelo metro, nele há uma alternância entre decassílabos (último verso de cada quarteto) e alexandrinos (três primeiros versos), sendo esse último verso, como observa David Mourão[2],  pouco comum na poesia portuguesa até a época de Cesário, quando passa a ser utilizado mais largamente por autores como Guerra Junqueiro, Guilherme de Azevedo e Gomes Leal, e ausente da produção inicial de Cesário, que o empregará, no entanto, com frequência na sua produção madura, e até o utilizará como metonímia para sua poesia, em “Contrariedades: “E apuro-me em lançar originais e exatos, /Os meus alexandrinos”.

   A originalidade dos alexandrinos pode se referir tanto a infrequência do verso na poesia portuguesa quanto ao uso específico que dele faz autor. Sendo o verso clássico da poesia francesa, seu uso assinala também a influência dessa poesia e da cultura francesa em geral nos autores do século XIX, igualmente visível no uso de palavras francesas, “Feuillet” e “coupé” (que inclusive rimam entre si).

    As expressões francesas e uma estrutura métrica muito similar (um decassílabo seguido de três alexandrinos) também estão presentes em Sentimento de um Ocidental”, outro retrato, mais extenso, da paisagem urbana lisboeta, parecendo a inversão da posição dos alexandrinos e do decassílabo assinalar a expansão de uma impressão inicial do eu-lírico “flaneur”, enquanto em “Humilhações” o que há é uma “contração” em função dos diversos anticlimax que marcam o poema (o verso final menos extenso – nesse caso um hexassílabo – com essa função de anticlimax também é usado em Contrariedades). Nos dois poemas o verso longo de doze sílabas adequa-se ao caráter narrativo-descritivo dos poemas, próximos da prosa, o que indicam também os enjambements (“[…]Eu, quase Job, /Aceito seus desdéns[…]”, “[…]A guarda/ Espanca o povo[…]”, em Humilhações, “Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia/Despertam-me um desejo absurdo de sofrer”, em Sentimento de um Ocidental).

   Outros procedimentos formais comuns ao restante da produção de Cesário é a sequência de adjetivos ou substantivos (em geral três ou quatro), unidos assindeticamente, muitas vezes de sentido similar e complementar, que captam, num ritmo veloz, como um “instantâneo”, um ambientes, sensações/estados de espírito e indivíduos[3].

   Essas expressões sucintas e incisivas também iniciam os poemas, como indicações de cena ou sínteses do enredo: “Esta aborrece quem é pobre. […]”(“Humilhações”) “Dez horas da manhã;[…]” (“Num Bairro Moderno”), “Faz frio.[…]”(Cristalizações”, “No campo;[…]” (“De Verão”) “Ei-la, como vai bela![…]” (“Esplêndida”), “Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;[…]”(“Contrariedades”).

  Esse processo se estende até o uso dos adjetivos, que em geral não é mais, como no romantismo, retórico ou ornamental, mas expressivo e essencial à construção do verso, o que vincula Cesário à vanguarda de seu tempo e às mudanças de sensibilidade operadas pelo realismo, porque, segundo Saraiva, ele “introduziu no verso o processo queiroziano de suprir pelo adjectivo ou pelo advérbio uma relação lógica extensa, de imediatizar, pela surpresa de uma relação verbal, uma sugestão que morreria se fraseologicamente se desdobrasse”[4]. Em “Humilhações” há, além da hipálage característica de Eça, “binóculo mordaz”, em que a característica do usuário é transferida ao objeto, um uso quase adverbial do adjetivo em “Saltou soberba o estribo do coupé” – “saltou soberbamente” -, para o qual contribui a ambiguidade semântica do adjetivo, que pode significar tanto “magnífica” quando “arrogante”(nesse segundo caso, o sentido seria “saltou de forma arrogante”), o que sintetiza as características de certo modo opostas, em termos de avaliação (magnifica como exaltação e arrogante, como censura), mas indissociáveis, da mulher observada.

   Outros poemas exemplificam esse uso sugestivo do adjetivo: em “Disseminadas, gritam as peixeiras” (“Cristalizações”) e “longínqua flauta”(“O Sentimento de um Ocidental”), os adjetivos dão coordenadas espaciais, confundindo ação e estado (seria possível dizer “as peixeiras se espalham e gritam”, “a flauta soa ao longe”), o que contribui para o efeito de “instantâneo fotográfico”, que procura fixar um movimento. Em “E muito descansado, atira um cobre lívido, oxidado” e “gritou-me prazenteira” (“Num Bairro Moderno”), o sentido é claramente adverbial, mas os outros adjetivos que descrevem a vendedora já oscilam entre características circunstanciais e permanentes, em “E rota, pequenina, azafamada”, a característica constitutiva “pequenina” se mistura a “rota”, já mais extrínseca mas ainda relacionada à condição social da personagem, e “azafamada”, inteiramente circunstancial (ou seja, adverbial), enquanto em “Se ela se curva, esguedelhada, feia” é um adjetivo que descreve uma característica constitutiva, “feia”, que ganha uma nuance adverbial, porque ligada a um verbo, como se o olhar do poeta, apreendendo-as simultaneamente, igualasse as características permanentes e as circunstanciais. O uso do adjetivo também é extremamente intencional em “E gritos de socorro ouvir estrangulados”, em que a metáfora “estrangulado” para “abafado”, “baixo ou indistinto” (nesse caso, por causa da distância) volta a ser viva por se tratar de uma cena suposta de violência.

  Esses recursos estão bem ajustados ao conteúdo do poema que, sob a aparência do lugar-comum da frustração amorosa, tratam de uma nova experiência urbana. A situação descrita é de um eu-lírico pobre que diariamente vai observar sua amada (embora os sentimentos causados por ela no eu-lírico nunca sejam descritos pela expressão “amor” ou similares, mas sempre por expressões que acentuam a diferença hierárquica, “seus desdéns, adoro-os”, “me deslumbra”, “desvanecimentos”, “fiquei batendo os dentes de terror”), que é rica – aborrece quem é pobre, vai aos principais teatros, ocupa camarotes, sobressai entre as outras mulheres, entre as quais há “cortesãs”.

    O eu-lírico não parece ter nenhuma pretensão de entrar em contato com ela – não tem nem mesmo coragem de passar do saguão do teatro – e a “relação” se resume à observação – observação aguda do eu-lírico, que chega a “analisar” as peças em cartaz, sendo o seu grande temor uma inversão de papéis, em que a mulher o observasse com o “binóculo mordaz”, o que nos faz pensar se a visão do eu-lírico, apesar do aparente “deslumbramento”, também não seria mordaz, já que ele analisa, a “abrange”, constata que ela é “nervosa e vã” e que as outras mulheres, sob a bela aparência dos espartilhos, gemem, um traço bastante realista da descrição. O cenário ganha mais vulto que a mulher em si, e sua única característica pessoal é a arrogância, “aborrece quem é pobre”, “seus desdéns, seus ódios”, “saltou soberba”, “via-a subir, direita”, sendo mais abundante a descrição do ambiente deslumbrante que a cerca: “cortesãs”, “brilhos”, “guarnições das sedas” roçando no “veludo” , “o ranger das sedas, a orquestra, o gás”, as “largas escadarias”, o “coupé”. O trecho mais elogioso é vago: ela é a pérola do “Tom” (algo relativo e ligado à moda), e a metáfora para descrever seu encanto, “melodia”, é extraída do próprio ambiente em que ela está (a ópera é um “grande espetáculo do Som”).

  Além disso, como observa Mario Higa[5], “harpa e rabeca” é uma combinação insólita de instrumentos, que sugere ironia. Em “Esplêndida” há a mesma ênfase no luxo material de que a mulher se reveste e em que sua personalidade parece se diluir: “sedas multicolores”, “azul celeste do seu landau forrado de cetim”, “negros corcéis que a espuma veste”, “peles de tigre”, “clara como os pós a marechala”, “ducalmente esplêndida” (as comparações, aqui, como no caso de “espetáculo do Som”, são metonímicas: a mulher provavelmente usa algum tipo de maquiagem e é fidalga), “peles de tigre”, etc. A comparação insólita e jocosa com os “magníficos almoços do Mata”, no verso final desse poema, já sugere a equivalência entre os esplendores da amada e os outros atrativos oferecidos pela vida urbana.

   Nos dois poemas, portanto, a mulher altiva e indiferente, uma constante nos poemas de Cesário dedicados a mulheres (“Deslumbramentos”, “Frígida”, “Esplêndida”, “Arrojos”, “A Forca”), é uma metáfora para o fascínio exercido pelo luxo da metrópole sobre o eu-lírico flaneur, cuja contrapartida, no entanto, é a opressão que, para se manter, ele exerce sobre as classes inferiores, com as quais o eu-lírico se identifica – em “Humilhações” muito mais explicitamente do que em “Esplêndida”, já pelo título – o que converte o elogio em crítica. Dessa perspectiva o surgimento intempestivo da guarda municipal, instrumento de repressão das classes inferiores, na segunda parte do poema, é indissociável da parte inicial, e essa associação é reforçada na quinta estrofe pela escolha dos termos associados à esfera militar: “marcha”, para indicar o andar da mulher, e “guarnições” (das sedas), significando “adornos” mas também remetendo a “conjuntos de tropas estabelecidos em determinado local”, sendo o “terror” incompreensível para o burguês não apenas aquele causado pela mulher soberba na sensibilidade do poeta, mas pelos militares nos pobres.

   Do ponto de vista literário, a posição de observador, o registro de fragmentos do quotidiano urbano, a sensorialidade e a sinestesia (“ranger das sedas, a orquestra, o gás”, em que se misturam impressões sonoras e olfativas, com sugestão tátil no “ranger das sedas”), o prosaísmo, o cinismo e o masoquismo vinculam-se à poesia de Baudelaire. Do ponto de vista sociológico, os temas de “Humilhações” vinculam-se à experiência urbana, decorrente da industrialização, que está na raiz da poesia baudelairiana e que se introduzia, ainda que muito mais lentamente do que em Paris e com uma feição própria, em Lisboa.

    Joel Serrão, ao descrever essa experiência, tratando da representação do campo e da cidade na poesia de Cesário, refere-se ao crescimento demográfico – em 1890 apenas Lisboa e o Porto “evidenciam certas características das cidades europeias contemporâneas”, possuindo, respectivamente, 391.206 e 167.955 habitantes, em oposição aos apenas 23.000 habitantes da terceira cidade mais populosa, Braga, sendo que entre 1878 e 1890 a população lisboeta mais que duplica[6]– a modernização arquitetónica – “Lisboa estende-se e moderniza-se, a construção de imóveis se torna visível”[7][…]. – do calçamento – “A larga rua macadamizada, diz o poeta. Rua nova, europeia. Por ela, e pelas restantes, circulavam os carros particulares e de aluguer tirados a cavalos, eis referências frequentes na poesia de Cesário.[8])” – e da iluminação – […] Só em 1848 se acendem os primeiros 26 candeeiros a gás. Mas em 1871 já havia no concelho de Lisboa 3080 candeeiros a gás. […] A insistência com que Cesário se refere à luz a ao cheiro do gás, que por vezes o perturba (“ o gás extravasado enjoa-nos, perturba”), além de outros possíveis significados, mostra como esse sinal de civilização entrara na vida corrente, se tornara numa presença quotidiana.”[9]Essas duas últimas modificações se fazem patentes no poema.

  A referência à guarda municipal reprimindo os contratadores de senhas às portas dos teatros também parece ser uma imagem frequente na representação do ambiente urbano na literatura parisiense da época, como nos indicam um conto de Paul de Kock sobre esse tema, “Les marchands de contremarques[10]”, e a referência a essa atividade no verbete “L’armee”, de  Les français peints par eux-mêmes : encyclopédie morale du dix-neuvième siècle, e no Physiologie du Flaneur.

   Outro traço “moderno” do poema é o uso de um termo do vocabulário médico da época, “magnetizador”. No século XIX houve um renovado interesse pelo chamado “magnetismo animal”, termo cunhado pelo médico alemão Franz Anton Mersmer para designar uma força invisível emanada dos seres animados e capaz de influenciar seres humanos e que ele cria explicar os fenômenos hipnóticos utilizadas no tratamento de seus pacientes (Charcot, médico com quem um amigo de Cesário, Bettencourt Rodrigues, estudou em Paris[11], também utilizou a hipnose para fins terapêuticos).

   Esse interesse reflete-se na obra de um autor realista como Guy de Maupassant, que tem um conto intitulado “Magnetismo”. Essa expressão aparece em outras poesias de Cesário associado a mulher fatais, “Que grande cobra, a lúbrica pessoas/ Que espartilhada escolhe uns xales com debuxo!/ Sua excelência atrai, magnética, entre luxo[…]” (“O Sentimento de um ocidental”), “Tem a altivez magnética e o bom tom/Das cortes depravadas”(“Esplêndida”). Outros termos do vocabulário médico utilizado são “aneurisma”, “histerismo”(“Sentimento de um Ocidental”), “apoplexia” (“Num Bairro Moderno”) “nevrose” (“Nevroses” era o título inicial de “Contrariedades”), todos referentes à vida nas cidades, que no poema “Nós” o autor associa à debilitação física, em contraposição à “riqueza química do sangue” dos campesinos, ou, em “Num Bairro Moderno”, a “As forças, a alegria, a plenitude/ Que brotam dum excesso de virtude/Ou de uma digestão desconhecida”.

   Vê-se assim que “Humilhações”, por inserir elementos concretos e prosaicos em uma poesia de temática amorosa, pela imagem, em parte metafórica, da mulher indiferente e altiva, pela visão negativa implícita da experiência na cidade, mas com o uso de recursos formais ligados às novas possibilidades de sensibilidade emergidas dessa experiência, contém elementos característicos da técnica e da mundividência de Cesário Verde.

Publicado por aqualtunegramatica em https://gramaticaexercicios.wordpress.com/2019/01/24/modernidade-do-poema-humilhacoes-de-cesario-verde/

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[1]  VERDE, Cesário. Poemas reunidos. Introdução e notas de Mario Higa. Cotia (SP): Ateliê Editorial, 2010, p.112.

[2] MOURÃO-FERREIRA, David. Sobre o decassílabo e o alexandrino na poesia de Cesário Verde In: Colóquio Letras, N. 93, Set.1986. p.74

[3] “o ranger da seda, a orquestra, o gás” , “fanhosa, infecta, rota, má” (“Humilhações”), “Com choques rijos, ásperos, cantantes”, “E os rapagões, morosos, duros, baços”, “E tangem-me, excitados, sacudidos, o tato, a vista, o ouvido, o gosto, o olfato!”, “Possantes, grossas, temperadas d’aço”, “Com ela sofres, bebes, agonizas”, “eles, bovinos, másculos, ossudos”, “Mastros, exárcias, vergas!”, “Madeiras, águas, multidões, telhados”, “Cheira-me a fogo, sílex, a ferragem”, “Sabe-me a campo, a lenha, a agricultura” (“Cristalizações”), “cruel, frenético, exigente” , “amo insensatamente os ácidos, os gumes, e os ângulos agudos” (“Contrariedades”), “eu que sou feio, sólido, leal”, “tu que és bela, frágil, assustada”, “uma turba ruidosa, negra, espessa”, “que me tornas prestante, bom, saudável”, “A ti, que és ténue, dócil, recolhida”, “Eu, que sou hábil, prático, viril” (“A Débil”), “E rota, pequenina, azafamada” (“Num Bairro Moderno”), “De uma ovelhinha branca, ingénua, delicada”(“Merina”), “Respiro indústria, paz, salubridade” (“De Verão”), “E evoco, então, as crónicas navais: Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!”, “E nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso”, “Muram-me as construções retas, iguais, crescidas;” “Com santos fiéis, andores, ramos, velas” (“Sentimento de um Ocidental”), “Várzeas, povoações, pegos, silêncios vastos”, “Vícios, sezões, epidemias, furtos” (“Em Petiz”).

[4] SARAIVA, António José & LOPES, Óscar. História da literatura portuguesa. Rio de Janeiro: Cia. Brasileira de Publicações, 1969, p.986.

[5] VERDE, Cesário. Poemas reunidos. Introdução e notas de Mario Higa. Cotia (SP): Ateliê Editorial, 2010. p.111

[6] SERRÃO, Joel. Cesário Verde: Interpretação, poesias dispersas e cartas. 2a edição. Lisboa: Delfos, 1961,p.34

[7] Ibidem, p.40.

[8] Ibidem, p.41.

[9] Ibidem, p.42.

[10] Compra e venda de senhas “Les marchands de contremarques”. In: CASTILHO, José Roberto

Fernandes. A Grande Cidade: Um retrato de Paris no começo do século XIX – Contos e Crônicas de Paul de Kock. Organização, notas, e revisão de tradução de J.A Xavier de Magalhães. São Paulo: Editora Pilares, 2015

[11] FIGUEIREDO, João Pinto. A Vida de Cesário Verde. 2a edição. Lisboa: Editorial Presença, 1986.p.30

 


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Humilhações, Cesário Verde”, José Carreiro. Folha de Poesia, 2022-11-28. Disponível em https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/11/humilhacoes-cesario-verde.html