[…] That very day,
From a bare ridge we also first beheld
Unveiled the summit of Mont Blanc, and grieved
To have a soulless image on the eye
That had usurped upon a living thought
That never more could be. […]
William Wordsworth (Inglaterra, 1770-1850)
The Prelude: Or, Growth of a Poet's Mind. (1805, 1850)
“Book Sixth Cambridge and the Alps”, vv. 525-530
“Book Sixth Cambridge and the Alps”, vv. 525-530
[…] Ainda estão a dar Wordsworth, vão no Livro 6 de O Prelúdio, o poeta nos Alpes.
— «De um cume despido» — lê em voz alta,
vimos pela primeira vez também
Despido, o cume do Monte Branco, e sofremos
Ao guardar uma imagem sem alma nos olhos
Que tinha usurpado um pensamento vivo
Que nunca mais poderia existir.
— Portanto. A majestosa montanha branca, o Monte Branco, revela-se uma desilusão. Porquê? Comecemos pela pouco habitual forma verbal usurpar. Alguém foi ver ao dicionário?
Silêncio.
— Se tivessem ido, teriam verificado que usurpar significa forçar a entrada, invadir. Mas também extorquir, roubar. A palavra é, portanto, polissémica, adquirindo diversos significados em função do contexto em que está inserida.
As nuvens dissiparam-se, diz Wordsworth, o pico foi revelado e sofremos ao avistá-lo. Uma réplica estranha, para um viajante dos Alpes. Porquê o sofrimento? Porque, diz ele, uma imagem sem alma, uma mera imagem na retina, usurpou o que, até então, fora um pensamento vivo. E o que era esse pensamento vivo?
[…]
— A mesma palavra usurpar surge novamente umas linhas mais abaixo. A usurpação é um dos temas mais profundos da sequência dos Alpes. Os grandes arquétipos da mente, as ideias puras, são usurpadas por meras imagens sensitivas.
Contudo, não podemos viver o dia-a-dia no domínio das ideias puras, arredados da experiência dos sentidos. A questão não é «Como poderemos manter a imaginação pura, protegida das arremetidas da realidade?» A questão tem de ser «Será possível coexistirem as duas coisas?»
Vejam o verso 599. Wordsworth escreve sobre os limites da percepção sensitiva. Trata-se de um tema que já focámos. A medida que os órgãos dos sentidos atingem o limite das suas capacidades, a sua luz começa a extinguir-se. Contudo, no momento dessa extinção, a luz tem uma última arremetida como a chama de uma vela, dando-nos um vislumbre do invisível. Este trecho é difícil; talvez contradiga até o momento do Monte Branco. Não obstante, Wordsworth parece encaminhar-se para um certo equilíbrio: não a ideia pura, em nuvem espiralada, nem a imagem visual marcada na retina, açambarcadora e desiludindo-nos com a sua clareza prosaica, mas a imagem sensitiva, mantida fugidia o mais possível, como forma de estimular ou activar a ideia que se encontra mais profundamente enterrada no pântano da memória.
Faz uma pausa. Incompreensão. Foi longe de mais, depressa de mais. Como conseguir captar-lhes a atenção? Como conseguir captar a atenção dela?
— É como se estivessem apaixonados — diz. — Se fossem cegos, dificilmente se teriam apaixonado. Mas agora, desejam mesmo ver a amada na claridade fria do mecanismo visual? Talvez seja do vosso interesse colocar um véu sobre o olhar, para manter vivo o seu arquétipo, a sua forma divina.
Isto não é Wordsworth, mas pelo menos acorda-os.
Arquétipos? pensam eles. Formas divinas? Sobre o que está ele a falar? O que sabe este velho acerca do amor?
Uma recordação ensombra-o: aquele momento no chão quando ele lhe ergueu a camisola e expôs os pequenos seios, puros e perfeitos. Ela ergue os olhos pela primeira vez; os seus olhares cruzam-se e, de repente, ela compreende tudo. Confusa, baixa o olhar.
— Wordsworth está a escrever sobre os Alpes — diz. — Neste país não existem Alpes, mas temos o Drakensberg ou, numa escala mais pequena, a Table Mountain, que escalamos ressuscitando os poetas, esperando um desses momentos revelatórios wordsworthianos de que todos ouvimos falar. — Agora está só a falar, a disfarçar. — Mas momentos como esses não ocorrerão se o olho não estiver meio virado para os grandes arquétipos da imaginação que carregamos connosco. […]
J. M. Coetzee, Disgrace (1999)
(Desgraça, tradução de José Remelhe, revisão de Ana Maria Chaves para as Publicações Dom Quixote, 2000)
CARREIRO, José. “William
Wordsworth lido por J. M. Coetzee”. Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias
e o sentimento de si,
08-08-2008. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2008/08/william-wordsworth-lido-por-j-m-coetzee.html
(2.ª edição) (1.ª edição: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2008/08/08/Wordsworth.aspx)
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