XVIII.
There was in him a vital scorn of all:
As if the worst had fall'n which could befall,
He stood a stranger in this breathing world,
An erring spirit from another hurled;
A thing of dark imaginings, that shaped
By choice the perils he by chance escaped;
But 'scaped in vain, for in their memory yet
His mind would half exult and half regret:
With more capacity for love than earth
Bestows on most of mortal mould and birth,
His early dreams of good outstripp'd the truth,
And troubled manhood followed baffled youth;
With thought of years in phantom chase misspent,
And wasted powers for better purpose lent;
And fiery passions that had poured their wrath
In hurried desolation o'er his path,
And left the better feelings all at strife
In wild reflection o'er his stormy life;
But haughty still and loath himself to blame,
He called on Nature's self to share the shame,
And charged all faults upon the fleshly form
She gave to clog the soul, and feast the worm;
Till he at last confounded good and ill,
And half mistook for fate the acts of will:
Too high for common selfishness, he could
At times resign his own for others' good,
But not in pity, not because he ought,
But in some strange perversity of thought,
That swayed him onward with a secret pride
To do what few or none would do beside;
And this same impulse would in tempting time
Mislead his spirit equally to crime;
So much he soared beyond, or sunk beneath,
The men with whom he felt condemned to breathe,
And longed by good or ill to separate
Himself from all who shared his mortal state;
His mind abhorring this had fixed her throne
Far from the world, in regions of her own;
Thus coldly passing all that passed below,
His blood in temperate seeming now would flow:
Ah! happier if it ne'er with guilt had glowed,
But ever in that icy smoothness flowed!
'Tis true, with other men their path he walked,
And like the rest in seeming did and talked,
Nor outraged Reason's rules by flaw nor start,
His madness was not of the head, but heart;
And rarely wandered in his speech, or drew
His thoughts so forth as to offend the view.
Byron (Inglaterra, 1788-1824)
Lara (1814), Canto I, Estância XVIII
— Prosseguimos com Byron — diz ele, mergulhando nas suas anotações. — Como vimos na semana passada, a celebridade e o escândalo afectaram não apenas a vida de Byron mas também a forma como os seus poemas foram recebidos pelo público. Byron viu-se fundido com as suas próprias criações poéticas — com Harold, com Manfred, até mesmo com Don Juan. […]
Mandara-os ler «Lara». As suas anotações são sobre «Lara». Não há forma de poder escapar ao poema. Lê em voz alta:
Era um estranho neste mundo respirado,
Espírito errante de um outro mundo tombado;
Uma coisa de obscuros intentos, que moldou
Pela escolha os perigos a que por sorte escapou.
— Qual de vocês vai dissecar estas linhas? — Quem é este «espírito errante»? Por que razão se autodenomina ele «uma coisa»? De que mundo vem ele?
Há já muito tempo que deixara de se surpreender com a ignorância dos seus alunos. Pós-cristãos, pós-história, pós-alfabetizados, até parecia que tinham nascido ontem. Por isso, não espera que saibam algo acerca de anjos caídos ou de onde Byron possa ter lido a seu respeito. O que ele espera é uma série de tentativas bem intencionadas, as quais, com alguma sorte, ele poderá levar ao bom caminho. Mas hoje apenas há silêncio, um silêncio tenaz que se baseia obviamente na figura do desconhecido que se encontra entre eles. Não falarão, não entrarão no seu jogo enquanto um desconhecido ali estiver a escuta a fazer julgamentos, a gozar.
— Lúcifer — diz ele. — O anjo caído do paraíso. Pouco sabemos acerca da forma como os anjos vivem, mas podemos partir do princípio de que não necessitam de oxigénio. Na sua terra, Lúcifer, o anjo negro, não tem necessidade de respirar. De repente, dá por si atirado para este mundo desconhecido «onde se respira». «Errante»: um ser que escolhe o seu próprio destino, que vive perigosamente, chegando mesmo a criar o perigo. Vamos ler mais um pouco.
O rapaz não olhou para o livro uma única vez. Em vez disso, com um pequeno sorriso nos lábios, um sorriso onde existe, possivelmente, um laivo de perplexidade, absorve as suas palavras.
Podia
renunciar ao seu pelo bem que aos outros faria,
Mas não por pena, por dever ou sentimento,
Mas sim por uma estranha perversidade de pensamento,
Que o impelia para a frente com um orgulho velado,
A fazer o que poucos ou nenhuns teriam gizado;
E este mesmo impulso iria, pela tentação,
Conduzir ao crime a sua mente e o seu coração.
— Portanto, que tipo de criatura é este Lúcifer?
Neste momento, de certeza que os alunos sentem a corrente a passar entre os dois — ele e o rapaz. A pergunta foi dirigida apenas ao rapaz; e, como quem acorda de repente, o rapaz responde. — Ele faz o que lhe apetece. Não lhe importa se é bom ou mau. Limita-se a fazê-lo.
— Exactamente. Bom ou mau, ele limita-se a fazê-lo. Ele não actua por princípios, mas sim por impulsos, e a fonte dos seus impulsos é-lhe desconhecida. Vamos ler mais umas linhas: — «A sua loucura não se encontra na cabeça, mas no coração». Um coração louco. O que é um coração louco?
Está a perguntar de mais. O rapaz gostaria de levar a sua intuição mais longe, compreende-o. Quer mostrar que não percebe apenas de motas e roupas vistosas. E se calhar até é verdade. Talvez saiba mesmo o que é ter um coração louco. Mas aqui, nesta sala de aula, na presença destes desconhecidos, as palavras não saem. Abana a cabeça.
— Não interessa. Reparem que não nos é pedido que condenemos este ser de coração louco, este ser com o qual há continuamente algo de errado. Pelo contrário, somos convidados a compreendê-lo e a simpatizar com ele. Mas existe um limite para a simpatia. Embora viva entre nós, não é um de nós. Ele é exactamente aquilo que se auto-denomina: uma coisa, ou seja, um monstro. Por fim, Byron sugere que não será possível amá-lo, pelo menos no sentido mais profundo, no sentido mais humano da palavra. Ele será condenado à solidão.
As cabeças baixam-se, escrevinhando as suas palavras. Byron, Lúcifer, Caim, para eles é tudo o mesmo.
J. M. Coetzee, Disgrace (1999)
(Desgraça, tradução de José Remelhe, revisão de Ana Maria Chaves para Publicações Dom Quixote, 2000)
“«Lara» de Lord Byron (Canto I, estância XVIII lida por J.M.Coetzee)”
in Folha de Poesia, José Carreiro. Portugal, 11-08-2008. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2008/08/lara-de-lord-byron-canto-i-estancia.html
(2.ª edição). (1.ª edição: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2008/08/11/Lara.Byron.aspx)