quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Gloomy Sunday («Domingo Sombrio» ou «Domingo Lúgubre»)

Szomorú Vasárnap száz fehér virággal,
Vártalak, kedvesem, templomi imával,
Álmokat kergető vasárnap délelőtt,
Bánatom hintaja nélküled visszajött.
Azóta szomorú mindig a vasárnap,
Könny csak az italom, kenyerem a bánat...
Szomorú vasárnap.
Utolsó vasárnap, kedvesem, gyere el;
Pap is lesz, koporsó, ravatal, gyászlepel,
Akkor is virág vár, virág és - koporsó,
Virágos fák alatt utam az utolsó.
Nyitva lesz szemem, hogy még egyszer lássalak,
Ne félj a szememtől, holtan is áldalak...
Utolsó vasárnap.
On a sad Sunday with a hundred white flowers,
I was waiting for you, my dear, with a church prayer,
That dream-chasing Sunday morning,
The chariot of my sadness returned without you.
Ever since then, Sundays are always sad,
tears are my drink, and sorrow is my bread...
Sad Sunday.
Last Sunday, my dear, please come along,
There will even be priest, coffin, catafalque, hearse-cloth.
Even then flowers will be awaiting you, flowers and coffin.
Under blossoming (flowering in Hungarian) trees my journey shall be the last.
My eyes will be open, so that I can see you one more time,
Do not be afraid of my eyes as I am blessing you even in my death...
Last Sunday.


Szomóru Vasárnap é a música que abreviou a vida de muitos ouvintes. Traduzida em várias versões, corresponde a Gloomy Sunday na versão inglesa. Rezsõ Seress, compositor e pianista húngaro, deparou-se com a controvérsia e efeitos adversos da sua própria criação.
Segundo reza a história, Rezsõ Seress foi um compositor húngaro que falhou. Falhar também faz parte do processo de criação. Seress viveu a maior parte da sua vida em Budapeste e sonhava tornar-se num compositor famoso. Intransigente e convicto dos seus objetivos, brigava constantemente com a sua namorada. Esta não conseguia aguentar a insegurança de uma vida ambiciosa. Os insucessos vividos pelo compositor e o término da relação do casal fizeram com que, certo domingo, Rezsõ observasse a janela. O céu cobriu-se em tons de cinza e a tempestade revelou os rabiscos do que viria a ser o Domingo Sombrio.
It is autumn and the leaves are falling All loved has died on earth The wind is weeping with sorrowful tears My heart will never hope for a new spring again My tears my sorrows are all in vain People are heartless, greedy and wicked..”
Esta seria a letra original que embalou Seress de forma melancólica em 1933 (traduzida em Inglês). A letra foi reescrita (em húngaro) pelo seu amigo Lázlo Javor que contribuiu para uma melhoria do valor artístico da letra quando traduzida. Seja qual for a língua, os sentimentos de desespero e tristeza são universais.
Gloomy Sunday conta a história de um homem que declara que a única prova de ser devoto ao seu amor (que recusa acreditar nos seus sentimentos) é abreviando a sua vida num domingo sombrio.
Seress contactou a primeira editora para publicar a sua música. Rejeitado. Voltou a tentar outra editora. Aceite. Ficou entusiástico.
Nada fazia antever que, dias depois, surgisse uma sucessão de suicídios com o ressoar da melodia, como se de um último grito se tratasse. Seress, numa tentativa de pedido de reconciliação à sua namorada, verifica que esta se tinha envenenado, transportando consigo uma cópia de Gloomy Sunday. Questionado pelos efeitos da sua música, o músico responde:
Estou no meio deste sucesso mortífero como um homem sendo acusado. Esta fama fatal magoa-me. Chorei todas as decepções do meu coração nesta canção e parece que outros, com o mesmo sentimento que eu, encontraram nela a sua própria dor”.
Segundo o New York Times (1968), pouco depois de completar os seus sessenta e nove anos Seress suicidou-se, saltando de uma janela. A influência da música no aumento do número de suicídios fez com que a sua transmissão fosse proibida pelos chefes da BBC. Nos Estados Unidos, algumas estações de rádio e discotecas adoptaram o mesmo boicote.
Terá a música Gloomy Sunday todo este valor epidémico ou será uma mera coincidência? Comvém não esquecer que em 1930 assiste-se à Grande Depressão. Terá o Domingo sombrio sido abafado pela segunda e terça feira negra em que se verifica um incremento da taxa de suícidios e falência/desespero de acionistas com a queda da Bolsa de Valores? Serão os efeitos de uma recessão económica, elevadas taxas de desemprego, quedas do PIB – próprios da Grande Depressão? Repare-se: um cenário muito próximo do vivido atualmente!
A música em húngaro poderá ser escutada nesta página do Youtube.


© Portishead (Wikicommons: José Goulão).


© Sarah McLachlan (Wikicommons: Stephen Samuel).

Portishead, Sarah Mclachlan, Billie Holiday , Bjork, Emilie Autumn e Sarah Brightman são alguns cantores que homenageiam Seress com as suas versões da atualidade.

Gloomy Sunday
Sunday is gloomy, My hours are slumberless Dearest the shadows I live with are numberless Little white flowers Will never awaken you Not where the black coach of Sorrow has taken you Angels have no thought Of ever returning you Would they be angry If I thought of joining you?

Gloomy Sunday
Gloomy is Sunday, With shadows I spend it all My heart and I Have decided to end it all Soon there’ll be flowers And prayers that are said I know Let them not weep Let them know that I’m glad to go Death is no dream For in death I’m caressin’ you With the last breath of my soul I’ll be blessin’you

Gloomy SundayDreaming, I was only dreaming I wake and I find you asleep In the deep of my heart, dear Darling I hope That my dream never haunted My heart is tellin’ you How much I wanted you Gloomy Sunday


© Billie Holiday (Wikicommons)


Billie Holiday gravou sua versão de “Domingo Sombrio” em 1941:

Sunday is gloomy, my hours are slumberless;
Dearest, the shadows I live with are numberless;
Little white flowers will never awaken you,
Not where the black coach of sorrow has taken you;
Angels have no thought of ever returning you;
Would they be angry if I thought of joining you?
Gloomy Sunday.

Gloomy is Sunday; with shadows I spend it all;
My heart and I have decided to end it all;
Soon there'll be candles and prayers that are sad, I know,
Let them not weep, let them know that I'm glad to go.

Death is no dream, for in death I'm caressing you;
With the last breath of my soul I'll be blessing you.
Gloomy Sunday.

Dreaming, I was only dreaming;
I wake and I find you
Asleep in the deep of my heart, dear.

Darling, I hope that my dream never haunted you;
My heart is telling you how much I wanted you.
Gloomy Sunday.
  

© Bjõrk (Wikicommons: Cristiano Del Riccio).

Domingo Sombrio
O domingo é sombrio/obscuro As minhas horas são despertas (sem sono) Queridas são as inúmeras sombras Com as quais convivo Pequenas flores brancas Nunca te acordarão Nem onde o coche negro Da dor te levou Os anjos não pensam Alguma vez em te devolver Ficariam eles zangados Se pensasse juntar-me a ti?

Domingo sombrio
O domingo é sombrio Com sombras, eu despendi de tudo O meu coração e eu Decidimos acabar com tudo Em breve haverá flores E orações que dizem saber Não as deixem chorar Deixem saber Que estou feliz por partir A morte não é um sonho Na morte eu te acarinho Com o último suspiro da minha alma Eu te abençoarei

Domingo sombrio
Sonhando Eu estava apenas sonhando Acordo e encontro-te a dormir No fundo do meu coração Querida, eu espero Que o meu sonho nunca te assombre O meu coração revela O quanto eu te quis Domingo Sombrio


© Emilie Autumn (Wikicommons: Jan Blok).


© Sarah Brightman (Wikicommons: Sherry Main).


Este foi o som da morte. Pelo menos para a BBC

Nos anos trinta, um pianista húngaro compôs uma canção sobre amor e morte. A partir daí, vários suicídios estiveram associados à obra, levando a BBC a bani-la dos ecrãs até 2002.

Lá, sol, lá, sol, sol, fá, mi. “Sombrio é o domingo, gasto-o todo com sombras. O meu coração e eu decidimos acabar com tudo isso”. 
Estes são os primeiros acordes da música composta em 1933 pelo pianista húngaro Rezso Seress e fala sobre o desgosto de um homem abandonado pela mulher que ama e que pondera matar-se. Uma história triste, com certeza, mas sabia que a BBC a proibiu por 61 anos porque provocaria suicídios em massa?

Tudo começou com uma partitura composta por Rezso Seress chamadaVége a Világnak, que se traduz para português como “o mundo acabou-se”, conta o El País. Era uma canção demasiado forte, por isso a letra foi repensada: a melodia passou a acompanhar um poema de Lászlo Jávor chamado Szomorú Vsárnap, isto é, “domingo sombrio”. Foi esta a versão que veio a público em 1935, com a voz de Pal Kalmar a cantar“num triste domingo com centenas de flores brancas, eu estava à tua espera, minha querida, com uma oração”.
Podia ser uma música melancólica, mas tornou-se mais do que isso no ano seguinte ao lançamento, quando a Time noticiou uma onda de suicídios na Hungria relacionados com “Gloomy Sunday”. Começou com um sapateiro, Joseph Keller, que a polícia teria encontrado morto junto a um bilhete onde tinha escrito alguns versos daquela canção. Depois, no rio Danúbio, vários corpos teriam sido vistos a boiar com a partitura da música nas mãos. E dois outros suicídios, perpetrados com arma de fogo, também estiveram associados a “Gloomy Sunday”.
Ainda na década de trinta, a imprensa norte-americana deu conta que a onda de suicídios já tinha chegado aos Estados Unidos. Nesta altura, a canção já era conhecida como “canção húngara do suicídio”, mas tornou-se mais famosa quando a estrela do jazz Billie Holiday a cantou. A partir daí, 19 suicídios teriam acontecido depois de as vítimas terem ouvido “Gloomy Sunday”. A BBC decidiu, então, tomar medidas extremas: a “canção húngara do suicídio” passou a ser proibida na programação. A censura começou em 1941 e esteve em vigor até 2002.
O mistério prosseguiu: uns acreditavam piamente que aquelas mortes tinham sido provocadas pela canção de Rezso Seress, que em 1968 se suicidou enforcando-se com um arame, depois de ter tentado o suicídio atirando-se de uma janela. Nesse ano, o cantor escolhido para interpretar “Gloomy Sunday” – na altura considerado o Rei do Tango – perdeu a voz depois de uma operação à garganta. Ainda assim, muitos continuavam céticos sobre a relação entre uma e outra coisa.
Quarenta anos depois de o criador da canção ter morrido, dois investigadores lançaram um artigo sobre o assunto na Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos. Nele escreveram que não descobriram uma relação de causa-consequência entre a audição da música e a tendência para o suicídio, nem conseguiram dados suficientes para averiguar se tinha havido um aumento no número de suicídios nos anos 30. Mas fazem uma ressalva: caso o número de pessoas que se mataram com as próprias mãos tenha aumentado nesse período, era possível que tal se tivesse devido ao panorama que a Europa vivia naquele momento – com a ascensão do nazismo. 
Ao longo da História, nem só o heavy metal esteve relacionado com uma suposta tendência para o suicídio: foi o caso de Efeito Werther, uma obra de Johann Wolfgang von Goethe, que terá causado uma onda de mortes no século XVIII. Mas os especialistas sublinham que o poder da música pode fazer-se sentir, não porque esta tem uma natureza fantasmagórica, mas antes porque pode haver uma queda para comportamentos suicidas nas pessoas que escutam a canção. 
http://observador.pt/2015/10/30/som-da-morte-pelo-menos-bbc/



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► "A depressão contada num poema do século XVI", Vício da poesia, 2016-04-09.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

NOITES DE POESIA

Beber um copo de vinho e ouvir poesia – uma nova forma de sair à noite

A moda começou no Porto mas em Lisboa também já se pode sair à noite para ir ouvir poesia. São cada vez mais os bares que oferecem esta nova forma de saborear a vida noturna da cidade.
As noites de poesia no bar Irreal, organizadas pelo poeta e editor Nuno Moura, têm sempre convidados para as leituras.
MIGUEL SOARES/OBSERVADOR
Se para si o sinónimo de uma saída à noite cultural é ir ouvir fado numa tasca, está a perder um dos fenómenos emergentes mais instigantes da vida noturna das cidades: as noites de poesia.
Pior: se pensa que a poesia é uma coisa chata dita por gente demasiado monótona ou demasiado exaltada, é porque ainda não descobriu como ela pode ser divertida, comovente, e que as suas melodias escondidas são o melhor acompanhamento que há para um copo de vinho tinto.
No Porto, as noites de poesia já se fazem há mais de 20 anos e já têm os seus lugares icónicos como o Pinguim, o Piolho ou as Quintas de Leitura no Teatro do Campo Alegre. Em Lisboa, começaram no bar do teatro A Barraca, animadas pelo poeta Miguel Martins, mas nos últimos dois anos têm nascido como cogumelos. Neste momento há pelo menos sete noites de poesia espalhadas pela capital, uma para cada dia da semana. Nada de pretensioso: um bar, boa poesia, bom vinho, às vezes musica a acompanhar. Vale a pena percorrer estas capelinhas onde nasce uma nova forma de “estar na noite”para gente de todas as idades.

Bar do teatro A Barraca (Santos)

Ao poeta Miguel Martins e ao bar do teatro A Barraca devemos o início deste movimento das noites de poesia em Lisboa. Ali, todas as quintas-feiras, pelas 22h00, há uma sessão de leituras de poesia: é a Poesia às Quintas. Miguel Martins é o anfitrião mas há sempre um convidado e, por vezes, um músico. Aqui a poesia de culto é a portuguesa (como se compreende) mas podem ouvir-se líricas de outras línguas. Desde poetas mainstream aos clássicos, dos rebeldes às estrelas pop/rock.
Quintas de poesia do bar A Barraca. Fotografia retirada do Facebook Bar A Barraca

Povo (Cais do Sodré)

A semana no Cais do Sodré não começa sem uma noite de poesia. Todas as segundas-feiras às 22h00, mais coisa menos coisa, há uma sessão temática de poesia. As noites que ganharam o nome de Poetas do Povo são organizadas pelo músico Alex Cortez (ex-Rádio Macau) e têm como anfitrião o jornalista Nuno Miguel Guedes. Acontecem há mais de dois anos, passam por lá famosos e desconhecidos, e há espaço para todo o tipo de poesia a acompanhar com bons vinhos e bons queijos. Vá cedo porque a casa enche, e prepare a garganta, se quiser — estas noites de poesia têm uma segunda parte de “microfone aberto” onde cada um pode ir ler alguns poemas da sua autoria, ou simplesmente algum poeta de que goste. Na próxima segunda-feira, dia 21 de dezembro, vai haver poesia de Leonard Cohen. Podemos pedir mais?

Manuel João Vieira foi um dos convidados recentes para ler poesia no Povo.
Fotografia retirada do Facebook Poetas do Povo

Sagrada Família (Alfama)

As sessões de poesia na Sagrada Família começaram quando este espaço estava na avenida Duque de Loulé e continuaram quando se mudou para a Rua dos Remédios, em Alfama. A conduzir estas noites por onde passam sobretudo poetas portugueses, como Mário Henrique Leiria, Cesariny e Alexandre O’Neill, está o músico e poeta Tiago Gomes. Estasspoken words acontecem duas vezes por mês, sempre à terça-feira. A partir de janeiro passam a acontecer às quartas e ganham o nome de “Quartas da Palavra”. Na Sagrada Família também se pode jantar ao som de poesia, pelas 21h00.

Tiago Gomes, o poeta das palavras ditas na Sagrada Família. DR

Pratinho Feio (Bairro Alto)

Tiago Gomes assegura também as novas noites de poesia no Bairro Alto. Acontecem uma vez por mês no restaurante Pratinho Feio, pelas 21.30. Assim, tal como na Sagrada Família, pode jantar a ouvir poesia. Aqui faz-se cozinha portuguesa, confecionada de forma criativa. Às palavras dos poetas junta-se a música.

Irreal (Poço dos Negros)

Descendo a Calçada do Combro e entrando no Poço dos Negros vai ter ao Irreal, um bar muito palpável. Pequeno, charmoso, parece feito à medida para sessões de poesia ao fim da tarde. O poeta e editor Nuno Moura, que parece ter nascido para ler poesia e fazer do verbo carne, movimento e dança, costuma ter sempre um convidado. Na passada quinta-feira houve poesia acompanhada por Carlos Paredes tocado em cravo por Joana Bagulho. As sessões com Nuno Moura & guestsacontecem duas vezes por mês, sempre às quintas. O poeta António Poppe assegura a poesia duas quartas-feiras por mês. O espaço é pequeno e tem um público fidelizado, por isso vá cedo para saborear um vinho, uma cerveja e arranjar uma cadeira.
Joana Bagulho a tocar cravo numa das sessões de poesia do bar Irreal.
Foto: MIGUEL SOARES/OBSERVADOR

Primeiro Andar (Portas de Santo Antão)

A arca de Babel abre-se uma vez por mês no bar Primeiro Andar, no edifício do Ateneu Comercial, nas Portas de Santo Antão. Chama-seBabel’s Curse-poetry Sessions e é organizada pelo jovem poeta Vasco Macedo. Vasco é do Porto, cresceu a ir às sessões do Piolho e do Pinguim e quis fazer as noites de poesia mais marginais de Lisboa. Começou com as “Terças da Poesia Clandestina” no bar da Universidade Nova de Lisboa. Agora tem o Babel’s Curse que acontece uma vez por mês. Estas noites são sempre dedicadas à poesia de uma das línguas do mundo e têm um anfitrião convidado. O próximo curso é no dia 30 de dezembro e vai ouvir-se poesia cubana do século XX. Apesar do nome, não espere encontrar aqui uma “coisa académica”. Sem capas, batinas nem tunas, no Primeiro Andar ouve-se também boa música e pratica-se poesia como valor universal.
As noites de poesia do mundo no Primeiro Andar acontecem uma vez por mês.
Fotografia retirada do Facebook Babel’s Curse Poetry Session


Taberna Galegas (Cais do Sodré)

É um dos mais recentes spots para ouvir poesia: a tasca Galegas (no nº 7 da travessa da Ribeira Nova), acolhe o projeto Galegas 7 da autoria do escritor Valério Romão e de Marta Raquel Fonseca. Aqui leem-se textos em prosa de poetas e de não poetas. Podem ouvir-se também romancistas, dramaturgos entre outros. Nestas noites “galegas” já se ouviu Sarah Kane, Manuel de Castro, Fernando Assis Pacheco. Cada sessão tem um ou mais convidados para fazer as leituras. Pelas 19h00, duas terças-feiras por mês.

Na  tasca Galegas leem-se textos de poetas e não poetas.
http://observador.pt/2015/12/22/beber-um-copo-vinho-ouvir-poesia-nova-forma-sair-noite/

domingo, 20 de dezembro de 2015

AMAI-LA


Não obstante o reconhecimento do Fado como a expressão da sentimentalidade lusitana, da sua angústia coletiva, foi considerado, inicialmente, como marginal e ligado à prostituição, principalmente durante a Primeira República, com referências explícitas à fadista Severa. Nascido nos bairros mais pobres da Lisboa do século XIX, entre os escravos e criados, marinheiros e operários, marialvas e vadios, dentro e fora dos prostíbulos dos arredores da capital, o Fado foi ascendendo socialmente, deixando de se identificar com o lado marginal da sociedade e passando a frequentar os salões da burguesia e da aristocracia, até chegar à canção nacional, adotada pelo Estado Novo, a partir de 1937. Essa imagem imoral do Fado só terminaria nessa altura, em que também o fadista passou a ser encarado como artista e porta-voz do Fado, símbolo nacional. Esta situação tornou-se mais célere, graças à carreira em ascensão, inclusivamente a nível internacional, de Amália Rodrigues, a qual se converteria, por excelência, não só na mais famosa representante do Fado, como também na cantora nacional de Portugal.

Com Amália, as letras do Fado abandonam a dimensão de narrativa cantada e, progressivamente, os poemas passaram a existir enquanto criação estética, individualizada. Por seu turno, as músicas eram feitas para acompanharem determinados poemas. Exemplo disso foi o compositor francês Alain Oulman, que compôs inúmeros trechos musicais para musicar os poemas de Camões – v. g. Erros meus, má fortuna, amor ardente” – para serem cantados por Amália. No entanto, Amália também cantou muitos poemas feitos propositadamente para si, nomeadamente por Alberto Janes, tendo este abordado, nos seus versos, o tema da saudade, tão característico do idioma fadista, como se exemplifica:


Tenho a janela do meu peito

Aberta para o passado

Todo feito de fadistas e de fado!

Espreita a alma na janela,

Vai o Passado a passar,

Ao ver-se nela, a alma fica a chorar.

 

Ler mais em: O fado e a questão da identidade, Vilma Silvestre. Lisboa, Universidade Aberta, 2015, 2 volumes.

 


 



Em artigo publicado no 
Diário de Notícias de 7 de Outubro de 2009, assinalando os dez anos do falecimento da fadista portuguesa, o poeta e escritor Vasco Graça Moura escreve sobre «um dos aspectos, talvez o menos referido e tratado», do «milagre» de Amália Rodrigues.      


POÉTICA DE AMÁLIA
(…) Em conversa com [o jornalista] Manuel Halpern, do Jornal de Letras, a propósito da poesia de Amália Rodrigues, falei da qualidade da escrita dela, que não tinha tido qualquer espécie de educação formal. Não me ocorreu então que, na sua segunda carta a Vitorino Nemésio, ela assumia a confirmação disso mesmo: «Ai, meu querido professor/Eu nunca fui sua aluna/Não tenho instrução nenhuma,/Como é que posso entender/O que o senhor quis dizer/Sem saber ler nem escrever?» E esse é um dos aspectos, talvez o menos referido e tratado, do milagre de Amália. Nos seus versos, ela soube lançar mão de uma escrita poética intuitiva e certeira, formalmente muito ancorada na tradição da matriz popular, com uma grande fluência, belos achados e, por vezes, algumas agudezas quase maneiristas.  
A chave para entender o fenómeno, na parte em que ele pode ser entendido, creio que está precisamente nessa aliança de gosto apurado, sentido da musicalidade e do ritmo, simplicidade verbal e naturalidade de expressão que Amália soube processar com requintada destreza entre a ingénua frescura da tradição e da poesia do povo (da toada beirã às criações dos letristas populares que cantava) e o trato aturado com a poesia mais elaborada dos escritores que foi incorporando no seu repertório. A influência das oficinas de David Mourão-Ferreira e a de Pedro Homem de Mello nalguns dos seus temas próprios parece-me evidente. Mas as coisas não ficam por aí e há outros aspectos que surpreendem, como, em Flores do Verde Pinho, esta habilíssima utilização de uma forma verbal arcaica: «Ai, flores do verde pinho,/dizei que novas sabedes/da minha alma, cujas sedes/ma perderam no caminho!»
E há momentos de grande eficácia técnica. Recordo os meus dois fados favoritos de que Amália escreveu a letra, Estranha Forma de Vida e Lágrima, o primeiro com a sua intensificação repetitiva pela retoma do primeiro verso de cada quintilha no remate dela, a acentuar a "estranheza" da vida daquele "coração independente", o segundo com a reiteração sincopada da primeira metade de cada verso, como se o próprio avançar do poema fosse depender desse "tactear", desse recomeçar da procura da maneira de dizer para chegar à máxima intensidade lírica, a exprimir a fragilidade com que o ser humano se expõe desamparadamente na paixão. O texto de Lágrima, obra-prima da Amália letrista, poderia ser quase integralmente reduzido a quatro quadras, mas a sua transfiguração dramática deve-se a essa espécie de leixa-pren, de retomar insistente e fraturante do teor de cada verso, reforçando uma dialéctica muito fadista que poderia esquematizar-se cruamente desta maneira: realidade/sonho, sofrimento de amor/disponibilidade para morrer.
Nos poemas não cantados (reporto-me à excelente edição de Versos, organizada em 1997 por Vítor Pavão dos Santos)mantêm-se muitas destas características, a que acresce em geral uma nota de humor e de auto-ironia muito pessoal (por exemplo: «Cá por dentro da cabeça/vazia como eu a tenho/por estranho que pareça/atendendo ao seu tamanho»…). Esse humor surge com frequência nas peças de matriz mais popular e também no pequeno bestiário da autora (gafanhotos, grilo, bicho-de-conta, mosquitos, cabra e vários outros animais aí incidentalmente referidos).
Noutros fados, como Lavava no Rio, Lavava Quando Se Gosta de Alguém, a repetição é utilizada com excelentes efeitos, no primeiro, a recordar a toada das cantigas de amigo e do romanceiro, no segundo, explorando contradições e perplexidades cujo sentido se reforça exactamente pela engenhosa recondução das questões ao mesmo pressuposto inicial («quando se gosta de alguém»). Já em Amor de Mel, Amor de Fel, a sequência qualificativa e modulada do amor sentido entre os seus pólos de contentamento e amargura joga com anáforas, com oposições, com hipérboles, com alusões à relação tonal de fado maior e fado menor e, por esta via, com a ambiguidade entre o sentido de fado (canção) e o de fado (fatum, destino).
Enfim, o que em Amália vive e sente está pensando e recordando, como ela escreve em Depois Disto… desisto, redondilhas que começam assim: «Tantas coisas que já li/Outras tantas que vivi/Fazem de mim o que sou/Ai, se eu tivesse esquecido/Tudo o que tenho vivido/E o coração decorou
Fonte
Artigo publicado no Diário de Notícias de 7 de outubro de 2009.


A biografia do Fado, embora dúbia, constitui motivo de orgulho para o povo português e, desde que começou a ser interpretado como porta-voz da nossa nação, vários têm sido os autores e compositores que honram esta canção nacional, graças às letras de Fado por eles criadas. As tradições podem eventualmente sofrer adaptações e reinvenções para as gerações mais jovens, as quais se encarregam de as transmitir como legado cultural.

Será que o Fado se reinventou entre as várias gerações de uma nação que vivenciou inúmeras vicissitudes sociopolíticas, nos últimos duzentos anos?

Pelo conhecimento que temos da história do Fado, é indubitável que este sofreu um enorme salto qualitativo, estimulado essencialmente pela união desta forma de expressão artística, genuinamente portuguesa, à poesia que os nossos poetas maiores produziam. Como porta-bandeira desta caminhada, encontramos Amália Rodrigues, cujas voz e performance souberam corporizar o espírito nacional, integrando os poetas eruditos. Amália sempre teve ao seu lado os grandes poetas nacionais; ainda na década de 50, interpretou o Fado “Primavera”, com o poema de David Mourão Ferreira. A partir da década de 60, partilhou essa vocação com Alain Oulman. O facto de Amália editar um álbum com poesia camoniana intitulado “Amália Canta Camões” gerou bastante controvérsia, sobretudo na imprensa escrita e até em debates televisivos, provavelmente porque era inusitada esta associação, e porque o público não acede facilmente às mudanças. Em Camões, um dos mais fortes símbolos de identidade da nossa pátria, a presença do fado como destino é mais evidente e constitui, inclusivamente, uma das temáticas da sua poesia lírica. Amália deu voz a um dos sonetos camonianos onde o Fado é o tema abordado: “Com que voz”, numa interpretação reveladora do sentimento que o Fado tradicionalmente expressa, como uma música triste, versando geralmente, uma temática taciturna, nostálgica e fatalista. Efetivamente, o fatum (Destino) era o tema em evidência, na sua aceção etimológica. Logo, a avaliar pelas letras dos fados, percebemos uma mensagem de sofrimento que perpassa essa alma dolorosa e plangente dos fadistas. A capacidade que Amália demonstrava na interpretação dos poemas era notável e conferia-lhe uma excecional densidade dramática, o que fez com que todos os tabus criados em seu redor se dissipassem, levando à criação de uma época ímpar na música ligeira portuguesa. Amália corporizava os sentimentos mais dolentes da alma portuguesa, numa vivência muito subjetiva, o que lhe conferiu o título de musa do Fado.

 

Ler mais em: “O fado e a questão da identidade”, Vilma Silvestre. In: Atas das I Jornadas de Estudos Portugueses [Em linha], Ana Piedade e Paulo Silva. Lisboa, Universidade Aberta, 2021. 185 p. (eUAb. Ciência e Cultura; 12). ISBN 978-972-674-890-8

 

(Última atualização: 2022-10-11)

domingo, 13 de dezembro de 2015

Gestalt prayer



I do my thing and you do your thing.
I am not in this world to live up to your expectations,
And you are not in this world to live up to mine.
You are you, and I am I,
and if by chance we find each other, it's beautiful.
If not, it can't be helped.

Fritz Perls, Gestalt Therapy Verbatim, 1969











Aos apaixonados

O desejo da gente é sempre engaiolar o outro e levá-lo pelos caminhos que são nossos. Isso vale para tudo: marido-mulher, pai-filha, mãe-filho, patrão-empregado, professor-aluno... Não admira que Sartre tenha dito que “o inferno é o outro”.
Não haverá uma saída. Lembro-me de um pequeno poema de Perls que sugere a possibilidade de uma relação sem gaiolas:

Eu sou eu
Você é você.
Eu não estou neste mundo para atender
às suas expectativas.
E você não está neste mundo para atender
às minhas expectativas.
Eu faço a minha coisa.
Você faz a sua.
E quando nos encontramos
É muito bom.


Rubem Alves, O amor que acende a lua. Campinas, Papirus, 1999.
Ler crónica completa em http://aosapaixonados.blogspot.pt/2002_12_01_archive.html




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terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Escrita criativa de um “pseudopoema digital”




Complete as lacunas do  pseudopoema a seguir transcrito, usando, sem repetir, uma consoante de cada vez.
  


PSEUDOPOEMA DIGITAL

É uma arma mas não tem _ala
Às vezes não salva e me _ala
Outras vezes fica mudo e _ala
Com um disco se acende e _ala
Se a festa for de _ala
Ele se destaca na _ala
Quando se quebra não leva _ala.
Se fica velho, joga-se na _ala.
É antirreflexivo e não usa _ala
O computador que levo na _ala





Produção de materiais de ensino: teoria e prática
organizado por Vilson J. Leffa. 2.ed. rev. – Pelotas: Educat, 2007, p. 36