MEDEIA
(Recitando o texto de Eurípedes.) «Jasão, perdoa-me
o que disse. Tens
de suportar este génio violento. Partilhamos tantas
recordações do nosso amor!» Eu ralho comigo mesma,
«Como és doida,
Medeia, teimas em te queixar, quando o que os outros pretendem
é levar a vida da melhor maneira possível, teimas em te queixar,
erguendo-te contra o Rei e contra o teu próprio marido.»
[…]
«A vossa mãe está fora do Mundo»,
dizes calmamente enquanto enches o cachimbo, «e
há quase vinte anos que anda agarrada como um abutre à carcaça de
Medeia. Como e dorme com os seus demónios,
de que outra coisa quer ela saber?» E
os pequenos ouvem-te.
O mais velho pelo menos ainda te presta atenção,
vendo
no pai aquilo que pretende ser, um «pragmático» com a ambição toda que cabe
nesta palavra»
[…]
«A chuva desta noite espalhou pela terra as azeitonas antes que amadurecessem.»
O texto de Eurípedes não contém, mas deveria conter,
uma fala assim. Bem mais felizes terão sido
essas mulheres antigas, descidas de um reino de taças de veneno e
de tronos derrubados, desgrenhando
a cabeleira no ventre dos seus amantes.
Pariam em sangue, em sangue assassinavam.
[…]
Durante muitos anos tive aquele pesadelo.
O homem, jovem de mais para mim, erguia-se
na última fila da plateia.
Disparava três vezes. Eu caía na grande luz do palco.
E o público levantava-se para me aplaudir.
MÁRIO
CLÁUDIO, MEDEIA
Lisboa, Publ.Dom Quixote ,
2008
Lisboa, Publ.
[Post
original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2009/04/21/medeia.aspx]
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