domingo, 28 de dezembro de 2014

ADOLESCENTES REPENTINOS (Herberto Helder)







Adolescentes repentinos, não sabem, apenas o tormento de um excesso
giratório. Com as cabeças zoológicas.
Os anéis nas patas.
Oprime-os para dentro um clarão dançante.
Aquilo que são fora.
A cegueira dos chifres que levantam
como uma enorme estrela
desabraçada. A sua ligeireza busca o peso
da pedra. E o peso que têm
de pura luz sem peso, o movimento sinistro
no chão,
o terror, uma
riqueza violenta — buscam alguém que os toque.
Na boca.

Que os torne transparentes, circulatórios.
E quando as turquesas se cruzam de mão a mão, deixando-as
em brasa,
vê-se que são anjos tocados pelas víboras, anjos
anatómicos e atrozes.
Expostos à lua como animais. Que são escuros
nas espáduas.
Devastam o mundo só de olhá-lo com força.
O sono que os ataca mostra-os
cheios de artérias. E então a delicadeza pesa-lhes
como a morte. Basta tocá-los na cara para que fiquem
brancos. Atravessá-los com o sangue venoso
da insónia, da nossa matéria.

E então a sua carne é uma estrela suada.


Herberto Helder, Flash. Abril 1980.
Apud Poesia Toda, Lisboa, Assírio & Alvim, 1990.




*


Os “[a]dolescentes repentinos”, mesmo que pessoas, são animais, e saliento que a única logia deste fragmento de Flash é a que se lê em “zoológicos”. Animalizados, portanto, os “adolescentes” não sabem, como Patrícia, “nada, nada, nada!”, “apenas o tormento de um excesso/ giratório”, ou seja, apenas a condição debruçada de sua própria condição excessiva, portanto dionisíaca, fundida à natureza. 
Luís Maffei, Do mundo de Herberto HelderRio de Janeiro, Faculdade de Letras, UFRJ, 2007.








[Publicação simultânea em: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2014/12/27/adolescentes-repentinos.aspx]

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