Henrique Levy, outubro de 2018. Foto de Dulce Gonçalves. |
A
NOSSA TARDE
chegaste à hora do chá, as chávenas refletiam o sol deitado no
horizonte lilás de bruma.
a mágoa arrefecida pelo tilintar da colher na porcelana
convocava o tempo disperso na vastidão da ilha, pequena
concha que ao alto mar ruma, sulcada por clamores, dores e
batalhas vulcânicas.
os meus olhos errantes nos muros que cercavam a casa
contemplavam o destino de nos perdermos juntos,
naufragados no sonho flutuante de toalhas de renda e botões
de punho...
as primeiras horas da noite soaram abertas ao vento e à
chuva que abraçavam a casa e o jardim onde a remota
imensidão azul nos cercava de alongados verdes.
estou doente, referi, enquanto tu falavas de tempestades e do
sol que outros agora iluminava.
[…]
chegaste à hora do chá, as chávenas refletiam o sol deitado no
horizonte lilás de bruma.
a mágoa arrefecida pelo tilintar da colher na porcelana
convocava o tempo disperso na vastidão da ilha, pequena
concha que ao alto mar ruma, sulcada por clamores, dores e
batalhas vulcânicas.
os meus olhos errantes nos muros que cercavam a casa
contemplavam o destino de nos perdermos juntos,
naufragados no sonho flutuante de toalhas de renda e botões
de punho...
as primeiras horas da noite soaram abertas ao vento e à
chuva que abraçavam a casa e o jardim onde a remota
imensidão azul nos cercava de alongados verdes.
estou doente, referi, enquanto tu falavas de tempestades e do
sol que outros agora iluminava.
[…]
Henrique
Levy, O Rapaz do Lilás
Ribeira Grande, Confraria do Silêncio, 2018
Ribeira Grande, Confraria do Silêncio, 2018
para o henrique e o luis
O poeta faz versos porque o amor é uma
varanda aberta ao mar. E mergulha, ainda dentro de casa, no tempo que é livre, acabado
de chegar do futuro que se confirmou. Mergulha como quem abre o corpo e pede a
deus que leve o que é seu e deixe o que é do amor. Fica, assim, inteiro o
poeta, que se renova na água imensa, jorrando do poema por escrever. O poema
que desafia o espaço da cabeça e do coração, para caber aninhado e sair em
fanfarra, pelos dedos eléctricos.
Este livro é esse mistério convertido em
candeia acesa. Todos podemos ver como o amor é uma acendalha, como os dias
distantes são núpcias, à espera, apenas, quem sabe, de um pastor de olhos
verdes, capaz de ser árvore e luzeiro alto, em vez de todas as coisas que as
pedras já conhecem de cor, cada vez que nos cobrem os sonhos. Este livro é uma
glória que se conquista todas as manhãs, se a vida nos dá e nós agradecemos,
rezando aos nossos poetas, aos anjos e aos santos que encarnam nos animais,
criaturas do deus que existe, com a maravilha de eles serem, tantas vezes, a
voz que fala através dos olhos, e garante que somos todos iguais. Todas as
manhãs, quando o Luis sai, o Henrique fica, e encontram-se os dois no poema,
amam-se numa vasta lucidez, antecipando a luz das flores do linho, que nunca
mancha nem ensombra, essa vida que se faz de pequenos rituais. E a casa cresce,
depois, com o espaço que as palavras trouxeram, para a hora do chá, e para o
comprimento das mãos, elas que saciam a espera, de que o amor se livra, cada
vez que um poema decide falar, a glória que o amor dispensa, se tudo é tão
simples, como abrir um livro, rezar às paredes, acordar o silêncio, e pô-lo à escuta,
da ilha que nos rodeia. Quando vamos à Mediana vemos este livro na sombra
perfumada das coisas, que é luz do avesso, dizendo-nos para testemunharmos o
paraíso encontrado do amor, ele que nunca é o que estávamos à espera, e talvez
por isso nos comova, e faça sentido abrir-se o oratório, como quem abre uma
janela, e comprova que vamos sempre além dos sonhos, se para tanto basta um
abraço, e o mar, ao fundo, como uma colher que nos embala no líquido do amor.
Prefácio
a O Rapaz do Lilás
Daniel Gonçalves, Santa Maria, setembro de 2018
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