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AEROPORTO
De franqueforte franquefurta-me a placa giratória No centro o minotauro do livro e do dinheiro Bolsa do desespero! o aeroporto cunha a moeda do trânsito, da urgência joalheiro
Os diapositivos da espera me dissecam nesta de mármore mesa da minha anatomia e gelam as pestanas que velam o cadáver da pressa escarnecida pela meteorologia
Os pés involuntários por tapetes rolantes vão sendo massajados para as finais do juízo Para a leda flor de pinho dos nervos lusitanos franqueforte é farmácia que não está de serviço
Ε de erres arrastados o ofício das ground-hostesses que escrevem sim e não com a ponta do nariz Emudecem as águas do batismo de Goethe nos químicos arredores deste alemão a giz
De franqueforte franquefarta-me o ninguém coletivo este frio da morgue que abandona o cenário às unhas dos relâmpagos e às pombas pluviosas que pausas desdenhosas dejetam no horário
Aeroporto humano apenas na retrete Na mansa paranoia da pista de absinto pousa ariadna fio 727 gargalhando a saída do lerdo labirinto
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Natália Correia, O anjo do ocidente à entrada do ferro, 1973
“Minotaur”, Nemo Gould
Natália Correia aplica o tema do labirinto e do Minotauro à complexidade e emaranhado do aeroporto internacional de Frankfurt no poema "Aeroporto", nascido da junção de dois que ao tema eram dedicados na primeira edição de O anjo do ocidente à entrada do ferro (pp. 49 e 50) (A edição seguida é a da poesia completa, com o título O sol nas noites e o luar nos dias editada em 2 volumes pelo Círculo de Leitores. Lisboa, 1993, vol. 2, pp. 30-31). O aeroporto é um labirinto, em cujo centro se encontra «o minotauro do livro e do dinheiro» (v. 2). O sujeito poético tem antipatia por esse movimentado aeroporto que obriga a longas esperas e a apressadas mudanças de avião para avião: ou, como diz a autora de forma metafórica, «cunha/ a moeda do trânsito, da urgência joalheiro» (vv. 3-4). Dois neologismos, formados a partir do nome da cidade, traduzem de uma maneira impressiva e irónica a ideia de cansaço e saturação: «Defranqueforte franquefurta-me a placa giratória» (v. 1), ou franquefarta-me (verso 17). O cansaço da espera é sublinhado na segunda estrofe por aliterações em d e m (vv. 5 e 6) (Vide ainda outras aliterações nos vv. 12, 19, 20, 22, 24) e por duas metáforas, uma tirada do ato médico de dissecar um corpo e a outra inspirada no velório fúnebre de um morto (vv. 5-8):
Os diapositivos da espera me dissecam
nesta de mármore mesa da minha anatomia
e gelam as pestanas que velam o cadáver
da pressa escarnecida pela meteorologia.
A imagética relacionada com morte e morgue volta a estar presente na quinta estrofe (v. 18).
O tamanho do aeroporto obriga a deslocações de um lado para o outro e de porta para porta, durante as quais só se ouvem os «erres arrastados» das hospedeiras (v. 13) e «os pés involuntários por tapetes rolantes/ vão sendo massajados para as finais do juízo» (vv. 9-10) — uma bela metáfora inspirada nas competições desportivas. Mas aqui essas competições são «as finais do juízo», por darem cabo dele. Mas também não é de excluir que haja na expressão uma alusão ao Juízo Final. Daí que lhe desagrade e lhe destempere os nervos (vv.l 1-12):
Para a leda flor de pinho dos nervos lusitanos
franqueforte é farmácia que não está de serviço.
Por isso o sujeito poético sente-se saturado por aquele movimentado aeroporto sem calor humano (vv. 17-18):
De franqueforte franquefarta-me o ninguém coletivo
este frio da morgue
e que, no corre-corre acotovelante de lado para lado que elimina e devora a individualidade, é «humano apenas na retrete» (v. 21). Por isso, a saída do avião para a pista e o levantar voo aparece como fio de Ariadne que possibilita a alegria da fuga («gargalhando a saída») do labirinto (vv. 22-24).
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Seis poetas portugueses da atualidade — Miguel Torga, Natália Correia, David Mourão Ferreira, Fernando Guimarães, José Augusto Seabra e Sophia de Mello Breyner Andresen — em que o tema do Labirinto e do Minotauro adquire certo relevo. Em todos eles predomina o carácter disfórico: o labirinto é o local ou situação complexa e sem saída, quer seja interior, quer exterior à própria pessoa. Pode ser a poesia em que o poeta se perde e de onde só consegue sair pelo fio das palavras; pode ser uma casa ou um aeroporto.
O Minotauro é o monstro que cada homem arrasta consigo e enfrenta, que o domina: seja ele o tempo que tudo devora; o poder económico; um simples homem; as paixões e desejos com que cada um se debate; o que há de sombrio, negativo e irracional no homem. Como refere David Mourão Ferreira, o monstro a que damos a «sombra do nosso ódio» e no qual buscamos «os nossos próprios remorsos».
HVMANITAS — Vol. XLVIII, 1996, pp. 312-313, 332-333.
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[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2014/03/19/aeroporto.aspx]