Natália Correia: Figura emblemática da cultura e da afirmação da identidade açoriana
Por: António
Valdemar
A primeira fase da vida e obra de Natália Correia – decorreu dos
anos 40, ao início dos anos 50. Concilia o jornalismo, a literatura e a
política...
Natália
Correia pertenceu ao reduzido número de mulheres que basta só dizer o primeiro
nome para as identificar na amplitude da sua criação artística e literária e na
singularidade da sua dimensão humana – Natália, Sophia, Agustina, Amália.
Nasceu
nos Açores, na ilha de São Miguel, na Fajã de Baixo. Viveu com a mãe e a irmã
Carmem, ora na Fajã de Baixo, ora em Ponta Delgada. Pai e mãe entraram em
rutura quando Natália tinha alguns meses. O pai emigrou para o Brasil.
A
mãe de Natália, Maria José Oliveira professora primária, mulher formada nos
valores cívicos e culturais da Iª Republica, com formação laica e tendências
libertárias – o que era raro na época - além do exercício do magistério,
colaborou em jornais e revistas, frequentou tertúlias, publicou dois romances
mas, desde sempre, preocupou-se com a educação das filhas incutindo-lhes os princípios
da democracia e a aproximação com a modernidade.
Em
1934 a família instalou-se, definitivamente, em Lisboa. Maria José Oliveira
quis dar às filhas outros horizontes. Recordou Natália: “Sendo uma intelectual
que se não pode realizar, inteiramente, devido ao meio e às circunstâncias
procurou preparar-nos». Entendia que «o desenvolvimento espiritual da mulher
corresponde a uma atitude social». A permanência em S. Miguel, mesmo na cidade
de Ponta Delgada, não reunia condições «para nos desenvolver espiritualmente».
Era «um meio muito exíguo».
Natália
Correia ainda passou pelo Liceu de Ponta Delgada; frequentou em Lisboa, o Liceu
Filipa de Lencastre, mas sem qualquer aproveitamento. Mostrou-se refratária aos
métodos de ensino. Ela própria o declarou: «Havia uma situação de disciplina,
de imposição e de opressão incompatível com a minha maneira de ser. Nessa
altura, julgava eu que tal atitude era determinada por preguiça ou relutância
aos estudos. Agora sei que as minhas razões eram outras. Descobri, mais tarde, particularmente
em trabalhos para que se exigiam disciplina e estrutura, que não podia
vergar-me a regras que me fossem impostas de fora. Eu é que as tinha de criar».
Resultou,
portanto, num «fracasso total» «a razão imediata da vinda para estudar em
Lisboa». A passagem de Natália pelo liceu foi, segundo as suas palavras, de
«ave migratória». O problema não se colocava só em São Miguel. Em Lisboa o rumo
era o mesmo deparou com os mesmos métodos. A escola não era um espaço de
formação e transformação coletiva; nem um lugar de esperança e de procura, de
encontro aberto à pluralidade do saber e à difusão do conhecimento.
Natália
Correia tem uma formação autodidata. Também aprendeu francês e inglês que
falava e escrevia com desembaraço.
Apesar
de pertencer a uma família muito católica e muito tradicional Maria José
Oliveira ultrapassou a rotina que se circunscrevia ao exercício burocrático do
magistério. O ensino era um ato de participação e de cidadania, a fim de pensar
e interrogar o mundo.
Teve
relações pessoais e literárias com figuras da oposição democrática, entre as
quais o jornalista Carvalhão Duarte que viria a ser diretor d’A República. Desde muito jovem, Natália
conviveu, com estas personalidades e através delas privou com muitas outras que
contribuíram para a sua afirmação pessoal, literária e política.
A
partir de meados dos anos 40, tornou-se uma figura de Lisboa ligada aos
principais acontecimentos literários e políticos que marcaram, decisivamente, a
segunda metade do século XX.
Está
perpetuada na toponímia de Lisboa, da Grande Lisboa, da ilha de São Miguel e de
outras ilhas dos Açores. O seu nome também se encontra inscrito e com todo o
relevo na Fajã de Baixo. E ainda em diversas outras bibliotecas, como é o caso
de Carnide e de Odivelas. Tem sido homenageada por universidades públicas e
privadas. Foram assinalados, em 2013, com numerosas manifestações o 20º
aniversário da morte e os 90 anos do nascimento de Natália Correia. Assumiram, contudo,
especial relevo as comemorações que se efetuaram nos Açores promovidas pela
Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura, desde a ilha de Santa Maria
até à ilha do Corvo.
Natália
colocou, no local mais íntimo de trabalho da sua casa de Lisboa, o mítico 52,
5º da rua Rodrigues Sampaio, entre a rua de Santa Marta e a Avenida da
Liberdade e onde viveu 40 anos, as imagens tutelares de Antero, de Pessoa e de outros
mestres de quem recebera ensinamentos, conselhos e advertências: António Sérgio
e Almada Negreiros. Entre eles destacava-se a mãe e um amigo da mãe, Cardoso
Martha, que lhe deu explicações de português, francês e história. Antigo seminarista,
com profundo conhecimento das humanidades clássicas, da literatura portuguesa e
das várias literaturas de expressão românica, Manuel Cardoso Martha (1882 –
1958) era um erudito, um bibliógrafo, um bibliófilo, um colecionador de
manuscritos e de livros que adquiriu de muitos modos, sem excluir apropriações
ilícitas, em livrarias, em alfarrabistas e até em casas de amigos que visitava
e lhe davam almoço ou jantar a troco de pilhérias que era exímio em narrar à sobremesa.
Na sua maioria integram grande parte da «Antologia da Poesia Erótica e
Satírica» que Natália publicou, nos anos 60, com êxito retumbante e foi
apreendida pela PIDE e pela Censura.
Natália,
em matéria de formação intelectual reconhecia, no entanto, que ficara a dever à
mãe, na infância e na adolescência, os conhecimentos fundamentais para entender
a vida e aceder à cultura. Lembrava, com frequência, que a mãe fizera despertar
nas filhas o amor pelos livros e pela leitura, para ajudar a ver o mundo com
outros olhos e de vários prismas; e, ainda, o sentimento da música, a história
grega e romana, a explicação das fábulas, a decifração das figuras mitológicas e
reais.
Se
a identificação de Natália Correia com Lisboa foi muito intensa, a relação com
os Açores foi igualmente profunda. Jamais esqueceu o famoso cozido das Furnas,
os inhames e maçarocas de milho «cozidos na terra fervente e mole à beira da
Lagoa e que depois comemos numa mesa de pedra sob as plumas dos fetos; por
entre colinas de pedra-pomes, líquenes, musgos, mantos verdes que pendem dos
ribanceiros onde se abrem as alas rosadas e azuis das hortênsias».
Uma
coisa foi sempre evidente: Natália nunca se desligou das raízes. O seu percurso
de quase sete décadas, cabe nestes versos: «Para Lisboa me trouxeram/ não de
uma vez e embarcada:/ minha longa matéria foi/ pouco a pouco transportada./ Recém-vinda
de ficada/em morosa maravilha, / sempre a chegar a Lisboa/ e sempre a ficar na ilha».
A
primeira fase da vida e obra de Natália Correia decorreu dos anos 40, ao início
dos anos 50. Concilia o jornalismo, a literatura e a política. Frequentou os
meios políticos da oposição; colaborou no Rádio Clube Português. Teve o
estímulo de dois intelectuais micaelenses radicados em Lisboa: Rebelo de
Bettencourt e, sobretudo, do Padre Diniz da Luz que já tinha grande evidência no
jornalismo.
Assinou,
em 1945, as listas do MUD. Todavia, ao contrário da maioria dos intelectuais e
políticos da sua geração – por exemplo Mário Soares, Aboim Inglês, Salgado
Zenha - não ingressou no MUD Juvenil, dominado pelo Partido Comunista.
Escreveu
no semanário O Sol fundado e dirigido por Alberto Lelo Portela, militar de
prestígio que fez parte dos primórdios da aviação e que se destacou nas lutas
da oposição ao salazarismo. A chefia da redação era assegurada por Alves
Morgado (1901 - 1980) um jornalista profissional, conhecedor das regras do
ofício na elaboração do noticiário, nos contatos com a tipografia, na revisão de
textos de jovens colaboradores. Reunia, porém, a colaboração de grandes nomes.
António Sérgio foi um deles e exerceu logo influência intelectual em Natália
Correia.
Natália
escreveu sobre política nacional e internacional: analisou a influência da
guerra de 1939 a 1945, em vários setores; condenou a orientação de Hitler, os
efeitos do nazismo, os fundamentos do Reich, as extensões do fascismo na
Europa, a sua disseminação em Portugal, na classe politica, militar, na
literatura e na arte.
Teve
acesso aos preparativos da candidatura de Norton de Matos à Presidência da
República que se apresentará um ano depois. Para o jornal o SOL entrevistou o
general na sua casa em Ponte de Lima. Mais tarde, em 1958, participou na
candidatura de Humberto Delgado à Presidência da República. Em 1969 esteve com
Mário Soares e Salgado Zenha na CEUD Apoiou muitos outros movimentos, entre os
quais o assalto ao Santa Maria comandado por Henrique Galvão e que deu lugar a
um dos seus livros Canto do País Emerso, logo apreendido pela Pide e
pela Censura.
Tem
neste poema um dos mais vibrantes ímpetos de reivindicação das suas origens:
Não sou daqui. Mamei em peitos oceânicos/ minha mãe era ninfa, meu pai chuva de
lava/ mestiça de onda e de enxofres vulcânicos/ sou de mim mesma pomba húmida e
brava. (….) «Não sou daqui. A minha pátria não é esta/ bússola quebrada dos impulsos./
Sou rápida, sou solta, talvez nuvem/ nuvens minhas irmãs que me argolais os
pulsos/ tomai os meus cabelos! Levai-os para a floresta.
Natália
integrou o Canto do País Emerso no «desafogo de uma tendência que se
acentua nas minhas últimas produções, que é a compreensão de que a poesia se
encontra ligada aos momentos mais importantes da vida coletiva e individual» e,
por outro lado, «numa temática portuguesa compreendida entre a Peregrinação de
Fernão Mendes Pinto e a Ode Marítima de Fernando Pessoa/ Álvaro de
Campos».
Os primórdios literários de
Natália Correia
acusam a influência do neorrealismo...
Os
primórdios literários de Natália Correia acusam a influência do neorrealismo.
Desta fase avulta, nomeadamente, o romance Anoiteceu no Bairro. Demarcou-se,
todavia, deste movimento literário e político, no início dos anos 50. Sem
profissão de fé declarada ficou próxima do surrealismo. Classificou «uma etapa
importante senão fundamental da poesia» do século XX. Luís Pacheco editor dos
surrealistas publicou os seus livros Dimensão
Encontrada (1957), Passaporte (1958), Comunicação (1959) e Canto do País Emerso
(1961). Com Mário Cesariny, Cruzeiro Seixas, Alexandre O’ Neil, Manuel
de Lima, Mário Henrique Leiria manteve relações pessoais literárias e
artísticas.
Os
vínculos são visíveis, nunca os negou, mas costumava dar esta explicação: «se
existe qualquer relação entre a minha poesia e o surrealismo é francamente a
posteriori, isto é para os que quiserem vê-la. Quanto a procurarem-me
antecedentes, também temos por cá outros mais à mão que foram surrealistas sem pensar
nisso: Gomes Leal e Sá Carneiro».
Os
momentos altos da obra de Natália – que não é regular e daí a sua autenticidade
e a sua força desmedida – multiplicam-se a partir de Dimensão
Encontrada (1957), Passaporte (1958), Comunicação (1959), editadas
por Luis Pacheco nas edições Contraponto.
Entre
as numerosas controvérsias que Natália Correia desencadeou, antes e depois do
25 de Abril, destacam-se a publicação, no final do salazarismo do já referido Canto
do Pais Emerso e da Antologia da Poesia
Erótica e Satírica (1965) e, na «primavera marcelista» a
responsabilidade editorial das Novas Cartas
Portuguesas da autoria de Maria Velho da Costa,
Maria Teresa Horta e Maria Isabel Barreno. Ambas apreendidas pela PIDE e pela
Censura e ambas julgadas no Tribunal Plenário de Lisboa.
Embora
nunca se tivesse submetido à disciplina de escolas, de grupos e de partidos,
Natália Correia foi uma das personalidades da sua geração que, (salvaguardadas
as diferenças de opinião e de temperamento), era reconhecida em todos os
setores.
Natália
Correia celebrou a vida, como expressão de euforia, de afirmação de coragem, de
libelo acusatório. A sua poesia é dominada pelo arrebatamento lírico, o ímpeto
romântico, a exuberância barroca, que se cruzam com a força dos símbolos e a
profusão das metáforas.
Contudo,
também na linhagem das Cantigas de Escarnio e
Maldizer, Natália Correia disseca o poder. Não poupa a aristocracia
decadente e com prosápias; a vulgaridade burguesa, os vícios e as vilezas dos
novos e novíssimos ricos, os políticos arrivistas e corruptos, as manifestações
de ignorância e fanatismo. Assim criou as Cantigas
de Risadilha.
Juntamente
com as irreprimíveis manifestações de açorianidade, Natália Correia estabeleceu
uma relação profunda com Lisboa e a grande Lisboa. Em 1971, com a escultora e
poetisa Isabel Meireles criou uma sociedade para instalar um bar, restaurante/
café concerto, no largo da Graça, no rés-do-chão da Vila Souza, um edifício
histórico do bairro e da própria cidade. Ficou a chamar-se o Botequim,
um nome com forte carga literária, politica e boémia, que remontava aos
primeiros cafés de Lisboa, do século XVIII, ao tempo de Bocage, de José Agostinho
e outros representantes das Arcádias, do pré-romantismo, dos antecedentes
culturais e políticos da revolução liberal.
Para
o Botequim – e o escritor e
jornalista Fernando Dacosta analisou todos estes aspetos num livro notável,
acerca da vida e da obra de Natália Correia - se transferiram surrealistas, e
poetas e escritores de muitas outras tendências. Políticos de todos os
quadrantes. Deputados, ministros, atuais ou futuros presidentes da República.
Representantes do movimento da independência dos Açores. Convergiram no Botequim,
devido à personalidade magnética de Natália, as sucessivas fases do processo
revolucionário e contra revolucionário que surgiu com o 25 de Abril. A presença
diária de Natália irradiou no Botequim durante
mais de 20 anos, em noites memoráveis.
Em
1980 ingressou com Francisco Sá Carneiro, na Aliança Democrática. Foi,
entretanto, deputada e assumiu posições polémicas, nomeadamente a favor do
aborto, que não se identificavam com a linha de orientação estatutária e religiosa
do PSD e o CDS. A sua trajetória partidária terminou no PRD, o grupo política
que se constituiu sob a égide de Ramalho Eanes.
Ficaram
célebres os versos, de Natália Correia ao comentar o deputado do CDS, João
Morgado por ter proferido, auge do debate parlamentar da legislação sobre o
aborto, afirmações que deram brado na época, nomeadamente: «o ato sexual é para
fazer filhos». Natália não se conteve e escreveu, de jato um poema que
circulou, em todo o País, até porque sairia, no dia seguinte, no Diário
de Lisboa: «Já que o coito – diz Morgado -/tem
como fim cristalino,/preciso e imaculado/fazer menina ou menino;/e cada vez que
o varão/sexual petisco manduca,/temos na procriação/prova de que houve truca –
truca./ Sendo pai só de um rebento, /lógica é a conclusão/ de que o viril
instrumento/ só usou – parca ração!-/uma vez. E se a função/faz o órgão- diz o
ditado-/consumada essa exceção,/ ficou capado o Morgado!»
Este
episódio - que passou a fazer parte do folclore satírico de São Bento –
constituiu uma das posições de rebeldia e contestação que assumiu perante a
classe política, fosse qual fosse o partido, umas vezes fustigada com a energia
do protesto, outras objeto de ironia e sarcasmo. Com a morte de Natália morreu
o Botequim. Natália Correia
estabeleceu sempre uma identificação profunda entre a vida e a poesia e que a destaca
como uma das mais notáveis personalidades do século XX em Portugal.
António
Valdemar, Correio dos Açores, 15 e 16
de setembro de 2015.
OPINIÃO
Natália Correia – vida com sentido
Aliança da criação literária com a coragem na intervenção política.
Presença vigorosa na sociedade
portuguesa, da segunda metade do século XX, Natália Correia (1923-1993)
afirmou-se pela singularidade da criação literária e pela determinação e
coragem na intervenção política. Justifica a homenagem, hoje em Lisboa (às
18h), na Fundação Mário Soares – presidida pelo próprio Mário Soares, seu amigo
e admirador de sempre – e integrada na série “Vidas com Sentido”, para
distinguir figuras que prestigiaram a cultura e honraram a cidadania.
Tal como muitos outros intelectuais e
artistas da sua geração, Natália Correia participou em grandes acontecimentos
da oposição democrática – a fundação do MUD, as campanhas para a
Presidência da República de Norton de Matos e Humberto Delgado. Apoiou outras
comissões eleitorais, entre as quais a CEUD (1969) liderada por Mário Soares e
que se encontra na génese do Partido Socialista. Associou-se aos protestos
contra o assassinato de Humberto Delgado; insurgiu-se perante a reabertura do
Tarrafal e com a perversa denominação Campo do Chão Bom, exarada no Diário do Governo; e
contra o encerramento da Sociedade Portuguesa de Escritores por ter premiado a
obra de Ludovino Vieira, preso no Tarrafal. Subscreveu documentos de
solidariedade a presos políticos e às greves universitárias.
Teve livros proibidos pela censura
como, por exemplo, Canto do País Emerso,
a propósito da ocupação do paquete Santa Maria comandada
por Henrique Galvão; a tragédia jocosa Homúnculo;
e a Antologia da Poesia Erótica e
Satírica que
organizou e prefaciou, apreendida pela PIDE, e objeto de processo-crime e
julgamento no Tribunal Plenário que a condenou a três anos de prisão, com pena
suspensa.
Logo a seguir ao 25 de Abril, numa
entrevista ao Expresso, Natália
Correia revelou a disponibilidade para a ação política. No âmbito da Aliança
Democrática presidida por Francisco Sá Carneiro e através do PRD foi eleita
deputada. Proferiu intervenções memoráveis. A defesa da língua portuguesa, a
valorização do património cultural, a defesa dos direitos humanos, os direitos
das mulheres, o debate sobre o aborto assinalaram, entre outros temas, a sua
passagem pelo hemiciclo de São Bento.
A política ativa não afetou a
trajetória literária. Teve um vínculo ao surrealismo, devido às relações
pessoais com Mário Cesariny e António Maria Lisboa, Cruzeiro Seixas e Manuel de
Lima. Integrou as publicações de Luís Pacheco, o editor do Contraponto, das
obras e autores daquele movimento.
Nunca se submeteu à disciplina de
escolas e às cartilhas de grupos. Quis ser ela própria. Todavia, conciliava à
energia e originalidade da sua criação, a herança poética de Gomes Leal e de
Mário Sá Carneiro; o impulso desencadeado pelas Odes de
Álvaro de Campos, e a torrencialidade da Cena do Ódio de
Almada Negreiros. Atingiu a partir dos seus livros Dimensão Encontrada (1957)
e Comunicação (1959)
momentos significativos da poesia portuguesa. Evidenciou-se pelo arrebatamento
lírico, a exuberância barroca, o ímpeto romântico, a truculência satírica que
se cruzam com a força dos símbolos, a profusão das metáforas, a incursão no
herético e no erótico que afronta e estilhaça as convenções existentes.
Num dos seus poemas autorretratou-se:
“Hoje quero a violência da dádiva interdita/ sem lírios e sem lagos/ e sem
gesto vago/ desprendido da mão que um sonho agita./ Existe a seiva. Existe o
instinto. E existo eu/ suspensa de mundos cintilantes pelas veias /metade
fêmea, metade mar como as sereias.”
Entre os paradigmas intelectuais e
éticos também incluía a figura tutelar e a obra emblemática de Antero Quental,
um dos seus patrícios açorianos de eleição. Era o poeta que lhe desvendava as
portas da utopia, e a sede de infinito.
Procurava, contudo, distanciar-se do
Antero noturno, do poeta e pensador carregado de pessimismo amargo que conduz à
negação e à derrota e num dos seus Sonetos (indisfarçavelmente
autobiográficos) confessou: que sempre o mal pior é ter nascido.
Identificava-se com o outro Antero, o luminoso, que estimulava o exercício da
liberdade e da justiça; e descobria: o meio-dia em vida refervendo, a tarde
rumorosa e repousada, o claro sol amigo dos heróis; (...) tu pensamento não és
fogo és luz.
Daí a categórica afirmação: "Não
Antero, meu Santo, não me mato/ antes me zango até ficar num cato/quem me tocar
(maldito!) que se pique." Assim, Natália Correia definia o seu
comportamento humano e os itinerários da sua poesia. Em vez do mal pior da
angústia e desespero do Antero noturno, elegia um bem melhor, o privilégio de
ter vivido e continuar a viver até à dádiva interdita. Para sentir todas as
volúpias e todas as audácias. A vida, em plenitude.
António Valdemar, Público, 2015-01-22.
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literária de textos de Natália Correia, por José Carreiro. In: Lusofonia
– plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo. Disponível
em: https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/europa-galiza-e-portugal-continental-e-ilhas/Lit-Acoriana/Natalia_Correia, 2021 (3.ª edição).