Quando nós vamos ambos, de mãos dadas,
Colher nos vales lírios e boninas,
E galgamos dum fôlego as colinas
Dos rocios da noite inda orvalhadas;
Ou, vendo o mar das ermas cumeadas
Contemplamos as nuvens vespertinas,
Que parecem fantásticas ruínas
Ao longo, no horizonte, amontoadas:
Quantas vezes, de súbito, emudeces!
Não sei que luz no teu olhar flutua;
Sinto tremer-te a mão e empalideces
O vento e o mar murmuram orações,
E a poesia das coisas se insinua
Lenta e amorosa em nossos corações.
Antero de
Quental
Notas de leitura:
v.
1 e segs. António Sérgio (Antero de Quental, Sonetos, Lisboa [1967],
pág. 40) considera este soneto uma maravilha de musicalidade expressiva, que
analisa primorosamente. Faz notar o ritmo vivo, matinal, fresquíssimo das
duas quadras, com a sua estrídula rapidez de ascenso e suas duas
rimas em a e i - violinos, flautas; as três sílabas
em on (cf. v. 8); a amplitude que
se quebra a súbitas com um verso isolado (v. 9);
o movimento afrouxa, ensurdece em uu, é soturno e fundo (v. 10); toda a orquestração vai descer aos
baixos (com nasais e com uu), lembrando não sei quê de violoncelo e de fagote
(vs. 12-14).
vv.
1-4. Repare-se nas representações de movimentos.
vv.
6-8. Na contemplação do céu, do horizonte, encontra expressão libertadora a imaginação
visionária do poeta.
vv.
9-11. O amor revela-se pelos movimentos íntimos, indizíveis.
vv.
12-14. O amor abrange a natureza, santifica a paisagem, permite a identificação
com o mistério que envolve o Homem. - Recorde-se o comentário de Ruy Galvão de
Carvalho (Três Ensaios sobre Antero de Quental, Coimbra, 1934, pág. 29):
«O mar e o vento são os dois elementos que melhor exprimem toda a ânsia
libertadora da alma humana.» (Maria Ema Tarracha Ferreira, Antologia Literária Comentada. Século XIX.
Do Romantismo ao Realismo. Poesia, Lisboa, Editora Ulisseia, 1985, 2ª
edição.)
v.
13. Um poema, não sendo obviamente uma construção teórica, pode ter uma
referencialidade que é a do pensamento, da reflexão, sempre que em relação a
eles, como diria Antero de Quental, “a poesia das cousas se insinua”. Da poesia
à filosofia e desta àquela pode estabelecer-se o mesmo “caminho da verdade”.
Neste caso é o que vai ou ascende do particular para o geral, da palavra para a
multiplicidade de sentidos. (“Ser, um problema filosófico-poético?”,
Fernando Guimarães.Filosofia e Poesia - Congresso Internacional de Língua
Portuguesa,Faculdade de Letras da Universidade do Porto,
2016.)
Inserido
na expressão do lirismo amoroso, Idílioretrata uma situação de amor ideal.
O
soneto narra momentos de grande tranquilidade do poeta com uma mulher. Calmamente,
os dois amantes vão conjugando o seu amor com o próprio cenário. Verifiquemos a
importância dos verbos “vamos”, “galgamos”, “contemplamos” que transmitem
a ação na primeira pessoa do plural, facto que inclui o próprio sujeito poético
na felicidade comungada pelos dois, induzindo a uma união não só física “Quando
vamos ambos, de mãos dadas,”, mas também espiritual “Contemplamos as nuvens
vespertinas”.
As
duas primeiras quadras são, não só narrativas, mas também extremamente descritivas,
na medida em que predominam adjetivos bastante expressivos – “orvalhadas”, “ermas”,
“vespertinas”, “fantásticas”, “amontoadas” – que contribuem para que o leitor
visualize o cenário que os dois amantes desfrutam. Este cenário está carregado
de misticismo e é, igualmente, um ambiente contemplativo: “ermas cumeadas”, “fantásticas
ruínas”, “o vento e o mar murmuram orações”, fazendo-nos lembrar a natureza
dos românticos.
Perante
este espaço, a companheira do poeta reage de um modo sui géneris – “de
súbito, emudeces!” / Não sei que luz no teu olhar flutua; / Sinto tremer-te a
mão, e empalideces…”, perturbando o sujeito poético que não encontra explicação
para o seu comportamento. Porém, no último terceto, a vivência romântica é retomada
com a personificação do vento e do mar que “murmuram orações” e, deste
modo, nos seus corações se insinua a poesia que mais não é do que a harmonia que
colhem do espaço onde se encontram:
“E a poesia das coisas se insinua
Lenta e amorosa em nossos corações.”
A
dupla adjetivação presente no último verso evidencia mais intensamente a sensação
de amor e tranquilidade dos dois amantes. Este ambiente pacífico é também sugerido
pela pontuação.
Cecília Sucena e Dalila Chumbinho, Sebenta de
Português: Antero de Quental – introdução ao estudo da obra, Estoril, Edição da
papelaria Bonanza, [Edição: 2006]
A geometria
da razão opõe-se à lógica do coração, intuitiva do "fundo essencial da
alma". Pergunta-se, se o conteúdo desta "deixará de ser (...)
verdadeiro só por não ser rigorosamente lógico?" E afirma que "há
muitas lógicas" e a do coração é onde se "sente a verdade
eterna". Trata-se da lógica do sentimento que se manifesta na poesia, pois
que "a poesia é também verdade [já que] é a evidência da alma".
Devedor em certa medida do espírito romântico, reabilita Antero o carácter
revelador e sublime da poesia, que brota da alma e que "prende as vontades
e arrebata os corações”. É a poesia a palavra possível do silêncio em que a
consciência se remete para si, pela sublimidade do momento em que a vontade é
presa e o coração arrebatado. O real aí transfigura-se, pois que, enquanto o
"contemplamos":
O vento e o mar murmuram orações,
E a poesia das cousas se insinua
Lenta e amorosa em nossos corações.
Todo
o soneto "Idílio" ativa motivos naturais - o vento, o mar, as
orvalhadas - a par de elementos humanos, que na sua combinação e relação
sugerem e fazem conhecer pelo sentimento e pela intuição. A poesia nasce aí
como a palavra própria de um silêncio "sobre-real", fruto de um pathos
que premeia esse que a profere com "o batismo dos poetas".
Pero
el no ser tambiém empieza entre mis manos de hombre.
El
no ser,
todas
las manos,
la
palabra que se dice afuera del mondo,
las
vacaciones de tu muerte,
la
fatiga de Dios,
la
madre que nunca tendrá hijo,
mi
no morir ayer.
Pero
mis manos de hombre donde empiezan?
Roberto Juarroz (Argentina, 1925-1995)
Poesia Vertical, 1958
*
O ser
começa entre as minhas mãos de homem.
O ser,
todas
as mãos,
qualquer
palavra que se diga no mundo,
o
trabalho da tua morte,
Deus
que não trabalha.
Mas o
não ser também começa entre as minhas mãos de homem.
O
não-ser,
todas
as mãos,
a
palavra que se diz fora do mundo,
as
férias da tua morte,
a
fadiga de Deus,
a mãe
que nunca terá filho,
meu não
morrer ontem.
Mas as
minhas mãos de homem onde começam?
Roberto
Juarroz, Poesia Vertical. Tradução de
Arnaldo Saraiva, 1998.
Desenha-se neste poema uma grande
metáfora: a do ser (que é vida, movimento para os outros ou doação, palavra,
morte, Deus) e a do seu contrário que é o não-ser (e que retoma o que o ser é
num registo negativo). Talvez nos ocorra, ao considerarmos esta oposição ou
esta diferença que também é semelhança, o poema de um dos pensadores da antiga
Grécia, Parménides, onde ele nos fala do “caminho da verdade” que há-de
conduzir à noção ou, melhor, ao pensamento de ser: “Necessariamente deve ser
dito que o ser é, porque é Ser. Quanto ao Não-Ser ele nada é”. O poema, aqui,
logo se converte em teoria ao estabelecer uma axiomática; como ocorre num
axioma, Parménides infere dele consequências que ao longo do poema são
explicitadas: o ser é uno, semelhante à curvatura de uma esfera, não provém do
não-ser, etc. Mas, prosseguindo, ele socorre-se da mitologia ‑ que tão louvada
foi por Schelling ‑, dizendo: “antes de todos os deuses criou Eros”. Ou, mudando
de registo, considera que o ser olha constantemente “os raios brilhantes do
sol”, como se, neste momento, passasse da teoria para a poesia!
Considerando o poema de Juarroz e o
de Parménides, podemos talvez medir melhor a distância que vai de um poema que
não é só filosofia a uma filosofia que não é só poema. O que quer isto dizer?
Um poema, não sendo obviamente uma construção teórica, pode ter uma
referencialidade que é a do pensamento, da reflexão, sempre que em relação a
eles, como diria Antero de Quental, “a poesia das cousas se insinua”. Da
poesia à filosofia e desta àquela pode estabelecer-se o mesmo “caminho da
verdade”. Neste caso é o que vai ou ascende do particular para o geral, da
palavra para a multiplicidade de sentidos.
A noção de ser, a qual vinda dos
pensadores gregos pré-socráticos corresponde à realidade última das coisas,
atinge um momento em que se torna contraditória em si mesma; é quando, já no
século XIX, Hegel na Ciência da Lógica considera que no ser a falta de
qualquer determinação faz com que ele acabe por se identificar com o nada. Ao
contrário de Parménides, para Hegel o ser puro e o puro nada – assim os designa
– são a mesma coisa, o que faz com que a sua verdade consista num ato de pensar
sempre que este vai de um para o outro. É o devir, o ponto de partida mesmo
para um método, a dialética que se torna no caminho que conduzirá a um
conhecimento total equivalente à realidade última das coisas – não o ar, a
água, o fogo, etc., dos pré-socráticos – mas, sim, ao pleno saber ou Sistema. O
Sistema é, pois, o pensamento considerado na sua totalidade, isto é, o
conhecimento absoluto…
Neste caso, o pensamento e, como
ocorre nos pré-socráticos, a realidade ficam circunscritos à sua
essencialidade. Mas a esta perspetiva essencialista pode contrapor-se, como
acontecerá no século seguinte àquele em que viveu Hegel, uma outra perspetiva
que, genericamente, poderíamos considerar como existencialista. O pensamento é
incarnado, refere-se à existência humana, é nosso. Como se dá a posse
por nós do conhecimento? Será mediante os múltiplos sentidos da linguagem,
não só naquela em que as palavras são os mediadores como acontece na poesia,
mas, por extensão, em todas as formas de simbolização. É esta convergência de
sentidos que vai ocorrer na criação artística, de modo que se passa da área do
lógico ou do ontológico para a do simbólico. É aí que, em arte, o conhecimento
se há-de realizar.
Criam-se referências ou disposições
verticais (ou paradigmáticas) de sentido, que já se não orientam diretamente
para as coisas reais ou indiretamente para conceitos que, como o de ser, se
configuram abstratamente. Será, então, o momento em que encontraremos uma
espécie de verticalidade que se assemelha à de uma árvore, com as suas
múltiplas raízes, múltiplos ramos, múltiplas folhas.
“A Poesia não tem grades” existe
desde 2003 e é uma iniciativa coordenada por Filipe Lopes, apoiada pelo Grupo O
Contador de Histórias e pela CULTIV – Associação de Ideias para a Cultura e
Cidadania. Tem vindo a desenvolver sessões de promoção da leitura junto dos
reclusos com o objetivo de promover a experimentação artística e assim
contribuir para o desenvolvimento intelectual e pessoal daquela população. É
considerado de relevante interesse pela Direção Geral de Reinserção e dos
Serviços Prisionais e tem merecido a aceitação e a participação empenhada dos
reclusos. Foi apoiado financeiramente pela atual Direção Geral do Livro e das
Bibliotecas nas primeiras edições, sendo posteriormente um trabalho realizado
de forma inteiramente voluntária, com todos os custos suportados pela
estrutura. Em 2013, foi adicionada uma vertente formativa com o projeto “Palavra-Chave”
que procura formar e coordenar voluntários, motivando-os para a intervenção nos
Estabelecimentos Prisionais da sua área de residência. Neste âmbito já
decorreram ações em Bragança, Lamego, Grândola, Ponta Delgada e Lisboa.
Omitindo alguns pormenores para
garantir a privacidade, reproduzimos um e-mail que nos chegou de um participante
numa das nossas ações.
"Já andava há algum tempo para
escrever, mas ainda não tinha tido capacidade para pôr em palavras o que queria
dizer. De certeza que não se lembra de mim, mas conheci o Filipe o ano passado
no EP (...) e eu nem queria ir. Estava muito revoltado, tinham-me dito para me
inscrever, mas eu no dia em que ia acontecer também fui informado que afinal já
não ia sair na data que estava a pensar. E eu disse para mim, que é que vale
andar a participar nas atividades todas, andar no ensino e portar-me bem se
depois não tenho nenhum benefício e não posso sair mais cedo?
Quando fui para a sala ia a pensar
nestas coisas e achar que ia apanhar mais uma valente seca. Nunca gostei de
poesia. E há muita gente que vai à prisão fazer a boa ação do dia: tratam o
recluso como se fosse um coitadinho, não percebem nada do que estamos a passar, mas gostam de se ouvir a dizer coisas bonitas e saem de lá satisfeitas com elas
mesmas, porque já vão para o céu.
Mas depois de ouvir o Filipe a falar
e de perceber que não estava ali como se fosse melhor que nenhum de nós, mas
estava porque a poesia lhe tinha salvado a vida e acreditava que podia
funcionar para nós, ficou tudo diferente. Foi uma hora e pouco que passou a
correr, eu não falei, mas alguns companheiros deram as suas opiniões e nenhum
esteve a ser julgado por dizer o que sentia. Acho que não devia dizer que é uma
aula de poesia, já estive com muitos psicólogos e acho que foi mais isso que
estivemos a fazer estivemos a pensar sobre nós mesmos, a olhar para o que somos
e queremos ser. Mas se calhar nas vezes que estive com psicólogos nunca
consegui perceber tanto de mim mesmo como naquela hora e no que levei de lá.
Gostei muito daquele poema da família
à mesa mas aquele que diz que lhe salvou a vida ficou guardado na minha cabeça
desde aquele dia. Uma das primeiras coisas que fiz quando sai foi tentar
encontrar o poema mas não sabia qual era autor mas agora já tenho o livro de
Charles Baudelaire! À minha filhota já não compro tantas vezes brinquedos
comecei a comprar livros e gosto muito de os ler com ela.
Descobri finalmente o site na
internet e queria dizer que nem sempre agradecemos como deve ser. Não sou muito
bom com as palavras mas o dia em que esteve connosco foi diferente de todos os
outros que lá passei por isso muito obrigado. Não faz ideia do bem que faz a
quem lá está assim. (...) E nunca mais me esqueci de encontrar os poemas dentro
das músicas e a poesia nas árvores ao vento. (...)"
O segundo episódio do podcast “A Beleza das Pequenas Coisas” conta a incrível história de João Semedo Tavares, mais conhecido por Johnson Semedo, um homem de 43 anos que viveu várias vidas nesta vida. Foi menino de rua, ladrão, pequeno traficante, toxicodependente, passou mais de 10 anos na prisão e, após uma profunda transformação pessoal, tornou-se um herói nacional.
Poesía: un género que más que lectores tiene militantes
Asisten a lecturas, slams y festivales como el internacional, que ahora triplicó su audiencia; igual que en la ópera, el público es reducido, pero muy fervoroso
Se dice que los lectores de poesía representan una minoría respecto de los de narrativa, de los que leen libros de investigación periodística y de autoayuda, e incluso de fastbooks firmados -aunque quizá no escritos- por conductores de radio y televisión. Exiliadas de las vidrieras y las mesas de librerías de los shoppings, las ediciones de poesía nacional -ya dijimos- aumentaron un 40% en 2014 y resisten gracias a un público minoritario, pero intenso que concurre a recitales, festivales, ciclos de lecturas en bibliotecas y bares, en institutos de educación. Pero ¿quiénes son esos lectores de poesía? Graciela Aráoz, directora del X Festival Internacional de Poesía, que comenzó el domingo en diferentes espacios de la ciudad y seguirá hasta el 26 del actual en la Feria del Libro, comenta que, en estos diez años, "el festival triplicó su convocatoria. Los bares se llenan de público, hay gente sentada en las escaleras de bibliotecas para escuchar a los poetas; hemos creado entre todos un ambiente especial". El FIP fue considerado el tercer festival de poesía más importante del mundo, después del de Medellín, en Colombia, y el de Trois Rivières, en Canadá.
Pablo Pineau, profesor de Historia de la Educación Argentina y Latinoamericana en la UBA e investigador de la Facultad de Filosofía y Letras, comenta: "Los lectores de poesía siguen siendo un grupo chico dentro de los lectores, a tal punto que los llamamos «lectores de poesía». La escuela aún cumple con su rol histórico de conectar a los alumnos con algunas producciones consagradas en un canon que se amplió mucho en los últimos tiempos, y que incluye a Alejandra Pizarnik, Francisco Urondo o Néstor Perlongher". Gonzalo Santos, narrador y profesor en secundarios y terciarios, sostiene que pocos docentes tienen el entrenamiento que la lectura de poesía parece reclamar, mucho menos los alumnos (aunque ninguno de ellos desconoce, debido a la repetición publicitaria y las canciones de moda, los beneficios de la rima y de las estrategias verbales). "Sin embargo -agrega-, en épocas de transición como éstas, la poesía se vuelve profética: es capaz de apresar o, al menos, atisbar, aquello para lo que la intelectualidad parece impotente. Tal vez habría que prestarle más atención." Probablemente hacia allí apunta la colección Juan Gelman para escuelas secundarias, impulsada por el Ministerio de Educación de la Nación, integrada por 80 libros de 500 autores, entre los que figuran Borges, Orozco, Pizarnik, pero también autores que provienen de otras series artísticas, como Spinetta.
A los ciclos de poesía, slams o festivales, concurre un público fervoroso, aunque no mayoritario. No obstante, los espacios donde se realizan esos encuentros -ya sean centros culturales como Besares Club de Cultura, instituciones como la Biblioteca Nacional o la Casa de la Lectura, o librerías de ciudades como Buenos Aires, Rosario y Córdoba- casi siempre aparecen colmados. "Muchos lectores de poesía son poetas y editores de poesía -dice María Pía López, directora del Museo del Libro y de la Lengua-. Es un circuito pequeño, pero a la vez muy militante; van a lecturas, realizan ediciones propias y comparten sus publicaciones en redes sociales." Pablo Queralt, poeta y curador del ciclo de la Biblioteca Popular de San Isidro, describe un poco más este público: "Creo que los lectores de poesía hoy son los poetas, sus amigos o parientes y, en tercer lugar, grandes lectores de narrativa y ensayo que también leen poesía. Además de otro grupo que lee el canon editorial (Neruda, Benedetti, Girondo) y no mucho más. El público de la poesía es como el de la ópera; un grupo de lectores o espectadores reducido en proporción a la población general, pero robusto e inteligente, que disfruta de ir más allá de lo visible".
Griselda García, que organiza un ciclo de poesía en la Casa de la Lectura, junto con Ediciones del Dock (participan poetas como Jorge Paolantonio, Alberto Silva y Natalia Litvinova), ensaya algunas hipótesis: "En los cafés literarios porteños, los que asisten también escriben (no pasa lo mismo con el teatro, donde los espectadores no son únicamente actores)". ¿Esto es responsabilidad de los autores? "En parte sí. Es habitual que alguien escriba los mejores poemas, pero no sea el más indicado para leerlos en voz alta: tono monocorde, falta de modulación, inhibición? Por lo general, tampoco se planea la lectura como un espectáculo; más bien todo lo contrario. Cualquiera que haya pasado dos horas en uno de esos ciclos sabe que para quedarse hay que ser héroe o amigo del que lee."
Poéticas redes sociales
Desde la creación de los blogs de poesía, escritores y lectores cuentan con una herramienta dinámica y accesible. Otra iglesia es imposible (del poeta Jorge Aulicino), La biblioteca de Marcelo Leites; Días después del diluvio, de Daniel Freidemberg, y el reciente Poetas argentinos cuentan con miles de visitas mensuales. Sandra Toro, traductora y editora de El placard, comenta: "En los nueve años que lleva mi blog se incrementó mucho el número de lectores, algunos muy activos. Creo que el acceso masivo a Internet permitió que se abriera el espectro y la oferta de poesía disponible pasó a abarcar muchísimo más que el lugarcito reservado en las grandes librerías. Hay más de dónde elegir". Varios poetas (Silvia Arazi, Susana Cella, Diego Bentivegna o Silvio Mattoni) comparten producciones en sus cuentas de Facebook. Abiertas a comentarios, esas páginas funcionan como cuadernos con entradas que estimulan la curiosidad.
No sólo al idioma los poetas aportan una creatividad y un placer inesperados. También sobre la circulación de la poesía en la sociedad ofrecen un punto de vista desinteresado y lúcido. Walter Lezcano, periodista cultural y docente, autor de Humo y calle, comenta: "La poesía no es como la narrativa, en donde la temática puede atraer por sobre el estilo o la forma en la que el autor utiliza la lengua y crea una voz propia. Es pura personalidad. Y por esta cualidad, intensa y violenta, se acercan los jóvenes: siempre va a haber un autor que los interpele, los convoque, los movilice." Cecilia Pavón, poeta y autora de Un hotel con mi nombre y Once Sur agrega: "Como traductora de poesía contemporánea tengo la impresión de que la poesía es un pequeño club, donde los libros se pasan de mano en mano y las lecturas se recomiendan en lugares y circunstancias inciertas. Hace muchos años, cuando iba al taller de Arturo Carrera, recuerdo que él me dijo que un poema era una botella arrojada al mar, algo que iba a contrapelo de todo y que un día el mensaje le llegaba a alguien".
A literatura como arma contra a ditadura e a guerra colonial portuguesas, no século XX
Poucos, muito poucos foram os poetas que se mantiveram alheios aos
anos de ferro e manha da ditadura salazarista. De forma mais explícita ou mais discreta,
mais pessoal ou pública, com palavras de indignação, de denúncia ou verrina,
raros foram aqueles que não lavraram um pequeno ou grande incêndio nos seus
livros, num ou noutro poema, num verso apenas que fosse. (José Fanha in
apresentação De Palavra Em Punho – Antologia Poética da Resistência. De
Fernando Pessoa ao 25 de Abril. Porto, Campo das Letras, 2004)
Apesar de esta tendência, que
aqui designamos como poesia de intervenção, não
existir enquanto movimento literário autónomo (e, em rigor, com ela possamos
relacionar autores das mais distintas profissões de fé estético-literárias),
adotamos a proposta terminológica sugerida por Óscar Lopes: «Em termos de
poesia de qualidade, não é possível isolar uma tendência de intervenção
política ou de intenção realista, pois ela manifesta-se, e por vezes de modo
bem vivo, em obras de sensibilidade tão diferente como as de Jorge de Sena,
Sophia de Mello Breyner, Alexandre O’Neill […] Vamos no entanto agrupar um
conjunto de poetas cuja fase de consagração se liga a uma clara atitude de
polémica ou de crítica social.» (Lopes e Saraiva, 1996:1069 apud Sílvia Cunha, 2008 :47)
A literatura portuguesa da segunda metade do século XX
Se olharmos a literatura portuguesa notamos que é frequente a história dar as mãos ao universo literário criado pelo escritor. Por isso, julgamos que é possível encontrar na segunda metade do século XX uma nova fase importante da nossa literatura com outra postura e filosofia dos escritores e intelectuais portugueses. O regime ditatorial, a Segunda Grande Guerra (1939-1945), a emigração, a geração de 60, a guerra colonial, das imagens saudosistas e nostálgicas de África, a transição para a democracia são temas constantes que se apresentam como dado histórico, mas que em muitos autores constituiu luta e anseio. Há uma literatura com uma mensagem de consciência.
E se muitos são temas de intervenção comprometida, continuamos a encontrar uma poesia e uma prosa da vida contra a morte, da busca do sagrado, da procura da identidade, dum certo messianismo e utopia, de máscaras, de aniquilamento e de vazio. A literatura portuguesa, tal como a literatura contemporânea do Ocidente, apresenta-se, como a arte, num certo caminho do absurdo, talvez porque o Homem, com tantas descobertas científicas e avanços tecnológicos, não encontrou ainda uma explicação para a vida.
A nossa identidade é uma constante da poesia que, embora abordando muitos temas universais, está atenta às questões que se colocam ao homem e à mulher portugueses. Encontramos a poesia-combate e a que exprime ternura e o amor, a que denuncia e a que reflete sobre a condição humana ou a que alerta para o mundo em que vivemos e a que nos dá a consciência de Povo e de País.
V. Moreira e H. Pimenta, Dimensão Comunicativa 10, Porto Editora, 1997
Portugal sob a égide da ditadura: o rosto metamorfoseado das palavras
Ao longo de cerca de quarenta anos, o regime ditatorial português procurou implementar uma imagem ideológica do país que funcionasse como um meio de congregar toda a população, na medida em que cada português se identificaria com esse retrato. Se a partir de meados do século XIX se criou a consciência de que cada povo teria traços identitários que os distinguiriam de todos os outros, emergindo as chamadas identidades nacionais, no Portugal salazarista vai implementar-se a construção de discursos sobre o país e os seus habitantes que vão privilegiar um conjunto de características reveladas nos portugueses de épocas anteriores, mais concretamente a dos Descobrimentos. Recuperando uma imagem de Portugal que, desde sempre, tem acompanhado o percurso evolutivo deste país, o Estado Novo difunde-o como algo novo e impossível de ser questionado ou refutado uma vez que esse construto emana dos detentores do poder e, por isso mesmo, ele é visto como legítimo. Com o intuito de salvaguardar esses discursos sobre um Portugal heroico, com um destino a cumprir, protegido por Deus desde os primórdios e que deve depositar no Estado a confiança absoluta, dado que só este tem a capacidade para comandar e decidir pelos portugueses; o aparelho de Estado usou como meio de controlo a censura que se num primeiro momento só amputava ou silenciava discursos de carácter político, posteriormente adquiriu competências de tal forma latas e parciais que todo o tipo de discurso era alvo da sua atuação.
É nesse ambiente castrador, opressivo e nefasto à criação artística que os mais variados autores, independentemente do seu posicionamento ideológico e/ou estético, acabaram por construir um conjunto de subterfúgios que lhes permitiam não só escapar ao braço tentacular da censura como implicar o leitor na completa descodificação dos seus textos uma vez que era a este último que competia compreender a total significação dos símbolos utilizados pelos autores para repreenderem os valores impostos pelo Estado bem como para desconstruírem a imagem de Portugal que o regime tão habilmente (re)montara. Ao longo de quase quarenta anos, os mais diversos escritores optaram por ludibriar a máquina censória recorrendo a diversos artifícios que o seu ofício lhes disponibilizava: a reflexão sobre o seu material de escrita, a sua própria função ou a sua vida pessoal; o recurso a metáforas profundamente visuais como os monstros, o medo, os fantasmas; o reaproveitamente de intertextos clássicos, bíblicos ou da lírica trovadoresca; a descrição do reino da Dinamarca e a manipulação de Hamlet de Shakespeare para, a partir deles, revelarem metamorfoseadamente o que eles consideravam ser o verdadeiro rosto de Portugal ou, pelo menos, o outro-rosto, aquele que o Estado arduamente queria rasurar. Durante este período, várias foram as formas encontradas para impedir que o Estado conseguisse tornar inaudíveis as vozes de repúdio e de contestação e, principalmente ao nível da poesia, intensificou-se essa espécie de “criptotransmissão” que transformou a maioria dos poemas em poesia de intervenção. No fundo, o texto poético procurava implodir uma construção que o regime havia feito e revelar o que nela havia de manipulação e falseamento da história pátria; por isso mesmo, alguns autores vão não só questionar os valores do Estado Novo como utilizar os escritores símbolos da pátria e da sua glória, como Camões e Pessoa, de forma a evidenciar o facto de que as suas imagens de Portugal não correspondem à vivência quotidiana da população, haviam ocultado os lados menos positivos do país e que o tinham aprisionado num tempo inexistente: o Portugal dos Descobrimentos que se pretendia recuperar.
A partir da poesia dessa época torna-se notória a intervenção do poeta na realidade que o cerca não só para a modificar, mas para aceder ao poder simbólico – confinado aos detentores do poder político – de forma a derrubar o regime, libertar as palavras da sua clausura e veicular outros quadros do país, mais conformes com a pátria que desejava para si.
Contudo, após o fim da ditadura, os quadros valorativos e os depreciativos do país continuaram a circular como se não fosse possível descobrir uma imagem una de Portugal, como se os portugueses não conseguissem saber quem são ou o que querem ser. Uma taxonomia identitária foi substituída por outra, a censura foi abolida, porém o país não (re)encontrou o seu rosto próprio dado continuar enclausurado num mito que o Estado Novo tão habilmente difundiu e incutiu no espírito dos portugueses: Portugal é um país predestinado que deve apagar o seu presente para retornar à época em que foi grande e glorioso.
Paula Morais. Universidade do Minho – Instituto de Letras e Ciências Humanas, julho de 2005
O papel do canto de intervenção (1960-1974)
Porquê canto e não canção ou música de intervenção?
Porque a segunda hipótese alargaria o objeto de estudo a formas musicais tão diversas que originaria uma dispersão que dificultaria bastante -ou, porventura, inviabilizaria o trabalho nos moldes propostos. A opção pela designação de canção de intervenção levaria necessariamente a considerar, por exemplo, cançonetas muito popularizadas como as interpretadas por Fernando Tordo e Tonicha, respetivamente “Tourada” e “Desfolhada”, premiadas nos Festivais RTP da Canção, nos inícios de 1970, onde a crítica social está subjacente. A opção pela denominação de música de intervenção implicaria a inclusão do jazz, e isto se tivermos em conta que em Novembro de 1971, no Festival “Cascais Jazz”, Charlie Haden dedicou o tema “Song for Che” aos movimentos de libertação da Guiné, Moçambique e Angola, o que lhe valeu um interrogatório de sete horas pela DGS. Em 1973, neste mesmo festival, voltou a haver manifestações contra a guerra colonial. Tendo em conta estes aspetos optámos pela primeira designação.
O Canto de Intervenção concretiza uma postura quer do intérprete –que sendo também autor tomou a designação de “cantautor”‑ quer do autor da letra e do compositor, em que o canto assume um papel, torna-se um veículo, um agente, uma arma lúdica, no caso presente, contra o regime, transmitindo mensagens de contestação e resistência. Porque é canto, o poema adquire especial relevo. Entre nós, na década de sessenta, tomou a forma de trova e de balada, consequência duma evolução originária na viragem que o Canção de Coimbra sofre em meados de cinquenta, e que tem entre os seus protagonistas José Afonso. Mas o canto de intervenção tem uma história com antecedentes de muitos séculos, quer no nosso país, quer no Mundo Mediterrânico.
O canto de intervenção teve as suas origens numa realidade contestada, estigmatizada pela pobreza, pela miséria, pela injustiça social, pela repressão política que imperavam – e que urgia denunciar. O canto ‑ através da música e dos textos poéticos ‑ pretendia provocar a consciência das pessoas e abrir, simultaneamente, novos caminhos para uma mudança que propiciasse substanciais melhorias nas condições de vida das pessoas. […]
A este tipo de canção também se denominou «canção de protesto», «canção de resistência», «canto livre» ou «canção de esquerda». […]
Como alega José Barata Moura, citado por Letria (1999:11), “Falar de canção de intervenção em Portugal é falar também da nossa história, da luta do nosso Povo contra o fascismo e contra o colonialismo, pela consolidação da sociedade democrática na perspetiva do socialismo.”
No canto de intervenção que em Portugal se vem fazendo há já umas dezenas de anos, são, na verdade, os diferentes e variados problemas decorrentes de toda esta ampla movimentação social que multifacetadamente se refletem, segundo perspetivas e compromissos diversos mas no essencial convergente.
Importa destacar em balanço, e em síntese, a nossa memória coletiva partindo da ideia que o canto de intervenção surge como uma das áreas essenciais da Resistência em Portugal. Após proibição do Direito de Reunião e Liberdade de Associação por decreto fascista, a canção abordando temas de carácter económico, social, representava a firma vontade do cantor em resistir às contrariedades dos elementares direitos cívicos dos seus concidadãos. Portugal não foi exceção. Em todo o mundo, o canto reprova a ineficácia e a opressão e valoriza as melhores expectativas com vista à obtenção de uma vida melhor. Os temas surgem dos confrontos existentes entre os trabalhadores e os patrões, muitas vezes, ávidos do poder e do lucro. A miséria e a opressão eram duas forças que mobilizavam os compositores a escrever e a musicar autênticos hinos de revolta.
Numa breve perspetiva diacrónica de oposição a quem representava o poder, podemos salientar o fado de pendor social, por vezes, denominado fado operário ou libertário que surge como forma de concretização até de sublimação das suas naturais ambições das suas lutas, expressão dos seus sentimentos. Raposo (2007:23) refere: “o fado faz então o tratamento lírico de temas sociais como a fome, a miséria, a luta contra os patrões, a fé numa vida melhor no futuro onde a vitória final seria um dado adquirido “Um dos primeiros fadistas que se notabilizou neste tipo de fado foi Alfredo Marceneiro. No tema “Cabaré” podemos ouvir: “tinha um filhinho doente quase à morte /e a pobre ganhava a vida, só de fel /cantando a rir tristemente, por má sorte /uma canção de perdida, bem cruel.” Também em “A Janela da Vida” é referido:
“Para ver quanta fé perdida / e quanta miséria sem par /há neste Orbe, atroz ruim. /Pus-me à janela da vida / e alonguei o meu olhar /p´lo vasto mundo sem fim /. Vi dar aos ladrões valores /e sentimentos perdidos /mas que passam por honradas /vi cinismos vencedores /muitos heróis esquecidos / e vaidades medalhadas. / Esse é rico e não tem filhos / que os filhos não dão prazer/a certa gente de bem, /aquele tem duros trilhos /mas é capaz de morrer /p´los filhos que tem.”
O poema de Pedro Homem de Melo apresentado em 1963-“Povo que lavas no Rio”, celebrizado por Amália Rodrigues, também testemunha a importância do fado social – “Povo que lavas no rio /que talhas com o teu machado /as tábuas do meu caixão. /Pode haver quem te defenda /quem compre o teu chão sagrado /mas a tua vida não.”
Assistimos à admiração amorosa confessada, por parte do poeta relativamente ao povo português. Aquele valoriza o seu povo que enfrenta com coragem, com humilde resignação, o sofrimento da pobreza num país fortemente rural vivendo sob o domínio de uma feroz ditadura salazarista. (BELO: 2010, pp. 55-56) […]
O cante alentejano, pelos temas que aborda – o trabalho, a tristeza, a alegria, o sofrimento a miséria, a solidão, a velhice, revela uma determinada resistência ao poder instituído ao longo das gerações. Por norma, são os mais velhos que utilizam esta tão peculiar forma de reagir, porquanto são os portadores das raízes à terra de origem […]
Convém não esquecermos as sucessivas fases da evolução da Música Portuguesa: desde o Fado, dito de Lisboa, passando pelo Cante Alentejano, pelo fado de Coimbra, pela Balada e por diferentes formas musicais do meio urbano, todos contribuíram para o aparecimento de uma raiz genuína. […]
O ano de 1965 e o “cantautor” José Afonso propiciaram o aparecimento da nova forma musical com raiz no fado: a balada. Segundo Manuel Alegre cit. por Raposo (2007:61)
“Tudo mudou. Era um tempo novo, quase vertiginoso. Um ritmo que estava na vida e dentro de nós. Um ritmo que tinha de terá a sua expressão na guitarra, na poesia na canção. Foi então que se deu o encontro da poesia e da música, do poema e da voz. Tudo se transformava em instrumento de luta e de intervenção. A tensão vivida, a energia nova exigiam uma poética nova, uma poética ativa e útil […] A vontade de mudar criava uma nova ética e precisava de uma estética nova. E nasceram as trovas.”
Desta forma, surge a balada. Esta resulta da junção da poesia de carácter mais sentimental, até então, mais elitista com a do género popular adquirindo um cunho sui generis.
A poesia musicada de intervenção teve múltiplos intervenientes quer na poesia quer na música. A nível de poemas musicados notabilizaram-se José Carlos Ary dos Santos, Manuel Alegre, José Jorge Letria, Sophia de Mello Breyner, entre outros. A nível de cantores, podemos salientar Manuel Freire, Francisco Fanhais, Carlos Alberto Moniz, Fausto Bordalo Dias, Janita Salomé, Pedro Barroso entre outros
Um documentário sobre a chamada música "de intervenção" ou "de protesto" que se seguiu ao 25 de abril de 1974
Título Original: A Cantiga Era uma Arma
Realização: Joaquim Vieira
Produção: Nanook
Autoria: Joaquim Vieira
Ano: 2014
Duração:90 minutos
Com o 25 de Abril e os meses que se seguiram, a chamada música "de intervenção" ou "de protesto" atingiu o seu apogeu. Músicos e poetas puseram-se ao serviço dos novos tempos revolucionários e meteram-se à estrada, de norte a sul do país, para levar a toda a população a mensagem libertadora anunciada pelos capitães no "dia inicial inteiro e limpo". Mensagem que cada um interpretava à sua maneira, dedicando-se de corpo e alma a difundi-la apesar das condições precárias em que se organizavam os espetáculos musicais. Com autoria e realização de Joaquim Vieira, A Cantiga É uma Arma reconstitui toda essa atmosfera, única e irrepetível, a partir do ponto de vista dos que a viveram, contando com os depoimentos inéditos de Carlos Alberto Moniz, Ermelinda Duarte, Fausto, Fernando Tordo, Francisco Fanhais, José Jorge Letria, José Mário Branco, Luís Cília, Manuel Freire, Maria do Amparo, Paulo de Carvalho, Samuel e Sérgio Godinho, além do registo feito na época, em som e imagem, de cerca de meia centena de canções.
Depois da I Guerra Mundial, em que Portugal combateu ao lado dos Aliados (não sem uma forte oposição interna), as classes dominantes do país (grandes latifundiários, banqueiros, oficiais superiores do exército e Igreja) intervieram ativamente para acabar com a República Constitucional, cuja trajetória discorria envolta em sucessivas e insuperáveis contradições. Com o final da Guerra, agravaram-se as questões económicas, financeiras e sociais. Tudo isso alarmou a consciência pequeno-burguesa, base do regime republicano. «Só a ditadura nos pode salvar», começou a ser opinião corrente em 1924. E a ditadura não se fez esperar depois do golpe militar de 28 de maio de 1926, a partir do qual o poder central e local ficou inteiramente em mãos militares.
Contudo, a ditadura militar sofreu alguns reveses, pois nesta altura o aparelho de estado estava completamente desorganizado. Este facto foi causado pela sucessiva mudança de chefes do Executivo, pela impreparação técnica dos chefes da ditadura o que resultou no aumento do défice orçamental, e, por fim, pelo desaparecimento da adesão entusiástica dos primeiros tempos.
A obra da primeira República tem apreciações várias. Para uns, foi um período negativo, que substituiu a autoridade pela demagogia, desorganizou o aparelho de Estado e empobreceu o País. Para outros, não passou de uma época em que se experimentou a governação democrática e que interessou o país pela política.
A 25 de Abril de 1928, Carmona foi eleito Presidente e o Professor Oliveira Salazar ficou encarregado do ministério das finanças, devido à sua perspicácia financeira. Com Salazar o País tomou um novo rumo, tendo mesmo apresentado saldo positivo. A teoria de Salazar era: “Nada contra a Nação, tudo pela Nação.”
Em julho de 1932, Salazar foi nomeado para a chefia do estado, facto que foi aceite da melhor forma.
Em 1933, uma nova constituição com o nome de Estado Novo mudaria a designação militar da ditadura pela civil. Os partidos políticos foram proibidos e instaurou-se uma férrea, mas não invulnerável, censura à imprensa. A maior parte dos intelectuais permaneceram à margem do regime, uma parte em oposição complacente, e outra parte em contestação aberta que, mais tarde, se iria intensificar quando as circunstâncias externas, depois da II Guerra Mundial, foram menos favoráveis ao desenvolvimento do regime, simpatizante da Alemanha derrotada.
Terminada a II Guerra Mundial, Salazar tinha conseguido debelar a crise financeira da nação; contudo, não se instaurou nenhum processo de que pudessem sentir-se beneficiárias as classes mais oprimidas, especialmente os trabalhadores do campo. A guerra fizera emergir, cruamente, as realidades fundamentais até então escamoteadas: a pobreza crónica, a servidão, os poderes corruptos. As massas rebelavam-se, tomavam a iniciativa, ou eram instigadas nesse sentido.
2. A construção do Estado Novo, um estado antiliberal, conservador, nacionalista, corporativo, autoritário e colonial.
O Estado novo teve como base as seguintes organizações:
a União Nacional;
o Ato Colonial;
a Constituição de 1933;
o Estatuto de Trabalho Nacional;
a Legião Portuguesa e a Mocidade Portuguesa.
Tal como o fascismo, do ponto de vista ideológico, o Estado Novo era caracteristicamente: Antiliberal, antidemocrático e antiparlamentar.
Conservador: valorizava os conceitos morais tradicionais (Deus, Pátria, Família, Autoridade, Paz Social, Hierarquia, Moralidade, Austeridade). O princípio da autoridade era a base daquele sistema que pretendia formar mentalidade prontas a obedecer e a servir.
De forma a servir os interesses nacionais o Estado Novo:
consagrou a ruralidade como centro de todas as virtudes;
deu privilégio à igreja católica;
reduziu a mulher a um papel passivo a todos os níveis;
louvou e comemorou os heróis e o passado glorioso;
utilizou as escolas oficiais como meio de formar consciências;
valorizou as produções culturais portuguesas.
Nacionalista: procurou organizar um original quadro institucional que conseguisse o apoio da Nação. Assim, a União Nacional encarnaria o espírito da Nação. Salazar considerava a União Nacional, a solução política verdadeiramente nacional, que não partilhava nem dos ideais democráticos nem das experiências democráticas.
Corporativo: era constituído por organizações representativas da Nação, onde se debatiam os interesses dos indivíduos.
A função da família era eleger as chamadas juntas de freguesia e a esta cabia o dever de eleger os municípios. As corporações morais, culturais e económicas incluíam desde instituições de assistência e caridade até Sindicatos Nacionais: Estes últimos concorriam para a eleição de municípios e estavam representados na Câmara Corporativa (sede genuína da representação orgânica).
O Estatuto do Trabalho Nacional teve por base a Carta do Trabalho italiana do Trabalho O Estatuto do Trabalho Nacional defendia que os trabalhadores deviam se organizar em Sindicatos Nacionais de acordo com a profissão de cada um.
Autoritário e dirigista: a valorização do poder executivo refletia o autoritarismo do Estado Novo. Um dos objetivos de Salazar era devolver “independência, estabilidade, prestígio e força” ao poder executivo. Na Constituição de 1933 foi reconhecida a autoridade do Presidente da República como o primeiro poder dentro do Estado. Por seu turno, o Presidente do Conselho de Ministros tinha funções várias: superintender, legislar, propor nomeações e exonerações, referendar os atos do Presidente da República.
A “ditadura do poder executivo evidenciou-se através da subalternidade do poder legislativo. Neste período a Assembleia estava limitada à discussão de propostas que o governo submetia à sua aprovação.
O Estado Novo, além de forte e autoritário foi também intervencionista. Salazar defendia que o progresso económico devia ser conduzido pelo governo.
Colonial: o Ato Colonial de 1930 definiu a política colonial do Estado Novo:
deu novo ânimo à missão histórica civilizadora dos Portugueses nos territórios ultramarinos;
escolheu a integração política e económica das colónias.
3. A adoção do modelo fascista italiano
Apesar de condenar o totalitarismo dos estados fascistas contemporâneos, o Estado Novo criou um projeto totalizante, recorrendo para esse fim a processos e estruturas político-institucionais próprias dos modelos fascistas, especialmente do italiano.
Deste modo, o Estado Novo:
monopolizou a vida política à volta de um só partido;
incluiu as atividades sociais, económicas e culturais numa organização corporativa;
instituiu um aparelho repressivo que atuava sobretudo através da censura, e, que possuía um corpo policial político - Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE);
obrigava o funcionalismo público a repudiar o comunismo e todas as ideias subversivas;
possuía um organismo estadual (Federação Nacional para a Alegria no Trabalho - FNAT) que tinha a função de controlar os tempos livres dos trabalhadores;
criou duas organizações milicianas - a Legião Portuguesa e a Mocidade Portuguesa - com a finalidade de enquadrar as massas;
controlou o ensino através da adoção de um livro único que transmitia os valores do Estado Novo;
garantiu uma orientação oficial à cultura e às artes,
impôs um poder político personalizado na figura do Chefe.
Adaptado de: LASO, J.L.Gavilanes, Vergílio Ferreira - Espaço Simbólico e Metafísico. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989. PINTO, Ana Lídia et alii, Temas de História 12, vol.1. Porto, Porto Editora, 1995. SARAIVA, José Hermano, História Concisa de Portugal. Mem Martins, Publicações Europa-América, 1986 (10ª ed.) [1ª ed. 1978]
A 25 de Abril de 1994, comemoraram-se os 20 anos do derrube dos 48 anos de ditadura fascista em Portugal. Como comemoração dessa data importante, levaram à televisão um ex-pide, para dar o seu testemunho. Durante o debate o ex-pide defendeu-se tão naturalmente que encobriu todos os maus tratos executados pela PIDE, contradizendo, assim, a declaração de alguns indivíduos que noutras alturas tinham confirmado as terríveis torturas. Sobre esta polémica, leia o texto de Diana Andringa publicado no jornal Público, de 16-04-1994.
Os cortes dos serviços de censura portugueses, durante o Estado Novo
A censuraé um instrumento usado por regimes totalitários para impedir que a imprensa e outros meios de difusão de mensagens, incluindo as criativas, como as da arte (pintura, escultura, música, teatro, cinema...) possam pôr em causa a ideologia vigente e fomentar a consciencialização para qualquer revolta contra o regime.
A censura fez parte integrante da nossa História, imperou em muitos períodos, constituiu uma arma de defesa da Igreja e do Estado.
Em junho de 1926, na sequência do golpe militar de 28 de maio, é instituído um regime de censura prévia. Em 1933, a censura é legalmente instituída através da Constituição e do decreto-lei nº22469. Mais tarde, a Lei nº150/72 prevê que os artigos para publicação tenham uma das seguintes anotações: "autorizado", "autorizado com cortes", "suspenso", "demorado", ou "proibido".
Durante o Estado Novo, a censura esteve sempre ativíssima em todas as vertentes culturais. Na imprensa periódica (onde ficou conhecida por "lápis azul") suprimia, alterava, cortava palavras, expressões ou parágrafos inteiros, adiava ou impedia a saída de notícias?
A Comissão do Livro Negro do Fascismo afirmou, em 1984, que durante o regime Salazar/Caetano foram proibidas cerca de 3300 obras.
Escondidos e vendidos apenas a clientes de confiança, em determinadas livrarias era possível adquirir os livros proibidos, numa espécie de jogo do polícia e ladrão.
A luta contra a censura foi feita através da Imprensa escrita, em suplementos literários ou juvenis, nas tertúlias, na imprensa clandestina? mas só a Revolução de abril de 1974 pôs fim à censura em Portugal.
“censura”. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011. [Consult. 2011-12-08].
O Estado utilizou a censura para controlar a palavra dos mais diversos autores que tinham uma visão do país oposta à do regime. A mera referência a «aspetos económicos e sociais, capazes de refletirem uma sociedade subdesenvolvida, ou de evidenciarem a realidade da difícil vida quotidiana do operariado e dos trabalhadores do campo, ou a luta de classes e o sindicalismo, eram obviamente suscetíveis de conduzir à proibição de uma obra, ou à imposição de cortes mais ou menos extensos no respetivo texto, mesmo quando aquela se reportasse a tempos mais antigos.» (cf. Mutiladas e Proibidas: Para a história da censura literária em Portugal nos tempos do Estado Novo, Cândido Azevedo. Lisboa: Editorial Caminho, 1997, pp. 121-122.)
Durante este período não eram só as palavras dos escritores e/ou dos opositores ao regime que eram violadas e esquartejadas. Mesmo em situações mais quotidianas, como a correspondência de cada português, era notória a interferência da censura já que havia uma primeira leitura que não era a do seu destinatário. Devassada a intimidade de cada pessoa, perdida qualquer possibilidade de compartilhar pontos de vista diferentes, mais não restava do que solicitar ao correio que não matasse as cartas, que não truncasse as palavras que pertenciam a quem as escreveu e não ao censor:
SONETO AO SENHOR CORREIO
Senhor Correio, Senhor Dom Correio,
por favor, por favor, Vossa Excelência
não abra as minhas cartas porque é feio
e tudo o que for feio falta à decência.
Eu leio as suas cartas? Não, não leio.
Se suas cartas lesse era demência.
Senhor Correio, veja se há um meio
de ter um pouco menos de inclemência.
Porque enfim o que escrevo a mim o devo,
Senhor Correio, é meu tudo o que escrevo,
e a tinta expressando as minhas falas.
É qualquer coisa mais que intimidade.
Senhor Correio, sabe que é verdade,
violar minhas cartas é matá-las.
Sidónio Muralha, “Poemas de Abril” (1974)
in Obras Completas do Poeta,
Lisboa: Universitária Editora, 2002, pág. 253.
Miguel Torga (in A Criação do Mundo, 1937-1981) considera, neste contexto, que a monstruosidade acontecera e que ela se perpetuava; a pior tragédia era aquela que convertera os portugueses em exilados dentro da sua própria nação porque “Todo aquele que erguia nela a voz discordante, pertencia à seita maldita”. Nessa pátria encarada como “chão sagrado de amor e de prova”, o ambiente político coercivo e castrador asfixiava todas as vontades que queriam emitir um parecer discordante e “transformara a nação num espaço de terror, onde o silêncio tomava corpo no carimbo da censura, e os inconformados arquejavam sob o pesadelo latente da polícia secreta.”
Leia os seguintes fragmentos da imprensa portuguesa onde se verificaram
intervenções dos Serviços de Censura portugueses e faça uma análise de cada
um dos casos de modo a justificar os cortes:
A relação da comunicação social portuguesa com o poder político, antes e depois do 25 de Abril de 1974
Os textos que se seguem permitem-nos conhecer, por um lado, a relação dos órgãos de comunicação social portuguesa do século XX com as forças políticas e, por outro, o papel dos mesmos na divulgação dos valores democráticos.
Capítulo do Estudo elaborado para a Representação da Comissão Europeia em Portugal: “Situação do Ensino e da Formação Profissional na área do Jornalismo”, 1996-97.
Artigo publicado em Panorama da Cultura Portuguesa, Coord: Fernando Pernes, Porto, Afrontamento, 2002.
Autor: Francisco Rui Cádima.
Disponível no sítio [IRREAL TV], 27.2.08.
Aferição de conhecimentos sobre a literatura comprometida do século XX, em Portugal
1. Tendo por base os excertos a seguir transcritos, sistematize a informação recolhida referente:
à conjuntura sociopolítica da época;
às características da produção literária.
TEXTO A
Depois da I Guerra Mundial, em que Portugal combateu ao lado dos Aliados
(não sem uma forte oposição interna), as classes dominantes do país (grandes
latifundiários, banqueiros, oficiais superiores do exército e Igreja)
intervieram activamente para acabar com a República Constitucional, cuja
trajectória discorria envolta em sucessivas e insuperáveis contradições. Com
o final da Guerra, agravaram-se as questões económicas, financeiras e
sociais. Tudo isso alarmou a consciência pequeno-burguesa, base do regime
republicano. «Só a ditadura nos pode salvar», começou a ser opinião corrente
em 1924. E a ditadura não se fez esperar depois do golpe militar de 1926, a
partir do qual o poder central e local ficou inteiramente em mãos militares.
A classe militar viu-se, porém, rapidamente incapaz de resolver os problemas
técnicos e financeiros do país à beira da bancarrota, optando por recorrer,
em 1928, a um catedrático de Economia da Universidade de Coimbra, o Prof.
Oliveira Salazar, que em pouco tempo conseguiu equilibrar a economia,
estabilizar a moeda e disciplinar a administração financeira. Em 1933, uma
nova constituição com o nome de Estado Novo mudaria a designação
militar da ditadura pela civil. Os partidos políticos foram proibidos e
instaurou-se uma férrea, mas não invulnerável, censura à imprensa. A maior
parte dos intelectuais permaneceram à margem do regime, uma parte em
oposição complacente, e outra parte em contestação aberta que, mais tarde,
se iria intensificar quando as circunstâncias externas, depois da II Guerra
Mundial, foram menos favoráveis ao desenvolvimento do regime, simpatizante
da Alemanha derrotada […]. A guerra fizera emergir, cruamente, as realidades
fundamentais até então escamoteadas: a pobreza crónica, a servidão, os
poderes corruptos. As massas rebelavam-se, tomavam a iniciativa, ou eram
instigadas nesse sentido; era necessário minar os muros de indiferença dos
poderosos, com os quais o artista costumava pactuar como resíduo dos tempos
do mecenato. Frente a essa arte decadente, os neo-realistas mudaram
radicalmente o rumo, deixando de publicar jogos verbais e paradoxos, apara
passar a publicar a tragédia do homem contemporâneo, embora numa dimensão
ligada exclusivamente ao colectivo na sua vertente económica e social,
excluindo, ou olhando com desconfiança e receio, a tragédia metafísica do
homem como ser que existe.
J.L.
Gavilanes Laso, Vergílio Ferreira, Espaço Simbólico e Metafísico, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989
TEXTO B
O neo-realismo foi a fórmula literária e ideológica em que assentou o
projecto inter-pessoal de uma geração que considerou, como primeiro dever,
intervir mediante o procedimento que nesse momento lhe era possível,
acelerar o pro-cesso histórico de redenção da classe oprimida.
Outras coisas que contribuíram para a articulação deste movimento literário
foram: a Guerra Civil Espanhola, o franquismo e o salazarismo peninsulares;
as tensões ideológicas,, em que o marxismo é introduzido, pela primeira vez,
como base doutrinal.[…]
A sua aspiração política, implícita e explícita, era de intervenção contra o
fascismo reinante.
J.L. Gavilanes Laso,
Vergílio Ferreira, Espaço Simbólico e Metafísico. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989
TEXTO C
Por se sentir ameaçado na sua capacidade de resistir ao desvio à
mentalidade tradicional, o Estado Novo fez da censura aos livros e aos
autores uma longa cruzada contra a liberdade de expressão.
No momento em que o advogado Duarte Teives protestava pelo facto de os
agentes da PIDE terem levado da sua biblioteca as obras completas de Racine,
recebeu uma firme e inabalável resposta: «Lenine, Estaline, Racine é tudo a
mesma coisa». Quão caricata era a censura imposta pelo Estado Novo…
E caricata porquê? Pela inexistência de critérios coerentes (chegaram
apreender-se livros pelo título, como foi caso de O Vermelho e O Negro,
de Stendhal) e pela facilidade com que se adquiriam obras em livrarias como
a Barata ou a 111, onde os intelectuais tinham à sua disposição, embora
encapotadamente, as novidades de Sartre, Beckett ou Vailland.
Não poderá, porém, deixar de se referir a sua eficácia, em alguns casos
contundente, no combate à liberdade de expressão, tendo em conta que a
censura se inseria num sistema educativo condicionado por directrizes
orientadas no sentido da promoção de uma mentalidade considerada «adequada»,
que excluía o insubmisso, o concorrente ou o «herege».
Ana Gastão,
Diário de Notícias, 05/04/1994
TEXTO D
As livrarias eram locais de perdição, e os livros o próprio pecado original.
Para a censura fascista e o seu braço executante, a PIDE, o importante era
policiar o pensamento. O que os olhos não lêem, nem o coração nem a
inteligência o sentem. Por isso, editar, distribuir ou vender livros em
Portugal era tarefa aparentemente inglória – mas digna de despertar um feroz
empenho de uns quantos Quixotes, que não receavam avançar contra moinhos de
vento da ignorância.
Barata,
Público, 11/06/1994
TEXTO E
Para a maioria dos portugueses, o 25 de Abril foi algo difícil de descrever.
Nuns casos porque se viveu tão intensamente que não se tem ainda a
capacidade de distanciação, noutros porque ainda não se tinha idade para
compreender o que era a ditadura que acabou naquela data.
Antes do 25 de Abril era viver com medo, suspeitar de um vizinho ou de um
colega, ver as prepotências e o que estava mal, recear uma polícia política,
poder estar preso sem julgamento ou sem culpa formada, só por pensar de
maneira diferente, ter de gastar quatro anos da juventude numa guerra
injusta.
Joaquim Letria,
Textos na Agenda 90/94, Câmara Municipal de Lisboa
TEXTO F
Insistindo, pois, no «conteúdo», considerando a escrita como «forma» e
desprezando a pesquisa sobre a linguagem como «formalista», os neo-realistas
criaram para si próprios uma insustentável ortodoxia que, principalmente os
poetas, foram quebrando lentamente à medida que mais intimamente se iam
reconhecendo mais como Poetas que como sociólogos e à medida que a escrita
se tornava um meio autónomo de comunicação e de luta, e não só um «veículo
para», ao «serviço de». É o caso paradigmático de Carlos de Oliveira que
reescreve vezes sem conta os seus textos e os torna cada vez mais autónomos,
criativos, inquietantes e abstractos, mais carregados de temperatura
informativa e por isso mais duradoiros e actuantes. No caso da poesia de
Carlos de Oliveira note-se a supressão de pontos de exclamação, de
interjeições e reticências, como factores da intervenção textual que este
poeta sobre a sua própria obra realiza, recriando-a assim. […] Esta re-escrita tardia reflecte um novo estado de espírito do autor, que fica
ilustrado pela alteração de
«Aos que virão depois de mim caiba em sorte outra esperança: e sejam estes versos achas no lume da esperança!»
para
«Aos que virão depois de mim
caiba em sorte outra esperança:
o oiro depositado
Nas margens da lembrança.»
(Poema «Elegia de Coimbra»)
In
As Vanguardas na Poesia Portuguesa do Séc. XX, E. Castro.
TEXTO G
Sophia vê o seu país como um país ocupado, que não poderá seguir a sua
própria lei – condição para manter vivo. É ocupado pela violência social e
política que tudo proíbe, tudo impede, só encontrando silêncio, solidão,
monstruosidade e fome. […]
A problemática do tempo, na poesia de Sophia, associa-se predominantemente à
cidade, à experiência de duas guerras mundiais e da guerra colonial dos anos
60.
Helena Santos,
Sophia de Mello Breyner – Uma Leitura de Grades
TEXTO H
Mas Mário Dionísio era, na memória de amigos e colegas, o escritor
socialmente empenhado, o intelectual ligado ao Partido Comunista, o teórico
do neo-realismo e ainda o combatente anti-fascista que sempre havia lutado
contra o regime de Salazar.
Eduardo Prado Coelho, Público, 27/11/1993
TEXTO I
Jorge de Sena participara, com efeito, num golpe revolucionário abortado,
que teve lugar em 12 de Março de 1959. Houve prisões e ninguém sabia ao
certo se algum dos presos teria indicado nomes, o que deixava os ainda
livres num estado de natural nervosismo. […] Ia começar o seu longo exílio
que só terminaria com a sua morte. Nele iria ganhar uma experiência mais
vasta e também mais dolorosa e alguma coisa iria perder, pelo caminho: uma
pátria – um lugar: mesmo pequeno –, uma nacionalidade, uma inserção.
Portugal ficava para trás, como um espinho, um pretexto permanente de
meditação dolorosa, uma punição imerecida…
Eugénio Lisboa, Jorge de Sena.
Lisboa, Editorial Presença, [1983?]
CHAVE DE CORREÇÃO
1.
Sistematização da informação sobre
A CONJUNTURA SÓCIO-POLÍTICA
TEXTO A:
Envolvimento na I Guerra
Mundial: problemas sócio-económicos.
Golpe militar dá origem a
uma ditadura militar a que se segue uma ditadura civil (Estado Novo;
Salazar) com muitas proibições e censuras.
TEXTO B:
A intervenção pública do
movimento neo-realista teve como causas:
a classe social desfavorecida
a guerra civil espanhola
franquismo
salazarismo
migração interna
tensões ideológicas (marxismo)
TEXTOS C, D, E, G ,H, I :
O Estado Novo de modo a
policiar o pensamento fez censura aos livros e aos autores e promoveu um
sistema educativo que excluía o insubmisso.
Antes do 25 de Abril era
viver com medo, suspeitar de um vizinho ou de um colega, ver as prepotências
e o que estava mal, recear uma polícia política, poder estar preso sem
julgamento ou sem culpa formada, só por pensar de maneira diferente, ter de
gastar quatro anos da juventude na guerra com as províncias ultramarinas.
Sistematização da informação sobre as
CARACTERÍSTICAS DA PRODUÇÃO
LITERÁRIA:
O
Neo-Realismo1
foi uma fase transitória para muitos poetas e escritores:
–temática: luta de classes;
–combate: pela sociedade nova (sem classes);
–resistência: ao fascismo.
A literatura neo-realista é
denominada comprometida politicamente e de intervenção, no sentido de ser um
«veículo para», estar «ao serviço de».
Fases do Neo-Realismo:
1ª fase (1940-50)
- «A
Poesia é só uma!»
Preferência pelo
conteúdo em prejuízo da forma, não havendo, por isso, no princípio, grandes
preocupações de índole estética.
2ª fase
(1950-60) - Poesia como «meio» autónomo de comunicação e de luta.
___________________________
(1) Realismo do séc. XIX: critica a
vida e as preocupações da burguesia citadina (usura, adultério,
educação, ambição, etc);
Novo Realismo da década de
quarenta do século XX: interessa-lhe a classe social desfavorecida
(conflito social, consciência de classe, decadência e corrupção dos
estratos dominantes, etc).
2. Elabore uma exposição sobre o tema “o 25 de Abril de 1974 e a sociedade em mudança”, em que considere os seguintes aspetos:
Reconheça que com o 25 de Abril de 1974 houve uma evolução da sociedade portuguesa e identifique os fatores de mudança.
Refira a importância deste acontecimento para a consolidação da democracia na Europa e para a independência das ex-colónias.
Demonstre qual o papel da comunicação social na divulgação dos novos valores democráticos e a sua relação com o poder político.
Refira o nome e o contributo de personalidades ligadas à cultura (poesia, música, teatro...) que intervieram ativamente na luta pela instauração da democracia em Portugal.
Faça a interpretação de uma obra artística em que se verifique esse empenhamento sociopolítico.
ligações externas
1980
Breve
historia da censura literária em Portugal. Graça Almeida
Rodrigues. Lisboa, Ministério da Educação e Ciência, Instituto de cultura e
língua portuguesa, Coleção Biblioteca Breve, 1980.
“O
canto e o cante, a alma do povo”, Eduardo Raposo. Este estudo faz parte da tese
de mestrado publicada em 2ª edição, revista e aumentada, em 2005-04-25
(Público, Lisboa)
Caminhos
da memória.Redação:
Artur Pinto, Diana Andringa, Helena Pato, Joana Lopes, João Tunes, Maria
Manuela Cruzeiro, Miguel Cardina, Raimundo Narciso e Rui Bebiano, 2008-2010.
“Versos e gritos: memória poética da
guerra colonial”, Margarida Calafate Ribeiro e
Roberto Vecchi. Abril - Revista do
Núcleo de Estudos de Literatura Portuguesa e Africana da UFF, Vol. 5, n° 9,
novembro de 2012.