O ESTRANHO MUNDO DE JACK
Caía
o outono em Halloween, a noite enregelava...
Contra
a Lua, só, num monte, um esqueleto cismava.
Era
esguio e comprido e um laço-morcego trazia;
Jack
Esquelético, o nosso protagonista,
Aborrecia-se
de morte na cidade de Halloween,
Onde
tudo decorria de forma prevista.
«Já me cansa meter
medo, sustos e pavor.
Estou
farto de ser algo que enche a noite de terror,
Farto
de maus-olhados, de infundir alvoroço,
E
os meus pés agonizam com a dança dos ossos.
Não
gosto de cemitérios, quero mudar de ares!
Deve
haver mais na vida que caretas e esgares!»
Durante
toda essa noite e todo o dia a seguir,
Jack
andou sem parar, sem saber por onde ir.
Até
que no coração da floresta, a noite caía,
Jack
teve uma visão de intensa magia:
Ali,
a escassos metros... mesmo à sua beira...
Três
portas esculpidas de maciça madeira.
Ficou
estupefacto, sem tirar o olhar
De
uma porta, entre todas, a mais singular.
Atraído,
excitado, mas também ansioso,
Jack
abriu-a e entrou num mundo branco e ventoso.
Jack
nem calculava, mas tinha ido parar
À cidade do
Natal- o nome desse lugar.
E,
banhado em tal luz, já não se inquietava,
Pois
enfim encontrara o que mais lhe faltava.
Para
os amigos não julgarem que ele mentia,
Tirou
as prendas e os doces que por lá havia:
Levou
lembranças das meias junto à chaminé
E
uma foto do Pai Natal com os duendes ao pé.
Pegou
nas luzes, nas fitas e bolas do pinheiro,
E
roubou o N grande que viu num letreiro.
Arrecadou aquilo que achou cintilante
E
até uma bola de neve gigante,
Limpou
tudo num ápice e, muito apressado,
Voltou
à sua terra sem ser apanhado.
Tim Burton, O estranho mundo de Jack. Lisboa, Orfeu Negro, 2010. Coleção: Orfeu
Mini.
Título original: The nightmare before Christmas
Tradução de Margarida Vale de Gato
Título original: The nightmare before Christmas
Tradução de Margarida Vale de Gato
Filme de animação norte-americano realizado em 1993
por Henry Selick, The Nightmare Before Christmas tem
por verdadeiro mentor Tim Burton, o autor da história e das respetivas
personagens. O argumento foi adaptado por Caroline Thompson, a produção esteve
a cargo de Tim Burton e Denise DiNovi, e a fabulosa banda sonora foi composta
por Danny Elfman, que também interpretou a voz da personagem principal. Para
além de Elfman, as restantes vozes são de Chris Sarandon, Catherine O'Hara,
William Hickey e Ed Ivory.
Animação, dirigida tanto ao público infantil como ao
adulto, foi feita em stop motion, uma
técnica utilizada para dar movimento a bonecos filmando-os pacientemente com
pequenas variações das suas posições, da qual este filme se tornou uma
verdadeira referência. O resultado final é mágico e fantástico.
A história, em jeito de fábula, começa na cidade de
Halloween, um mundo repleto de criaturas fantásticas que vivem durante todo o
ano com o objetivo de preparar a noite de Halloween (Dia das Bruxas). Num ano,
após a festa do Halloween, o rei da cidade Jack Skellington (voz de Danny
Elfman), fica deprimido e cansado da rotina anual. Ao descobrir por acaso a
cidade do Natal, tem uma ideia insólita: tomar o lugar do Pai Natal e organizar
com os seus vizinhos um Natal inesquecível, festejando esta quadra de uma forma
alegre. Contudo, apesar da sua boa vontade, Jack não consegue captar
inteiramente o espírito natalício e os seus preparativos tomam um tom demasiado
macabro. Sally (voz de Catherine O'Hara), uma boneca de trapos fascinada por
Jack, prevê um terrível destino como consequência da extravagância do seu
amigo. E, nesse seguimento, as crianças de todo o mundo acabam tristes e
desiludidas com o novo Pai Natal.
A produção do filme reuniu os melhores animadores de stop motion, tornando-se o primeiro filme realizado com
esta técnica a ser distribuído no mundo inteiro. A construção das assustadoras
personagens foi planeada detalhadamente para que realmente se parecessem com os
rascunhos feitos por Burton. Os cenários foram construídos com grotescas
construções criando um mundo surreal, repleto de texturas estranhas. Foram
feitos mais de duzentos bonecos, incluindo vampiros, fantasmas, lobisomens,
múmias e outros. Muitos deles com várias cabeças ou faces para serem substituídas
durante o processo de animação.
O filme fez um sucesso imenso e foi nomeado para o
Óscar de Melhor Efeitos Visuais e para o Globo de Ouro na categoria de Melhor
Banda Sonora.
in Língua
Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora,
2003-2015. Disponível na Internet: http://www.infopedia.pt/$o-estranho-mundo-de-jack
Com a produção do segundo Batman em
1992, Burton decidiu levar outro trabalho simultaneamente. Inspirado na obra de
outro ídolo de infância: Como o Grinch
Roubou o Natal, de Dr. Seuss, Tim
Burton’s Nightmare Before Christmas (1993), traduzido para português como O Estranho Mundo de Jack, une os dois
feriados favoritos de Burton e descreve os mundos paralelos de Christmastown e
Halloweentown. Para a realização do projeto, Burton optou novamente pelo estilo
de animação em stop-motion e, para a direção, fez parceria com Henry Selick,
conhecido de longa data do diretor e especialista em animação com bonecos,
assinando apenas como produtor do filme. Pela primeira vez, um filme em
animação seria feito em longa-metragem, quebrando a tradição de utilização do
estilo apenas para comerciais de TV e vinhetas da MTV.
Além da profunda complexidade dos
personagens de criação própria, o diretor inovou mais uma vez ao quebrar as
expectativas visuais. Ao criar a cidade de Halloweentown e povoá-la com os mais
diversos tipos macabros, o diretor inverte valores mostrando um mundo onde o
normal é ser diferente, mostrando mais uma vez que o público é capaz de lidar
com o macabro e o sombrio, como fez em Os Fantasmas se Divertem. Essa inversão
de valores é vista por Mimi Avins, em artigo para a Premiere (1993), como a
ideia de que “it’s okay to be different, it’s okay to be screw up, and it’s
okay to be miserable.” (FRAGA, Kristian (org.). Tim Burton: Interviews. 1.ª ed. Jackson:
University Press of Mississippi, 2005. Coleção Conversations with Filmmakers, p. 101).
Em seu processo de criação, o
personagem parece ter atravessado as três instâncias de criação do diretor: em
um primeiro momento, Jack é personagem do poema escrito pelo próprio Burton,
que deu origem à produção fílmica; depois, ganha forma e cor ao ser
transformado em gravura pelo diretor; mais tarde, ganha vida em forma de
animação gráfica. Ao fim deste percurso, chegamos a um protagonista que carrega
características típicas do herói burtoniano: é atormentado por dúvidas e
angústias. No entanto, ainda segundo Avins, em uma arte em que a primeira regra
é dar ao personagem olhos expressivos, a caracterização de Jack representou um
enorme desafio, uma vez que seu rosto é uma caveira e, portanto, sem olhos
(Ibid. p. 100).
Jack não é um personagem “feliz”,
mesmo vivendo em um mundo em que não só é parte integrante da sociedade, mas é
tido como ídolo. O esqueleto sente uma angústia, sem saber ao certo por quê.
Para suprimir essa inquietação, o simpático Rei das Abóboras precisa sair em
busca de algo que, na verdade, também não sabe bem o que é, mas mesmo assim o
quer apaixonadamente. Essa “doença da alma”, que tortura o herói, é descrita
pelo próprio personagem no poema que deu origem à longa-metragem:
“I'm
sick of the scaring, the terror, the fright.
I'm tired of being something that goes bump in the night. I'm bored with leering my horrible glances, And my feet hurt from dancing those skeleton dances. I don't like graveyards, and I need something new. There must be more to life than just yelling, 'Boo!'”
(THOMPSON, Frank. Tim Burton’s The Nightmare Before Christmas. New York: Disney Press, 2009.).
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“Estou cansado de sustos, medo e
terror.
Cansado de causar tantos gritos de horror. Cansado de vestir apenas branco e preto, meus pés já não aguentam a dança do esqueleto. Odeio o cemitério e seus tons cinza e azul. A vida deve ser mais que só gritar: “Buuu!”
(Tradução
de Francine Fabiana Ozaki).
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As angústias de Jack o levam a se
isolar da cidade, pois seu humor depressivo não combina com a cidade em festa.
Portanto, o protagonista já ocupa o status
de outsider dentro do próprio
ambiente. A descoberta de Christmastown coloca Jack novamente no papel de
estrangeiro, em uma terra totalmente diferente da sua. Mais uma vez, temos um
protagonista deslumbrado por um mundo oposto ao seu, cores e luzes contra
escuridão e sombras, como em Edward.
Em O Estranho Mundo de Jack, Burton dá seus primeiros passos na
direção da subjetivação dos personagens femininos, que começou a ser
desenvolvido na Mulher Gato, embora com menos destaque, e que culminará em A Noiva Cadáver (2005). Sally, o par
romântico de Jack, é visualmente muito parecida com a vilã de Batman o Retorno (1992). Em mais uma referência
ao clássico Frankenstein, Sally foi
construída para servir de companhia a seu inventor. Embora não esteja presente
no poema original, ela tem grande destaque no enredo da longa-metragem. Sally é
quem tem o pressentimento de que algo pode dar errado caso os integrantes de um
feriado resolvam assumir o controlo de outro. No entanto, ninguém lhe dá
ouvidos. Com o corpo todo revestido por costuras que se soltam constantemente,
a heroína se torna peça-chave no filme ao evitar que o temido Bicho Papão mate
o Pai Natal e ao protegê-lo até que Jack volte do mundo real.
Segundo
Burton, as costuras de Sally e da Mulher Gato representariam:
(...) that whole psychological thing of being pieced together. Again,
these are all symbols for the way that you feel. The feeling of not being
together and of being loosely stitched together and constantly trying to pull
yourself together, so to speak. (BURTON, Tim; SALISBURY, Mark (org.). Burton on Burton. 2.ª ed. Londres: Faber
and Faber, 2006, p. 123).
Mais uma vez, Burton dá dimensão
visual e física aos conflitos internos do personagem, como fez em seus dois
personagens de criação anteriores, Vincent e Edward.
Progressivamente, os personagens
femininos de Burton passarão a ganhar destaque em seus filmes. Desde Kathy
O’Hara, a esposa dedicada de Ed Wood
(1994), passando pelas heroínas Katrina Van Tassel, personagem de Christina
Ricci em A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça
(1999), e a rebelde chimpanzé Ari, personagem de Helena Bonham Carter em Planeta dos Macacos (2001), até a
protagonista de seu segundo filme de animação, A Noiva Cadáver (2005).
Francine
Fabiana Ozaki, ‘The melancholy death of
oyster boy & other stories’, de Tim Burton: crítica e tradução. Curitiba, Universidade Federal do
Paraná - Sector de Ciências Humanas, Letras e Artes, 2013.
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