AMOR NO MAR
o farol onde moras entre
nunca e sempre
dispersa
a ritmo largo a luz
renovada sobre o mar
chega vibrante o brando entardecer de mim em ti
venero o secreto mundo dos teus olhos
as tuas mãos abertas encontram
praias quentes
areias macias proclamam
amor no silêncio do vento
desliza o mar deitado
a teu lado
as ondas cobrem o teu corpo
por ele o riso cresce
despido na alegria das águas
tecendo no tempo a mais longa vaga
de silêncio nos destroços ancorada
a suave volúpia
dos corpos
agita a praia ventosa
levam búzios
trazem rosas
no nosso olhar
os abismos
cantam ao crepúsculo
os lábios húmidos
afogados nos beijos do mar…
o farol onde moras entre
nunca e sempre
dispersa
a ritmo largo a luz
renovada sobre o mar
chega vibrante o brando entardecer de mim em ti
venero o secreto mundo dos teus olhos
as tuas mãos abertas encontram
praias quentes
areias macias proclamam
amor no silêncio do vento
desliza o mar deitado
a teu lado
as ondas cobrem o teu corpo
por ele o riso cresce
despido na alegria das águas
tecendo no tempo a mais longa vaga
de silêncio nos destroços ancorada
a suave volúpia
dos corpos
agita a praia ventosa
levam búzios
trazem rosas
no nosso olhar
os abismos
cantam ao crepúsculo
os lábios húmidos
afogados nos beijos do mar…
Henrique Levy, in
Noivos do Mar, Editora Labirinto, 25
de abril de 2017
José Maria Botelho, ilha Terceira, 2022 |
ANGÚSTIA
OCEÂNICA
ilha submersa pelo mar
por uma chuva que se alteia
nuvens a lavrar arados
erva fresca de que são feitos os prados
nesta ilha varrida de águas
gente do mar que é ribeira
aves brancas
terra d águas
trazem à luz por nascer
pântanos charcos e lagos
ilha oceano
ilha mar
terna ilusão a de aqui estar
retido por redes d águas
torrentes de mar…
desafio molhado de saudades
de outra ilha altaneira
de alvas neves colorida
pedaço verde de vida
mistério d águas a navegar o céu
no rubor da vida
a alvorada estremece o vento
resignado move nuvens reza preces
a chuva anoitece a ilha
despida de sol
vestida d’águas
as terras tristes afogadas
cantam em voz de pranto
lampejos de luz e trovoadas
a tornar negras as rubras flores
exiladas nas águas
angústia oceânica
que se abate nas sombras amargas
e nos vastos rumores d’água
oração de lábios esvaídos
escorrendo lava molhada
adormecida por mágoas
abrigo vibrante
esculpido em terra firme
traz às ondas ébrias de espuma e sol
o sonho exigido!
ilha submersa pelo mar
por uma chuva que se alteia
nuvens a lavrar arados
erva fresca de que são feitos os prados
nesta ilha varrida de águas
gente do mar que é ribeira
aves brancas
terra d águas
trazem à luz por nascer
pântanos charcos e lagos
ilha oceano
ilha mar
terna ilusão a de aqui estar
retido por redes d águas
torrentes de mar…
desafio molhado de saudades
de outra ilha altaneira
de alvas neves colorida
pedaço verde de vida
mistério d águas a navegar o céu
no rubor da vida
a alvorada estremece o vento
resignado move nuvens reza preces
a chuva anoitece a ilha
despida de sol
vestida d’águas
as terras tristes afogadas
cantam em voz de pranto
lampejos de luz e trovoadas
a tornar negras as rubras flores
exiladas nas águas
angústia oceânica
que se abate nas sombras amargas
e nos vastos rumores d’água
oração de lábios esvaídos
escorrendo lava molhada
adormecida por mágoas
abrigo vibrante
esculpido em terra firme
traz às ondas ébrias de espuma e sol
o sonho exigido!
Henrique Levy, in Noivos do Mar,
Editora Labirinto, 25 de abril de 2017.
NU
nu
junto ao portão da quinta
pés calçados no barro
as pernas cedros a tocar ciprestes
aguardam a glória dos lábios
de Calíope
os ombros
armas raras de sóis celestes
em encontros siderais
ouvem junto ao claro portão
o suspirar das rendas brancas do mar
nu
os teus olhos sacrificam
o tempo
saciando nos muros o orvalho
no mergulhar derradeiro da tarde
nu
és vida
a descansar bosques
na acesa tormenta
que os meus olhos invade
nu
sustentas a luz na memória
confusa da alma atenta
aos gestos das tuas mãos
afagos que sei esperar
o olhar molhado das nuvens ao passar
proclama o anseio de ser homem
cânticos de corpo em sede trocam sementes
nu
junto ao portão da quinta
pés calçados no barro
as pernas cedros a tocar ciprestes
aguardam a glória dos lábios
de Calíope
os ombros
armas raras de sóis celestes
em encontros siderais
ouvem junto ao claro portão
o suspirar das rendas brancas do mar
nu
os teus olhos sacrificam
o tempo
saciando nos muros o orvalho
no mergulhar derradeiro da tarde
nu
és vida
a descansar bosques
na acesa tormenta
que os meus olhos invade
nu
sustentas a luz na memória
confusa da alma atenta
aos gestos das tuas mãos
afagos que sei esperar
o olhar molhado das nuvens ao passar
proclama o anseio de ser homem
cânticos de corpo em sede trocam sementes
nu
junto ao portão da quinta
crescem dores abrandam sonhos
se puderes
em lento voar nu
avança!
junto ao portão da quinta
crescem dores abrandam sonhos
se puderes
em lento voar nu
avança!
Henrique Levy, in Noivos do Mar, Editora
Labirinto, 25 de abril de 2017.
ANOITECE
o corpo não pede gestos
nem pétalas perfumadas de gerânios
nem naus em portos longínquos
nem mãos sobre altares buscando preces
nem o último olhar do sol sobre a ilha antes de adormecer
o meu corpo é agora o lugar
de lábios demorados que
sobre ele desatam beijos
no entardecer dos teus olhos
brilha em repouso o requiem da entrega
noite em que os muros as roseiras bravas
vieram debruar de alvíssima seda
em que o lamento das borboletas
das asas se desprende no crepúsculo cintilante
mergulhando o mar…
o corpo não pede gestos
nem pétalas perfumadas de gerânios
nem naus em portos longínquos
nem mãos sobre altares buscando preces
nem o último olhar do sol sobre a ilha antes de adormecer
o meu corpo é agora o lugar
de lábios demorados que
sobre ele desatam beijos
no entardecer dos teus olhos
brilha em repouso o requiem da entrega
noite em que os muros as roseiras bravas
vieram debruar de alvíssima seda
em que o lamento das borboletas
das asas se desprende no crepúsculo cintilante
mergulhando o mar…
Henrique
Levy, in Noivos do Mar, Editora
Labirinto, 25 de abril de 2017
NOIVOS DO MAR | AO LEITOR
Os poemas escritos nas Ilhas
sepultam suspiros ancestrais de onde se ouve o aveludado nevoeiro a
dissolver-se nas encostas dilaceradas pela compulsiva agitação do Mar.
Estes são poemas saturados de
águas, ousam cantar as vésperas das noites incendiadas pelo Sol macerado por
chuvas…
Deste conflito surgem palavras
nascidas de uma voz tumular, desnuda de razão, escritas por mãos febris a estremecer a morfossintaxe e a
vontade do que está para acontecer…
Uma
espécie de angústia, resultante de um universo cercado de águas atlânticas
cujas margens unem Europa e América.
Alvora,
o poeta, as aparências da Terra, mergulhando a pena no Mar intruso, surgindo a
impaciente renovação de deuses, jogo ancestral de águas curvadas perante os
aromas que sopram das Ilhas, contraídas por forças bruscas, inquietas, reclamam
piedade à violenta voz do Mar…
Aqui,
nestas Ilhas, todos os poetas são mulheres a cerzir palavras, leitores de
Livros de Horas, tristes mulheres cobertas de exaltação e véus de fé,
segredando nas casas, ao lado do fogo, do linho e das arcas nuas de cereais…
Mulheres
suspirando serenas os seus corpos finos, exaustos, hesitantes nos beijos e no
ânimo… Talvez por isso, vencer esta distância do feminino, nos induza, na
verticalidade da morte, a lembrança do deleite carnal, sublimado pelo Espírito
que nas Ilhas é Santíssimo…
Encena-se,
então, sem ilusões, um ato final de Amor.
Henrique Levy
Henrique José
Aguiar Fonte Levy, ou simplesmente Henrique Levy, como é conhecido, nasceu em
Lisboa a 6 de junho de 1960, ainda que a sua infância tenha sido passada em S.
Tomé e Príncipe e também em Moçambique. Na década de 90 regressa a Portugal.
Ainda que tenha efetuado o
percurso académico em Portugal, o início da sua atividade profissional dá-se no
estrangeiro, mais concretamente em Macau, onde viveu e exerceu funções na área
da educação durante oito anos.
Desloca-se a
outros países da África Austral, da Ásia e da Europa, assimilando as diferentes
realidades culturais visitadas, que serviriam de inspiração para a sua escrita.
http://alumni.letras.ulisboa.pt/memorias-vivas/testemunhos/174-memorias-vivas/biografias/decada-90/650-henrique-levy (texto com supressões)
Passageiro das Ilhas, Henrique
Levy plasma em Noivos do Mar a vida a
dois no espaço insular dos Açores.
*
NOIVOS
DO MAR |
PREFÁCIO
Henrique
Levy tem já uma obra consistente. No campo do romance, ostentou uma voz
singular, de timbre camiliano, em Cisne de África (2009) e Praia Lisboa (2010),
e no cultivo da poesia, em Mãos Navegadas (1999) e Intensidades (2001). O ano
passado, regressou à casa da poesia, sua pátria de sempre, com O Silêncio das
Almas (2015).
A sua
poesia é tecida de uma vivência intensa de emoções, de agitação veemente de
prazer ou tristeza, de anseio de felicidade, de repulsa do medo, de uma
permanente melancolia de momentos-êxtase, como se a poesia fosse habitada
simultaneamente por uma inocência virginal, motor do poema, e por um mal-estar
difuso a necessitar de contínua redenção.
E é
justamente esta a grande mensagem de Noivos do Mar, se é que um livro de poesia
necessita de justificação e de mensagem: a redenção é possível, a salvação é
possível.
Nos
seus poemas, Henrique Levy diz-nos como e onde é possível esta redenção.
O
“como” opera-se através do “amor” como laço infinito que tudo envolve: seres
físicos, árvores, animais, a casa, e, sobretudo, o sentimento romântico ou
neo-romântico pelo outro como pulsão de carne, como pulsão sexual, como pulsão
sentimental e como pulsão espiritual. “Pulsão” significa aqui irrupção de
sentimentos, como um vulcão em plena atividade, tão natural e tão caótico como
este. O conjunto irruptivo de sentimentos que não se pode recalcar, muito menos
calar, é designado por “alma”, “coração”, e os poemas são assim o jorro
abrasativo da sua lava.
O
“onde” - Henrique Levy descobriu-o na “ilha”, e esta ilha tem um nome concreto,
São Miguel, nos Açores, mas aceita ser possível nas restantes ilhas dos Açores.
Noivos
do Mar constitui-se, assim, como um hino ao Amor e aos Açores.
É
possível que os Açores constituam o território de Portugal que mais tem
inspirado a criação poética. Não tem fim o número de poemas e de poetas
cantados no e em nome do arquipélago. De qualidade diferente, de Roberto
Mesquita a Pedro Silveira, de Vitorino Nemésio a Natália Correia, de Urbano
Bettencourt a Manuel Tomás, de Eduíno de Jesus a José Martins Garcia, do hoje
clássico Antero de Quental a inúmeros poetas populares, cantores da Saudade e
da Sapateia, em todos as suas obras perpassam os Açores como terra mítica,
melancólica, pulcra mas ingrata, terra afortunada de formosura mas teatro de
injustiça social, que repulsa o seu habitante para a emigração.
Assim,
em todo o poema açoriano repousa, invisível mas pulsante, uma “América” que
redime a ingratidão da terra (os terramotos) e a ingratidão social (a antiga
miséria económica). É o que em Noivos do Mar o poeta designa por “Angústia
Oceânica”, a singularidade da terra no seio de um mar infinito, convidando a
uma permanente inquietação física e mental.
Porém,
na poesia de Henrique Levy, a “América” redentora tem outro nome, designa-se
por Amor, o amor que salva, que perdoa e resgata os trilhos angustiosos da
existência.
Belíssimo
livro, Noivos do Mar, que, a partir de agora, não só merece fazer parte do
poemário dos Açores como de qualquer nova antologia sobre o arquipélago.
Colares, 30 de Junho de 2016,
Miguel Real.
*
NOIVOS
DO MAR |
POSFÁCIO
Em Noivos do Mar, Henrique Levy é
um poeta entre a água, o céu e o que envolve a terra e seus pés descobrem.
Há estrelas também e essa morte
que toca nas palavras e que sentem os leitores tocam a sensibilidade para se
ser perto do que é importante, a vida e a morte. Sem enfeites de nudez fria e
marmorizada entre laivos menos claros, como laços apertados que seguram a vida.
Essa força da Natureza descreve passos, uma força alheia ao dia-a-dia que se
confronta nas ilhas como um bailado ao vento. Sei, assim o sinto no que
nos descreve. Vejo a sua alegria. Sei-o apaixonadamente vivo. Um tecido sem ser
“seda” é estopado para que a luz penetre sem dor sem cansaço.
É a
sua presença, a si no olhar e nas palavras do seu livro.
É
bela a Ilha que descreve.
As
ilhas sempre foram pontos de magnânima presença. Sempre se deixaram em
confronto com os mortos, porque o Mar traz às costas os desassossegados que em
vendavais e tempestades ali jazem. Assim das ilhas, a força é singular, a força
é força.
Vejo-me
consigo de mãos dadas com o que descreve. Reconheço as palavras um necessário
véu que filtra o impuro. Reconheço as flores que ainda em verde não precisam de
colorir porque a brevidade dos momentos é constante e assim o esplendor do belo
ali permanece.
A
Vida assim permanece em nós, como os nós permanecem para nós na escrita e se
desenrolam ao amor e à vontade mais breve que é infinito.
Inez Andrade
Paes
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