O amor,
quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...
1928
Poesias Inéditas (1919-1930). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Vitorino Nemésio e notas de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1956 (imp. 1990).
- 92.
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...
1928
Poesias Inéditas (1919-1930). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Vitorino Nemésio e notas de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1956 (imp. 1990).
- 92.
http://arquivopessoa.net/textos/1318
Análise do poema "O amor,
quando se revela"
Sendo o poema em questão um
poema que toca o tema do amor, não se pode certamente considerar como um poema
de amor. Isto porque, como é hábito em Pessoa, muitas das vezes os temas mais
simples são processados, refinados, intelectualizados, de maneira a que a mais
simples exposição de ideias nunca é apenas uma exposição de sentimentos.
Isto nota-se ainda mais
quando são poemas ortónimos, escritos em nome de Fernando Pessoa ele próprio,
porque sem artifícios ou máscaras transparece frágil e sem cor o sentimento de
estar perdido no mundo, de fragilidade, de incapacidade e tristeza - marcas
indeléveis do carácter do poeta e que encontravam na sua poesia o escape
natural.
A análise do poema clarifica
o que dissemos anteriormente.
"O amor, quando se
revela, / Não se sabe revelar. / Sabe bem olhar p'ra ela, / Mas não lhe
sabe falar."
Vejamos como é curiosa a
maneira como Pessoa olha para o amor. Em vez de elogiar o amor, Pessoa fica
perturbado pela maneira como o amor se revela em si mesmo. É a incapacidade de
sentir, ou de pelo menos de transmitir, de comunicar o sentimento, que é o
verdadeiro tema deste poema, e não o amor, o sentimento.
Não sabemos até que ponto a a
interpretação de Pessoa pode ser uma interpretação Universal do amor. Pensamos
que não é, que é uma interpretação tão íntima que muito nos diz da maneira como
o poeta sentia as coisas e nada mais do que isso. Por isso mesmo quando ele diz
"Fala: parece que mente / Cala: parece esquecer" Pessoa fala do seu
ponto de vista particular. É ele que parece não ser sincero quando tenta ser
sincero - é a sua dor interna que impede a sua sinceridade, a sua ligação
sincera a um outro ser humano.
Pessoa disse que o amor é a
altura em que nos confrontamos com a existência real dos outros - e esta é uma
frase determinante para entendermos este poema. Uma frase dramática, mas
determinante.
É a presença sufocante do
outro que impede o poeta de falar o que sente. Por isso ele nos diz que
"quem sente muito, cala; / Quem quer dizer quanto sente / Fica sem alma
nem fala, / Fica só, inteiramente!".
O seu desejo maior seria que
o seu amor ouvisse este poema mas sem o ouvir, que adivinhasse no seu olhar o
sentimento, sem que houvesse necessidade de falar. Há aqui também um pouco de
medo de que o ideal decaia quando se torna real, mas essencialmente o medo é de
ser humano, o medo é medo de ligação com o outro, a perda de controlo do
"eu" em favor do "outro".
Se de alguma coisa este poema
fala, não é então de amor, mas antes do que o amor pede, em termos de
sacrifícios para o "eu". O amor pede o máximo sacrifício, que é a
perda da individualidade máxima, a perda do egocentrismo, do culto da
personalidade própria: a perda do controlo sobre a realidade, em favor do caos
alheio.
O poema tem a seguinte
estrutura:
3 quadras e uma oitava, sendo
que a divisão lógica do mesmo, quanto a mim será a seguinte:
as duas primeiras quadras
introduzem o tema do poema, que de certo modo é a incapacidade de amar a oitava
desenvolve o tema, de modo dramático, sendo que o sujeito poético desenrola
para si mesmo o drama que decorre dentro de si - o amor por ela - e a maneira
como esse drama o perturba. Ele sente intensamente a dor que é não conseguir
falar desse amor a ela, não conseguir revelar o amor publicamente. a quadra
final serve de conclusão. Uma conclusão indefinida, porque o sujeito poético
deseja que o seu amor o ouça sem que ele tenha de falar, mas mesmo assim uma
conclusão.
Quanto aos recursos
estilísticos:
Há grande uso de antíteses,
para evidenciar a oposição entre sentir o amor e conseguir falar dele à pessoa
amada. Há uso de anáfora (repetição de "fica" no início de alguns
versos seguidos) Versos 7 e 8, quanto a mim é um hipérbato, com troca da ordem
das palavras. "Ouvir o olhar": trata-se de uma invulgar figura de
estilo chamada sinestesia.
Mas se tivesse de destacar o
uso de um recurso, seria obviamente a antítese o mais marcante neste poema.
http://www.umfernandopessoa.com/o-amor-quando-se-revela.html
*
Questionário
Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se
seguem.
1. Explicite uma das relações de sentido que é possível estabelecer
entre o verso “Mas não lhe sabe falar” (v. 4) e os versos da mesma estrofe.
2. Explique o sentido dos versos “Fala: parece que mente / Cala: parece
esquecer…”.
3. Explicite um dos valores expressivos da exclamação da terceira
quadra.
4. Identifique, nas duas últimas estrofes, duas expressões que mostrem
as consequências/dificuldades da expressão dos sentimentos
https://pt.scribd.com/document/22298102/o-Amor-Quando-Se-Revela-FPessoa-Teste
Carregamento de arquivo por Helena Maria
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de Poesia, 17-05-2018.
Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/fernando-pessoa-13061888-30111935.html
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