A Revista literária Grotta – Arquipélago de Escritores é editada pela Publiçor sob chancela Letras Lavadas. Direção de Nuno Costa Santos. Dezembro de 2017 |
O dossiê dedicado à Literatura de Porto Alegre é uma forma de celebrar, hoje, a nossa ancestral ligação com a capital do Rio Grande do Sul, com necessidade de uma boa actualização, lugar fundamental para os Açores e os açorianos.
Há uma longa entrevista com Eduíno de Jesus, que partilha com os leitores a sua vida literária e a forma como vê o mundo, em respostas pensadas e cuidadas. E inspiradoras, sempre.
Continua-se a fazer conviver respirações de tempos diferentes. Textos sobre Natália Correia de autores premiados (Carolina Bettencourt). Uma peça, de Victor Rui Dores, sobre o rico suplementarismo literário açoriano, narrativas na primeira pessoa de personagens de séries televisivas que aterram no espaço da ilha e contos ao desafio, escritos por novos autores. Poemas de nomes como Renata Correia Botelho e Rui Machado e slam poetry de Carla Veríssimo.
Urbano Bettencourt, num texto de referência aqui incluído, Escritas insulares - fragmento e derivas, trata da «condição insular como uma oscilação entre a permanência e a errância, entre o auto-centramento e a deriva que leva à descoberta». A prosa começa com uma citação de Michelet: «A Inglaterra é uma ilha». Uma ilha para a qual viajamos e que pisamos com vagar através da poesia de Ken Smith, traduzida por Hugo Pinto Santos (autor, relembre-se, da tradução dos poemas irlandeses do primeiro número da grotta).
Este número está amplamente ilustrado por dois artistas plásticos - Paula Mota e João Decq - que valorizam muitíssimo a edição, transportando-a para um território que pretende ocupar: o do diálogo entre artes, o da conversa entre linguagens diferentes e complementares.
A revista Grotta é dirigida por Nuno Costa Santos e conta com coordenação editorial de Diogo Ourique. A edição é da Letras Lavadas.
"Sinopse" in https://www.wook.pt/livro/revista-grotta-n-2-nuno-costa-santos/21291958
***
a menos
que pudéssemos
soletrar
esta noite
desditosa
segredada
que nos
range
entre os
dedos e o papel
a ver se
assim
decomposta
lhe
encontramos
uma
sílaba quente
qualquer
coisa tónica
que nos
acorde.
Renata Correia Botelho
Grotta n.º 2, Letras Lavadas, dezembro 2017. ISBN: 9772184166001
|
***
Nuno Costa Santos: "Há várias formas de se ser açoriano"
Nuno Costa Santos fotografado na Casa dos Açores, em Lisboa | PAULO SPRANGER/GLOBALIMAGENS |
Chegou o número dois da Grotta, a
"revista-livro" açoriana. O diretor Nuno Costa Santos encara os
Açores como "lugar de encontros" e está confiante nos novos autores
que germinam na revista literária que, esta semana, é lançada em Ponta Delgada.
Ele é
escritor e guionista mas a convocatória para esta entrevista foi como diretor
da Grotta, revista literária de
timbre açoriano. O segundo número é lançado esta semana em Ponta Delgada, na
Solmar, uma livraria cúmplice. Nuno Costa Santos não assina nenhum artigo nesta
edição, mas na primeira deixou uma ponta solta em Monóculo. Saiu para comprar
um pijama (faltava-lhe a inspiração para as primeiras linhas do romance que
queria escrever) e descobriu nos jornais que "Lisboa é a melhor cidade
portuguesa para se viver pela terceira vez consecutiva" - soube depois,
segundo um ranking da Monocle. Seguiu
caminho e deu de caras com a Casa Ferrador fechada. Para sempre. Após 84 anos
de atividade. Sem pijama (e sem conforto), resolveu mandar um email à Monocle:
"O mundo precisa de saber do fecho do Ferrador". Ainda não recebeu
resposta, mas ele não tem pressa. Não surpreende. A Grotta - o nome alude,
também, a um fenómeno geológico das ilhas - é, claramente, feita com vagar,
contrariando o "tempo tecnológico". Ali aportam autores de vários
paradeiros, idades e sensibilidades. O arquipélago como semente e marca, de
quem está e de quem não está.
O que é a Grotta
- não é "apenas" uma revista de literatura açoriana pois não?
A Grotta é uma revista literária que,
assumindo a sua raiz açoriana, é aberta a todas as formas literárias de várias
partes do mundo, desde que passem no nosso sempre subjetivo critério de
pertinência editorial e de qualidade. Não temos medo de assumir o regional e
até achamos que num universo que quer ser à força toda "global" e
"cosmopolita" é importante atender ao local e ao regional, sem
complexos. A palavra grota, que vem da designação que nos Açores se dá às
ribeiras que, a partir de certa altitude, se tornam em regos longos e fundos,
no território nacional só é usada no arquipélago. Sabemos que também é usada no
Brasil. Como tem um duplo t - no nosso título, sob sugestão do vulcanólogo
Victor-Hugo Forjaz - remete para uma formulação arcaica do termo e para a sua
origem italiana. Entre os Açores e a Itália, com passagem por todo o lado. O
subtítulo é Arquipélago de Escritores, que começa por ser o arquipélago
açoriano, onde há, desde tempos imemoriais, muita gente que escreve e publica,
mas acaba por se constituir como a família, espalhada por todo o lado, de
escribas.
Entre os autores que colaboraram nas duas
primeiras edições, há autores nascidos nos Açores. Mas outros com origens
continentais. Na sua biografia diz-se "açoriano nascido em Lisboa". A
Grotta vem, também, questionar o que
é isso de ser açoriano?
Os Açores
são um lugar de encontros muitos e penso que essa vocação marcará ainda mais o
arquipélago nos próximos anos. Nesse sentido a Grotta é uma revista que alberga
romeiros de todas as proveniências. Não direi que há um questionamento mas sim
um aprofundamento de uma certa maneira. No primeiro número tivemos um diálogo
com a Irlanda, através da edição em português de poemas de autores irlandeses
contemporâneos. Neste número o diálogo mais evidente é com os escritores que
escreveram sobre a cidade de Porto Alegre, que aqui é apresentada com diferentes
temperaturas e vozes. No meu caso, essa nota representa um preciosismo
biográfico. Os meus pais, açorianos, estavam a viver em Lisboa quando nasci. E
depois voltaram à sua terra. Mas, sim, para nós ser açoriano é uma condição que
não é exclusiva daqueles que nasceram no território das ilhas e que aí vivem.
Há várias formas de se ser açoriano, cada vez mais evidentes num mundo de vasta
circulação.
Encontramos novas e mais antigas gerações de
escritores em vários registos - prosa, poesia, ensaio, fotografia, ilustração.
São trabalhos, inéditos, que esperavam uma brecha para se mostrar?
Sim, são
trabalhos que encontram aqui uma oportunidade. Este é um espaço que se abre e
os pode acolher. A maior parte dos trabalhos é inédita. As pessoas têm escrito
e ilustrado propositadamente para a Grotta.
Também já publicámos trabalhos - no caso, ensaios fotográficos - que já estavam
prontos antes da ideia de se fazer a revista. Foram convocados e aqui ganharam
um sentido outro.
Victor Rui Dores, faz neste número uma breve
resenha do "suplementarismo cultural dos Açores", em que saúda uma
nova geração de autores empenhada na construção de um espaço cultural novo -
geração essa "com mais imaginação que memória, gente que passa mais tempo
nas redes sociais do que nas tertúlias dos cafés". Gente "que ainda
não escreveu as suas obras maiores e de quem muito há ainda a esperar".
Como vê esta nova geração?
Vejo esta
nova geração como um grupo que tem o dever de estar à altura daquilo que as
gerações anteriores fizeram: criar um corpo consistente de obras, diversas e
representativas do esforço de uma época literária. Há que também retratar o que
são os Açores hoje na sua multiplicidade, nos seus contrastes. Para isso é
preciso trabalhar, pesquisar histórias, ir fazer investigação. E ler. É preciso
desligar mais vezes o facebook para perseguir um exercício de disciplina diária
na escrita - só esse é que poderá trazer resultados consistentes. A Grotta gostava de contribuir para que
esse trabalho se faça de forma mais visível e com mais vozes.
Os Açores têm na sua biografia alguns nomes
grandes da literatura portuguesa. Os autores que chegam são reféns ou
herdeiros?
Uma
mistura. São reféns quando estão demasiado presos à influência dos nomes do
cânone. E herdeiros quando já se libertaram e, assumindo a herança, têm o seu
sangue próprio. Depois há a questão, que deve ser considerada, de uma parte da
comunidade de leitores e observadores ser um pouco dada à comparação fácil. É
humano. É como querer comparar à força o neto ainda a mudar de voz ao avô que
morreu com uma aura de qualidades. Nesses casos o melhor é, para quem ouve
comparações escusadas, concentrar a atenção na sinfonia dos pássaros das ilhas.
Lançou em 2014 a Transeatlântico (Companhia das Ilhas). O que aconteceu a esta publicação?
A Transeatlântico ficou em pousio depois
da primeira experiência. E com o descanso da Transeatlântico resolveu avançar-se com a Grotta, publicação de outro catálogo sediado nos Açores.
Em que consiste Açores Arquipélago de
escritores, que acontecerá entre 26 e 28 de abril de 2018?
Sobre o
evento, ainda não posso adiantar pormenores porque ainda há uma série de
assuntos por definir. Mas posso dizer que será um gesto promovido pela Grotta e que, como encontro, manterá as
características fundamentais do espírito da revista. Acolhimento açoriano,
arquipélago de escritores, respeito pela tradição literária, comunicação com
outras partes do mundo, diálogo entre artes.
Quando sairá a Grota n.º 3?
No final
de 2018 teremos o número 3. Até lá é questão de ir tendo ideias e ir convocando
os autores para enviarem textos. Leva tempo porque a Grotta é uma revista-livro com bastante conteúdo e muitos
pormenores.
A Monocle
respondeu-lhe ao email sobre o encerramento da Ferrador?
Ainda não
respondeu. Deve estar preocupada em fazer mais um ranking. Mas eu espero. Um
antigo cliente do Ferrador não tem qualquer tipo de pressa gourmet.
Marina Almeida, Diário de Notícias, 2018-02-11
https://www.dn.pt/artes/interior/nuno-costa-santos-ha-varias-formas-de-se-ser-acoriano-9115889.html
GROTTA . Uma adenda
(o que eu poderia ter dito ontem, se a gripe não me tivesse impedido de participar, na Livraria Solmar, na apresentação da revista Grotta).
1. Quem conhece uma grota sabe que deve evitar a todo o custo cair numa: pelos estragos corporais, por vezes irremediáveis, a que se sujeita e pela dificuldade em ser de lá removido. Constrangimentos da geologia.
Por mim, caí muito bem nesta «Grotta» que o Nuno Costa Santos & companheiros vêm talhando desde há 2 anos. E não tenho qualquer pressa em sair.
Encontro aqui um exemplo daquela «encruzilhada» de que falava Carl Sagan e que prolonga a melhor tradição das revistas e suplementos literários açorianos.
No final dos anos de 1930, um intelectual açoriano propunha que se implementasse na imprensa local suplementos e páginas literárias, só preenchidos com autores açorianos…A primeira parte da proposição era excelente; a segunda uma idiotice pegada, demonstrativa de que ele não aprendera nada de nada com a imprensa açoriana, que desde os seus inícios, no século XIX, sempre abriu um grande espaço à literatura, cruzando línguas e culturas, géneros e discursos heterogéneos, em diálogo com os autores locais.
2. O meu texto incluído neste n.º 2 de «Grotta» nasceu no aeroporto de Guarulhos, na longa tarde do dia 8 de Novembro de 2016 e numa conversa com o Nuno Costa Santos, enquanto mais a norte no continente um estafermo juntava os votos que o levariam à Casa Branca.
Em Porto Alegre, o Nuno tinha-me oferecido o n.º 1 da Grotta, eu já lera alguma parte dela (em particular o texto de Pedro Santo-Tirso), e por isso, quando ele me convidou a participar no número seguinte, pensei logo no que queria escrever (embora sem saber ainda os contornos precisos da coisa). Depois, ele trazia consigo o n.º 122 da revista «piauí» com uma reportagem/ensaio sobre Naipaul, e achei então que teria de escrever a partir dos «outros», os que sempre se mantiveram fiéis ao espaço insular, sem abdicarem do seu lugar no mundo. Das Caraíbas aos Açores e ao Mediterrâneo, há um pensamento insular em que as diferenças acabam por pôr em relevo as afinidades e as confluências.
2.1 O resultado disso foi um texto intitulado «Escritas insulares: fragmentos e derivas». É um breve ensaio político-literário, dado que no interior da literatura se questiona a realidade histórica, concreta, da ilha e o(s) pensamento(s) sobre ela, o modo como ela ousa pensar-se (ou, por negação, se demite de pensar-se, à espera que outros o façam por ela). Tudo isso no pressuposto de que um «pensamento insular» tem de ser gerado e gerido a partir do seu interior ou segundo um ponto de vista adoptado a partir do interior da ilha. O resto é paisagem e macaquice para embasbacar incautos & desprevenidos.
2.2 Para sossego das almas embaraçadas: «Escritas insulares: fragmentos e derivas» não é um trecho de catecismo ou de cartilha, por isso não obriga a nada nem ninguém. É apenas uma análise construída a partir de dados, que neste caso são textos. E na literatura como noutras coisas, supõe-se, os dados devem prevalecer sobre os esquemas prévios e o preconceito.
(o que eu poderia ter dito ontem, se a gripe não me tivesse impedido de participar, na Livraria Solmar, na apresentação da revista Grotta).
1. Quem conhece uma grota sabe que deve evitar a todo o custo cair numa: pelos estragos corporais, por vezes irremediáveis, a que se sujeita e pela dificuldade em ser de lá removido. Constrangimentos da geologia.
Por mim, caí muito bem nesta «Grotta» que o Nuno Costa Santos & companheiros vêm talhando desde há 2 anos. E não tenho qualquer pressa em sair.
Encontro aqui um exemplo daquela «encruzilhada» de que falava Carl Sagan e que prolonga a melhor tradição das revistas e suplementos literários açorianos.
No final dos anos de 1930, um intelectual açoriano propunha que se implementasse na imprensa local suplementos e páginas literárias, só preenchidos com autores açorianos…A primeira parte da proposição era excelente; a segunda uma idiotice pegada, demonstrativa de que ele não aprendera nada de nada com a imprensa açoriana, que desde os seus inícios, no século XIX, sempre abriu um grande espaço à literatura, cruzando línguas e culturas, géneros e discursos heterogéneos, em diálogo com os autores locais.
2. O meu texto incluído neste n.º 2 de «Grotta» nasceu no aeroporto de Guarulhos, na longa tarde do dia 8 de Novembro de 2016 e numa conversa com o Nuno Costa Santos, enquanto mais a norte no continente um estafermo juntava os votos que o levariam à Casa Branca.
Em Porto Alegre, o Nuno tinha-me oferecido o n.º 1 da Grotta, eu já lera alguma parte dela (em particular o texto de Pedro Santo-Tirso), e por isso, quando ele me convidou a participar no número seguinte, pensei logo no que queria escrever (embora sem saber ainda os contornos precisos da coisa). Depois, ele trazia consigo o n.º 122 da revista «piauí» com uma reportagem/ensaio sobre Naipaul, e achei então que teria de escrever a partir dos «outros», os que sempre se mantiveram fiéis ao espaço insular, sem abdicarem do seu lugar no mundo. Das Caraíbas aos Açores e ao Mediterrâneo, há um pensamento insular em que as diferenças acabam por pôr em relevo as afinidades e as confluências.
2.1 O resultado disso foi um texto intitulado «Escritas insulares: fragmentos e derivas». É um breve ensaio político-literário, dado que no interior da literatura se questiona a realidade histórica, concreta, da ilha e o(s) pensamento(s) sobre ela, o modo como ela ousa pensar-se (ou, por negação, se demite de pensar-se, à espera que outros o façam por ela). Tudo isso no pressuposto de que um «pensamento insular» tem de ser gerado e gerido a partir do seu interior ou segundo um ponto de vista adoptado a partir do interior da ilha. O resto é paisagem e macaquice para embasbacar incautos & desprevenidos.
2.2 Para sossego das almas embaraçadas: «Escritas insulares: fragmentos e derivas» não é um trecho de catecismo ou de cartilha, por isso não obriga a nada nem ninguém. É apenas uma análise construída a partir de dados, que neste caso são textos. E na literatura como noutras coisas, supõe-se, os dados devem prevalecer sobre os esquemas prévios e o preconceito.
Urbano Bettencourt, Facebook, 2018-02-16
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