Quatro frações que de tão intimamente comungadas se confundem.
As ilhas em cada um de nós. Ou outros que povoam cada nosso soturno íntimo.
O pedaço oceânico reclama cada fôlego como espólio seu
E as vontades estendem-se voluntariosas até que praias desertas se inundem
De olhos que perscrutam o horizonte colossal, sorumbático, longínquo.
Hesitam em mim anelos de vindimar o teu nome.
Oscilam em mim anélitos de ceifar a voz dos outros.
Titubeiam em mim anseios de degolar o grito da ilha.
Porém, se a esperança vive e subsiste,
Todas as poeiras e tempestades, todas as areias e terramotos não vencem.
Moras em mim. Alimentas-te de mim. Rendi-me a ti.
Há notas que me emocionam, páginas que me chocam, palavras que me contagiam.
Há toques que me amedrontam.
E existes tu.
O teu toque intimida-me.
Os outros cobiçam-me.
A ilha aprova-me.
Sem vós não existo.
Saliências, Pedro Paulo Câmara
Lisboa, Pastelaria Studios Editora, 2013
PEDRO PAULO CÂMARA (1980)
Entrevista
Correio dos Açores: Quando foi
que te apercebeste que a poesia entrara na tua vida? Como surgiu a motivação para
seres escritor e se alguém te influenciou?
Pedro Câmara: Apercebi-me que a poesia tinha entrado
na minha vida bastante cedo, pois quando ainda era pequeno li alguns textos manuscritos
que a minha avó possuía, organizados nuns velhos livrinhos rectangulares amarrados
com cordel e que ainda hoje preservo. A minha avó materna tinha uma compilação de
escritos tradicionais, nomeadamente de poemas de cariz popular, cantigas tradicionais,
entre outros, que me influenciaram sobejamente, podendo, assim, dizer, que a
pessoa que mais me influenciou neste sentido foi ela.
Que achas da poesia em si?
O que mais aprecio na poesia é o facto
de não ser estanque e de ser plurissignificativa. Cada leitor oferece a sua própria
interpretação e roupagem às palavras que lê. Aquilo que leio e vejo num poema poderá
não ser o mesmo que outro leitor leia ou veja, o que permite que a poesia possa
apresentar mil cenários diferentes. Ou seja, para mim poesia é ser o que quero ser,
sem que os outros saibam o que sou realmente… Tudo é poesia. Basta estar disponível.
O que pretendes transmitir pela poesia?
Sou um afortunado se conseguir fazer
desabrochar uma centelha de emoção naqueles que lerem o que escrevo. Através da
poesia desejo despertar emoções, sejam elas de que natureza forem. Não me importo
de gerar controvérsia, não me importo que surjam sorrisos ou nasçam lágrimas, ou
cresça uma saudade extrema ou um grito de raiva rubra. Quero é que nasçam, pois
acredito que a poesia se alimenta disso mesmo, da capacidade de fazer brotar e insurgir
sentimentos e emoções em seres alheios ao autor.
Onde vais buscar a inspiração? Escreves
todos os dias?
É mais fácil iniciar a resposta pela
segunda questão. Não escrevo todos os dias e quando o faço nem sempre escrevo poesia.
Todavia, tudo aquilo que me envolve, desde o marulhar do mar ao grito do cagarro,
é provocador e inspirador. Assim, não vou buscar inspiração, a inspiração é que
vem até mim. Ela pode surgir a qualquer instante, de uma frase proferida por um
amigo ou aluno, de um cruzar de rua vendo a azáfama da cidade, de um milhafre pousado
numa árvore solitária e de tantas outras formas. É por isso que carrego sempre um
pequeno caderno, companheiro de jornada, que me acompanha para todo o lado.
Para ti, quais os maiores nomes da
poesia nos Açores?
Felizmente são muitos. Tal como acontece
com as nossas planícies que são férteis e luxuriosas, também a literatura nos Açores
é abundante e tem nomes que dão ou deram cartas na literatura nacional e internacional.
Responder a esta questão sem referir os incontornáveis Antero de Quental, reflexo
de um pensamento sublime, e Natália Correia, senhora de uma poesia mordaz e desinibida,
seria um lapso tremendo. Contudo, creio que o arquipélago viu nascer ao longo dos
anos diversos escritores de qualidade invejável, tanto na área da prosa como na
poesia.
Qual foi o melhor poema que já escreveste?
O meu melhor poema ainda está por
escrever. Porém, para não escapar
totalmente à questão,
embora seja difícil escolher um único poema, escolho um, não por considerá-lo
o melhor, mas talvez pela reação que normalmente provoca quando os leitores se
deparam com ele pela primeira vez, intitulado: “A Ilha abre as pernas ao mundo”,
presente no Saliências.
Os poemas de que mais gostas são os
preferidos dos teus leitores?
Não. Cada leitor encontra em cada
poema algo diferente. E cada leitor busca algo diferente, também, em cada poema.
O que acontece é que, regra geral, passo a amar mais os meus poemas quando os ouço
na voz de alguém que não eu. Creio, até, que os redescubro, e neles encontro
coisas que nem eu sabia lá estarem.
Preferes poemas líricos, sociais,
românticos sensoriais ou os políticos?
Escrevo vários tipos de poemas, mas
ultimamente os que mais me aprazem são os poemas de cariz social e político, pelas
várias temáticas que proporcionam, por nos obrigarem a estar despertos para a realidade
e por serem, por norma, densos, apimentados e cáusticos. Na verdade, tudo tem o
seu tempo e há dias, momentos e gentes que provocam outro tipo de poesia.
Consideras que a nossa sociedade ainda
valoriza a poesia?
Ah sim, claro que sim! Como não poderia
valorizar se a põe em prática todos os dias? O dia-a-dia frenético de cada ser humano
é ritmo e poesia. A poesia não é, exceptuando um grupo de leitores ávidos, a primeira
opção de compra dos leitores, sei bem disso, mas sim, acredito que a poesia é valorizada
e prezada. No entanto, é necessário promover mais o gosto pela escrita e pela leitura,
bem como divulgar (ainda mais) os poetas, os que agora começam a afirmar-se e as
velhas glórias inspiradoras.
Com que idade escreveste a tua primeira
poesia?
Não consigo precisar, mas sei que,
enquanto adolescente, escrevi e escrevi muito. Tenho consciência que, inicialmente,
preocupei-me mais em ler e memorizar alguns poemas.
Qual o livro mais marcante que já
leste até hoje?
As velas ardem até ao fim, de Sandór
Marai, é verdadeiramente sublime e penetrante. Intimidador, até.
Qual é a sensação quando te deparas
com alguém a ler um livro escrito por ti?
Fico imensamente feliz e estranhamente
embaraçado. Já vi várias pessoas conhecidas com o meu livro, alunos e desconhecidos,
alguns até estrangeiros que procuram produto açoriano. Consigo lembrar-me de uma
situação, num consultório médico, onde na sala de espera, enquanto aguardávamos
pela consulta, vi um senhor que estava a ler o meu romance “Cinzas de Sabrina”.
Apesar de não conhecer o dito indivíduo, senti uma enorme alegria ao ver que o meu
livro, neste caso o romance histórico publicado em 2014, circula e capta a atenção
dos leitores. Tenho, inclusivamente, sido contactado várias vezes pelas redes sociais
por pessoas que ouviram falar no meu livro, perguntado onde o podem adquirir e outras,
que postam fotografias, identificando-me, dando, também
assim, a conhecer os meus livros a outras
pessoas. Todo este reconhecimento, para além de me deixar mui- to agradado, impele-me
e motiva-me a continuar a escrever e a partilhar as minhas palavras com os leitores.
O que sentes quando encontras os teus
livros à venda numa livraria?
É sempre uma emoção significativa quando
encontro um dos meus livros numa livraria, principalmente quando os vejo, como
já aconteceu, ao lado de Vitorino Nemésio ou Onésimo.
Quando estás a escrever um livro,
partilhas com alguém o seu conteúdo para te aconselhar, por exemplo um amigo ou
familiar?
Sim, partilho os meus escritos
com alguns amigos chegados e com familiares. Tento auscultar as primeiras impressões
e proceder a ajustes que possam aconselhar. Sou um afortunado por estar rodeado
de pessoas com sensibilidade.
É difícil conseguir publicar um livro?
Existe um número cada vez maior de
editoras, mas isso não é sinónimo de que exista uma maior facilidade para edição
de um livro. O mercado, cada vez mais agressivo, faz com que a publicação de uma
obra seja, em alguns casos, muito dispendiosa para o autor, o que provoca, muitas
vezes, com que os criadores se retraiam e acabem por deixar os seus manuscritos
guardados na gaveta. Na verdade, isso só acontece porque existem muitas gráficas
disfarçadas de editoras. Logo, a haver disponibilidade financeira, é fácil publicar.
Assim, quantidade nem sempre implica qualidade.
Escrever e publicar livros alterou
o teu rumo de vida?
Sim, sem dúvida. Hoje sinto-me mais
realiza- do porque cumpri este sonho e também porque me abriu novas portas, possibilitou-me
novas experiências. Conheci outras realidades, outros autores e outros artistas,
muito devido ao facto de já ter publicado. Posso, por exemplo, referir as três edições
do Azores Fringe Festival nas quais tive o prazer de participar. Sem publicar, não
seria esta pessoa que agora sou. Não enriqueci financeiramente, mas emocionalmente,
psicologicamente, sou muito mais rico.
Publicarás algum livro este ano?
Confesso que tenho alguns manuscritos
que já estão terminados e penso que talvez no final do ano, ou início do próximo
publique algo, mas desta feita no campo da poesia. Existe também produção na aérea
da prosa, mas essa demorará mais algum tempo até ver a luz do dia.
“A literatura nos Açores é
abundante e tem nomes que dão ou deram cartas no país e no estrangeiro”, Pedro
Paulo Câmara entrevistado por António Pedro Costa, Correio dos Açores,
2015-10-18.
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