Endechas a uma cativa com
quem andava de amores na Índia,
chamada Bárbara
chamada Bárbara
Aquela cativa
Que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que pera meus olhos
Fosse mais fermosa.
Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar.
Ũa graça viva,
Que neles lhe mora,
Pera ser senhora
De quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.
Pretidão de Amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.
Presença serena
Que a tormenta amansa;
Nela, enfim, descansa
Toda a minha pena.
Esta é a cativa
Que me tem cativo;
E. pois nela vivo,
É força que viva.
Luís de Camões
TÓPICOS DE ANÁLISE
• Retrato feminino singular, diferente do retrato ideal
renascentista, imagem mais diretamente ligada ao real.
• Retrato valorativo apreciativo, hiperbolizado e realizado do
geral para o particular.
• Figura bela, formosa, graciosa, serena, mais humana que
divina.
• Sentimentos despertados no sujeito poético: a paixão (cf.
primeira e última estrofes, por exemplo); esta figura feminina que desperta a
paixão do poeta permite-lhe, igualmente, descansar a sua dor – nela enfim
descansa / toda a minha pena.
• Referências cromáticas: permitem acentuar a beleza feminina,
bem como o seu exotismo.
• Poesia lírica tradicional (medida velha – redondilha menor,
versos de cinco sílabas métricas).
• Poema composto por cinco oitavas (estrofes de oito versos).
• Esquema rimático: abbacddc (rimas interpoladas e
emparelhadas).
• Principais recursos expressivos utilizados: jogos
antitéticos e trocadilhos (cativa / cativo– em que se joga com os sentidos
literal e metafórico do termo – porque nela vivo / já não quer que viva, pera
ser senhora/de quem é cativa, bem parece estranha / mas bárbara não – em que se
joga com o sentido duplo de «estranha» (não usual, diferente, estrangeira) e
com o nome «Bárbara» e o adjetivo «bárbara» –, e pois nela vivo, / é força que
viva.
INTERTEXTUALIDADE
Paul Gauguin, "Arearea", 1892 |
Bárbora
não
Cantando
o poeta em sua escora
levara
na fadiga antiga rima.
Ó
moço que no leito discorres, cuida,
arde
para que sinal torne tua amiga.
Contando
que a viu em face distinta,
sua
companheira sorriu somente.
Vai
com ele na doce peia que mais não
pode
viver se sabe. Amor, disse, e apôs
seu
nome, sua ventura.
Então
a doce morena mordeu o lábio,
mais
rica, mais leve na canela.
Porte
esguio que a alma aquece.
Com
vagar sorriu, deitou olhar e
co’as
mãos já humedecidas as escondeu.
"Fico
grato, concretamente, de seu fastio
ou
de seu intento." E ela calou. Sorriu.
Sorriu
somente.
José Maria de Aguiar Carreiro, Folha de Poesia, 2007-06-10
LUSOFONIA Plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/
CARREIRO, José. “Endechas a Bárbara”. Portugal, Folha de Poesia, 14-02-2020. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/02/endechas-barbara.html
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