O
BÚZIO DE CÓS
Este
búzio não o encontrei eu própria numa praia
Mas
na mediterrânica noite azul e preta
Comprei-o
em Cós numa venda junto ao cais
Rente
aos mastros baloiçantes dos navios
E
comigo trouxe o ressoar dos temporais
Porém
nele não oiço
Nem
o marulho de Cós nem o de Egina
Mas
sim o cântico da longa vasta praia
Atlântica
e sagrada
Onde
para sempre minha alma foi criada
Sophia de Mello Breyner Andresen, junho de 1995
O BÚZIO DE CÓS E OUTROS POEMAS, 1.ª ed., 1997,
Lisboa, Editorial Caminho; 2.ª ed., 1998, Lisboa, Editorial Caminho; 3.ª ed.,
1999, Lisboa, Editorial Caminho; 4.ª ed., 2002, Lisboa, Editorial Caminho; 5.ª
ed., revista, 2004, Lisboa, Editorial Caminho.
O
búzio comprado no porto grego de Cós é o elemento do real gerador do poema.
1. O que transportou o búzio consigo?
2. Traduza a expressão «longa vasta praia
atlântica e sagrada» por apenas uma palavra.
3. Duas diferentes palavras, «marulho»,
«cântico», são usadas para referenciar o som de dois mares. Interprete esta
diferenciação.
Respostas esperadas:
1. O
búzio comprado no porto grego de Cós transportou consigo o som dos temporais, o
som do mar.
2. Portugal
3. A
palavra «marulho» referencia o mar da Grécia, enquanto a palavra «cântico»
referencia o mar de Portugal. Esta diferenciação confere intensidade épica ao
mar português, com o qual o sujeito poético se identifica.
(Pinto: 2003a, 229; b, 39)
Textos
de apoio
Em O Búzio de Cós (1997), deparamo-nos com uma comovente nostalgia do «ressoar dos
temporais», do tumulto e vastidão da praia atlântica, como se afinal Cós, o
coração do Mediterrâneo, não pudesse separá-la das suas raízes. O poema é,
afinal, sobre o que um búzio de Cós não pode ser.
Maria
Andresen Sousa Tavares, “Prefácio” in Obra Poética, Sophia de Mello Breyner
Andresen (edição de Carlos Mendes de Sousa). Lisboa, Assírio & Alvim, 2015
“Os búzios têm muito bom ouvido, ouvem
tudo, são os ouvidos do mar”, diz a pequena bailarina em A menina do mar.
Como a menina do mar, personagem das histórias infanto-juvenis de Sophia, o eu
lírico aqui também é feminino, “eu própria”, dizem os versos. Ou seja, o búzio
não apareceu por obra do acaso num passeio à beira-mar, ele foi parte da
transação comercial numa intenção manifesta, oposta no poema ao espontâneo
maravilhamento de ser encontrado. Na escuridão da noite do mar Mediterrâneo,
numa ilha grega onde há milênios os navios aportam, os mastros baloiçantes
lembram a personagem de Homero que pediu para ser amarrado no convés e ouvir
cantarem as sereias.
O eu lírico guarda com ele não o mavioso
canto, mas o eco das tempestades marítimas que não vem das praias gregas, mas
da longínqua praia lusitana que lhe devolve um cântico de outras águas,
atlânticas e venerandas e à qual ele adere o próprio ser. Entre os diversos
sentidos evidenciados no poema, temos a visão que percebe o cais, os navios e a
noite, e o tato que toma o búzio em suas mãos, mas os aspetos mais relevantes
comparecem através da audição, que ouve o sibilo dos mastros, o ressoar dos
temporais, os marulhos de Cós e de Egina, e finalmente, os cânticos da praia
tocada pelo Atlântico. Como o balanço de um navio, a sensação de movimento também
é mostrada no agito dos barcos e na oscilação da tempestade, e ainda há um
movimento a mais que está implícito nos versos: o da alma do eu lírico,
marinheira que navega entre o oceano Atlântico e o Mar Mediterrâneo.
Karin Backes, Mar de poeta
- A metáfora do oceano nas líricas de Cecília Meireles e Sophia Andresen.
Porto Alegre, PUCRS-FL, 2008
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- Perfil poético e estilístico de Sophia de Mello Breyner Andresen - apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da lírica de Sophia de Mello Breyner Andresen, por José Carreiro. Folha de Poesia, 2020-07-17
“O
Búzio de Cós, Sophia Andresen”, José Carreiro. Folha de Poesia,
2022-10-13. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/10/o-buzio-de-cos-sophia-andresen.html
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