"Não quero, não" | cantarmais.pt, 06-03-2022
NÃO QUERO, NÃO
Não quero, não quero, não,
ser soldado nem capitão.
Quero um cavalo que é só meu,
seja baio ou alazão,
sentir o vento na cara,
sentir a rédea na mão.
Não quero, não quero, não,
ser soldado nem capitão.
Não quero muito do mundo:
quero saber-lhe a razão,
sentir-me dono de mim,
ao resto dizer que não.
Não quero, não quero, não,
ser soldado nem capitão.
Eugénio de Andrade, Aquela
nuvem e outras. Porto, Asa, 1986
Leitura
O poema "Não quero, não" de Eugénio de
Andrade é uma expressão
clara da busca pela liberdade individual e da rejeição do militarismo. A
repetição do verso "não quero, não quero, não" reforça a negação de uma vida militar e, por conseguinte, da guerra. Este refrão cria
uma musicalidade que atrai leitores de todas as idades, cumprindo o
objetivo de cativar tanto crianças quanto adultos.
O cavalo, figura central do poema, simboliza a
liberdade e a autonomia. O desejo do eu lírico de possuir um cavalo "seja
baio ou alazão" e de "sentir o vento na cara" e "a rédea na
mão" expressa uma aspiração por uma vida livre, em que ele é o dono do seu
próprio destino. Este anseio por independência e contato com a natureza
contrasta com a vida regimentada de um soldado ou capitão. A
negação do militarismo, sustentada pela repetição enfática do
verso central, é evidente no desejo do eu lírico por uma vida simples e
autêntica, livre das imposições externas.
O poema “Não quero, não”, expressão lírica que revela
a busca pela liberdade individual e a recusa de certos papéis sociais, combina
elementos da tradição literária escrita e oral. Através do uso de rimas,
aliterações, reiterações e estribilhos, evoca a musicalidade típica das canções
e poesias orais. A métrica de sete sílabas e a simplicidade da linguagem ligam
o leitor à cadência da fala quotidiana e às narrativas populares.
Textos de apoio
Trata-se de um poema no qual, para além da
«reivindicação da liberdade individual» (José António Gomes, Figurações do Desejo e da
Infância em Eugénio de Andrade. Porto: Tropelias & Cª, 2010, p. 45), conotada
com a figura do cavalo a galope e a «rédea na mão» (ANDRADE, 1999, p. 44), se
pressente a negação, sustentada estilisticamente pela repetição do verso «não
quero, não quero, não», do materialismo, do militarismo e, por consequência da guerra,
como aponta José António Gomes.
Sara Silva, “Conflitos bélicos, literatura para a infância e sistema
educativo: uma reflexão necessária” in Devir Educação, v.1, n.1,
p. 17-40, 2017.
***
Diz Eugénio de Andrade, no breve mas
substancial texto «À maneira de explicação, se tal for necessário», com que
encerra o seu livro de poemas Aquela
Nuvem e Outras (1986), consagrado à infância (mesmo se é,
como todas as boas obras destinadas a uma receção por parte da infância e da
juventude, de leitura cativante e proveitosa para todas as idades): «a simples
matéria sonora – rimas, aliterações, reiterações, estribilhos, consonâncias – é
fonte de sedução e razão de encantamento desde que o homem se demorou, pela
primeira vez, a escutar o vento entre os ramos» (servimo-nos da 11.ª ed., Vila
Nova de Famalicão, Edições Quasi, 2005, sem numeração de páginas; com cores e
ilustrações que de imediato arrebatam os sentidos do leitor ou do simples utente
do livro, materializando em corpos icónico -empíricos a construção poética que,
com a imagem, transfigura a legibilidade do mundo conhecido e desconhecido). De
certo modo, cumpre-se a cada leitura (silenciosa ou em voz alta) o desejo
formulado pelo poeta exatamente no fim do posfácio: «Quis misturar a minha voz às
vozes anónimas da infância – oxalá ela venha a tornar-se anónima também». E,
para isso, nem é necessário que se exija destes poemas a disseminação e a
persistência na memória coletiva oral, a contaminação com outros textos e o
desdobramento em variantes, a sua adequação, numa palavra, às leis da
tradicionalidade: não só porque, ainda nas palavras do poeta, a «uma retórica
de fogo de artifício» se opõe aqui «uma poética da luz, articulando a nudez e a
transparência com a simplicidade de quem fala para que outros o escutem – daí o
uso frequente das sete sílabas contadas que é o ritmo natural e português da
nossa fala, se não for também o dos nossos passos», mas igualmente porque em
cada um destes textos se cumpre a utopia de uma voz literária primordial; uma voz
de vozes, forte e total, que, no caso, pelo recurso ágil à arte poética própria
das obras literárias orais e pela convocação de uma memória literária (oral e
escrita) que modela um tecido intertextual muito rico e diverso, faz de cada um
destes textos um monumento já tradicional (com o que, diríamos, quase deixa de
ser funcional o conceito de popularizante ou de popularismo estético, tal é a verdade
destes textos, em si mesmos alheios às categorias com que muitas vezes partimos
para a análise de certas obras: oral/escrito, popular/culto, tradicional/não
tradicional, etc.).
Carlos Nogueira, Aspectos do Cancioneiro Infantil e Juvenil de transmissão oral.
Lisboa, Apenas Livros Lda., 2007
Análise
musical da canção
Características
melódicas
A melodia está
na tonalidade de Mi M e tem um âmbito de 8ª Perfeita [Si 2 – Si 3].
Na 1ª parte é
constituída por notas repetidas e intervalos melódicos de 2ª (m e M) e 3ª
menor. Na 2ª parte tem intervalos de 2ª (m e M), 3ª (m e M) e uma 4ª P e uma 5ª
diminuta.
As duas partes
começam e terminam na Tónica (Mi). A 1ª parte é inteiramente composta por três
notas: o 1º grau (tónica de Mi M), e os graus superior e inferior (Fá# e Ré#,
que é a Sensível de Mi Maior). A 2ª parte, apesar de oferecer uma maior variedade
melódica, arpejando os acordes de Tónica e da Sensível (ou da 7ª da Dominante
com a fundamental omitida), pode ser vista como uma versão mais elaborada da
parte anterior, já que, não só a harmonia e o ritmo harmónico se mantêm, como a
Tónica e a Sensível surgem nos mesmos tempos dos compassos.
Destaca-se
nesta parte a utilização dos referidos arpejos do acorde de tónica, um arpejo
Perfeito Maior (“cavalo
só”) e da Sensível, um arpejo diminuto (“ou alazão”),
e o intervalo de 5ª diminuta descendente, em “só meu”.
Características
rítmicas
A melodia está
escrita no compasso 2/4, binário de tempos de divisão binária.
É composta por
duas partes A e B, apresentando a segunda uma variação rítmica, aquando da sua
repetição (B’). O ritmo é silábico e quase exclusivamente escrito em colcheias
e semínimas, destacando-se a célula rítmica, [colcheia duas
semicolcheias], presente em todas as frases da canção, e a célula
[colcheia pontuada semicolcheia], que aqui surge como uma transformação da
célula anterior.
O andamento é
moderado (Andante), sem
variações.
Forma
Forma ternária
(ABA).
A melodia
divide-se em duas partes organizadas no esquema formal AA BB’ AA BB’ AA,
funcionando a parte A como um refrão. A parte A é constituída por (aa’), a
parte B por (bc) e a parte B’ por (bd).
Arranjo/Instrumentação
O arranjo
segue o plano formal seguinte: Introd. AA BB’ AA BB’ AA
O presente
arranjo foi concebido para ser interpretado por voz acompanhada ao piano.
Entretanto, na versão áudio aqui apresentada e interpretada pelo autor do
arranjo, foram acrescentados outros instrumentos que julgou poderem
enriquecer a sonoridade da canção.
Partitura
da canção
Partitura
completa da canção (em formato pdf), aqui.
Poema “Não quero,
não” de Eugénio de Andrade, com música de Manuela Encarnação e arranjo de
Carlos Garcia. Ciclo Eugénio de Andrade – Encomenda da Associação Portuguesa de
Educação Musical para o Cantar Mais @cantarmais.pt Disponível em: https://www.cantarmais.pt/pt/cancoes/teatromusical/cancao/ciclo-eugenio-de-andrade-nao-quero-nao?
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