FONTE CLARA
Fonte clara, fonte clara,
Pedra doce n’água amara.
Fonte clara, fonte bela,
Mas bebê-la?
Fonte clara, escuro jorro,
À sede morro.
Fonte clara, fonte seca
Do muito que a boca peca.
Fonte clara, pura fonte:
Se molha o vale, esvai o monte.
Fonte clara, fonte viva
De onde a minha alma deriva.
Fonte já seca. – e perde
Nome de fonte minha fronte verde
Vitorino Nemésio, Obras Completas, Vol. II – Poesia
s.l.: Imprensa Nacional da Casa da Moeda, 1989, p. 429
s.l.: Imprensa Nacional da Casa da Moeda, 1989, p. 429
Aproximação formal à estrutura das cantigas medievais ‑ […] o recurso aos códigos formais do cancioneiro trovadoresco pelos poetas contemporâneos, na busca de uma poesia marcada pela recuperação dos modelos popularizantes, pelo primitivismo, pela pureza e translucidez das palavras e dos sons.
As principais marcas da inspiração trovadoresca, no plano da estrutura formal, consistem no recurso insistente ao paralelismo (literal e estrutural), a um esquema rimático simples e repetitivo e aos processos iterativos de dobre e mozdobre, criando assim composições que exploram as virtualidades rítmico-musicais do discurso poético.Motz e son encontram-se, à semelhança do que acontecia com os bardos da Occitânia, consorciados no acto da composição poética.
O poema “Fonte Clara”, de Vitorino Nemésio, é bem expressivo desta tendência.
Neste poema, desempenha papel formalizante o paralelismo estrutural, através da repetição do primeiro verso em todos os dísticos, ainda que com variações sinonímicas na segunda parte do verso. O recurso ao dobre faz-se através da repetição insistente do lexema “fonte”, que é um vocábulo semântica e simbolicamente sobredeterminado no universo da cantiga de amigo e da poesia popular em geral, conotando pureza e fertilidade.
A rima emparelhada, a par da estrutura paralelística e da apóstrofe inicial à “fonte clara”, aproximam, pela sua toada popularizante, esta composição às cantigas de amigo, cujo fim era a sua reprodução musical, ainda que tematicamente não se verifiquem semelhanças.
Sílvia Marisa dos Santos Almeida Cunha.
Universidade de Aveiro- Departamento de Línguas e Culturas, 2008, pp. 18-19
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[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2013/09/04/fonte.clara.aspx]
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