José Carreiro, Ponta Delgada, 2005-11-30. Chuva de Época. Edição de autor. |
“Invisível” para as
massas durante quase todo o ano, o género poético continua a exibir um
dinamismo insuspeito, numa espécie de milagre que desafia a lógica e a razão. O
circuito da poesia, que inclui recitais, tertúlias ou festivais, atravessa a
totalidade do território nacional e é frequentado por entusiastas de diferentes
gerações, na maior parte candidatos a poetas.
Bem diferente é o
panorama editorial. Não que o número de edições seja escasso, mas porque,
perante a retração das editoras, está cada vez mais dependente do investimento
dos próprios autores na compra de exemplares que suportem os custos de
impressão. Segundo números recolhidos pelo Jornal de
Notícias junto da Associação
Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), foram
publicados em território nacional, só na última década, mais de 15 mil livros
de poesia (15.660), o que equivale a 4.5% da produção editorial. Nesse período,
180 editoras publicaram pelo menos um livro de poesia. As que desenvolvem
atividade regular neste género, todavia, são uma minoria.
Ainda segundo a APEL, nos
últimos anos “o aumento tem sido gradual”, sem, no entanto, especificar esse
incremento. Certo é que “a maioria das obras são edições de autor” assinala a
mesma fonte. A percentagem seria ainda mais elevada se incluíssemos as editoras
de autor com chancela, ou seja, livros publicados por pretensas editoras mas
que, na prática, obrigam o escritor a assumir (mais do que) a totalidade dos
custos de edição, cobrando preços que variam entre os 1500 e os três mil euros.
Mais grave ainda: em muitos casos, os livros não chegam sequer a ser dar
entrada no mercado editorial.
Poetas
“mais pobres”
A situação não causa
estranheza ao poeta A. Pedro Ribeiro,
com mais de uma dezena de obras publicadas, que diz mesmo que a prática é cada
vez mais generalizada. “Quase todas as editoras pedem dinheiro para publicar”,
acusa.
Vasco David, editor da Assírio & Alvim,
reconhece que “existem mais opções” de publicação hoje, mas adverte, por outro
lado, que “muitas delas não chegam a dar qualquer visibilidade aos autores”.
“Acabam é por deixá-los mais pobres”, constata.
As editoras de poesia
que, não pertencendo a nenhum grande grupo, se recusam a entrar no jogo das
edições custeadas enfrentam dificuldades severas. É o caso da mítica Edições Mortas,
que hoje publica apenas a revista Piolho.
Imbuído da “mesma necessidade de repetir, conspirar e corromper como se não
houvesse amanhã”, o editor e poeta A. Dasilva O. observa
que “Portugal não merece os editores, em extinção, que persegue e condena”;
lamentando “a promoção e glorificação dos editores de iliteracia”.
Apesar dos avanços
tecnológicos da última década terem facilitado a edição, o poeta João Luís Barreto
Guimarães acredita que o papel do editor de poesia “ainda é
fundamental”. “As plataformas online
são ótimas facilitadoras da divulgação, mas não devem ser aceleradoras da
publicação, A edição de poesia carece de tempo e de juízo crítico”, defende o
autor do recente Mediterrâneo.
Idêntica opinião
acerca do impacto das tecnologias na edição tem o responsável da Assírio &
Alvim, convicto de que “a Internet não funciona como um veículo de
edição, mas sim como uma plataforma de publicação e muitas vezes de
auto-publicação”.
Menos consensual
parece ser a questão do número de leitores de poesia. Vasco David acredita
que “se tem mantido estável, o que só por si é notável, considerando que
existem cada vez menos livrarias”. Além disso, prossegue, “as livrarias apostam
cada vez menos neste género, optando por uma oferta massificada e cada vez mais
comercial”.
Membro ativo de
tertúlias e sessões de poesia, A. Pedro Ribeiro dirige
palavras críticas “aos versejadores da corte”, mais interessados em “ganharem prémios”
do que no exercício pleno e desinteressado da escrita poética.
A questão volta a não
gerar consenso. João
Luís Barreto Guimarães considera-as úteis, ao funcionarem como “focos
de resistência", e Vasco David diz
que “há iniciativas muito boas e outras nem tanto”. Mais contundente é o editor
da 50 Kg, que
dedica palavras corrosivas ao (epi)fenómeno: “Essas iniciativas sobre a poesia
estão na ordem do espetáculo. É por isso que se assiste a espetáculos poéticos,
com música, cuspidores de fogo, novos jograis, e até strippers... Isso tudo
para plena satisfação de um público consumidor de espetáculos... Mais leitores?
Ui, 'tá' quieto!”.
Rui Azevedo Ribeiro, por seu turno, prefere
apontar o dedo aos “conglomerados editoriais, que agora proliferam”,
responsáveis pela atual desregulação do mercado. No entender do também poeta,
os grandes grupos “também já possuem meios de expressão da crítica”, pelo que
“começaram a introduzir novos autores que não passam por um crivo de
'qualidade' isento e criticamente eficaz”.
Contra "os versejadores da
corte"
O
autor do poema Declaração
de amor ao primeiro-ministro diz ainda “ter muitas dúvidas” de que
hoje existam mais iniciativas poéticas do que há uma década, por exemplo.
Sérgio
Almeida
http://www.jn.pt/blogs/babel/archive/2016/03/26/poesia-a-reboque-das-edi-231-245-es-de-autor.aspx
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