Homenagem a Victor Jara por Carlos Matamala Rivas, 1979 |
O antigo militar chileno Pedro Barrientos foi
condenado, no dia 27 de Junho de 2016, por um tribunal na Flórida (Estados Unidos da
América), por tortura e homicídio do cantor Víctor Jara, em Setembro de
1973. Jara foi preso após o golpe conduzido pelo general Pinochet, em 1973, que
derrubou o presidente Salvador Allende, eleito em 1970 com o apoio da Unidad Popular (UP).
O golpe fascista, suportado pela CIA e precedido de um
bloqueio económico, levou à instauração de um regime militar liderado por
Pinochet, que durou 17 anos. Allende, o presidente eleito, morreu durante o
ataque ao Palácio La Moneda, sua residência oficial
em Santiago, em 11 de Setembro de 1973.
Na preparação do golpe, o poder económico promoveu uma
campanha mediática contra o governo da UP, em conjunto com a paralisação da
rede de transportes e a fuga de capitais.
Víctor Jara, cantor, autor e dramaturgo, era um dos
apoios mais destacados de Allende e do seu governo, suportado por socialistas,
comunistas e outros sectores populares. Aos 40 anos, Jara foi preso no Estádio
Chile (hoje Víctor Jara), torturado e morto. A 16 de Setembro, o seu
corpo foi encontrado junto ao recinto desportivo cravejado de balas.
«Livra-nos de aquele que nos domina na
miséria, traz-nos o teu reino de justiça e igualdade»
A
obra de Víctor Jara é dominada pela relação com o seu Chile, particularmente
com a realidade dos camponeses explorados. Os seus pais eram inquilinos na
propriedade de uma poderosa família latifundiária; a sua mãe era descendente de
índios Mapuche. Numa entrevista concedida em Moscovo, Jara conta que a música
entrou na sua vida através das canções que surgiam no trabalho do campo e,
particularmente, da sua mãe, que «tocava muito bem guitarra e cantava
maravilhosamente».
Em «Plegaria a un
labrador», transforma os versos católicos do Pai Nosso numa
canção libertadora, de unidade camponesa na luta contra a exploração a que eram
sujeitos. Durante o governo de Salvador Allende a reforma agrária chilena teve
um aceleramento profundo e alcançou mais de seis milhões de hectares.
Levanta-te e olha as tuas mãos
Para
crescer, estende-as aos teus irmãos
Juntos
iremos unidos pelo sangue
Agora
e na hora da nossa morte
Ámen
(Victor Jara, Plegaria a un labrador)
«Lembro-me de ti,
Amanda, correndo para a fábrica onde trabalhava Manuel»
Em
«Te Recuerdo Amanda», o cantor chileno canta uma história de amor entre dois
jovens operários. Dando-lhes o nome dos seus pais, Amanda e Manuel,
Jara faz da canção um retrato da aliança social entre camponeses e
operários chilenos que permitiu eleger um presidente com uma agenda
progressista e transformadora num continente dominado por ditaduras militares.
Mas
os versos retratam, também, a dureza do trabalho. Os operários vão trabalhar
para a serra e, quando a sirene toca, muitos não voltam, «tampouco Manuel».
Os problemas das mulheres estão presentes na obra de Jara; numa entrevista em Cuba afirma: «A mulher não é uma escrava: é igual ao homem e tem os mesmos direitos. Pedir à mulher pureza e dedicação ao lar, e ao homem não, é ser esclavagista.»
«Nenhum canhão
destruirá o sulco do teu arrozal»
Com a guerra do Vietname contestada dentro e fora dos
Estados Unidos da América, Víctor Jara escreve em 1971 um álbum intitulado El derecho de vivir en paz. A canção homónima que abre
o disco é toda ela dedicada ao povo vietnamita, que, à época, sofria com a
ocupação parcial norte-americana, numa luta pela independência, já depois de
derrotado o colonialismo francês.
Víctor
Jara foi nomeado embaixador cultural do Chile por Salvador Allende, e viaja
pela América Latina e pela Europa, onde participa num acto mundial contra a
guerra no Vietname, em Helsínquia.
O
governo chileno, dirigido por Allende, adoptou uma política internacional de
respeito pela autodeterminação dos povos. O Chile integrou o movimento dos
países não-alinhados, fomentou um clima de paz e cooperação na América Latina e
a resolução pacífica dos conflitos.
Em
Dezembro de 1972, a menos de um ano do golpe, Salvador Allende discursa na
Assembleia Geral das Nações Unidas, onde denuncia as pressões externas, o
bloqueio económico-financeiro e a manipulação da opinião pública chilena
conduzidos pelos EUA.
«Somos
cinco mil»
Víctor Jara morreu após tortura no Estádio Chile, em
Santiago, dias depois do golpe de 11 de Setembro de 1973. Os poucos
companheiros que com ele partilharam o complexo desportivo, transformado em
campo de concentração, e sobreviveram contam que até ao fim cantou, tocou
guitarra e escreveu. Mesmo com as mãos fracturadas pelos militares, Jara ainda
cantou o hino da Unidad Popular, contam testemunhas.
Pouco antes de morrer, escreveu um último poema, em
que denuncia o terror dos golpistas, que fica conhecido como Estadio Chile.
Somos cinco mil
nesta pequena parte da cidade.
Somos cinco mil.
Quantos seremos no total,
nas cidades e em todo o país?
Somente aqui, dez mil mãos que semeiam
e fazem andar as fábricas.
Quanta humanidade
com fome, frio, pânico, dor,
pressão moral, terror e loucura!
Seis de nós se perderam
no espaço das estrelas.
Um morto, um espancado como jamais imaginei
que se pudesse espancar um ser humano.
(Último poema de Victor Jara)
Víctor Jara está sepultado no Cemitério Geral de
Santiago, para onde foram trasladados os seus restos mortais em 2009, numa
cerimónia que contou com mais de 12 mil pessoas. O Estádio Chile, transformado
em campo de concentração em 1973 e local da sua morte, foi renomeado Estádio
Víctor Jara em 2003.
“Jara: O direito de viver
em paz”, https://www.abrilabril.pt/internacional/jara-o-direito-de-viver-em-paz,
2016-07-03
CARREIRO, José. “Víctor
Jara”. Portugal, Folha de Poesia, 12-09-2021. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2021/09/victor-jara.html
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