segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Ruy Belo: Despeço-me da Terra da Alegria

Faz hoje exactamente 44 anos que morreu Ruy Belo.

Muito doente, o Ministério da Educação mandou-o trabalhar numa escola do curso nocturno.

Quando chegava a casa, tinha de se sentar a meio das escadas porque o coração não lhe permitia subir os dois andares de uma só vez.

Tenho tantas saudades dele... Guardo sempre um postal que ele me escreveu quando era leitor de Português em Madrid: de cima abaixo não havia um espaço vazio. De cima abaixo só escreveu "escreve-me, escreve-me, escreve-me....."

Alice Vieira, facebook.com/alice.vieira, 2022-08-08

 

 


OS BALCÕES SUCESSIVOS SOBRE O RIO

 

Os balcões sucessivos sobre o rio

as tesouras de poda nas roseiras

a sonolência lânguida e perversa

esse todo coerente e sobre ele apenas

a abóbada da minha perfeição

é esse o meu convite à desistência

a pena menos pública do mundo nos

lagos das finas flores dos sabugueiros

onde a mulher soltava os cabelos

pra que neles se prendesse o cheiro a erva

Ela tinha um aspecto inesperado

vinha com o vestido cor magenta nos

braços que lhe cresceram sobre a terra

movia-se ao andar como uma barca

Importa-me é o curso do dia e da noite

Vou andar um bocado nos caminhos

é pela hora em que não há ninguém

nudez desprevenida dos meus dias

mas só de noite desço até ao mar após

as sete horas da tarde hora crepuscular

os cheiros confortáveis e antigos

imagens dum lirismo fraudulento

um conforto algum tanto apreensivo

coisas que desde a infância a construíam

Mudo de opinião continuamente

espero o teu regresso pela tarde

e cuidadosamente velo a minha cólera

A vida é para mim pesar de pálpebras

leitura de discursos no outono

na casa abandonada e submetida à chuva

Regresso afinal aos próprios hábitos

sorrisos de mulheres sobre a areia

sou fiel à tristeza e pouco mais

e meto então um lenço num dos bolsos

que cheira ao perfume dos pinheiros

Ave de alarme sou deixem-me só

sou um contemporâneo assisto a tudo

os sinos vesperais nos dias de verão

o cão que passa numa encruzilhada

um cântaro que racha inexplicavelmente

confundido no hálito do mar

a minha saudação aos infantes do medo

crianças que iniciam o andar

Espero por alguém espero pelo sol

pla doçura estival da laranjeira

ando pelos caminhos muito tempo

e passo pelas portas devassadas pelos ventos

em cujos gonzos sopram agonias

E espero de novo a floração da primavera

Não quero nada quero estar presente sobre

as dunas do começo dos pinhais

nesse mundo de medos e animais

onde abri os meus olhos para a luz de agora

E perco todo eu em contrições

ó terra branca e carnal e triste

as minhas madrugadas do sargaço

abertas nos bocejos da neblina

quando o tempo é suave e chega em dunas

à sensibilidade das narinas

nas horas generosas da maré

 

Ruy Belo, Despeço-me da Terra da Alegria, Col. O Oiro do Dia, Porto, Editorial Inova, 1977

 


https://arquivos.rtp.pt/conteudos/ruy-belo/, 1991


 

A ILHA DE ARTUR

 

Habito na morada do castigo

madura como a areia ou o verão no mar

Eu caminhei nos passos solitários

o sol neste lugar é uma ofensa

Nós nunca cultivámos a amizade

num mar mesmo maléfico e maravilhoso no

triunfo da verdura como um grito nas

vozes às vezes tristes alegres às vezes

meu destino de morte e esquecimento eterno

Essas flores ardentes do verão

ocultas ou nas gretas ou esconderijos

palavras inventadas e selvagens para mim

irmão não só do sol como da lua

são para mim já hoje um ser de lenda

ó minha mãe fantástica pessoa

A casa sempre o viajante há-de voltar muito apesar da

proibição eterna dos amigos da

laranjeira plantada pela lua

olhar límpido aceso da alegria

colar solar que cerca a minha aldeia

pois os mortos não têm já família

Fantásticas crianças estivais

eu salvaguardo a solidão do nome

o sacrifício perversão humana

o coração cristão da crua idade a

respiração loquaz dos vegetais

o vento do outono sobre o mar

o severo momento do crepúsculo

poder inacessível a palavras

ao dia pleno a perfeição da vida

esse reduto último do mar

Os juízos da morte são inexoráveis

nos começos da alta primavera

com a flecha dos dias desferida

e a impunidade ausente a lua

Fantásticos silêncios de verão

grande estuário para um rio em calma

aves marinhas longe em seu descanso

rosa que imita a primitiva rosa

ou pérola que segue a primitiva pérola

a excessiva operação do verão

tudo é demasiado para mim

Frescura das manhãs junto dos cais

ó simples criaturas migratórias

ó pequenas estrelas de dezembro

Silêncio tudo e todos fala-se de mim

 

Madrid, 24/IV/1977

Ruy Belo, Despeço-me da Terra da Alegria, Col. O Oiro do Dia, Porto, Editorial Inova, 1977

 

Ruy Belo, Despeço-me da Terra da Alegria,
com um desenho de José Rodrigues,
 Col. O Oiro do Dia, Porto, Editorial Inova, 1977 (1.ª ed.)


 

A FONTE DA ARTE

 

Homenageio a tua primavera em flor

alma precocemente iluminada

que pões a salvação no mais profundo risco

o silêncio dos olhos sobranceiros

na predestinação da profecia

suavidade um dia em minha morte

com o olhar imerso na tristeza

Povoavam pássaros a noite

tudo era pensamento para mim

e as palavras só vinham depois

Ó meu país longínquo donde venho

nessa nuvem de vida sobre a minha morte

Na manhã combalida do domingo

na primavera dolorosa dos teus passos ruy

ao tempo de uma má reputação

o metro tem a voz de um cordeiro triste

É isso apenas isso e o demais são

a morte e a nascença dos contrários a

fórmula da ternura e do sossego

abismo de ameaças nos seus olhos

regiões insondáveis e inacessíveis

pequeníssimas flores da memória

relâmpago dourado do olhar

os cheiros acres das redondas cavidades

a tua boca de ouro de onde voam as palavras

animadas figuras do meu sonho

os peixes negros e dourados das recordações

olhos brilhantes de animais desconhecidos

coisas que por pensá-las eu as sinto

Os dias diminuem é outono

alguém alguma coisa me virá desse distante bosque

O que dirão de mim o castanheiro

os rostos múltiplos trazidos pela tarde num momento

a verde zebra que nos campos vibra ou

papoila rubra que no céu me sobra?

Mas amo muito mais amo o bem e o mal

os campos no outono moribundo

no meio do inverno a casa acolhedora

estranha companheira dos meus dias

demónio de demência e desespero

ao longo do caminho no outono

O receio da morte é a fonte da arte

Eu amo a embriaguez vasta dos espaços

a canção inquieta do amor as

alturas coloridas do outono

Não se pode dizer muito melhor

na monstruosa veemência dos sentidos

e sinto-me perdido de tristeza

entre esses longos nomes das mulheres casadas

Houveram morte às minhas mãos as cartas

os aviões nos distribuem por países

saem de um centro partem nas mais várias direcções

farejam na distância os seus destinos

retalham-nos o espaço em sulcos divisórias

Por onde corre agora a fonte das suaves raparigas?

Ficou na casa o meu lugar vazio

levo a desgraça como um braço ao peito

e árvores ao vento neste dia

e sombra ao sol deste meu dia

Queimam as folhas no parque del oeste

o tecto é baixo o sol está quase a pôr-se

tenho nas minhas mãos três notas do país amado

Esta manhã falavam-me de málaga

e de súbito no meio desta névoa

abriu-se o céu de há anos no verão

Éramos tão jovens nesse tempo

que não sabíamos sequer que nos amávamos assim

e discutimos junto ao porto e regressámos separados

ao hostal onde estávamos aboletados

E tu de olhos no chão reflectias o vulto entre as águas

e não havia os filhos éramos os dois apenas

mas enfim foi há pouco posto que inda hoje brilha

a moeda nesse ano posta em circulação

e que acabo de ter nas minhas mãos no bar

Não me farto de contemplar

o braço esquerdo e a perna direita

que cortados de mim não me pertencem mais

Tu foste sempre reino sobre ti

e o meu desejo é seguir do alto o tejo

Que depressa se esfuma uma cidade no ar

não são sequer as nuvens nem o vasto espaço

basta um golpe de asa que roçando limpe

o pára-brisas próximo horizonte

Pensar é estar alguma coisa a mais

pensar é o que sobra da respiração

pensar é o que não nos leva às coisas

pensando se antecipa a própria morte

O receio da morte é a fonte da arte

 

Madrid, 24/IV/1977

Ruy Belo, Despeço-me da Terra da Alegria, Col. O Oiro do Dia, Porto, Editorial Inova, 1977

 


Ruy Belo, Despeço-me da Terra da Alegria,
com um desenho de José Rodrigues,
 Col. O Oiro do Dia, Porto, Editorial Inova, 1977 (1.ª ed.)


DESPEÇO-ME DA TERRA DA ALEGRIA

 

Os pássaros da noite povoavam

as tílias desta minha solidão

O juízo severo dos seus olhos

de olhar onde cabia o pensamento

a luz e a sombra de uma geração

precariamente iluminavam uma alma

que punha a salvação no mais profundo sono

Um castanheiro filho descuidado do meio-dia

de uma ramagem lenta e ondulante

sorria com sorrisos litorais

em um jardim em flor do meu desejo

Homenageio aquela primavera

primeira primavera da amizade

Tudo era pensamento para ele mesmo até

caminhos que não levam a qualquer

parte sabida ou sequer desconhecida

Belo país da arte eu te saúdo

as imagens levantam-se no ar

e um mundo litúrgico somente imaginado repovoa

as sendas dos amantes verdadeiros

onde as palavras só vinham depois

Põe só a tua mão perto de mim sob os

lobos de pedra em cada capitel

Oceanos de olvido na memória

esse país longínquo donde venho

nuvem de vida sobre a minha morte

Apaga o tempo de uma má reputação

anos de inquietação de espanto de vergonha

estrela da minha infância ergue-te de novo

tu que eras para mim o sol a lua

deslumbrante manhã da existência

País onde me leva o meu apelo

sonhos de dia sonhos de mulher

o gosto do açúcar e do sal

uns olhares de sombra e de mistério

o sentido e o símbolo dos sonhos

Os peixes negros e dourados das recordações

olhos brilhantes de animais desconhecidos

pequeníssimas flores da memória

relâmpago dourado do olhar

Os cheiros acres das redondas cavidades

alguma boca de ouro de onde voam as palavras

animadas figuras do meu sonho

abismo de ameaças nalguns olhos

regiões insondáveis e inacessíveis

o espanto provocado pelo crime

libertação total e harmonia

a superfície lúcida dos sonhos

os rostos múltiplos trazidos num momento

palavras luminosas para mim

O que dirá de mim o castanheiro do outono

a estação do que passa e se desfaz

Esqueci a minha infância e não sei nada

Estou à sombra e espero alguém virá

sombria melodia do meio-dia

o perfume dos campos cavalgados

na quente luz do dia em que eu vivia

Alguém me chegará desse distante bosque

onde eu errei a minha juventude

nas formas levemente tacteadas pelos dedos

Não me demoro ou moro em sítio algum

já nada significam as palavras

neste deserto onde vigilo e estou desperto

terrivelmente só dentro da noite. Ali

no silêncio profundo da floresta ao

teu singular olor de singular mulher

crucifiquei a minha juventude

A vida tem aspectos criminosos como

a subida da chama silenciosa

na haste da mulher que se procure

Não há nenhum regresso nos meus passos

a lua era outra lua de hora a hora

a natureza espera-me faz-me sofrer

troncos incendiados no outono

depois adormecidos no inverno

o aspecto humano de uma terra cultivada

Melodia da voz que abre os corações

pássaro disparado pelos ares

a gratidão que segue a solidão

tudo aquilo era belo e era bom

sabia a alimentos e a paz

a homens a calor a infância e lar

Ela trazia amor nas suas mãos

Sorri sofri a noite era já negra

o amor é coisa débil fugitiva

onde não cabem coisas sedentárias

Agora arrebatado e empreendedor

ingénuo como um jovem mas depois iniciado

e requintado e até calculador

olhar sentir cheirar e tactear

diversamente cada uma das mulheres

na sua irredutível singularidade

As noites já começam a ser frescas

será pelos começos do outono

o vento do outono é agora húmido

há um silêncio até ao fim do mundo

às vezes quando falas tudo neva sobre

as folhas longo tempo revestindo

as árvores durante o dilatado outono

somente agora verdadeiramente moribundo

com as primeiras neves do inverno

demónio de demência e desespero

estranha companheira dos meus dias

E a solenidade das noites do inverno

descia no meu corpo solitário e nu quando me

sentia longe das habitações humanas

da casa acolhedora ao cimo do inverno

A fome murmurava no meu corpo

O meu desejo ardente de salvar-me de

cantar os velhos salmos no altar do mundo

ameaçado mísero e pequeno um

círculo rodeando o coração

desânimo da morte amargurada

debaixo da folhagem já apodrecida

através das diversas estações

de olhos divididos por florestas

de narinas abertas pra balsâmicas violetas

bebendo as montanhas e as nuvens

e a quente intimidade sobre a terra

Acordaram-me os ramos de um salgueiro

os dias das imagens transbordantes

Na embriaguez vasta dos espaços

na solidão desértica da alma

o meu amor profundo pela arte

o meu ódio selvagem contra mim

Nós mudamos de heróis e pouco mais

só eu mais maduro e seguro de talento

não tenho paz alguma a teu respeito

ó virgem vagarosa e concentrada

de um rosto calmo belo e impassível

ó vida ó minha primitiva mãe

inacessíveis profundezas da lembrança

ó volúpia da noite ó minha morte

e na sua pureza a sua essência

e simplesmente a minha humana mão

o jogo da ambição um simples jogo

Na refrescante primavera primitiva

ternura maternal e melancólica

e logo após o sentimento frágil

naquele êxtase breve e fugitivo

que é inerente ao acto do amor

a solução em sombra dessa face luminosa

que brilha um breve instante numa vida

a solidão desértica do espírito

o símbolo sagrado do amor

O gozo áspero do vasto perigo

modulação suavíssima das faces

não cessará de abrir a Hordas minhas mãos

E depois disso a neve logo cobre

aquela boca de fim de verão

como esses frescos peixes prateados

olhos dourados ansiosos fixos

que à morte se abandonam resignados

Hei-de saborear o mundo o seu horror

fealdade beleza e harmonia

ver passar o inverno e o verão

e sentir solidão e alegria

Quando por vezes paro de cantar e vejo

uns deslumbrantes ombros femininos de

gigantescas estrelas nos cabelos

quero sentir-me atado ao respirar da casa

Ver-me sensível para com as estações

irmão somente de inocentes animais

ao sol ao nevoeiro à chuva à neve

ser no meu coração uma criança

viver num mundo sempre renascente

ser consciente desta vida instável

saber que em meio dos espaços infinitos

circula em mim uma porção de sangue quente

sentir em mim a marca da puerilidade vagabunda

familiar da morte a cada passo

E a mãe eterna de olhos de medusa

atravessava o país dos mortos

no canto alegre e grave dos seus passos

Olho a marcha da morte no teu rosto

um frémito ligeiro passa em tua pele

Vi a sonhar a égua da infância

Chegou enfim o tempo do adeus

Oiço a canção efémera das coisas

despeço-me da terra da alegria

já reconheço a música da morte

Severos surdos saem os meus sons

destino humano instável enfim móvel

O seu pequeno pé o seu pescoço branco

reflexo de ouro tão propício ao sono

e música de outono e de abundância

o seu rosto real era recusa

Pelas alturas coloridas do outono canto

a canção inquieta do amor

cabeleira precursora do amor

amor misterioso e perigoso

nada mais do que triste triste apenas

ó mulher loura sorridentemente dou-te

um beijo alto como um sacramento

A despedida súbita do sol

despedida dos dias e estações

crepúsculo propício ao adeus

a esta vida frágil é que aspiro

triunfo sobre a vida fugitiva

ave entregada ao decisivo voo

pensamentos de terna nostalgia

jardim de harmoniosos pensamentos

dou-te de toda a alma o nome da ausente

árvore em flor no bosque fonte no deserto

 

Praia da Consolação, 10/VII/1975

Ruy Belo, Despeço-me da Terra da Alegria,
Col. O Oiro do Dia, Porto, Editorial Inova, 1977

 

 

 Ruy Belo retratado por Antero Guerra, 2014


AUTO-RETRATO

 

Estado civil casado

nacionalidade portuguesa

triste se alegre e sorridente quando triste

muito mais egoísta se se veste de altruísta

chefe só de família olhar cansado

calva prometedora e tendência obesa

à beira dos quarenta anos de idade

e ajoujado ao peso de vários passados

tímido e trágico e capaz de crueldade

tanta quão tamanho o arrependimento

temendo hoje não tanto já fazer o mal

como fazer algumas ou pior uma só vítima

incoerente e instável ora dado a bons bocados

como logo açoitado pelos ventos dos cuidados

poeta para mais por condição

homem que só pensar sabe afinal fazer

que vive a arte o amor a vida até como destruição

digam vossas mercês como devia ele ser

pois sempre assim seria inútil mesmo renascer

 

Madrid, 1972


Escultura "Ruy Belo" (por Francisco Simões), no Parque dos Poetas em Oeiras, Portugal

 


[UM DIA ALGUÉM NUMA GRANDE CIDADE LONGÍNQUA DIRÁ QUE MORRI]

 

Um dia alguém numa grande cidade longínqua dirá que morri

di-lo-á decerto com pena mas sem o alívio que eu próprio decerto senti

primeiro ao solucionar de vez esse problema de respiração que a vida é

desde a convulsão da criança que a meio do copo deixou ir leite para a traqueia

até à instantânea atrapalhação do mergulhador a quem de súbito falta o ar comprimido

só dispõe da reserva e lhe faltava tanto que ver no fundo sonhador do mar

depois senti alívio porque às cegas a meio por exemplo da aragem na face

eu pensava na morte como problema metafísico a resolver pelo menos com higiene

se não com dignidade com acerto como mais um problema à medida do homem

Eu estava do lado dos vivos estou do lado dos mortos

o grande problema era saber se me doía ou se não me doía

agora nem sei se me doeu ou não ou fui um mero espectáculo de mau gosto

para a única pessoa encarregada de me ajudar nesse momento

Ninguém a princípio terá sabido que eu morrera só minha

mulher avisada de longe virá e me porá a mão sobre a testa

os demais não não disponho do olhar para me defender

o tempo depressa se passa são trâmites legais até me terem deixado

debaixo do chão bem debaixo do chão sem frases lidas

ou gravadas sem sentimento nenhum

Uns dias depois um pequeno grupo junto a uma grande janela

olhará a neblina da manhã de janeiro

e terá mãos que eu tive para os meus problemas de vivos

Onde eu estive sobre uma mesa com uma perna cruzada

suaves começarão a suceder-se e acumular-se os dias

como cartas revistas linguísticas ou livros adormecidos

despertos apenas no momento fugaz da leitura

A vida será indistinta virá até nós como árvores

rodará em volta como um lençol até cobrir-nos os ombros

Falareis de mim não posso impedir que faleis de mim

mas já nada disso me pesa como o simples facto de ter de ser vosso amigo

Estou só e só para sempre e só desde sempre

mas antes por direito de opção. Agora não

Deixaram-me aqui doutor em tantas e tão grandes tristezas portuguesas

e durmo o sono das coisas convivo com minerais preparo a minha juventude definitiva

Era como eu esperava mas não posso dizer-vos nada

pois tendes ainda o problema e a cara da pessoa viva

 

Consolação, 12-30 dia 15/IV/74

Ruy Belo, “Dispersos” in Todos os poemas – 4.ª ed. - Porto: Assírio & Alvim, 2014. - 894 p.: il. ; 23 cm. - (Obras de Ruy Belo). - Bibliografia, p. 875-880. - ISBN 978-972-37-1417-3





Homem de palavras: Ruy Belo de A a Z

 

Amizade. E amor. E árvores, “principalmente as que dão pássaros”. Detenhamo-nos na amizade, celebrada pelo poeta de um modo aberto e inequívoco, sem defesas: “Nos dias de hoje ou nos tempos antigos/ não preciso de menos que todos os meus amigos”. Os versos são de “À Memória da Céu”. Mas há mais, num poema como “Peregrino e Hóspede Sobre a Terra”: “O meu país são todos os amigos/ que conquisto e que perco a cada instante”. A amizade do poeta não era teoria. Era convívio. Era memória. Fazia-se da mesa e da partilha, semeada no seu passado rural, lembrado nestes versos de “O Jogo de Chinquilho”: “Até este café onde sentado olho e penso por olhar/ é afinal o mesmo onde bebi a meias com meu pai/ a primeira cerveja uma cerveja vinda/ através do calor do dia de verão”.

 

Beleza. O esteta Ruy Belo ia buscar inspiração à Natureza, ao Verão, ao mar, a artes várias, da arquitectura à música, da pintura à escultura. Em Óbidos está aberta ao público uma exposição de fotografias da autoria de Duarte Belo, seu filho, de peças de cerâmica que povoavam a casa da família. Se quisermos destacar uma arte que entrou pela sua poesia dentro foi o cinema. Dois poemas paradigmáticos dessa relação. “Na morte de Marilyn” e “Esplendor na relva”, título de um dos seus filmes favoritos.

 

Consolação. O mar era paixão assumida. “Não sei se gosto mais do mar/ se gosto mais da mulher/ Sei que gosto do mar sei que gosto da mulher” (“Uma Forma de Me Despedir “). A praia da Consolação, em Peniche, era uma das praias onde passava os verões em família e com os amigos. Outra era a praia da Senhora da Guia, em Vila do Conde. Não foram raras as vezes em que arriscou a vida ao nadar em mares bravios. Numa delas chegou a entrar em coma. Quando dele saiu, vindo de algas e corais, escreveu a “Fala de um Homem Afogado ao Largo da Senhora da Guia no Dia 31 de Agosto de 1971”.

 

Deus. Depois deus. Após ter vivido o que classificou como uma “aventura mística”, foi-se transformando num dos “vencidos do Catolicismo”, consagrados num poema dedicado a um conjunto de católicos progressistas, do qual faziam parte figuras como João Bérnard da Costa e Pedro Tamen. “Nesta vida é que nós acreditamos/ e no homem que dizem que criaste/se temos o que temos o jogamos/ ‘Meu deus meu deus porque me abandonaste?”.

 

Espinho. Ruy Belo era um autor que nomeava, no plano literário, o chão concreto que pisava. Espinho transformou-se no lugar de “Literatura Explicativa”, poema no qual afirma numa espécie de jogo que o ciclo dos dias diz mais do que aparenta: “O pôr-do-sol em espinho não é o pôr-do-sol/nem mesmo o pôr-do-sol é bem o pôr-do-sol”. Acaba por ser mais uma reflexão sobre a passagem do tempo e o fim de tudo.

 

Futebol. “A poesia é, por natureza, difícil. Como o futebol”. Disse-o numa entrevista que se pode encontrar no volume “Na Senda da Poesia”. O futebol era uma das paixões do poeta, afecto que partilhava com José Medeiros Ferreira na elitista Faculdade de Letras de Lisboa. Ambos liam o jornal “A Bola” e Belo, era, na qualidade de defesa central da equipa da Faculdade, um jogador implacável, pelo qual poucos passavam.

 

Gulbenkian. É uma instituição que lhe foi e é importante. Quando voltou de Roma, em 1961, recebeu uma bolsa com fins académicos. Em 2011, nos 50 anos da publicação de Aquele Grande Rio Eufrates, realizou-se na Fundação um encontro organizado por Paula Morão, Nuno Júdice e Teresa Belo.

 

Humor. O Homem de Palavra(s) é lembrado sobretudo como um “fugitivo da catástrofe” que trazia a morte sempre consigo. Uma leitura menos superficial dos seus poemas neles encontrará versos igualmente construídos com um humor ora irónico ora amavelmente satírico. O pequeno “Epígrafe para a nossa solidão” é um deles: “Cruzámos nossos olhos em alguma esquina / demos civicamente os bons dias:/ chamar-nos-ão vais ver contemporâneos”. Mas há mais divertimento espalhado na sua lírica. Em versos como estes: “Se nem resolvi ainda o problema da unha do dedo mínimo/ como pretender ter resolvido o mínimo problema?”; “a minha grande esperança é o café”; “que alegria ser poeta português/ Portugal fica em frente”.

 

Infância. “Somos crianças feitas para grandes férias”. A poesia de Ruy Belo é marcada pela sua infância, passada em São da Ribeira, freguesia do concelho de Rio Maior, com actividades como “o jogo do berlinde o trinta e um pedradas/ nas cabeças nos ninhos nas vidraças”. No poema “O Jogo do Chinquilho” escreveu sobre a possibilidade de reviver uma felicidade primordial: “Renasce neste largo a minha infância/a minha vida tem aqui nova nascente/ e jorra de repente com o ímpeto do início”.

 

Juventude. É um dos temas fundamentais da sua poesia. A juventude como tempo que se perdeu, como paraíso do passado. “E Tudo Era Possível”, de “Homem de Palavra(s)”, é um poema sobre esses irrecuperáveis dias juvenis, mas não deixa de ser um texto luminoso. Abre assim: “Na minha juventude antes de ter saído/ da casa de meus pais disposto a viajar/ eu conhecia já o rebentar do mar/ das páginas dos livros que já tinha lido”.

 

Liberdade. Tinha ficha na PIDE. Colaborou em O Tempo e o Modo, tomou posição na crise académica de 1962, assinou em 1965 o manifesto dos 101 católicos a favor do Manifesto da Oposição Democrática e, em 1969, candidatou-se, com nomes como Mário Soares, Gonçalo Ribeiro Teles e Francisco Sousa Tavares, como deputado por Lisboa nas listas da CEUD (Comissão Eleitoral de Unidade Democrática) às eleições para a Assembleia Nacional. No poema “O Urogalo” (“Transporte no Tempo”) escreve que “o urogalo vive solitário e livre e/ a solidão e a liberdade condição de vida/podem custar a vida àquele que vive/ mas isso não importa”.

 

Mulher. Em “Uma Forma de Me Despedir” revelou uma dúvida: “Não sei se gosto mais do mar/ se gosto mais da mulher/ Sei que gosto do mar sei que gosto da mulher”. As musas vão comparecendo na poesia daquele que celebrou as “suaves raparigas”. Sem elas não teria escrito alguns dos mais densos poemas de temática amorosa como “Solene Saudação a Uma Fotografia” ou “Encontro de Garcilaso De La Vega Com Dona Isabel Freire, em Granada, no Ano de 1526”. Ou “Muriel”, belíssima consagração poética de uma impossibilidade amorosa: “Tu és a mesma mas nem imaginas/como mudou aquele que te esperava”.

 

Noite de Madrid. “Na Noite de Madrid” é o título de um poema em que Belo relata o momento em que viu um homem morto no asfalto quando “os vivos” voltavam dos bares “com música nos olhos”. Fixa um tempo decisivo na sua vida, altura em que, entre discotecas e espectáculos, realizou os excessos que não praticara quando era novo. Foi sentindo cada vez mais a solidão de uma cidade que ficava demasiado longe do mar. Recriando uma formulação sua, ele vinha para a vida e deram-lhe dias.

 

Opus Dei. Quando foi para Coimbra estudar Direito começou a ter contacto, através de encontros culturais, com a Opus Dei, na qual permaneceu durante dez anos. Assumiu os cargos de director literário da Editorial Aster e de chefe de Redacção da revista Rumo. Com o tempo começou a considerar a organização opressora da sua vocação de escrever.

 

Portugal. Um dos seus poemas mais conhecidos e repetidos por figuras de diferentes quadrantes políticos e sociais é “Portugal Futuro”, um país “aonde o puro pássaro é possível”. Este é um território imaginado, bem distante daquele que lhe causava mal-estar e onde lamentava ter nascido, fixado no verso que abre “Morte ao Meio Dia”, “No meu país não acontece nada”, mais tarde reproduzido por José Cardoso Pires em “Alexandra Alpha”.

 

Queluz, Monte Abraão. Foi o lugar onde viveu com a sua família numa casa – e sabemos, através de um conhecido poema, o quanto valorizava as casas e a intimidade. Junto à porta do prédio onde viveu entre 1970 e 1978 existe agora uma placa, numa iniciativa da União de Freguesias de Massamá e Monte Abraão.

 

Rio Eufrates. Aquele Grande Rio Eufrates, saído em 1961, foi o debute editorial de Ruy Belo. O título inspira-se numa passagem do Apocalipse, XVI, 12 — “E o sexto anjo derramou a sua taça sobre aquele grande rio Eufrates” — e é o mote para um livro no qual é evidente uma demorada conversa com a Bíblia. Nas suas palavras, escreveu os poemas “nos breves intervalos de um silêncio durante muitos anos imposto”, revelando que a sua respiração poética era mais forte do que qualquer tentativa de agrilhoamento.

 

Sono. O sono – ou a falta dele – era uma questão para Ruy Belo. A “peste da insónia” fatigava-o e obrigava-o a tomar barbitúricos. É de dizer que sem a insónia não teria escrito muito dos seus poemas, aqueles longos poemas onde aliava uma capacidade de tocar nas grandes feridas mantendo sempre uma técnica seguríssima, de muitos recursos estilísticos. Também se podia escolher aqui a palavra sentimento. Que não haja, no entanto, enganos em fazer interpretações literárias e rimas biográficas demasiado directas. “Não costumo por norma dizer o que sinto/ mas aproveitar o que sinto para dizer qualquer coisa”.

 

Teresa Belo. Apaixonou-se por Maria Teresa Carriço Marques, nascida em Vila do Conde, numa altura em que ambos eram alunos da Faculdade de Letras de Lisboa. Teresa Belo, como se tornou conhecida entre os seus, a sua “musa discreta”, com uma “graça inesperada”, “expressão sempre surpreendente da surpresa”. A pessoa que lhe deu a liberdade de que necessitava para se cumprir por inteiro, sem restrições, como escritor. Em 1966 casaram e tiveram depois três filhos, Diogo, Duarte e Catarina. A cerimónia do casamento contou com um pormenor burlesco, revelador da personalidade do poeta. Ruy terá chegado tarde à igreja porque se deixara ficar, distraído, na pensão, a olhar o mar.

 

Universidade. Além do poeta, também existiu o Ruy Belo académico. Tirou duas licenciaturas – uma em Direito, outra em Letras – e doutorou-se ainda muito novo. Em 1971, depois de não ter sido colocado como professor universitário em Portugal, foi para Madrid com a missão de se tornar leitor de português na Universidade Complutense. De regresso ao seu país, em vez de ir para o ensino universitário, tendo em conta a profundidade e sistematização dos seus conhecimentos culturais, foi obrigado a dar aulas no ensino nocturno de uma escola secundária. A sua própria escrita foi sempre antecedida de muito estudo dos processos literários – e disso são prova as inúmeras anotações que fez nos seus cadernos.

 

Vida. Registou em “Não Sei Nada” uma reflexão radical: “A minha vida passou para o dicionário que sou. A vida não interessa. Alguém que me procure tem de começar — e de se ficar – pelas palavras”. Declarou que a vida, “esse processo que perdi”, não lhe interessava e que era na poesia que morava o sentido. Mas sem a sua vulnerabilidade à vida não seria o poeta que foi (“temi amei preocupei-me com problemas fui feliz vivi a vida emocionei-me”). A sombra perpassa a sua poesia mas sempre como contraponto das possibilidades da vida que o poeta sentia na sua máxima intensidade. “O receio da morte é a fonte da arte”.

 

Xixi. Sim, xixi. No mar. Em “Na Praia” Belo, fazendo prova do seu picaresco sentido de observação, escreveu sobre um desporto muito praticado e pouco nomeado. Escolheu o ch mas podia ter escolhido o x, sem ferir o bom português: “Raça de marinheiros que outra coisa vos chamar/ senhoras que com tanta dignidade/à hora que o calor mais apertar/ coroadas de graça e majestade/ entrais pela água dentro e fazeis chichi no mar?”.

 

Y, de Ruy. O y com que se apresentava como escritor e que o distinguia do cidadão Rui de Moura Belo que nasceu a 27 de Fevereiro de 1933 em São da Ribeira e que morreu em Queluz, Sintra, a 8 de Agosto de 1978. O y de um poeta que dialogou com Fernando Pessoa (“Pessoa é o poeta vivo que me interessa mais”) e se dirigiu a Herberto Helder, em “Vat 69”, ao mesmo tempo que assumia que “a eternidade é não haver papéis”.

 

Zenha. Depois de, em 1958, se ter doutorado em Roma em Direito Canónico, foi convidado por Francisco Salgado Zenha para lidar, no seu escritório, com casos de dissoluções matrimoniais, nas quais era importante ter alguém que soubesse do assunto. Escrevia as alegações em latim. De pé, como lembra o advogado Duarte Teives. E como no poema. “A natureza é certo muito pode mas um homem de pé pode bem mais”.

 

Nuno Costa Santos, 2016-10-01



 RUY BELO

CRONOLOGIA DE RUY BELO

 

1933

Nasce Rui de Moura Ribeiro Belo, a 27 de fevereiro, em São João da Ribeira, concelho de Rio Maior e distrito de Santarém, na casa que hoje tem o seu nome. Terceiro filho de Joaquim Ribeiro Belo e Adelaide Correia de Moura, professores na Escola Primária de São João da Ribeira.

1939

Inicia os escudos primários como aluno de seus pais.

1943

Ingressa no Liceu Nacional de Santarém.

1951

Conclui os escudos liceais, com média de 17 valores, recebendo o prémio de melhor aluno.

Inicia os estudos universitários na Faculdade de Direito de Coimbra. 

Adere ao Opus Dei, como membro numerário.

1953

Fica isento do Serviço Militar.

1954

Concluído o terceiro ano de Direito, transfere-se para a Universidade de Lisboa.

1956

Termina a licenciatura em Direito. Parte para Roma, a fim de cursar Direito Canónico no Pontificium Athenaeum Angelicum, Facultas luris Canonici (Pontifícia Universidade S. Tomás de Aquino). 

Traduz Les Quarante-huit Amériques, de Raymond Cartier, e prefacia a edição portuguesa da biografia de Shakespeare One Crown with a Sun, de Rurh Holland.

1957

Conclui a licenciatura em Direito Canónico com a classificação de magna cum laude. 

Dá início a uma longa colaboração nas páginas da revista Rumo, com o artigo «Roma Volta a Ser Seiscentista - Exposição de Pintura e Escultura em Via Nazionale».

1958

Defende a dissertação de doutoramento em Direito Canónico Ficção Literária e Censura Eclesiástica, aprovada com a classificação de magna cum laude. 

Regressado a Lisboa, assume funções de director literário da Editorial Aster, que exercerá durante cerca de três anos.

1959

Integra o Conselho de Redacção da revista Rumo, até 1966. 

Traduz Pilote de Guerre, de Saint-Exupéry, e Vida de Cristo, de Justo Pérez de Urbel.

1960

Inicia o estágio para a advocacia como Subdelegado do Procurador da República. 

É adjunto da Direcção do Serviço de Escolha de Livros do Ministério da Educação Nacional, cargo que abandona quando está prestes a ser nomeado Director. 

Traduz Briefi über Selbstbildung, do teólogo Romano Guardini. 

Durante o Verão, profere quatro palestras sobre temas literários na Emissora Nacional.

1961

Abandona o Opus Dei. 

Estreia-se com o livro de poesia Aquele Grande Rio Eufrates

Publica o ensaio Poesia Nova, em separata da Rumo. 

É representado na Antologia da Poesia Universitária (org. Alfredo Barroso, Fiama Hasse Pais Brandão, J.M. Vieira da Luz e Rui Namorado) e na segunda edição da Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa (org. Maria Alberta Menéres e E.M. de Melo e Castro).

Em outubro, matricula-se no curso de licenciatura em Filologia Românica da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde terá como condiscípula a sua futura Mulher, Maria Teresa Carriço Marques.

1962

Publica o segundo livro de poesia, O Problema da Habitação - Alguns Aspectos. 

É bolseiro de investigação, até 1968, da Fundação Calouste Gulbenkian. 

Participa na greve académica.

1963

É nomeado Subdelegado do Procurador da República no 4.º Juízo Correccional da Comarca de Lisboa.

1964

Traduz L'Art Moderne, de Joseph-Emile Muller, e La Bête Quaternaire, de Renée Massip.

1965

Organiza e prefacia uma nova edição de Os Brilhantes do Brasileiro, de Camilo Castelo Branco.

Saem do prelo, entre outras, as traduções de Contes et Légendes de l'Egypte Ancienne, de Marguerite Divin, Récits Tirés de l'Histoire de Rome, de Jean Defrasne, Considérations sur les Causes de la Grandeur des Romains et de leur Décadence, de Montesquieu, e Essai sur les Libertés, de Raymond Aron.

1966

Casa com Maria Teresa Marques, em Vila do Conde. 

Dirige o serviço de edições da União Gráfica. Publica o terceiro livro de poesia, Boca Bilingue. Organiza e prefacia Prosas Dispersas, de Antero de Quental. 

Traduz Moravagine, de Blaise Cendrars, e Un Sens à la Vie, de Saint-Exupéry.

1967

Nasce o primeiro filho, Diogo. 

Licencia-se em Filologia Românica, com média de 17 valores.

Alimenta o projecto de uma tese de licenciatura subordinada ao tema «O Soneto na Literatura Portuguesa a partir do Simbolismo», que não chegará a concrerizar-se. 

Profere conferências sobre Manuel Bandeira, na Sociedade Nacional de Belas Artes, e sobre as relações entre poesia e educação, no Colégio Moderno da Covilhã.

1968

Nasce o segundo filho, Duarte. 

Vem a lume o ensaio Manuel Bandeira em Verso e Prosa, em separata da revista O Tempo e o Modo.

Traduz e prefacia Citadelle, de Saint-Exupéry.

1969

Publica a colectânea de estudos Na Senda da Poesia e, em separara da revista Ocidente, o ensaio Camóes e o Seu Crítico - Jorge de Sena. 

É representado na quarta série da antologia Líricas Portuguesas, com organização de António Ramos Rosa. 

Candidata-se a deputado por Lisboa, nas listas da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática, lideradas por Mário Soares.

1970

Sai o quarto livro de poesia, Homem de Palavra[s]. É co-fundador da SEDES – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social, integrada por personalidades liberais e progressisras, entre as quais António Alçada Baptista, Adérito Sedas Nunes, Alfredo de Sousa e João Salgueiro.

1971

Publica Poemas Escolhidos, de Jorge Luis Borges. Prefacia Sob Sobre Voz, de João Miguel Fernandes Jorge, bem como a segunda edição de Pelo Sonho É que Vamos, de Sebastião da Gama.

Colabora em Outubro, compilação de Casimiro de Brito e Gastão Cruz. 

Parte para Espanha, apesar das tentativas de impedimento pela PIDE, a fim de exercer funções de Leitor de Português na Universidade Complutense de Madrid. 

Reside no Colegio Mayor Casa do Brasil e, depois, no Colegio Mayor Nuestra Sefiora de Guadalupe, até 1977.

1972

Reedita Aquele Grande Rio Eufrates. 

Publica, em Madrid, o celebrado «Encontro de Garcilaso de la Vega com Dona Isabel Freire, em Granada, no Ano de 1526». 

Traduz La Révolution Russe de 1917, de Marc Ferro. 

Colabora na compilação Poesia 71, de Fiama Hasse Pais Brandão e Egito Gonçalves. 

Começa a frequentar a praia da Consolação.

1973

Lança o quinto volume de poesia, Transporte no Tempo, e a antologia pessoal País Possível, «Um livro novo» com o importante inédito «Pequena História Trágico-Terrestre». 

Verte para português a comédia Dona Rosita la Soltera o El Lenguaje de las Flores, de Federico García Lorca.

1974

Dá à estampa um novo livro, com o longo poema épico-dramático A Margem da Alegria. 

Nasce o terceiro filho, Catarina. 

Finaliza as «legendas em verso» para o volume Os Poucos Poderes, em colaboração com João Miguel Fernandes Jorge, sobre fotografias de Jorge Guerra, que só virá a público em 1984, pela mão de José Sasportes.

1976

Publica o livro de poesia Toda a Terra.

1977

Edita a plaquette de poemas Despeço-me da Terra da Alegria, com desenho de José Rodrigues.

Regressa a Lisboa. 

Vê recusado pelo Ministério da Educação e Cultura um pedido de equiparação a bolseiro, passando a leccionar em horário nocturno na Escola Técnica do Cacém.

Figura na antologia de Pedro Tamen 20 Anos da Colecção Círculo de Poesia - 20 Anos de Poesia Portuguesa.

1978

Reedita Homem de Palavra[s]. 

A 8 de Agosto, quando se prepara para concorrer ao lugar de Assistente da Faculdade de Letras de Lisboa, instituição que sempre lhe recusou a possibilidade de nela leccionar, morre subitamente, na sua casa de Monte Abraão, em Queluz, vítima de edema pulmonar. 

A revista Raiz e Utopia divulga o poema inédito «Na Noite de Madrid». 

A Editorial Inova, do Porto, publica Homenagem a Ruy Belo, com o inédito «Poema para a Catarina» e colaboração de Ruy Cinatti, Eugénio de Andrade, Pedro Tamen, Fernando Assis Pacheco, Gastão Cruz, João Miguel Fernandes Jorge, Joaquim Manuel Magalhães, Manuel Cintra e José Rodrigues. 

No final do ano, sai a reedição, aumentada com dois poemas, de Despeço-me da Terra da Alegria. 

Ruy Belo será condecorado pelo «país possível», em 1991, no Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, com o grau de Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada.

“Cronologia e bibliografia de Ruy Belo”, por Maria de Fátima Pinheiro Alves e Ana Maria Pereira Soares in Todos os poemas, Ruy Belo – 4.ª ed. - Porto: Assírio & Alvim, 2014. - 894 p.: il. ; 23 cm. - (Obras de Ruy Belo). - Bibliografia, p. 875-880. - ISBN 978-972-37-1417-3

 

RUY BELO

 

BIBLIOGRAFIA DE RUY BELO

POESIA

1961 Aquele Grande Rio Eufrates, Edições Ática, Lisboa.

1962 O Problema da Habitação - Alguns Aspectos, Col. Círculo de Poesia, Livraria Moraes Editora, Lisboa.

1966 Boca Bilingue, Edições Ática, Lisboa.

1970 Homem de Palavra[s], Col. Cadernos de Poesia, Publicações Dom Quixote, Lisboa.

1972 Aquele Grande Rio Eufrates, 2.ª ed., Col. Círculo de Poesia, Moraes Editora, Lisboa.

1973 Transporte no Tempo, com prefácio do autor, Col. Círculo de Poesia, Moraes Editora, Lisboa.

País Possível, com prefácio do autor, Col. Cadernos Peninsulares, Assírio & Alvim, Lisboa.

1974 A Margem da Alegria, Col. Círculo de Poesia, Moraes Editora, Lisboa.

1976 Toda a Terra, Col. Círculo de Poesia, Moraes Editora, Lisboa.

1977 Despeço-me da Terra da Alegria, com um desenho de José Rodrigues, Col. O Oiro do Dia, Editorial Inova, Porto.

1978 Homem de Palavra[s}, 2.ª ed., com prefácio do autor, Col. Forma, Editorial Presença, Lisboa.

 

ENSAIO E CRÍTICA

1958 Ficção Literária e Censura Eclesiástica, Tese de Doutoramento em Direito Canónico, Roma, Faculdade de Direito Canónico (obra inédita em livro).

1961 Poesia Nova - Tentativa de Caracterização da Poesia, separata da revista Rumo, Lisboa.

1968 Manuel Bandeira em verso e Prosa, separata da revista O Tempo e o Modo, n.º 62-63, Lisboa.

1969 Na Senda da Poesia, União Gráfica, Lisboa.

Camões e o Seu Crítico - Jorge de Sena, separara da revista Ocidente, vol. LXXVII, Lisboa.

 

TRADUÇÕES DE RUY BELO

ANKER-GARIN, Louise

[1967] Por esse Mundo Fora, Editorial Aster, Lisboa.

ARON, Raymond

[1965] Ensaio sobre as Liberdades, Editorial Asrer, Lisboa.

BORGES, Jorge Luis

1971 Poemas Escolhidos, selecção feita pelo Autor, Publicações Dom Quixote, Lisboa; 2.ª ed., 1985.

2003 Poemas Escolhidos, selecção feita pelo Autor, edição bilingue, Publicações Dom Quixote, Lisboa.

BOURLIAGUET, L.

[1967] Os Canhões de Valmy, Editorial Aster, Lisboa.

CARTIER, Raymond

1956 As 48 Américas, Editorial Aster, Lisboa; reeditado com o título Um Europeu no País dos Dólares [1963].

CENDRARS, Blaise

1974 Moravagine, com prefácio de Ruy Belo, Ulisseia, Lisboa; 3.ª ed., Cotovia, Lisboa, 1992.

CRISENOY, Maria de

[1965] As Três Tulipas, Editorial Aster, Lisboa; 2.ª ed., 1972.

DAUJAT, Jean

1966 Conhecer o Cristianismo, Editorial Aster Lda /Casa do Castelo, Lisboa /Coimbra.

DEFRASNE, Jean

1965 Histórias da História de Roma, Livraria Moraes Editora, Lisboa.

DIVIN, Marguerite

1965 Contos e Lendas do Egipto Antigo, Livraria Moraes Editora, Lisboa.

EYDOUX, Henri-Paul

s/d A História Arrancada à Terra, Editorial Aster, Lisboa.

FERRO, Marc

1972 A Revolução Russa de 1917, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1972; 2. ª ed., 1975.

GARCÍA LORCA, Federico

1973 Dona Rosinha a Solteira ou a Linguagem das Flores, Editorial Estampa - Seara Nova, Lisboa; 2.ª ed., 1991; 3.ª ed., Assírio & Alvim, Lisboa.

GEBHARDT, Hertha von

[1965] As Cartas de Nic, Editorial Aster, Lisboa.

GUARDINI, Romano

1960 Cartas de Formação, Editorial Aster, Lisboa.

MARROU, H.I.

[1967] Do Conhecimento Histórico, Editorial Aster, Lisboa.

MASSIP, Renée

[1964] O Animal Quaternário, Editorial Aster, Lisboa.

MONTESQUIEU

1965 Considerações sobre as Causas da Grandeza e Decadência dos Romanos, com introdução e notas de Ruy Belo, Editorial Presença, Lisboa; 2.ª ed., Assírio & Alvim, Lisboa, 2002.

MULLER, Joseph-Emile

1964 A Arte Moderna, Editorial Presença, Lisboa.

PÉREZ DE URBEL, Justo

1959 Vida de Cristo, Editorial Aster, Lisboa; 2.ª ed., 1978.

SAINT-EXUPÉRY, Antoine de

[1959] Piloto de Guerra, Editorial Aster, Lisboa; 9.ª ed., 1976.

[1966] Um Sentido para a Vida, com prefácio de Ruy Belo, Editorial Aster, Lisboa; 4.ª ed., 1976.

[1968] Cidadela, com prefácio de Ruy Belo, Editorial Aster, Lisboa; 4.ª ed., Editorial Presença, Lisboa, 2008.

 

EDIÇÕES ORGANIZADAS POR RUY BELO

CASTELO BRANCO, Camilo

1965 Os Brilhantes do Brasileiro, com prefácio de Ruy Belo, Parceria A.M. Pereira, Lisboa.

QUENTAL, Antero de

1966 Prosas Dispersas, com prefácio de Ruy Belo, Editorial Presença, Lisboa.

[…]

“Cronologia e bibliografia de Ruy Belo”, por Maria de Fátima Pinheiro Alves e Ana Maria Pereira Soares in Todos os poemasRuy Belo -  4.ª ed. - Porto: Assírio & Alvim, 2014. - 894 p.: il. ; 23 cm. - (Obras de Ruy Belo). - Bibliografia, p. 875-880. - ISBN 978-972-37-1417-3

 




CARREIRO, José. “Ruy Belo: Despeço-me da Terra da Alegria”. Portugal, Folha de Poesia, 08-08-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/08/ruy-belo-despeco-me-da-terra-da-alegria.html



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