terça-feira, 23 de julho de 2024

As meninas, Vasco Graça Moura

 

Snorkellers, William Ireland

as meninas

as minhas filhas nadam. a mais nova
leva nos braços boias pequeninas,
a outra dá um salto e põe à prova
o corpo esguio, as longas pernas finas:

entre risadas como serpentinas,
vai como a formosinha numa trova,
salta a pés juntos, dedos nas narinas,
e emerge ao sol que o seu cabelo escova.

a água tem a pele azul-turquesa
e brilhos e salpicos, e mergulham
feitas pura alegria incandescente.

e ficam, de ternura e de surpresa,
nas toalhas de cor em que se embrulham,
ninfinhas sobre a relva, de repente.

 

Vasco Graça Moura, Antologia dos Sessenta Anos. Porto, Edições Asa, 2002

 

Leitura

A estrutura clássica deste soneto contrasta com a leveza e espontaneidade do conteúdo, que celebra a alegria e a inocência da infância.

Na primeira quadra, o sujeito poético descreve as suas filhas a nadar, cada uma com as suas particularidades. A mais nova, que ainda precisa de boias, e a mais velha, já mais confiante e destemida, figuram diferentes fases da infância. O uso de termos como "boias pequeninas" e "corpo esguio" revela a ternura e o cuidado com que o sujeito poético observa as suas filhas.

Na segunda quadra, o sujeito poético continua essa descrição, enfatizando a alegria e a leveza das meninas, cujas risadas são comparadas a serpentinas. Essa comparação transmite visualmente a vivacidade das crianças e remete para uma atmosfera de festa. 

No primeiro terceto, a descrição da água como tendo "a pele azul-turquesa" e "brilhos e salpicos" eleva a cena a um nível quase mágico, em que o ambiente envolvente parece refletir a pureza e a alegria das crianças. A expressão "feitas pura alegria incandescente" sugere que as meninas são a personificação da felicidade, irradiando uma luz interna.

O poema encerra com uma imagem de serenidade e ternura: as meninas embrulhadas em toalhas coloridas, deitadas na relva. A palavra "ninfinhas" evoca seres mitológicos, sublinhando a ideia de que essas crianças são vistas pelo sujeito poético como criaturas mágicas e preciosas. O uso da palavra "de repente" no final do poema captura a surpresa e a beleza efémera desses momentos, realçando a importância de valorizar cada instante de felicidade e inocência.

Nesta composição, o poeta transformou o quotidiano em poesia, fazendo de «as meninas» um canto à infância, ao amor paterno e à beleza dos momentos fugazes eternizados na memória.

 

"as meninas,2", Vasco Graça Moura, 2003.


as meninas, 2

lavam os dentes, já tomaram banho,
e em suas camisinhas de flanela
dão boas noites numa tarantela,
são cinco-réis de gente no tamanho.

as meninas estão a bom recato.
não queriam ir dormir. choramingaram.
houve histórias de fadas em que entraram.
depois, tombou o livro num sapato.

amanhã de manhã levam vestida
a blusinha de lã azul xadrez,
a saiinha encarnada, as meias pretas,

mas no país da bela adormecida
há flores e pintainhos e talvez
um gato, um peixe, um cão e borboletas.

 

Vasco Graça Moura, Antologia dos Sessenta Anos. Porto, Edições Asa, 2002

 

De acordo com a leitura do poema “as meninas, 2”, de Vasco Graça Moura, classifica cada afirmação que se segue como verdadeira ou falsa. Procede à correção das afirmações falsas.

1. As meninas são retratadas antes do banho e da escovagem dos dentes, vestindo camisinhas de flanela.

2. As meninas tomaram banho e lavaram os dentes antes de colocar as suas camisinhas de flanela.

3. As “camisinhas de flanela” simbolizam a inocência e a proteção das meninas.

4. As meninas despedem-se com uma tarantela após tomar banho e lavar os dentes.

5. A despedida das meninas, feita em forma de "tarantela", sugere vivacidade.

6. A expressão "cinco-réis de gente no tamanho" é usada para destacar a resistência das meninas à hora de dormir.

7. As meninas choramingaram porque queriam ouvir histórias de fadas antes de dormir.

8. As histórias de fadas servem como um ritual de transição entre a agitação do dia e o repouso noturno.

9. Depois de ouvir as histórias de fadas, o livro caiu da mesa.

10. O detalhe do livro que "tombou num sapato" evoca a ordem e a organização do mundo infantil.

11. O detalhe do livro que “tombou num sapato” sugere uma interrupção abrupta da fantasia.

12. No poema, o sujeito poético descreve minuciosamente as roupas que as meninas usarão no dia seguinte.

13. A expressão "país da bela adormecida" refere-se ao local onde as meninas brincam durante o dia.

14. No poema celebra-se a relação entre o sujeito poético e as suas filhas através de uma linguagem complexa e distante.

15. O poema "as meninas, 2" capta a essência da infância e a ternura da relação pai-filhas.

16. O poema reflete a visão do sujeito poético sobre a infância como um período de inocência e proteção.

17. Apesar do rigor da sua forma fixa, o soneto "as meninas, 2" é construído com uma fluidez que reflete a naturalidade dos momentos descritos.

 

as meninas,2 - ilustração de João Caetano (in Plural 7, Raiz editora, 2011)


Respostas:

1. Falso. As meninas são retratadas após o banho e a escovagem dos dentes.

2. Verdadeiro.

3. Verdadeiro

4. Verdadeiro.

5. Verdadeiro.

6. Falso. A expressão é usada para destacar a pequenez e a preciosidade das crianças.

7. Falso. Choramingaram porque não queriam ir dormir.

8. Verdadeiro.

9. Falso. O livro caiu num sapato.

10. Falso. Evoca a desordem e a espontaneidade do mundo infantil.

11. Verdadeiro

12. Verdadeiro.

13. Falso. Refere-se à imaginação das meninas, povoada por elementos encantados.

14. Falso. Celebra a relação através de uma linguagem simples e afetuosa.

15. Verdadeiro.

16. Verdadeiro

17. Verdadeiro.


segunda-feira, 22 de julho de 2024

Não quero, não, Eugénio de Andrade


"Não quero, não" | cantarmais.pt, 06-03-2022


NÃO QUERO, NÃO

Não quero, não quero, não,
ser soldado nem capitão.

Quero um cavalo que é só meu,
seja baio ou alazão,
sentir o vento na cara,
sentir a rédea na mão.

Não quero, não quero, não,
ser soldado nem capitão.

Não quero muito do mundo:
quero saber-lhe a razão,
sentir-me dono de mim,
ao resto dizer que não.

Não quero, não quero, não,
ser soldado nem capitão.

 

Eugénio de Andrade, Aquela nuvem e outras. Porto, Asa, 1986

 

Leitura

O poema "Não quero, não" de Eugénio de Andrade é uma expressão clara da busca pela liberdade individual e da rejeição do militarismo. A repetição do verso "não quero, não quero, não" reforça a negação de uma vida militar e, por conseguinte, da guerra. Este refrão cria uma musicalidade que atrai leitores de todas as idades, cumprindo o objetivo de cativar tanto crianças quanto adultos.

O cavalo, figura central do poema, simboliza a liberdade e a autonomia. O desejo do eu lírico de possuir um cavalo "seja baio ou alazão" e de "sentir o vento na cara" e "a rédea na mão" expressa uma aspiração por uma vida livre, em que ele é o dono do seu próprio destino. Este anseio por independência e contato com a natureza contrasta com a vida regimentada de um soldado ou capitão. A negação do militarismo, sustentada pela repetição enfática do verso central, é evidente no desejo do eu lírico por uma vida simples e autêntica, livre das imposições externas.

O poema “Não quero, não”, expressão lírica que revela a busca pela liberdade individual e a recusa de certos papéis sociais, combina elementos da tradição literária escrita e oral. Através do uso de rimas, aliterações, reiterações e estribilhos, evoca a musicalidade típica das canções e poesias orais. A métrica de sete sílabas e a simplicidade da linguagem ligam o leitor à cadência da fala quotidiana e às narrativas populares. 

 

Textos de apoio

Trata-se de um poema no qual, para além da «reivindicação da liberdade individual» (José António Gomes, Figurações do Desejo e da Infância em Eugénio de Andrade. Porto: Tropelias & Cª, 2010, p. 45), conotada com a figura do cavalo a galope e a «rédea na mão» (ANDRADE, 1999, p. 44), se pressente a negação, sustentada estilisticamente pela repetição do verso «não quero, não quero, não», do materialismo, do militarismo e, por consequência da guerra, como aponta José António Gomes.

Sara Silva, “Conflitos bélicos, literatura para a infância e sistema educativo: uma reflexão necessária” in Devir Educação, v.1, n.1, p. 17-40, 2017.

***

Diz Eugénio de Andrade, no breve mas substancial texto «À maneira de explicação, se tal for necessário», com que encerra o seu livro de poemas Aquela Nuvem e Outras (1986), consagrado à infância (mesmo se é, como todas as boas obras destinadas a uma receção por parte da infância e da juventude, de leitura cativante e proveitosa para todas as idades): «a simples matéria sonora – rimas, aliterações, reiterações, estribilhos, consonâncias – é fonte de sedução e razão de encantamento desde que o homem se demorou, pela primeira vez, a escutar o vento entre os ramos» (servimo-nos da 11.ª ed., Vila Nova de Famalicão, Edições Quasi, 2005, sem numeração de páginas; com cores e ilustrações que de imediato arrebatam os sentidos do leitor ou do simples utente do livro, materializando em corpos icónico -empíricos a construção poética que, com a imagem, transfigura a legibilidade do mundo conhecido e desconhecido). De certo modo, cumpre-se a cada leitura (silenciosa ou em voz alta) o desejo formulado pelo poeta exatamente no fim do posfácio: «Quis misturar a minha voz às vozes anónimas da infância – oxalá ela venha a tornar-se anónima também». E, para isso, nem é necessário que se exija destes poemas a disseminação e a persistência na memória coletiva oral, a contaminação com outros textos e o desdobramento em variantes, a sua adequação, numa palavra, às leis da tradicionalidade: não só porque, ainda nas palavras do poeta, a «uma retórica de fogo de artifício» se opõe aqui «uma poética da luz, articulando a nudez e a transparência com a simplicidade de quem fala para que outros o escutem – daí o uso frequente das sete sílabas contadas que é o ritmo natural e português da nossa fala, se não for também o dos nossos passos», mas igualmente porque em cada um destes textos se cumpre a utopia de uma voz literária primordial; uma voz de vozes, forte e total, que, no caso, pelo recurso ágil à arte poética própria das obras literárias orais e pela convocação de uma memória literária (oral e escrita) que modela um tecido intertextual muito rico e diverso, faz de cada um destes textos um monumento já tradicional (com o que, diríamos, quase deixa de ser funcional o conceito de popularizante ou de popularismo estético, tal é a verdade destes textos, em si mesmos alheios às categorias com que muitas vezes partimos para a análise de certas obras: oral/escrito, popular/culto, tradicional/não tradicional, etc.).

 

Carlos Nogueira, Aspectos do Cancioneiro Infantil e Juvenil de transmissão oral. Lisboa, Apenas Livros Lda., 2007

 



Análise musical da canção

Características melódicas 

 

A melodia está na tonalidade de Mi M e tem um âmbito de 8ª Perfeita [Si 2 – Si 3].

Na 1ª parte é constituída por notas repetidas e intervalos melódicos de 2ª (m e M) e 3ª menor. Na 2ª parte tem intervalos de 2ª (m e M), 3ª (m e M) e uma 4ª P e uma 5ª diminuta.

As duas partes começam e terminam na Tónica (Mi). A 1ª parte é inteiramente composta por três notas: o 1º grau (tónica de Mi M), e os graus superior e inferior (Fá# e Ré#, que é a Sensível de Mi Maior). A 2ª parte, apesar de oferecer uma maior variedade melódica, arpejando os acordes de Tónica e da Sensível (ou da 7ª da Dominante com a fundamental omitida), pode ser vista como uma versão mais elaborada da parte anterior, já que, não só a harmonia e o ritmo harmónico se mantêm, como a Tónica e a Sensível surgem nos mesmos tempos dos compassos.

Destaca-se nesta parte a utilização dos referidos arpejos do acorde de tónica, um arpejo Perfeito Maior (“cavalo só”) e da Sensível, um arpejo diminuto (“ou alazão”), e o intervalo de 5ª diminuta descendente,  em “só meu”.

 

Características rítmicas

 

A melodia está escrita no compasso 2/4, binário de tempos de divisão binária.

É composta por duas partes A e B, apresentando a segunda uma variação rítmica, aquando da sua repetição (B’). O ritmo é silábico e quase exclusivamente escrito em colcheias e semínimas, destacando-se a célula rítmica, [colcheia duas semicolcheias], presente em todas as frases da canção, e a célula [colcheia pontuada semicolcheia], que aqui surge como uma transformação da célula anterior.

O andamento é moderado (Andante), sem variações. 

 

Forma

 

Forma ternária (ABA).

A melodia divide-se em duas partes organizadas no esquema formal AA BB’ AA BB’ AA, funcionando a parte A como um refrão. A parte A é constituída por (aa’), a parte B por (bc) e a parte B’ por (bd).

 

Arranjo/Instrumentação

 

O arranjo segue o plano formal seguinte: Introd. AA BB’ AA BB’ AA

O presente arranjo foi concebido para ser interpretado por voz acompanhada ao piano. Entretanto, na versão áudio aqui apresentada e interpretada pelo autor do arranjo, foram acrescentados outros instrumentos que julgou poderem enriquecer a sonoridade da canção.

Partitura da canção

Partitura completa da canção (em formato pdf), aqui.

  

Poema “Não quero, não” de Eugénio de Andrade, com música de Manuela Encarnação e arranjo de Carlos Garcia. Ciclo Eugénio de Andrade – Encomenda da Associação Portuguesa de Educação Musical para o Cantar Mais @cantarmais.pt Disponível em: https://www.cantarmais.pt/pt/cancoes/teatromusical/cancao/ciclo-eugenio-de-andrade-nao-quero-nao?

 


domingo, 21 de julho de 2024

Natal... Na província neva. Fernando Pessoa


 

Natal... Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!

 

s. d.

Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995).  - 115.

1ª publ. in Notícias Ilustrado , nº 29. Lisboa: 30-12-1928.

Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/2449

 

Linhas de leitura do poema "Natal... Na província neva" de Fernando Pessoa

O primeiro verso do poema, "Natal... Na província neva," estabelece um cenário que combina um tempo específico, o Natal, com um espaço concreto, a província. Este verso carrega uma expressividade rica em conotações afetivas: o Natal, com as suas conotações de união e fraternidade, e a província, evocando a ideia de tradições e cenários pitorescos típicos da época natalícia. A imagem da neve reforça a atmosfera de um inverno típico, contrastando com o calor e aconchego dos lares.

O verso "Os sentimentos passados" refere-se à reemergência das emoções associadas a experiências e memórias antigas, que se intensificam durante o Natal. Esta época do ano, tradicionalmente ligada à família, desperta sentimentos nostálgicos, reavivando laços afetivos que se fortalecem com a proximidade dos entes queridos.

A frase exclamativa "Como a família é verdade!" (v. 6) sugere uma afirmação intensa e emocional sobre a importância e a autenticidade da família. Este tipo de construção frásica sublinha o valor que o eu lírico atribui ao ambiente familiar, visto como um refúgio verdadeiro e seguro, em contraste com o mundo exterior, frequentemente percebido como hostil e falso.

A figura de estilo presente no verso "’Stou só e sonho saudade" é a aliteração, com a repetição dos sons sibilantes 's'. Esta repetição cria um efeito sonoro que evoca a sensação de solidão e melancolia, intensificando o sentimento de saudade. A escolha de palavras reforça a profundidade do isolamento sentido pelo eu poético, que sonha com um passado perdido e inacessível.

O último verso, "Do lar que nunca terei!", resume a temática central do poema: a nostalgia e o anseio por um ideal de felicidade familiar que parece inalcançável. Esta expressão final evidencia a desilusão do eu poético, que sonha com um lar acolhedor e uma plenitude de vida que ele acredita nunca alcançar. Esta desesperança e a idealização de um passado feliz perdido são características marcantes da obra de Pessoa.

Quanto à análise formal, este poema é composto por três quadras, cada uma com versos de sete sílabas métricas (redondilha maior), uma forma tradicionalmente ligada ao lirismo popular português. A rima é cruzada (ABAB), conferindo ao poema uma musicalidade suave. O uso do transporte, em que uma frase ou ideia se estende para o verso seguinte, é observado nos versos 3-4, 9-10 e 11-12, contribuindo para a fluidez e ritmo do poema.

O poema exibe várias características temáticas e formais típicas da poesia de Fernando Pessoa ortónimo:

Temáticas:

- Distância entre o sonho e a realidade: o desejo de um lar idealizado nunca alcançado.

- Evocação da infância: a felicidade perdida que é rememorada com saudade.

- Solidão e melancolia: a sensação de isolamento e a busca por um aconchego emocional.

- Desesperança: a consciência da impossibilidade de reviver o passado ou atingir a plenitude desejada.

Formais:

- Aproximação ao lirismo tradicional: uso da quadra, redondilha maior e rima cruzada.

- Linguagem simples e clara: facilidade (aparente) de compreensão e espontaneidade.

- Uso do presente do indicativo: a intensidade dos sentimentos é capturada no momento presente.

- Pontuação emotiva: utilização de exclamações que enfatizam as emoções.

- Suavidade rítmica: aliterações, ritmo cadenciado e transportes que contribuem para a musicalidade do poema.

 




sábado, 20 de julho de 2024

As rosas amo dos jardins de Adónis, Ricardo Reis

 


As rosas amo dos jardins de Adónis1,

Essas volucres2 amo, Lídia, rosas,

Que em o dia em que nascem,

Em esse dia morrem.

A luz para elas é eterna, porque

Nascem nascido já o sol, e acabam

Antes que Apolo3 deixe

O seu curso visível.

Assim façamos nossa vida um dia,

Inscientes4, Lídia, voluntariamente

Que há noite antes e após

O pouco que duramos.

Ricardo Reis, Poesia, edição de Manuela Parreira da Silva,
Lisboa, Assírio & Alvim, 2000, pp. 13-14.

 

NOTAS:

1 Adónis – jovem da mitologia grega, símbolo de beleza masculina.

2 volucres – efémeras.

3 Apolo – deus grego do sol.

4 Inscientes – ignorantes.

 

Questionário

1. Explicite a importância da referência aos elementos da natureza para o desenvolvimento do pensamento do sujeito poético.

2. Explique os quatro últimos versos do poema, tendo em conta o ideal de vida defendido pelo sujeito poético.

3. Complete as afirmações abaixo apresentadas, selecionando a opção adequada a cada espaço.

No poema apresentado, constata-se o classicismo da poesia de Ricardo Reis, nomeadamente através do recurso à metonímia / perífrase / hipérbole, nos versos 7 e 8.

O carácter moralista da poesia deste heterónimo pessoano é indiciado pelo uso de verbos conjugados na primeira pessoa do modo conjuntivo, como ocorre no verso 1 / 9 / 12.

 

Explicitação dos cenários de respostas:

1. Explicita a importância da referência aos elementos da natureza para o desenvolvimento do pensamento do sujeito poético, abordando, adequadamente, os dois tópicos de resposta, ou outros igualmente relevantes:

as rosas representam a beleza e, simultaneamente, são comparáveis, na sua efemeridade, à vida humana (vv. 3 e 4);

o curso diurno do sol representa a duração da vida: para a rosa, um dia; para o ser humano, uma duração sempre limitada e efémera («O pouco que duramos» v. 12).

 

2. Explica, tendo em conta o ideal de vida defendido pelo sujeito poético, os quatro últimos versos do poema, abordando, adequadamente, os dois tópicos de resposta, ou outros igualmente relevantes:

Face à constatação da efemeridade da vida, o sujeito poético aconselha Lídia a que, tal como ele próprio (e à semelhança das rosas dos «jardins de Adónis» v. 1):

viva o momento presente («Assim façamos nossa vida um dia» v. 9), de acordo com o princípio epicurista do carpe diem (único caminho para a felicidade e para a ausência de dor), assumindo uma atitude de indiferença face à passagem do tempo, num esforço de autodisciplina;

assuma uma atitude deliberada de aceitação da efemeridade da vida e da inevitabilidade da morte («há noite antes e após / O pouco que duramos» vv. 11-12).

 

3. No poema apresentado, constata-se o classicismo da poesia de Ricardo Reis, nomeadamente através do recurso à perífrase, nos versos 7 e 8.

O carácter moralista da poesia deste heterónimo pessoano é indiciado pelo uso de verbos conjugados na primeira pessoa do modo conjuntivo, como ocorre no verso 9.

 

Fonte: Exame Final Nacional de Português | Prova 639 | 2.ª Fase | Ensino Secundário - 12.º Ano de Escolaridade | República Portuguesa – Educação, Ciência e Inovação / Instituto de Avaliação Educativa, I. P. (IAVE), 2024 (Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho; Decreto-Lei n.º 62/2023, de 25 de julho) – VERSÃO 1


 

Também poderá gostar de

ANÁLISE DO POEMA:

Episódio 76 - Análise do poema "As rosas amo dos jardins de Adónis" de Ricardo reis. Disponível em: http://discursodirecto.podomatic.com/entry/2006-05-01T16_09_58-07_00

 


Se Helena apartar do campo seus olhos, Camões

 


 

CANTIGA

a este moto seu:

Se Helena apartar

do campo seus olhos,

nacerão abrolhos.

 

 

 

 

 

5

 

 

 

 

 

10

 

 

 

 

 

15

 

 

 

 

20

 

VOLTAS

A verdura amena,

gados, que paceis,

sabei que a deveis

aos olhos d’ Helena.

Os ventos serena,

faz flores d’ abrolhos

o ar de seus olhos.

 

Faz serras floridas,

faz claras as fontes:

se isto faz nos montes,

que fará nas vidas?

Trá-las suspendidas

como ervas em molhos,

na luz de seus olhos.

 

Os corações prende

com graça inhumana;

de cada pestana

ũ’ alma lhe pende.

Amor se lhe rende,

e, posto em giolhos,

pasma nos seus olhos.

Luís de Camões, Rimas, edição de Álvaro J. da Costa Pimpão, Coimbra, Almedina, 1994, p. 19.

 

NOTAS

apartar (mote) – afastar.

abrolhos (mote) – planta com frutos espinhosos.

paceis (verso 2) – pastais.

Amor (verso 19) – deus ou personificação do amor na mitologia clássica.

giolhos (verso 20) – joelhos.


 

Questionário:

1. Estabeleça uma relação entre o mote e os versos 5 a 9, destacando dois aspetos pertinentes.

2. Refira dois dos efeitos expressivos da apóstrofe presente no verso 2.

3. Releia os versos 10 e 11: «se isto faz nos montes, / que fará nas vidas?».

Explicite a importância destes versos no desenvolvimento temático do poema.

4. Explique de que modo o poder de Helena é caracterizado na última estrofe, com base em dois exemplos.

 

Explicitação dos cenários de respostas:

1. Estabelece uma relação entre o mote e os versos 5 a 9, desenvolvendo, adequadamente, os dois tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes.

A relação entre o mote e os versos 5 a 9 pode ser estabelecida com base nos aspetos seguintes:

nos versos 6 e 7, a relação entre os olhos de Helena e a natureza, sugerida no mote, é retomada através do par «olhos»/«abrolhos», revelando o poder transfigurador dos olhos da figura feminina;

nos versos 5, 8 e 9, são enunciados os efeitos do poder de Helena sobre outros elementos naturais («Os ventos», as «serras» e «as fontes»), expandindo, assim, o tema proposto no mote.

 

2. Refere dois efeitos expressivos da apóstrofe, desenvolvendo, adequadamente, dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes.

Os efeitos expressivos da apóstrofe presente no verso 2 («gados, que paceis») podem ser referidos com base nos aspetos seguintes:

a interpelação aos «gados» (v. 2) adquire um valor descritivo, contribuindo para sugerir um cenário campestre;

os «gados» (v. 2) são constituídos destinatários imediatos do poema;

o sujeito poético assume uma intenção pedagógica («sabei que» v. 3), procurando transmitir uma lição aos «gados» (v. 2);

o poder da figura feminina sobre a natureza é destacado, sendo conferido um valor genesíaco aos «olhos d’ Helena» (v. 4), de onde procede «a verdura amena» (v. 1) que alimenta os «gados» (v. 2).

 

3. Explicita a importância dos versos 10 e 11 no desenvolvimento temático do poema, desenvolvendo, adequadamente, os dois tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes.

Os versos 10 e 11, «se isto faz nos montes, / que fará nas vidas?»:

constituem um ponto de viragem no desenvolvimento temático do poema, na medida em que a descrição dos efeitos causados pelos olhos de Helena na natureza será substituída pela descrição das suas consequências na vida de quem com ela se cruza;

acentuam o poder dos olhos de Helena, ao destacar que os seus efeitos se aplicam tanto à natureza como à vida dos homens.

 

4. Explica de que modo o poder de Helena é caracterizado na última estrofe, desenvolvendo, adequadamente, dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes.

A caracterização do poder de Helena, na última estrofe, pode ser explicada com base nos exemplos seguintes:

Helena é descrita como tendo uma «graça inhumana» (v. 16), o que remete para o campo temático da mitologia e para a associação da figura feminina a uma divindade;

Helena afeta as «vidas» (v. 11) dos seres humanos, tornando-os vassalos («Os corações prende» v. 15), tal a força do seu fascínio («de cada pestana / ũ’ alma lhe pende» vv. 17-18);

os efeitos do poder de Helena manifestam-se através de expressões que sugerem a submissão do próprio Amor («rende» v. 19; «posto em giolhos» v. 20).

 

Fonte: Exame Final Nacional de Literatura Portuguesa | Prova 734 | 2.ª Fase | Ensino Secundário - 11.º Ano de Escolaridade | República Portuguesa – Educação, Ciência e Inovação / Instituto de Avaliação Educativa, I. P. (IAVE), 2024 (Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho | Decreto-Lei n.º 62/2023, de 25 de julho)