Quem
vive numa ilha quer saber dos seus vizinhos, das jangadas de pedra, das
garrafas com mensagens, dos destroços da distância, a contar a profundidade do
mundo. Nunca estamos verdadeiramente sozinhos, sabemos que os vulcões trabalham
por nós, mantendo o tamanho das outras ilhas, acrescentando pedra sobre fogo,
fogo sobre pedra, de modo que o mar um dia ainda pede licença, para atravessar
este arquipélago e levar o rasto da atlântida de volta a casa.
Em
Santa Maria também somos micaelenses. Todavia, a ilha grande está longe, não
nos chegam as asas nem os braços, e precisamos dos olhos bem abertos, do vento,
do sol poente, da pedra pomes, para acreditar que ela está lá. De vez em quando
assoma como um dorso cansado no horizonte. Um azul escuro que escorre da noite,
lento e silencioso como uma fera triste. Somos micaelenses nesta valsa de
esperarmos pelas coisas boas: já lá vai o tempo de São Miguel nos matar a sede,
mas aí segue o tempo desta ilha nos dar quase tudo o resto. Não há mariense que
não ame alguém do lado de lá, num amor seguro e recíproco. Aliás, o sonho de
todo o mariense é ter São Miguel no lugar do Ilhéu da Vila, à distância de um
salto, de uma correria de pés descalços, sobre a água mansa de um sonho de
verão. O podermos acenar às saudades, em frente ao espelho, e despedir os
helicópteros, os aviões, as lanchas, os cargueiros. Ter São Miguel tão perto,
mas ainda assim com um resto de mar, para não ser tão fácil, ter acesso ao que
nos faz falta, só para que continue fazendo falta, e lhe demos esse valor, que
todas as coisas têm, se não nos são dadas de graça.
Nesta
ilha primeira, sobra-nos a saudade das outras ilhas. Depois de São Miguel há
todo um mundo vulcânico que não cabe no horizonte. Está lá, no meio, em cima, a
chover primeiro que nós, a avisar do mau tempo, que sempre desce pelas escadas
abaixo, até nos alagar o terreiro, que todo o Sul é. Graças a Deus, a chuva
chega cansada, sempre cansada, de tanta coisa linda que cada ilha tem pendendo
sobre o mar. Não há amor como este, ser açoriano num arquipélago que não se vê
todo, que demora sob o sol da tarde, tanto que quase todos adormecemos primeiro
que o Corvo e as Flores. Mas não somos nada uns sem os outros. Sem orgulho, sem
modéstia, sem enredos. Somos raízes de Portugal, crescendo para cima, enquanto
houver céu que aguente, esta lira de dois corações, suspirando pelo outro, que
sempre há de vir, com graças novas, para nos entreter a solidão.
Daniel Gonçalves, http://www.9idazoresnews.com/2017/09/12/as-outras-ilhas/
Santa Maria vista de São Miguel (foto: Sancho Eiró) |
São Miguel visto de Santa Maria |
ilheu de Vila Franca do Campo com a ilha de Santa Maria no horizonte. Foto: Manuel Oliveira, 24-04-2017 |
“As outras ilhas” texto de Daniel Gonçalves. Folha de Poesia, José Carreiro.
Portugal, 19-09-2017. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2017/09/as-outras-ilhas.html
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