EXTERIOR
Por que a poesia tem que se
confinar
às paredes de dentro da vulva
do poema?
Por que proibir à poesia
estourar os limites do grelo
da greta
da gruta
e se espraiar em pleno grude
além da grade
do sol nascido quadrado?
Por que a poesia tem que se
sustentar
de pé, cartesiana milícia
enfileirada,
obediente filha da pauta?
Por que a poesia não pode ficar
de quatro
e se agachar e se esgueirar
para gozar
- CARPE DIEM! -
fora da zona da página?
Por que a poesia de rabo preso
sem poder se operar
e, operada,
polimórfica e perversa,
não poder travestir-se
com os clitóris e os balangandãs da lira?
Waly Salomão, Lábia. Rio de Janeiro, Rocco, 1998
*
A
poesia não tem lugar nobre para acontecer, não é só o mármore, como os
parnasianos, como os cultores do monte Parnaso, pensavam. A poesia não só tem
locais ou materiais nobres. Ela usa os mais diferentes materiais. Não há
vulgaridade para ela. Você pode restaurar. É um trabalho intenso. É um trabalho
construtivista. Não um construtivismo de cem anos atrás. É um construtivismo
dos nossos tempos. De quem está com os olhos novos para o novo, com os ouvidos
abertos. E também com capacidade de estar lendo diferentes tradições. Não ficar
ensimesmado, isolado.
Waly Salomão, documentário
Pan-Cinema Permanente, dir. Carlos
Nader, 2008
HOJE
O
que menos quero pro meu dia
polidez,
boas maneiras.
Por
certo,
um Professor de Etiquetas
não
presenciou o ato em que fui concebido.
Quando
nasci, nasci nu,
ignaro
da colocação correta dos dois pontos,
do
ponto e vírgula,
e,
principalmente, das reticências.
(Como
toda gente, aliás...)
Hoje
só quero ritmo.
Ritmo
no falado e no escrito.
Ritmo,
veio-central da mina.
Ritmo,
espinha-dorsal do corpo e da mente.
Ritmo
na espiral da fala e do poema.
Não
está prevista a emissão
de
nenhuma “Ordem do dia”.
Está
prescrito o protocolo da diplomacia.
AGITPROP
– Agitação e propaganda:
Ritmo
é o que mais quero pro meu dia-a-dia.
Ápice
do ápice.
Alguém
acha que ritmo jorra fácil,
pronto
rebento do espontaneísmo?
Meu
ritmo só é ritmo
quando
temperado com ironia.
Respingos
de modernidade tardia?
E
os pingos d’água
dão
saltos bruscos do cano da torneira
e
passam
de um ritmo regular
para
uma turbulência
aleatória.
Hoje...
Waly Salomão
FÁBRICA
DO POEMA
In memoriam Donna Lina Bo Bardi
sonho
o poema de arquitetura ideal
cuja
própria nata de cimento encaixa palavra por
palavra,
tornei-me
perito em extrair faíscas das britas
e
leite das pedras.
acordo.
e
o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo.
acordo.
o
prédio, pedra e cal, esvoaça
como
um leve papel solto à mercê do vento
e
evola-se, cinza de um corpo esvaído
de
qualquer sentido.
acordo,
e
o poema-miragem se desfaz
desconstruído
como se nunca houvera sido.
acordo!
os
olhos chumbados
pelo
mingau das almas e os ouvidos moucos,
assim
é que saio dos sucessivos sonos:
vão-se
os anéis de fumo de ópio
e
ficam-se os dedos estarrecidos.
sinédoques,
catacreses,
metonímias,
aliterações, metáforas, oxímoros
sumidos
no sorvedouro.
não
deve adiantar grande coisa
permanecer
à espreita no topo fantasma
da
torre de vigia.
nem
a simulação de se afundar no sono.
nem
dormir deveras.
pois
a questão-chave é:
sob
que máscara retornará o recalcado?
(mas
eu figuro meu vulto
caminhando
até a escrivaninha
e
abrindo o caderno de rascunho
onde
já se encontra escrito
que
a palavra "recalcado" é uma expressão
por
demais definida, de sintomatologia cerrada:
assim
numa operação de supressão mágica
vou
rasurá-la daqui do poema)
pois
a questão-chave é:
sob
que máscara retornará?
Waly Salomão
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