segunda-feira, 10 de junho de 2024

A língua que falas e escreves


 

A língua que falas e escreves
é uma árvore de sons
que tem nos ramos as letras,
nas folhas os acentos
e nos frutos o sentido
de cada coisa que dizes.

É uma língua tão antiga
como isto de ser português.
Teve o latim por avô,
que primeiro foi romano,
depois bárbaro,
mais tarde monge medieval
ou copista do Renascimento.

A língua cresceu com o país,
que se alongou até ao sul
e depois chegou às ilhas,
vencendo os tormentos do mar.
O país ganhou a forma
de uma língua de terra
capaz de usar palavras
como “lonjura” e “saudade”.

Foi a língua da viagem,
do assombro e da aventura,
usada para relatar
descobertas e naufrágios,
triunfos e derrotas
nas mais remotas paragens,
enquanto os porões se enchiam
com as raras especiarias
que tanta fortuna fizeram.

É uma língua que se veste
de baiana no brasil,
ganhando feitiços de som
em Angola e Moçambique
e novos significados
lá para as bandas de Timor.
É uma língua que ajudou
a fazer o comércio e a guerra
mas que hoje prefere
usar os verbos da paz.

Esta é a língua dos escritores,
de Eça e de Camilo,
e de muitos outros mais,
dos semeadores de sons,
dos povoadores de versos
de todos os que dizem a quem começa:
Tratem bem a nossa língua,
pois se a tratam mal
nem imaginam o mal que fazem
a este Portugal.

Esta é a língua dos meninos
que brincam com as palavras
e fazem delas brinquedos
para alegrarem o recreio
das histórias mais bonitas
que alguém pode contar.

E o orgulho que temos
nesta língua portuguesa
irá do berço para a escola
e da escola para a rua,
pondo em cada palavra
uma pepita de ouro
e uma centelha de lua,
pois afinal esta língua
será sempre minha e tua.

 

José Jorge Letria, Esta Língua Portuguesa, Porto, Ambar, 2007

 

De acordo com a leitura do poema “A língua que falas e escreves”, de José Jorge Letria, classifica cada afirmação que se segue como verdadeira ou falsa. Procede à correção das afirmações falsas.

1. No poema utiliza-se a metáfora da árvore para descrever a estrutura e a complexidade da língua portuguesa, associando letras, acentos e sentidos a diferentes partes da árvore.

2. A língua portuguesa é descrita como uma língua moderna e recente.

3. A língua portuguesa tem uma história não muito influente fora de Portugal.

4. A língua portuguesa é apresentada no poema como um meio de comunicação associado exclusivamente a aspetos negativos, como guerras e conflitos.

5. A alusão a figuras centrais na tradição literária de Portugal reforça a ideia de que a língua é um património valioso que deve ser cuidado e valorizado.

6. O poema faz um apelo para que a língua portuguesa seja preservada e tratada com cuidado, ligando sua importância à identidade cultural portuguesa.

7. No poema sugere-se que a língua portuguesa é apenas um objeto de estudo e não tem relação com a infância ou o quotidiano.

8. No final do poema, a língua portuguesa é descrita como algo que carrega uma pepita de ouro e uma centelha de lua, simbolizando seu valor e beleza.

 

Respostas:

1. Verdadeiro.

2. Falso. O sujeito poético afirma que a língua portuguesa é tão antiga quanto ser português e que teve o latim como ancestral, o que sugere uma longa história e evolução.

3. Falso. A língua portuguesa tem uma longa história, estando espalhada por diversas regiões do mundo, incluindo as ex-colónias portuguesas.

4. Falso. O poema menciona que a língua portuguesa ajudou no comércio e na guerra, mas hoje prefere usar "verbos da paz", indicando uma valorização da comunicação pacífica.

5. Verdadeiro.

6. Verdadeiro.

7. Falso. N poema refere-se a língua portuguesa como sendo a língua dos meninos que brincam com as palavras e das histórias que alegram o recreio, mostrando a sua presença no quotidiano e na infância.

8. Verdadeiro.

 

sábado, 8 de junho de 2024

Escrita criativa | O que é a poesia?

O que é a poesia?

(…) a poesia, apesar de se fazer com palavras, está muito para além delas. É aquilo que essas palavras conseguem levar e depositar no nosso coração. E para que isso aconteça, não é preciso que sejam palavras complicadas, frases elaboradas, rimas perfeitas. (…) É outra coisa. Que não se consegue nomear, mas que se sente. (…)

E não há uma maneira única de escrever poesia. Há quem, através da poesia, conte uma história; há quem recorde um pequeno pormenor que lhe chamou a atenção; há quem evoque cenas familiares; há quem escreva sobre um cheiro ou um olhar; há quem, muito simplesmente, brinque com as palavras e os seus sons.

Há poemas sobre animais, sobre pessoas, sobre sentimentos, sobre a natureza. Há poemas sobre fadas, sobre pastores, sobre crianças e velhos. Há poemas sobre uma rua, sobre uma casa, sobre uma pedra que de repente se encontra a meio do caminho. Há poemas sobre a tristeza e sobre a alegria. E podemos rir e chorar com eles. Pode-se escrever um poema a propósito de tudo. Não há temas melhores ou temas piores: há a arte de saber escrever a seu respeito de uma maneira criativa, ou seja, de uma maneira que seja só nossa.

Alice Vieira, O meu primeiro álbum de poesia. Lisboa, Edições Dom Quixote, 2007



 


Escrita criativa

No vídeo que se segue, a escritora Alice Vieira dá alguns conselhos sobre a forma de escrever textos criativos, como por exemplo: escolham assuntos concretos para as vossas histórias; escrevam muito; não tenham pressa; reformulem o que escreveram, mudando palavras, encurtando frases; não vale a pena usar os adjetivos se eles não forem rigorosos.

O videograma foi criado para o Grande C - Concurso de criatividade para escolas, promovido pela Associação para a Gestão de Cópia Privada (AGECOP), em 2009.



Videograma GC Alice Vieira Escrita Criativa,
p
artilhado por Paulo Pinheiro, em 16/11/2009

 

Composição de um texto por imitação criativa

Escreve um poema composto por inspiração, a partir de uma das propostas que se seguem.

I - Poema sobre uma flor

Escreve um poema sobre uma flor, partindo do seguinte poema sobre o girassol: 

O GIRASSOL

Passa a vida a olhar pró sol!
Segue o sol para todo o lado!
Tivesse olhos o girassol
ou usava óculos de sol
ou já teria cegado.

Jorge Sousa Braga, Herbário, Lisboa, Assírio & Alvim, 2014, p. 10

 


Escola Virtual

 

II – Poema sobre um animal

Lê com atenção o seguinte poema que tem um animal como tema:

A ÍBIS

A íbis, a ave do Egito,
Pousa sempre sobre um pé
O que é
Esquisito.
É uma ave sossegada,
Porque assim não anda nada.

s.d.

Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.  - 24. Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/4481

 

Inspira-te no mundo da bicharada e escreve um poema sobre outros animais.

https://fullbloomclub.net/14-funny-animals-drawing-dive-into-comedic-styles/



III – A casa como metáfora

O que é um livro, para ti? Para que serve?

Faz uma lista de alguns elementos que constituem uma casa (por exemplo portas, janelas, paredes, chaminé).

Inicia cada verso por “Um livro é” seguido de um dos elementos da tua lista.

Exemplo: “Um livro é uma porta que se abre para o mundo.”

Escreve cerca de quinze versos.

Relê esses versos e escolhe os doze melhores, copiando-os para a folha na ordem que consideres mais adequada.

 

Nota: podes substituir a palavra “livro” por outras, como por exemplo: 

  • “Um amigo é…”
  • “A amizade é…”
  • “O amor é…”
  • “A família é…”
  • "Um irmão é..."
  • “A vida é…”
  • “A felicidade é…”
  • “A sabedoria é…”
  • “A natureza é…”
  • “A música é…”
  • “A arte é…”
  • “A paz é…”
  • “A liberdade é…”
  • “A esperança é…”
  • “O sonho é…”
  • “O futuro é…”
  • "Uma ilha é...".


IV – Outros poemas que podem servir de mote ou modelo de inspiração

URGENTEMENTE

É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor,
é urgente permanecer.

Eugénio de Andrade, Até Amanhã, 1956

 

AS PALAVRAS

São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Eugénio de Andrade, Coração do dia, 1958

 

AS MÃOS

Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.

Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.

E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.

De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.

 

Manuel Alegre, O Canto e as Armas, 1967


AMIGO

Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra “amigo”.

“Amigo” é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!

“Amigo” (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
“Amigo” é o contrário de inimigo!

“Amigo” é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.

“Amigo” é a solidão derrotada!

“Amigo” é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
“Amigo” vai ser, é já uma grande festa!

 

Alexandre O’Neill, No Reino da Dinamarca, 1958

 

O SONHO

Pelo Sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo Sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma dêmos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia-a-dia.

Chegamos? Não chegamos?

– Partimos. Vamos. Somos.

Sebastião da Gama, Pelo sonho é que vamos, 1953

 

E POR VEZES

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos

 

David Mourão Ferreira, Matura idade, 1973

 

ESPARSA

sua ao desconcerto do mundo

Os bons vi sempre passar
no mundo graves tormentos;
e, para mais m’espantar,
os maus vi sempre nadar
em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
fui mau, mas fui castigado:
Assi que, só para mim
anda o mundo concertado

Luís Vaz de Camões (c. 1524-1580)

 

AMOR É UM FOGO QUE ARDE SEM SE VER

Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luís Vaz de Camões (c. 1524-1580)

 

[AUTORRETRATO]

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos, por taça escura,
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades,

Eis Bocage em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou mais pachorrento

Bocage (1765-1805)

 

PORQUE

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

 

Sophia de Mello Breyner Andresen, Mar Novo, 1958

 

TRÍPTICO

II

Não sei como dizer-te que minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e vasta.
Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
– eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.
(…)

Herberto Helder, A colher na boca, 1961

 


 Nota: na página Folha de Poesia há mais propostas de escrita criativa.


quinta-feira, 6 de junho de 2024

Noite, Manuel da Fonseca

  


Noite

Milhões de barcos perdidos no mar!
Perdidos na noite!
As velas rasgadas de todos os ventos
Os lemes sem tino
vogando ao acaso
roçando no fundo
subindo a vaga
tocando as rochas!
E quantos e quantos naufragando...

Quem vem acender faróis na costa do mar bravo?!
Quem?!

 

Manuel da Fonseca, Obra Poética. Lisboa, Editorial Caminho, 1984, p. 61

 

O texto seguinte apresenta uma breve análise de alguns dos recursos mobilizados no poema de Manuel da Fonseca.

Completa-o, selecionando a palavra correta em cada espaço.

O poema inicia-se com a referência a «Milhões de barcos perdidos no mar!/ Perdidos na noite!», que não podem recorrer nem às «velas» nem aos «lemes».

Os versos 5 a 8, que têm, cada um, cinco sílabas métricas, atribuem um ritmo rápido / lento / inconstante à descrição da situação enfrentada por esses barcos. O verso 9 indica o destino inesperado / frequente / raro desses barcos, nomeadamente, através da repetição «E quantos e quantos». Por sua vez, os versos 10 e 11 apresentam o pronome interrogativo «Quem» destacado através da comparação / anáfora / enumeração. As perguntas aí colocadas ficam sem resposta, o que acentua a ideia de perdição que percorre o poema.


Resposta:

Os versos 5 a 8, que têm, cada um, cinco sílabas métricas, atribuem um ritmo rápido à descrição da situação enfrentada por esses barcos. O verso 9 indica o destino frequente desses barcos, nomeadamente, através da repetição «E quantos e quantos». Por sua vez, os versos 10 e 11 apresentam o pronome interrogativo «Quem» destacado através da anáfora. As perguntas aí colocadas ficam sem resposta, o que acentua a ideia de perdição que percorre o poema.

Prova de Aferição de Português. Prova 85 | 8.º Ano de Escolaridade | República Portuguesa – Educação, Ciência e Inovação / Instituto de Avaliação Educativa, I. P. (IAVE), 03/06/2024 (Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho). 

 

Texto de apoio

O poema “Noite” de Manuel da Fonseca retrata uma cena de naufrágio e perdição no mar.

O poema começa com a imagem de “Milhões de barcos perdidos no mar!” Essa imagem evoca a vastidão do oceano e a vulnerabilidade dos barcos.

A repetição da palavra “Perdidos na noite!” enfatiza a escuridão e a falta de orientação. Os barcos estão à deriva, sem rumo, com “velas rasgadas de todos os ventos” e “lemes sem tino”.

O verso 9 (“E quantos e quantos naufragando…”) sugere que muitos barcos enfrentam o mesmo destino trágico. A repetição do pronome interrogativo “Quem” nos versos 10 e 11 destaca a impotência diante dessa situação. A ausência de respostas sugere que a perdição é inevitável, o que reforça a sensação de desamparo e fatalidade.


terça-feira, 28 de maio de 2024

A minha história com Camões, Frederico Lourenço



Da infância em Inglaterra, da impenetrabilidade de ler Camões em português ainda menino regressado de Oxford, passando pela licenciatura em Estudos Clássicos - onde finalmente se fez luz nos meus estudos camonianos - até aos dias de hoje, com o lançamento de «Camões. Uma antologia», com comentários meus a diversos momentos da sua obra.

A minha intenção com «Camões. Uma antologia» é ajudar a perceber mais e melhor a obra do nosso maior Poeta. E na condição de alguém que conheceu muito bem a dificuldade de ler Camões, este livro é também um convite, a quem nunca o leu, para ingressar no fascinante mundo que é a sua obra, de mão dada comigo.

 

A minha história com Camões”, Frederico Lourenço, Coimbra, 28-05-2024

Texto partilhado na sua página do Facebook 



domingo, 5 de maio de 2024

Camões e a verdade poética, Frederico Lourenço


 

Em três poemas das suas «Rimas», Camões chama às situações sentimentais descritas na sua poesia lírica «verdades puras». Esta declaração do poeta incentivou desde o século XVII a leitura da poesia de Camões como confissão autobiográfica, como diário sentimental. A meu ver, essa interpretação é um equívoco: foi isso que procurei demonstrar na aula de abertura do FeLiCidade Festival 2024, ontem, 04.05.24, no CCB.

O «Eu» da poesia lírica de Camões não é o homem real Luís Vaz de Camões (que se declara, nas cartas aos amigos, frequentador de prostitutas), mas sim uma personagem que, ao declarar-se platonicamente apaixonado por uma Dama, está a encenar as biografias reais ou inventadas de poetas anteriores, admirados por Camões.

Horácio, Ovídio, Petrarca e Garcilaso são os modelos nos quais Camões baseia a sua «persona» lírica. Quanto ao termo «verdade», é usado segundo o código da poesia greco-latina, em que «verdade poética» equivale a «qualidade poética». O que se exige da verdade poética é que se pareça com a verdade factual, tal como Horácio afirma no v. 338 da sua «Arte Poética», ao recomendar que «coisas fingidas por causa do deleite sejam próximas das verdadeiras». A minha argumentação segue várias etapas, até chegar a três passagens de «Os Lusíadas», que nos ajudam a perceber melhor o enigma daquilo que Camões entende por «verdade». 

 

Camões e a verdade poética | Camões: 500 anos”, Frederico Lourenço, Coimbra, 05-05-2024

Texto partilhado na sua página do Facebook

 

Frederico Lourenço, Lisboa (CCB), 4/5/2024


quinta-feira, 25 de abril de 2024

25 de Abril: 50 anos | Camões: 500 anos


 

Há 100 anos, celebrou-se em Portugal o 4.º centenário de Luís de Camões. Foi estreada na Faculdade de Letras de Lisboa uma nova cadeira, chamada Estudos Camonianos. Na aula inaugural, o Prof. José Maria Rodrigues sintetizou desta maneira a razão de lermos o maior poeta de Portugal:

«Estudemos "Os Lusíadas", para neles haurirmos o mesmo estímulo que impulsionou o Poeta a escrevê-los; debruçados sobre as suas estâncias, compenetremo-nos bem do nosso glorioso passado e sentiremos pulsar em nós uma alma nova, um desejo ardente de vermos respeitado e engrandecido o nome português, de vermos novamente esboçar-se um Portugal maior.»

Lidas no ano em que celebramos o 5.º centenário de Camões, as palavras deste professor e padre católico deixam-nos uma sensação estranha. O que é isso, «um Portugal maior?» A terminologia faz-nos pensar hoje no horrível Donald Trump e no seu slogan «Make America Great Again».

Poucos anos depois da lição inaugural de José Maria Rodrigues, Portugal passaria a ser dominado (e sê-lo-ia durante 48 anos) pela ditadura salazarista. Na vizinha Espanha, surgiu Franco; em Itália, já surgira Mussolini. A União Soviética e a China estavam mergulhadas nas trevas de regimes totalitários. Quanto ao nazismo, nascia por volta desta altura: a lição de José Maria Rodrigues foi proferida na Faculdade de Letras de Lisboa em 1924, mas foi publicada (em Coimbra, curiosamente) em 1925, o ano da publicação de «Mein Kampf» de Adolf Hitler.

Deu-se a 2.ª Guerra Mundial, seguida pela Guerra Fria. E, em Fevereiro de 1961, começou a Guerra Colonial Portuguesa, que durou até ao 25 de Abril de 1974. O povo português que, em séculos anteriores, investira na escravização de africanos no comércio negreiro tinha passado agora a assumir a missão de matar africanos. Em nome de «um Portugal maior».

A liberdade que o 25 de Abril nos trouxe há 50 anos permite-nos afirmar sem medo que o maior argumento contra esse «Portugal maior» são os crimes contra a humanidade que foram necessários para o conseguir: o comércio negreiro, a exploração desumana do Brasil e de outras colónias, o terror religioso da Inquisição. E, como se esse passado deprimente não bastasse, a ditadura fascista de Salazar ainda obrigou a geração do meu pai a envolver-se, contra os ditames da sua consciência de católico progressista, numa guerra colonial. O serviço militar que o meu pai cumpriu na guerra em Angola foi um trauma que o marcou para toda a vida. Participar, obrigado, na matança de angolanos deixou sequelas de que ele nunca se curou. Vale a pena, esse «Portugal maior»?

Dir-se-á que essa é, justamente, a ideia de Portugal que Camões defende n'«Os Lusíadas». Mas há muito que foram identificados (por António José Saraiva, Helder Macedo e outros) os elementos deste poema complexo e subtil, os quais nos levam a perceber que Camões nos apresenta, n' «Os Lusíadas», duas faces da mesma moeda: uma face é a «glória» do império português; a outra face é o custo humano que ele implica.

Não podemos esperar de Camões, como é óbvio, que ele escrevesse no século XVI como um professor de Estudos Pós-Coloniais numa universidade contemporânea. Camões foi um homem do seu tempo, que trabalhou com os conceitos vigentes na época em que viveu. Mas se lermos «Os Lusíadas» tomando como guia os estudos de António José Saraiva e de Helder Macedo (há também o livro um pouco simplista, embora bem intencionado, de José Madeira, «Camões contra a Expansão e o Império», 2000), veremos que, afinal, a epopeia camoniana não é aquilo que o Portugal de Salazar quis ver nela.

Camões compôs uma epopeia polifónica, em que várias vozes têm lugar de fala. Temos de ouvir todas as vozes, porque é a sua soma que nos traz a voz do próprio Luís de Camões. Quando o Velho do Restelo chama os bois pelos nomes e recusa a resignificação como «esforço e valentia» da «bruta crueza e feridade» das conquistas portuguesas (Lusíadas 4.99), temos de perceber - como António José Saraiva percebeu tão bem - que o Velho do Restelo também é Camões.

Camões coloca o contraditório da mensagem imperialista na boca de várias personagens, mas acima de tudo temos de ler com atenção os muitos desabafos n'«Os Lusíadas» escritos na voz do próprio cantor épico: é nesses desabafos que intuímos quanto Camões estava lúcido no tocante à realidade do imperialismo português.

Cada vez mais me convenço disto: se lermos «Os Lusíadas» com olhos para as atitudes diferenciadas que Camões adopta na abordagem ao fenómeno «Portugal», veremos que a sua intenção não foi de propor um «Portugal maior» (como disse José Maria Rodrigues), mas sim um Portugal MELHOR.

Viva o 25 de Abril! Y

 

25 de Abril: 50 anos | Camões: 500 anos”, Frederico Lourenço, Coimbra, 24-04-2024

Texto partilhado na sua página do Facebook


domingo, 21 de abril de 2024

Luís e Bárbara | Camões: 500 anos

«Olympia», Édouard Manet

 

Apesar das suas muitas afinidades com os dois maiores poetas da Roma antiga, Camões foi mais longe do que Vergílio e Horácio. Mais longe na poesia e mais longe na vida. Vergílio nunca escreveu poesia lírica; Horácio nunca escreveu poesia épica: mas Camões triunfou nos dois géneros. Na vida, Vergílio e Horácio viajaram de Itália para a Grécia e voltaram depois a Itália. Mas Camões foi o primeiro génio da literatura ocidental a passar a linha do Equador: foi o primeiro a conhecer o hemisfério sul. Viu gentes e paisagens novas; sentiu climas diferentes; e experimentou costumes com que nenhum Grego ou Romano alguma vez sonhara. Além disso, Camões foi o primeiro autor europeu a escrever um poema de amor dedicado a uma mulher não-europeia.

Mas vamos por partes. Ao contrário de «Os Lusíadas» (1572), a poesia lírica de Camões só foi publicada quinze anos depois da morte do poeta (Camões morreu, como sabemos, a 10 de junho de 1580). Quem comprasse a primeira edição das «Rimas» camonianas em 1595 (o livro tem o título helenizante «Rhythmas») teria encontrado, quase no fim do livro, um poema surpreendente.

A explicitação de que o poema se encontra quase no fim do livro (no fólio 159; os poemas acabam no fólio 166) é relevante. Porque todo o livro, nos seus géneros poéticos canónicos (sonetos, canções, etc.), enaltece uma figura feminina de classe aristocrática, elogiada pela sua brancura de neve e pelos seus cabelos louros. No fólio 159, porém, deparamos com uma figura feminina bem diferente.

«Pretos os cabelos, / onde o povo vão / perde opinião / que os louros são belos». O poeta que escreve estes versos tem consciência de que está a impugnar o estereótipo dos cabelos louros.

«Pretidão de amor, / tão doce a figura, / que a neve jura / que trocara a cor». Com estes versos, contraria-se o lugar-comum da pele branca. A mulher por quem o autor destes versos se declara apaixonado é negra.

O poema que estou a citar tem, na primeira edição de 1595, a epígrafe «Endechas a uma cativa com que andava de amores na Índia, chamada Bárbara». (Por «endechas» entenda-se uma estrofe de quatro versos.) O próprio poema salienta o estatuto de pessoa escravizada logo nos versos iniciais: «Aquela cativa, / que me tem cativo...» Foi o próprio Camões que escreveu «Transforma-se o amador na coisa amada». Neste poema, mercê do seu amor por uma escrava, ele incorpora a identidade da amada como pessoa escravizada e define-se a si mesmo como escravo.

Mas em Camões, nada é tão simples como parece à primeira vista. E quanto mais nos debruçamos sobre a análise da sua poesia, mais nos damos conta de que há camadas quase infinitas de sentido; e que descodificar Camões não é possível se não nos lembrarmos de que Luís era leitor obcecado de Vergílio, Horácio e Petrarca. Quanto aos dois romanos, têm o hábito curioso de serem o gato escondido com o rabo de fora - mesmo em poemas que, à partida, pensaríamos estarem muito longe das poéticas vergiliana e horaciana.

No poema dedicado à escrava Bárbara, o elegante poeta toscano Francesco Petrarca está bem presente: como afirmei, o poema assume-se como refutação do cânone de beleza feminina que Petrarca glorificou na figura de Laura, mulher branca e loura.

Vergílio e Horácio estão presentes de modo mais subtil. Qual é a tipologia de beleza que é superior? A beleza da pessoa branca ou a da pessoa negra? Vergílio colocou essa pergunta em dois passos das suas Bucólicas; e dá, em ambos, a mesma resposta: a beleza da pessoa negra está no mesmo plano de atractividade da beleza da pessoa branca.

Em Vergílio, o pastor apaixonado Córidon recorda os tempos em que teve um namorado negro, chamado Menalcas; e faz questão de explicitar que não vê diferença entre negro («niger») e branco («candidus»: Bucólica 2.16). No último poema da colectânea das Bucólicas, o aristocrata Cornélio Galo exprime o seu interesse amoroso num jovem negro chamado Amintas e comenta que «também negras são as violetas» (Bucólica 10.39).

Quanto a Horácio, escreveu uma ode célebre (2.4) em que diz a um amigo «Que o amor de uma escrava não te envergonhe». Toda a ode procura valorizar a mulher escravizada e apoiar o amor que um tal Xântias sente por ela. (Na minha edição de Horácio, chamei a esta ode «Aquela cativa que te tem cativo».)

Mas esta ode de Horácio apresenta uma diferença fundamental em relação ao poema de Camões. Pois o elogio que Horácio faz da escrava amada por Xântias assenta no facto de ela ser... branca e loura.

Camões, como sempre, partilha com Vergílio uma sensibilidade especial. E o seu poema dedicado a Bárbara segue a defesa vergiliana da beleza negra.

Ora, esta declaração de amor por uma mulher negra mexeu com as ideias feitas e com os preconceitos dos estudiosos de Camões. O trabalho mais volumoso alguma vez dedicado a este poema é o livro de Xavier da Cunha: um livro com mais de 800 páginas, publicado em Lisboa, em 1893. Embora o título do livro seja «Pretidão de Amor», qual não é o nosso espanto quando nos apercebemos de que a intenção do autor é tentar provar que Bárbara não era negra!

Confundindo a imitação do estereótipo de Petrarca (da mulher branca e loura) nos outros poemas líricos de Camões com o gosto pessoal do homem verídico Luís de Camões, Xavier da Cunha perguntou: «E seria lícito então admitir que um admirador do loiro, como Camões se prezava de confessar-se a cada passo, viesse pôr em relevo o horroroso topete de uma horrorosíssima etíope?» (p. 152).

Na p. 156, Xavier da Cunha escreveu: «aquilo que em linguagem de povos civilizados se entende por amor não creio e não crê ninguém que seja sentimento atribuível a indivíduos que nascem, vivem, e se conservam numa situação de selvagens boçais; e nessas circunstâncias de animalidade está invariavelmente o preto de África.»

Era assim que, para nossa vergonha, se escrevia sobre Camões, em 1893, num livro publicado pela Imprensa Nacional.

Voltemos às palavras do próprio poeta, para nos desintoxicarmos:

«Pretidão de amor, / tão doce a figura, / que a neve lhe jura / que trocara a cor. / Leda mansidão / que o siso acompanha; / bem parece estranha, / mas bárbara não.»


Luís e Bárbara | Camões: 500 anos”, Frederico Lourenço, Coimbra, 14-04-2024

Texto partilhado na sua página do FacebookFacebook


domingo, 14 de abril de 2024

Um olho perdido em Ceuta | Camões: 500 anos


 

Se lermos as biografias de Camões (as primeiras são do século XVII), encontraremos a informação de que o poeta cumpriu serviço militar em Ceuta, onde a sua valentia destemida levou à perda de um olho. No entanto, a primeiríssima biografia de Camões (escrita por Pedro de Mariz e publicada em 1613) omite qualquer referência a Ceuta. E também não menciona que Camões tenha perdido um olho.

A estadia de Camões em Ceuta é referida pela primeira vez por Manuel Severim de Faria, na sua biografia camoniana de 1624. E referida, problematicamente, em termos que nos poderiam suscitar esta pergunta: será que Camões esteve mesmo em Ceuta?

A única base em que o biógrafo de 1624 se apoia é uma extrapolação que ele próprio faz a partir da Elegia 2 («Aquela que de amor descomedido»). Nesse poema, há uma passagem onde o Eu lírico diz que está «gastando a vida trabalhosa... ao longo de ũa praia saüdosa».

A praia não é identificada. Mas, mais à frente, o poeta diz que sobe (como se fosse um passeio regular) até ao monte de Hércules perto do mar Mediterrâneo, onde imagina Hércules a matar a serpente que guardava o jardim das Hespérides. Diz também que «estou afigurando / o poderoso Anteu», isto é, o gigante mitológico, morto por Hércules, cujo alegado túmulo ficava perto de Tânger.

A base em que assenta a ideia do serviço militar em Ceuta resume-se a estes versos de sabor fantasista sobre Hércules; num poema, de resto, que nunca alude directamente ao serviço militar; e onde não ocorre a palavra «Ceuta».

Dir-se-á que, no conjunto de quatro cartas em prosa atribuídas a Camões, há uma carta que, nas edições modernas, tem a epígrafe «Escrita de Ceuta». Mas essa epígrafe está ausente da primeira edição (1598). E, na carta propriamente dita, não ocorre a palavra «Ceuta».

Mas não percamos de vista essas cartas escritas por Camões. Pois uma delas é especialmente interessante: contém uma passagem que permitiu ao biógrafo de 1624 deduzir que o problema oftalmológico de Camões ocorrera em Ceuta. Trata-se da carta escrita na Índia em 1553, onde Camões fala de um amigo lisboeta que, «tal como eu, manqueja de um olho». (Já agora, note-se que Camões escreve «tal como eu» em latim.)

O biógrafo de 1624 deduziu, assim, que o problema oftalmológico não podia ter acontecido na Índia, uma vez que Camões se refere a ele como facto já conhecido em Portugal: Camões já teria feito a viagem até à Índia a «manquejar» de um olho. O problema já vinha de trás.

Em que circunstâncias é que Camões teria ficado a manquejar de um olho? O biógrafo seiscentista deduziu que a lesão teria ocorrido em contexto militar, baseando-se noutro poema de Camões, onde se lêem estes versos bastante difíceis de entender:

«Agora, experimentando a fúria rara / de Marte, que cos olhos quis que logo / visse e tocasse o acerbo fruto seu; / e neste escudo meu / a pintura verão do infesto fogo» (Canção 10.167-169).

Como fazer sentido destes versos?

Tentemos. O «escudo meu» pode equivaler a «rosto meu». A «pintura do infesto fogo» pode ser a cicatriz provocada pelos estilhaços de um tiro de canhão. A «fúria rara de Marte» será a guerra. Quanto às palavras iniciais da citação, talvez signifiquem algo como isto: «Marte quis eu visse e tocasse logo com os olhos o fruto amargo da guerra». Ou seja, «Marte quis que eu ficasse imediatamente com um problema nos olhos por causa da guerra».

Repare-se que, neste poema, Camões fala em «olhos», no plural. Mas, na carta escrita da Índia, fala em manquejar de «um olho».

Independentemente disso, temos dois problemas:

(1) O primeiro problema é que inferência de que Camões esteve em Ceuta está ferida de circularidade: o biógrafo chegou a essa ideia sem comprovação externa, baseando-se somente na sua interpretação de um poema onde se fala de forma muito vaga em Hércules e nas Hespérides. É um poema, ainda para mais, que aposta insistentemente no vocabulário da imaginação, o que o torna ainda mais vago («afiguro na lembrança»; «estou afigurando»; «nunca perderei da fantasia»).

(2) O segundo problema é o facto de a lesão oftalmológica, supostamente ocorrida em Ceuta, também constituir uma extrapolação: para ela fazer sentido, temos de juntar as peças de dois textos camonianos diferentes (a Canção 10 e a carta escrita na Índia).

A questão complica-se quando nos damos conta de que, na primeira edição (1595) do poema alegadamente escrito em Ceuta, lemos esta epígrafe: «A D. António de Noronha estando na Índia». Como assim, na Índia?! Se este D. António de Noronha é o seu jovem amigo (que nunca esteve na Índia), a epígrafe só pode significar que é o poeta que está a escrever na Índia. Nesse caso, estaria a lembrar (ou a imaginar) a praia de Ceuta e os lugares míticos de Hércules. Ao contrário da lua de Álvaro de Campos, diríamos que Ceuta começa a afigurar-se menos real.

Mais uma complicação: José Hermano Saraiva achava que a tal carta escrita da Índia (que é o único registo escrito no século XVI a dizer-nos que Camões «manquejava» de um olho) era uma falsificação. Os estudiosos de Camões, de um modo geral, não lhe têm dado crédito. Mas eu pergunto: e se se desse o caso de a carta da Índia não ser autêntica? E de a elegia, supostamente escrita em Ceuta, ter sido um devaneio escrito na Índia, a imaginar uma estadia em Ceuta?

Ficaríamos ainda mais inseguros a respeito de um «facto» que todos pensamos saber sobre Camões: que ele esteve em Ceuta, onde perdeu um olho.

Só mais uma dúvida: qual dos dois olhos faltava a Camões? Desde o primeiro retrato conhecido do Poeta (o de Fernão Gomes, ao que parece feito em vida do poeta, talvez entre 1573 e 1576), o problema oftalmológico incide sempre no olho direito.

O saudoso Vasco Graça Moura comentava, porém, que alguns ilustradores mais tardios transferiram a lesão para o olho esquerdo, dando a imagem de um poeta que - sim - era cego num dos olhos: só que (se não estamos em erro...) no olho errado.

Um olho perdido em Ceuta | Camões: 500 anos”, Frederico Lourenço, Coimbra, 14-04-2024

Texto partilhado na sua página do Facebook