O que é a poesia?
(…) a poesia, apesar de se fazer com palavras, está muito para além delas. É aquilo que essas palavras conseguem levar e depositar no nosso coração. E para que isso aconteça, não é preciso que sejam palavras complicadas, frases elaboradas, rimas perfeitas. (…) É outra coisa. Que não se consegue nomear, mas que se sente. (…)
E não há uma maneira única de escrever poesia. Há quem, através da poesia, conte uma história; há quem recorde um pequeno pormenor que lhe chamou a atenção; há quem evoque cenas familiares; há quem escreva sobre um cheiro ou um olhar; há quem, muito simplesmente, brinque com as palavras e os seus sons.
Há poemas sobre animais, sobre pessoas, sobre sentimentos, sobre a natureza. Há poemas sobre fadas, sobre pastores, sobre crianças e velhos. Há poemas sobre uma rua, sobre uma casa, sobre uma pedra que de repente se encontra a meio do caminho. Há poemas sobre a tristeza e sobre a alegria. E podemos rir e chorar com eles. Pode-se escrever um poema a propósito de tudo. Não há temas melhores ou temas piores: há a arte de saber escrever a seu respeito de uma maneira criativa, ou seja, de uma maneira que seja só nossa.
Alice Vieira, O meu primeiro álbum de poesia. Lisboa, Edições Dom Quixote, 2007
Escrita criativa
No vídeo que se segue, a escritora Alice Vieira dá alguns
conselhos sobre a forma de escrever textos criativos, como por exemplo: escolham
assuntos concretos para as vossas histórias; escrevam muito; não tenham pressa;
reformulem o que escreveram, mudando palavras, encurtando frases; não vale a
pena usar os adjetivos se eles não forem rigorosos.
O videograma foi criado para o Grande C - Concurso de criatividade para escolas,
promovido pela Associação para a Gestão de Cópia Privada (AGECOP), em 2009.
Videograma GC Alice Vieira Escrita Criativa,
partilhado por Paulo Pinheiro, em 16/11/2009
Composição de um texto por imitação criativa
Escreve
um poema composto por inspiração, a partir de uma das propostas que se seguem.
I - Poema sobre uma flor
Escreve um poema sobre uma flor, partindo do seguinte poema sobre o girassol:
O GIRASSOL
Passa a vida a olhar pró sol!
Segue o sol para todo o lado!
Tivesse olhos o girassol
ou usava óculos de sol
ou já teria cegado.
Jorge Sousa Braga, Herbário, Lisboa, Assírio
& Alvim, 2014, p. 10
Escola Virtual
II – Poema sobre um animal
Lê com atenção o seguinte poema que tem um animal como tema:
A ÍBIS
A íbis, a ave do Egito,
Pousa sempre sobre um pé
O que é
Esquisito.
É uma ave sossegada,
Porque assim não anda nada.
s.d.
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993. - 24. Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/4481
Inspira-te no mundo da bicharada e escreve um poema sobre outros animais.
https://fullbloomclub.net/14-funny-animals-drawing-dive-into-comedic-styles/ |
III – A casa como metáfora
O que é um livro, para ti? Para que serve?
Faz uma lista de alguns elementos que constituem uma casa (por exemplo portas, janelas, paredes, chaminé).
Inicia cada verso por “Um livro é” seguido de um dos elementos da tua lista.
Exemplo: “Um livro é uma porta que se abre para o mundo.”
Escreve cerca de quinze versos.
Relê esses versos e escolhe os doze melhores, copiando-os para a folha na ordem que consideres mais adequada.
Nota: podes substituir a palavra “livro” por outras, como por exemplo:
- “Um amigo é…”
- “A amizade é…”
- “O amor é…”
- “A família é…”
- "Um irmão é..."
- “A vida é…”
- “A felicidade é…”
- “A sabedoria é…”
- “A natureza é…”
- “A música é…”
- “A arte é…”
- “A paz é…”
- “A liberdade é…”
- “A esperança é…”
- “O sonho é…”
- “O futuro é…”
- "Uma ilha é...".
IV – Outros poemas que podem servir de
mote ou modelo de inspiração
URGENTEMENTE
É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor,
é urgente permanecer.
Eugénio de Andrade, Até Amanhã, 1956
AS
PALAVRAS
São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?
Eugénio de Andrade, Coração do dia, 1958
AS MÃOS
Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.
Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.
E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.
De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.
Manuel Alegre, O Canto e as Armas,
1967
AMIGO
Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra “amigo”.
“Amigo” é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
“Amigo” (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
“Amigo” é o contrário de inimigo!
“Amigo” é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.
“Amigo” é a solidão derrotada!
“Amigo” é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
“Amigo” vai ser, é já uma grande festa!
Alexandre O’Neill, No Reino da Dinamarca,
1958
O
SONHO
Pelo Sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo Sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma dêmos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia-a-dia.
Chegamos? Não chegamos?
– Partimos. Vamos. Somos.
Sebastião da Gama, Pelo sonho é que vamos,
1953
E POR
VEZES
E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos
David Mourão Ferreira, Matura idade, 1973
ESPARSA
sua ao
desconcerto do mundo
Os
bons vi sempre passar
no mundo graves tormentos;
e, para mais m’espantar,
os maus vi sempre nadar
em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
fui mau, mas fui castigado:
Assi que, só para mim
anda o mundo concertado
Luís
Vaz de Camões (c. 1524-1580)
AMOR É
UM FOGO QUE ARDE SEM SE VER
Amor é
um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Luís
Vaz de Camões (c. 1524-1580)
[AUTORRETRATO]
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;
Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos, por taça escura,
De zelos infernais letal veneno;
Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades,
Eis Bocage em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou mais pachorrento
Bocage (1765-1805)
PORQUE
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Sophia
de Mello Breyner Andresen, Mar Novo, 1958
TRÍPTICO
II
Não sei como dizer-te que minha voz
te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e vasta.
Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
– eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.
(…)
Herberto Helder, A colher na boca, 1961
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