Tinha deixado a torpe arte dos versos
e de novo procuro esse exercício
de soluços
Devo agora rever a noite que te oculta
como pude esquecer que de tal modo
teria de exprimir
tudo o que já esquecera e sopra sobre
mim
como numa planície o crepúsculo
Tinha esquecido a arte dos tercetos
e toda a
outra
mas fechaste-te nela e eu descubro
no seu esse veneno esse discurso
Devo pois ver de novo como muda
como os sinais da voz a noite que perdura
tu deitas-te eu ensino à minha vida
esse extinto exercício
Gastão Cruz, Teoria da
Fala. Coleção «Cadernos de Poesia» nº 24.
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1972
Síntese esquemática da leitura do poema
“Tinha deixado a torpe arte dos versos”
Questionário sobre a leitura do poema “Tinha
deixado a torpe arte dos versos”
1. Distingue os dois momentos temporais referidos no poema.
2. Indica o que mudou de um momento para o outro.
3. Transcreve uma comparação presente no poema.
3.1. Explica a que se refere essa comparação.
Fonte: Projeto #ESTUDOEMCASA, aula 54 de
Português – 9.º ano, sobre os poemas “Escrever”, de Irene Lisboa, e “Tinha
deixado a torpe arte dos versos”, de Gastão Cruz, 2021-05-24
Gastão Cruz (Faro, 1941 - Lisboa,
2022)
O poeta e crítico literário Gastão Cruz, fotografado em 2015© Gerardo Santos / Global Imagens |
Gastão Santana Franco da Cruz nasceu no dia 20 de
Julho de 1941, no número 20 da Rua de Portugal, em Faro. Com perto de 20 anos
publica o seu primeiro livro, A Morte Percutiva (Poesia 61).
Após cerca de vinte livros de poesia, revisitaria a infância e a (já
desaparecida) casa onde nasceu, numa obra a que deu precisamente o nome
de Rua de Portugal (2002), e pela qual foi distinguido com o
Grande Prémio de Poesia da APE.
A poesia acompanha-o desde muito novo. O pai recitava,
em casa ouvia-se ópera, e o lirismo foi despontando, levando-o a iniciar-se
muito cedo na crítica de poesia, em despiques por escrito com um amigo de
infância. Pela mesma altura em que rumou a Lisboa para cursar Filologia
Germânica (1958), na Faculdade de Letras – onde David Mourão- Ferreira foi seu
professor –, começou a colaborar com poemas e artigos sobre poesia em diversos
jornais e revistas, entre os quais os Cadernos do Meio-Dia,
publicados em Faro, sob a direcção de António Ramos Rosa e Casimiro de Brito.
À data de saída das cinco plaquettes que
constituíram a publicação colectiva Poesia 61 (que reuniu
Gastão Cruz, Casimiro de Brito, Fiama Hasse Pais Brandão, Luiza Neto Jorge e
Maria Teresa Horta), Gastão Cruz era o único do grupo inédito em livro. Poesia
61, uma das principais contribuições para a renovação da linguagem poética
portuguesa na década de 60, foi já várias vezes descrita pelo próprio Gastão
Cruz como, «em grande parte, uma reunião de conveniência editorial».
Ainda nos tempos de universidade, e após ter sido
preso no auge das greves académicas de 62, o autor foi um dos organizadores
da Antologia de Poesia Universitária (1964), dando a conhecer
poemas de Manuel Alegre, Eduardo Prado Coelho, António Torrado, José Carlos
Vasconcelos, Luísa Ducla Soares ou Boaventura Sousa Santos, entre outros. Este
importante papel de Gastão Cruz na divulgação, promoção e crítica da poesia e
da literatura em geral, bem como do teatro e da música, prolonga-se até hoje,
quer colaborando com textos na imprensa (muitos deles reunidos no livro A
Poesia Portuguesa Hoje) e na organização de antologias, quer na direcção de
recitais, já desde os tempos da Faculdade. Actualmente, é um dos directores da
Fundação Luís Miguel Nava e da revista Relâmpago, por ela editada.
Da amizade com Fiama, com quem foi casado, nasceu a
paixão pelo teatro. Estiveram ambos na génese do Grupo Teatro Hoje, no início
dos anos 70, e do qual ele foi director desde 1991 até à sua extinção, em 1994.
Ali encenou peças de Crommelynck, Strindberg, Camus, Tchekov ou uma adaptação
sua de Uma Abelha na Chuva (1977), de Carlos de Oliveira.
Algumas delas foram, pela primeira vez, traduzidas para português pelo poeta.
O percurso literário de Gastão Cruz inclui a tradução
de nomes como William Blake, Jean Cocteau, Jude Stéfan e Shakespeare. As
Doze Canções de Blake que traduziu fazem, aliás, parte da sua
bibliografia poética, porque «só vale a pena traduzir poesia, se da tradução
resultar um poema português de um poeta português».
É professor do Ensino Secundário desde 1963 e, entre
1980 e 1986, exerceu as funções de Leitor de Português na Universidade de
Londres (King's College), onde além de Língua Portuguesa, leccionou cadeiras de
Poesia, Drama e Literatura Portuguesa.
«Chama-se Escassez um grupo de quinze
poemas que publiquei em 1967. Poderia ser esse o título de toda a minha poesia,
que é antiexplicativa, antidescritiva», explicou o autor em 1972, voltando
frequentemente à questão que os críticos lhe lançam desde essa altura. «Penso
que tenho caminhado no sentido de tornar a minha poesia mais legível, pela
necessidade de me libertar da classificação de hermético ou difícil», disse
mais recentemente.
Esta é uma poesia marcada por forte intensificação do
valor da palavra e grande precisão formal, mas sempre num registo extremamente
contido, nítido e rigoroso («a procura do peso certo para cada palavra»).
Frequentemente, a reflexão sobre a poesia e a linguagem, que caracteriza os
seus textos teóricos, é transportada para o interior do próprio poema. Gastão
Cruz revela-se um grande conhecedor da tradição poética portuguesa, existindo
nos seus poemas uma profunda intertextualidade, tanto relativa a poetas
portugueses como estrangeiros, principalmente de língua inglesa.
As quatro recolhas de toda a sua poesia e a antologia
que até à data organizou (1974, 1983, 1990/1992, 1999), acabam por corresponder
ao encerrar de determinadas fases temáticas. A morte e o corpo – Manuel Gusmão
fala de uma tensão permanente entre Eros e Thanatos – são duas das metáforas
mais usadas pelo poeta, correspondendo a significados tão diferentes quanto a
esperança, o desespero, o amor e o sexo, o caos, o próprio País, a opressão ou
a fugacidade.
Centro de Documentação de Autores Portugueses, 06/2004.
Biografia disponível em: http://livro.dglab.gov.pt/sites/DGLB/Portugues/autores/Paginas/PesquisaAutores1.aspx?AutorId=10151
Poderá também gostar de ler:
- «Estamos vivos e já não temos tempo», crónica de Eduardo Prado Coelho para o suplemento Leituras & Sons do jornal Público, 1996-06-01.
- «"Nova poesia” e “poesia nova"», por Gastão Cruz. Relâmpago – revista n.º 12, 4/2003.
CARREIRO, José. “Tinha
deixado a torpe arte dos versos, Gastão Cruz”. Portugal, Folha de Poesia,
05-07-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/07/tinha-deixado-torpe-arte-dos-versos.html
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