O MENINO DA SUA MÃE
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No plaino1 abandonado |
s. d.
Poesias. Fernando Pessoa. (Nota
explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942
(15ª ed. 1995). - 217.
1.ª publ. in Contemporânea,
3.ª série, nº 1. Lisboa: 1926.
Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/2052
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1 plaino: planície.
2 exangue: sem sangue.
3 langue: mortiço; sem brilho.
Apresente, de forma estruturada, as suas
respostas ao questionário.
1. Com base nas três estrofes iniciais, indique seis características
de figura representada.
2. Explicite um dos efeitos de sentido resultantes da antítese
que se estabelece, na primeira quintilha, entre os versos 2 e 5.
3. Interprete, no seu contexto, os seguintes versos: «Tão jovem!
Que jovem era! /Agora que idade tem?» (vv. 11-12).
4. Refira dois dos valores simbólicos do par de objetos formado
pela «cigarreira» e pelo «lenço» (vv. 17 e 24).
5. Comente a importância da última estrofe na construção do sentido
geral do poema, apoiando-se em quatro aspetos significativos.
Explicitação de cenários de resposta:
1.
A figura representada nas três estrofes iniciais do poema apresenta as
seguintes características:
- é um «jovem» (v. 11) soldado morto (vv.
1-6);
- encontra-se abandonado, em campo aberto
(«No plaino abandonado» - v. 1);
- tem o corpo «trespassado» por duas balas
(vv. 3-4);
- apresenta a farda ensanguentada (v. 6);
- está de braços abertos, «estendidos»
sobre a terra (v. 7);
- é «louro», de tez muito clara {«Alvo» -v.
8};
- evidencia uma lividez cadavérica («exangue»
- v. 8);
- mostra um olhar fixo e vazio (vv. 9-10);
- perdeu, prematuramente, o futuro e os sonhos·(«os
céus perdidos» - v. 10);
-é «Filho único», muito amado («0 menino da
sua mãe», conforme esta o tratava - vv. 13-15).
Nota - Recorda-se que o enunciado da pergunta requer a apresentação de seis
características.
2.
A antítese presente na primeira estrofe («Que a morna brisa aquece», «Jaz
morto, e arrefece» - vv. 2 e 5) produz, entre outros, os seguintes efeitos de
sentido:
- oposição entre o calor da vida e o frio
da morte (o sopro do vento suave e tépido, simbolizando a vida, contrasta com a
fria rigidez do corpo do soldado «trespassado» por duas balas);
- oposição entre o movimento da «brisa» e a
imobilidade do jovem («Jaz»);
- …
Nota - Recorda-se que o enunciado da pergunta requer a explicitação de um
efeito de sentido.
3.
Por um lado, estes versos exprimem o lamento do sujeito poético pela morte do
jovem (veja-se a repetição da palavra «jovem», cujo sentido é intensificado
pelos vocábulos «Tão» e «Que», introduzindo frases exclamativas); por outro
lado, salientam quer a extrema juventude do soldado no momento em que morte,
quer a perplexidade provocada pela nova temporalidade (ou ausência dela) instaurada
pela morte: o soldado passa a ter uma idade indefinida («Agora que idade tem?»).
4.
O par de objetos formado pela «cigarreira» e pelo «lenço» tem, entre outros, os
valores simbólicos de:
- representação das figuras femininas protetoras
- «a mãe» e «a criada / Velha»;
- presentificação do mundo distante da casa
e da infância;
- ineficácia das preces da «mãe» e da
«criada / Velha» (mediada pela inutilidade dos objetos que as representam);
- brevidade da vida, sugerida (por hipálage)
pela expressão «cigarreira breve»;
- pureza (da infância perdida), expressa
pela «brancura» do «lenço» (a cair da algibeira);
- paz, evocada pela «brancura» «alada» do
«lenço»;
- contraste (dramático) entre o aspeto dos
objetos materiais e o do cadáver do jovem que os possuiu («cigarreira» «inteira
/ E boa», «brancura» do «lenço» vs «Ele é que já não serve»);
- …
Nota - Recorda-se que o enunciado da pergunta requer a referência a dois
dos valores simbólicos.
5.
Esta estrofe é particularmente relevante na medida em que:
- institui uma quase circularidade no
poema, ao articular a primeira e a última quintilhas por meio da recuperação e
da transformação do quinto verso da primeira estrofe no quarto verso da sexta;
- representa e realça, através da
reiteração e transformação do quinto verso da primeira estrofe no quarto verso
da sexta, a progressiva e inevitável degradação física do cadáver do jovem;
- estabelece uma simetria estrutural pela
repetição do verso 15, localizado no centro do poema e reiterado, desse modo,
no seu termo;
- faz convergir os sentidos do poema na
expressão «0 menino da sua mãe» - título, verso central e verso final;
- evidencia a incomunicabilidade instaurada
pela guerra e pela distância entre o «menino» e as figuras maternas, bem como a
impotência destas perante a ameaça consumada da morte;
- expressa uma posição crítica de denúncia
do poder político («O Império») que envia para a guerra os jovens e assim tece
as «Malhas» da sua morte, absurda aos olhos de todos, sobretudo daqueles que
mais os amam;
- intensifica o tom disfórico do poema, sublinhando
os sentimentos de impotência e de perda;
- …
Nota - Recorda-se que o enunciado da pergunta requer a mobilização de
quatro aspetos significativos.
Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 139. 12.º Ano
de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de agosto). Cursos Gerais e
Cursos Tecnológicos. Prova Escrita de Português B. Portugal, GAVE, 2006, 1.ª
fase
Intertextualidade
O tema e a
imagem central do poema “O menino da sua mãe” são retomados em “Tomamos a vila
depois de um intenso bombardeamento”, em que se descreve, segundo o mesmo
registo metafórico, a imagem da “criança loura” que “jaz no meio da rua” como
um “pequeno peixe – dos que boiam nas banheiras – à beira da estrada”.
Significativo é notar que como “o menino da sua mãe” está morto, os afetos
maternais são suprimidos dessa descrição do menino, convertido,
significativamente, em “criança loura”, apenas.
Caio Gagliardi, https://modernismo.pt/index.php/m/661-menino-de-sua-mae
TOMÁMOS A VILA
DEPOIS DUM INTENSO BOMBARDEAMENTO
A criança loura
Jaz no meio da rua,
Tem as tripas de fora
E por uma corda sua
Um comboio que ignora.
A cara está um feixe
De sangue e de nada.
Luz um pequeno peixe
— Dos que boiam nas banheiras —
À beira da estrada.
Cai sobre a estrada o escuro.
Longe, ainda uma luz doura
A criação do futuro...
E o da criança loura?
s. d.
Poesias. Fernando Pessoa. (Nota
explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942
(15ª ed. 1995). - 247. Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/1837
Outros autores
do século XX retomaram o poema “O menino da sua mãe”, do seguinte modo:
O SOLDADO MORTO
Os infinitos céus fitam seu rosto
Absoluto e cego
E a brisa agora beija a sua boca
Que nunca mais há de beijar ninguém.
Tem as duas mãos côncavas ainda
De possessão de impulso de promessa.
Dos seus ombros desprende-se uma espera
Que dividida na tarde se dispersa.
E a luz as horas as colinas
São como pranto, em volta do seu rosto
Porque ele foi jogado e foi perdido
E no céu passam aves repentinas.
Sophia
de Mello Breyner Andresen, Mar Novo, Lisboa, Guimarães Editores, 1958
O MENINO DA SUA MÃE
No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece
De varas trespassado
— Duas, de cada lado —
Jaz exposto e arreféce.
Raia-lhe a farda o sangue
Da quádrupla função.
Nórdico mouro exangue
Fita com olhar langue
O que ainda tem na mão.
Que varonil quimera!
Agora, que vara tem?
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome, e o mantivera:
O menino de sua mãe.
Caiu-lhe da algibeira
A lapiseira breve.
Dera-lhe o pai. Está inteira
E boa a lapiseira,
Ele é que já não escreve.
De outra algibeira, alada
Espuma de porto covo,
A brancura manchada
De um lenço... Foi a criada
Quando êle era mais novo.
Lá longe — na Casa do Conto — há prece:
«Que morra cêdo, e bem!»
Malhas que o Império tece!
Ainda vive e parece
O menino de sua mãe.
Mário Cesariny Vasconcelos,
O Virgem Negra, Assírio & Alvim, 1989
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obra de Fernando Pessoa, por José Carreiro.
- In: Lusofonia, https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/literatura-portuguesa/fernando_pessoa, 2021 (3.ª edição)
- e Folha de Poesia, 17-05-2018. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/fernando-pessoa-13061888-30111935.html
“O menino da sua mãe, Fernando Pessoa” in Folha de Poesia, José Carreiro. Portugal, 06-01-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/01/o-menino-da-sua-mae-fernando-pessoa.html
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