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Tudo que faço ou
medito |
13-9-1933
Poesias.
Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.)
Lisboa: Ática, 1942 (15.ª ed. 1995). -
177. Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/2275
I - Leitura orientada do poema “Tudo que
faço ou medito”, de Fernando Pessoa
Definição do tema
O
poema constrói-se em torno do sentido da existência do poeta e da tomada de
consciência desse sentido – pergunta-se o poeta não só o que é, mas o que faz e
o que quer fazer. É um tema integrante da problemática do existencialismo,
frequentemente levantada pela corrente da época, o modernismo, que rege, pelo
menos em parte, a obra de Fernando Pessoa.
O conflito do poeta apoia-se num
raciocínio antitético:
O
recurso que o poeta utiliza mais predominantemente parece ser a antítese,
presença constante na dialéctica do ser: "o infinito" e o
"nada", a "alma lúcida e rica" que consegue ser
simultaneamente um "mar de sargaço". (Vem regularmente associado ao
paradoxo, ao que só é se o não for, tomando especial notoriedade a ideia do
"mar onde bóiam fragmentos de um mar".) (vv. 10-11)
O
verso que nos mostra uma síntese chocante dessa dialética interior e individual
do sujeito poético é o que conclui o poema: "Não o sei e sei-o bem"
A antítese projeta-se ao nível da
consciência do eu:
(Outra
forma paradoxal é a do raciocínio que não analisa só as coisas, mas também a
tomada de consciência delas – paradoxal na medida em que se põe em causa a si
próprio, se envolve num novelo de abstração quase lunática.)
O "mar de sargaço" é a melhor ideia
desse estado de confusão em que o poeta se encontra e que o impede, se não de
tomar, de assumir que toma a percepção do mundo que o rodeia. Continua Pessoa à
procura de si próprio, do seu eu que se afasta à medida a que o poeta se
aproxima. É a insatisfação contínua e permanente, a sede de desvendar a mística
do que é.
A relação de sentido entre «um mar de
sargaço» (8) e «um mar d'além» (10):
A
dor que resulta da distância imensa entre o que se quer – o Tudo (1), o Infinito (3) – e o que
se realiza – o Nada, o aquém do sonho. Essa dor vai originar o nojo
de si mesmo e consciência aguda de, tendo uma alma lúcida e rica (e lúcida
tem aqui o sentido primitivo de «cheia de luz», luminosa) ser um mar de
sargaço, mais parecido com algo de pantanoso, de charco – mar, segundo
Pessoa, em que «bóiam lentos / fragmentos de um mar de além». Ou seja, em que
se reflectem ainda vestígios, fragmentos, de algo de maior e distante (provável
marca de crença esotérica (secreta oculta misteriosa) num mundo anterior, das
ideias, de que o mundo real, que conhecemos, não passaria de reflexo – neste
caso «baço», indefinido...)
Nesta auto-análise, Pessoa manifesta a
impossibilidade de uma transparência do "ser":
O
ser é, para o poeta, naturalmente confuso e obrigatoriamente opaco à razão.
A
pessoa do poeta parece assim querer justificar a ignorância sobre si próprio
com a complexidade sempre crescente do ser que priva o poeta da lucidez que
procura nessa análise introspectiva.
Recurso estilístico utiliza o poeta para
fazer recriar em nós essa impossibilidade:
Em
compasso com as antíteses evidentes, temos no poema metáforas quando o poeta
procura ilustrar-se a si mesmo e ao que pensa "um mar onde bóiam
fragmentos de um outro mar". Tomamos aqui os fragmentos como formas
diferentes de pensar, que assolam o primeiro mar (o próprio Pessoa) e se
apropriam dele.
Adaptado de http://gape.ist.utl.pt/~pferreira/Escola/FPessoa.html
(consultado em 06-12-2002) e de Para compreender Fernando Pessoa, Amélia Pinto Pais, Porto Areal Editores,
2001.
II - Questionário sobre poema “Tudo que faço ou medito”,
de Fernando Pessoa
1.
Na primeira estrofe, apresenta-se uma oposição entre «querer» e «fazer».
Explicite essa oposição.
2.
Ao tomar consciência das limitações da sua capacidade de agir, que sentimento
invade o sujeito poético? Transcreva as expressões em que se apoia a sua
resposta.
3.
Mostre a expressividade, a nível semântico e a nível fonético, das metáforas:
«Minha alma é lúcida e rica / E eu sou um mar de sargaço».
4.
Qual a relação de sentido entre «um mar de sargaço» e «um mar d'além»?
5.
Identifique a figura de estilo presente nos últimos dois versos do poema.
Justifique-a em cada uma das ocorrências.
(Adaptado de Prova Escrita de Português, 11.° ano,
Cursos Complementares Diurnos, 1991, 1.ª Fase, 2.ª Chamada)
Chave de correção:
1. Oposição entre «querer» e
«fazer»:
- imaginação («querer») =
sonho, desejo de absoluto;
- realização =
insatisfação, limitação, incompletude.
2.
Sentimento invade o sujeito poético ao tomar consciência das limitações da sua
capacidade de agir: desencanto, frustração, deceção, desapontamento,
insatisfação, malogro.
Expressões exemplificativas: «Que nojo de
mim fica / Ao olhar para o que faço!» (vv. 5-6) («nojo»: repugnância; náusea;
asco; pesar; tristeza; luto).
3.
Expressividade das metáforas: «Minha alma é lúcida e rica / E eu sou um mar de
sargaço»:
- A nível semântico: contraste entre a
limpidez e o valor conotados com a expressão «lúcida e rica» e o opaco e o
imundo de «mar de sargaço». O "mar de sargaço" é a melhor ideia desse
estado de confusão em que o poeta se encontra e que o impede, se não de tomar,
de assumir que toma a perceção do mundo que o rodeia. Continua Pessoa à procura
de si próprio, do seu eu que se afasta à medida a que o poeta se aproxima. É a
insatisfação contínua e permanente, a sede de desvendar a mística do que é. O
ser é, para o poeta, naturalmente confuso e obrigatoriamente opaco à razão.
- A nível fonético: oposição entre as
vogais doces «i», «u» da primeira expressão e o fonema áspero aberto de «mar de
sargaço».
4.
Relação de sentido entre «um mar de sargaço» e «um mar d'além»:
A dor que resulta da distância imensa entre o que
se quer – o Tudo, o Infinito – e o que se realiza – o Nada, o
aquém do sonho. Essa dor vai originar o nojo de si mesmo e consciência
aguda de, tendo uma alma lúcida e rica (e lúcida tem aqui o
sentido primitivo de «cheia de luz», luminosa) ser um mar de sargaço,
mais parecido com algo de pantanoso, de charco – mar, segundo Pessoa, em que «boiam
lentos / fragmentos de um mar de além». Ou seja, em que se refletem ainda
vestígios, fragmentos, de algo de maior e distante (provável marca de crença
esotérica num mundo anterior, das ideias, de que o mundo real, que conhecemos,
não passaria de reflexo – neste caso «baço», indefinido...).
A interpretação
processa-se a dois níveis: 1.º - o SER consciente está aquém e manifesta-se
como o vestígio (fragmento) do subconsciente. 2.º - marca de crença esotérica
num mundo anterior, das ideias, de que o mundo real, que conhecemos, não
passaria de reflexo – neste caso «baço», indefinido…
5.
A figura de estilo comum aos últimos dois versos do poema é a antítese:
- no v. 11, opõe o sentir ao pensar e
mostra o estado confuso do sujeito poético;
- no v. 12, exprime um conhecimento intuído
que não percecionado pela razão e mostra também o estado confuso do sujeito
poético.
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- Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da
obra de Fernando Pessoa, por José Carreiro.
- In: Lusofonia, https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/literatura-portuguesa/fernando_pessoa, 2021 (3.ª edição)
- e Folha de Poesia, 17-05-2018. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/fernando-pessoa-13061888-30111935.html
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