Mensagem, Fernando Pessoa
Primeira Parte – Brasão
IV - A Coroa
Gravura da crónica do condestável |
NUN' ÁLVARES PEREIRA
|
Que auréola te
cerca? |
8-12-1928
Fernando Pessoa, Mensagem. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934
Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/190
Linhas de leitura do poema “Nun' Álvares Pereira”, de Fernando Pessoa:
- Nota histórica sobre D. Nuno Álvares Pereira (1360-1431):
Oriundo de família nobre, era filho
ilegítimo do prior da Ordem Militar do Hospital, Álvaro Gonçalves Pereira. Foi
armado cavaleiro por D. Leonor Teles, o que não o impediu de tomar partido pelo
mestre de Avis na crise de Estado que se seguiu à morte de D. Fernando.
Nomeado condestável dos exércitos do rei português, foi então nos
campos de batalha que se tornou notada a sua bravura e o conhecimento que
possuía da tática militar.
A paz com Castela trouxe-lhe imenso poderio
e desmedidas riquezas, mas, depois de dotar largamente os netos, professou na
Ordem do Carmo. A sua figura tornou-se mítica e, de Fernão Lopes a Oliveira
Martins, assunto literário capaz de simbolizar a ideia de Pátria. Foi
beatificado em 1918, mas já em vida era conhecido como o Santo Condestável. (Artur Veríssimo, Ler a Mensagem de Fernando
Pessoa – curso n.º 21/2001 do Centro de Formação de Associação de Escolas
de S. Miguel e Santa Maria).
- Estruturalmente o poema constrói-se do seguinte modo:
1.º: o herói envolvido em mistério e no
divino (v.1);
2.º: atenção centrada na espada (vv.2-8);
3.º: o herói com essa espada ilumina o
caminho a seguir (vv. 9-12).
- Marcas textuais que reenviam para o herói:
- o título;
- as marcas de 2ª pessoa do singular («te»,
vv. 1, 8; «tua», v. 11);
- a gesta guerreira do herói: «espada» (2);
«volteando» (2); «erguida» (5); «Excalibur» (7); «Rei Artur» (8)
- a santidade: «auréola» (1), «halo do céu»
(6), «Excalibur» (7), «ungida» (7), «'Sperança» (9) «S. Portugal em ser» (10),
«luz» (11).
- O herói representa o ideal de ser português: «S. Portugal em ser», v. 10.
- Herói como um exemplo a seguir: «Que auréola te cerca?», v. 1; «'Sperança consumada, / S. Portugal em ser, / Ergue a luz da tua espada / Para a estrada se ver!», vv. 9-12.
- A palavra chave do poema é “Espada” (v. 2).
- A espada a voltear no ar forma uma “auréola” (v. 1), que remete tanto para a ideia de santidade como para um objeto concreto - a coroa.
- À espada confere-se um valor profético, ao qual se liga o poder da luminosidade que ela detém, tornando claro o caminho a seguir: «Ergue a luz da tua espada / Para a estrada se ver!» (11-12).
- Excalibur - Espada oferecida pelo Rei Artur a Galaaz para este ir em demanda do Santo Graal. Mas o que é o Graal? Joia perdida caída do alto? Luz espiritual? Recipiente celta? Cálice da Última Ceia e da Paixão de Cristo? Vaso de Buda?, etc. É na tradição medieval cavaleiresca que a obra de Pessoa bebe a sua inspiração. À margem de todas as variantes, a simbologia do Graal reenvia-nos para a ideia de universalidade e de procura da plenitude, aspetos indispensáveis, na Mensagem, à construção do Quinto Império. A demanda do Santo Graal é, sobretudo, uma aventura espiritual, porque empreendida como peregrinação interior, porque realizada como aventura de autodescoberta no cadinho da alma. Daí que encontrar a verdade perdida e o poder de iluminação que o Graal confere a quem com ele contacta seja uma obra apenas destinada aos eleitos como Galaaz, coração sincero e valoroso. Na Mensagem, o escolhido para ser portador dessa verdade perdida é o «Desejado», investido da condição de «Galaaz com pátria» (in «O desejado», Mensagem), encarregado de, com a sua Luz, revelar «ao mundo dividido» o «Santo Graal» (idem) ou, se quisermos, o Ser português. (Artur Veríssimo, Dicionário da Mensagem. Porto, Areal Editores, 2000, pp. 51-52)
- “É Excalibur, a ungida, / Que o rei Artur te deu” (vv, 7-8) - Trata-se de um gesto legitimador, isto é, a passagem de testemunho de cavaleiro para cavaleiro.
- Há uma aproximação de Nuno Álvares Pereira a Galaaz com missão e destino que os transcende. Porquê Galaaz? Não se explicita o nome do herói lendário, mas tudo faz pensar nele. No texto há a ausência das conquistas materiais a golpe de espada, a espiritualidade que a sua figura difunde e o facto de ter sido escolhido pelo Rei Artur para empunhar a Excalibur para essa interpretação nos encaminham. Galaaz é o herói da demanda do Santo Graal, o cavaleiro perfeito, indiferente aos bens terrenos, eleito entre os melhores, predestinado a vencer. Tem a honra de ser o primeiro a aceder ao Santo Graal, fonte da vida e do conhecimento, símbolo da plenitude interior que os homens sempre procuraram. (Veríssimo: 2000, 23-24)
- Do exposto, resulta claro que a espada se prende à defesa de valores espirituais. É de «S. Portugal em ser» que se trata e não de um território, espartilhado dentro de fronteiras físicas. Não é esta a ideia de Pátria na Mensagem, nem o herói de carne e osso é o que Pessoa, de preferência, celebra.
- O Condestável é a imagem sem mácula do cavaleiro do Santo Graal, cuja gesta irrepreensível, coroada de sucessos, lhe concede a distinção máxima de receber das mãos do Rei Artur a Excalibur.
“Nun' Álvares Pereira
(Mensagem, Fernando Pessoa)” in Folha de Poesia, José Carreiro.
Portugal, 17-12-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/12/nun-alvares-pereira-mensagem-fernando.html
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