Mensagem, de Fernando Pessoa
Primeira Parte - Brasão
II - Os Castelos
Viriato
(181 a.C.-139 a.C.). Museo del Prado, em Zamora, Espanha. No pedestal pode ler-se TERROR ROMANORUM. |
Segundo
VIRIATO
|
Se a alma que
sente e faz conhece |
22-1-1934
Fernando Pessoa, Mensagem. Lisboa:
Parceria António Maria Pereira, 1934
Linhas de leitura do poema “Viriato”, de Fernando
Pessoa:
Viriato
é o melhor exemplo para mostrar que na Mensagem não há constrangimento
histórico. Entre Viriato e D. Afonso Henriques distam mil anos. Viriato é uma
espécie de filho adoptivo. É um mito excepcional. Ele é o mito da resistência
ao exterior; daí a actualidade dele.
Por que
foi Pessoa buscar a figura de Viriato? Porque os espanhóis ainda não o tinham
aproveitado. Assim, de uma História idêntica tentou-se buscar algo que
diferenciasse do país vizinho.
1ª
estrofe:
Do
chefe militar que resistiu à invasão romana, do pastor mítico que se
notabilizou como grande estratego, Pessoa nada nos diz. Basta ler a 1ª estrofe
para se ter a certeza da absoluta irrelevância de tudo isso diante de um espaço
interior, indelevelmente marcado por palavras-conceito como «alma», «raça», «memória»
ou «instinto». Viriato é, nestes termos, a vaguidade de uma Pátria longínqua.
Uma
só palavra caracteriza Viriato na 1ª estrofe: «instinto».
O
texto não escapa, assim, à teoria da reminiscência platónica, marca do
esoterismo na Mensagem: Viriato é reminiscência e seiva[2],
«memória em nós» (memória coletiva) do instinto patriótico que é preciso
despertar; é a eterna Pátria do dia antes, a reserva da nacionalidade, que a
alma recorda para (se) conhecer.
Por
isso, contra a História e a cronologia que o desmentem, a Nação é, na verdade
do mito, uma reencarnação desse Viriato-essência que em nós permanece
como potencialidade pura, ou como «passado de um futuro a abrir», para usarmos
a palavra poética de Pessoa em «À memória do Presidente-Rei Sidónio Pais».
2ª
estrofe:
Viriato
é visto como a «haste» de um ideal que depois aconteceu: a formação de
Portugal. A haste aponta para a ideia de bandeira, pendão entregue por Deus.
3ª
estrofe:
Compara-se
Viriato à antemanhã (12). Símbolo de todas as possibilidades, prenúncio
de todas as promessas, a antemanhã encerra a ideia de começo do mundo. Símbolo
de luz é também a expressão da plenitude entendida como possível e, por isso
mesmo, ligada à ideia de esperança, de redenção e de vitória. A passagem das
trevas à luz representa, igualmente/simbolicamente, a passagem do esquecimento
e da ignorância ao conhecimento ou da decadência à possibilidade de redenção
(salvação) para que a obra de Pessoa recorrentemente nos reenvia.
É,
pois, como Castelo da alma colectiva que Viriato habita palidamente a
«fria luz» (9-10) da antemanhã, entendida como «confuso nada»[3]
(12), que é o «tudo» do mito.
A
antemanhã é o ainda não do Ser português (ou o não-Ser), expresso
pelo «confuso nada» e, ao mesmo tempo, o no entanto já que deixa pressentir
o futuro (ou o Ser-em-promessa), como se depreende do penúltimo verso,
que encerra, também as ideias de revelação próxima e de esperança.
Artur Veríssimo, Dicionário da Mensagem. Porto, Areal
Editores, 2000,
pp. 144-145
[1] Age por instrução divina.
[2] alento, energia, força.
[3] Caos = princípio da ordem.
Poderá também gostar de:
Fernando Pessoa - Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da obra de Fernando Pessoa, por José Carreiro.
- In: Lusofonia, https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/literatura-portuguesa/fernando_pessoa, 2021 (3.ª edição)
- e Folha de Poesia,
17-05-2018. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/fernando-pessoa-13061888-30111935.html
“Viriato, teu ser é
como aquela fria luz que precede a madrugada (Mensagem, Fernando Pessoa)” in Folha
de Poesia, José Carreiro. Portugal, 11-12-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/12/viriato-teu-ser-e-como-aquela-fria-luz.html
1 comentário:
Acredito que há uma grande consternação do autor, principalmente na segunda estrofe, na primeira estrofe é alusivo aos tempos de ouro, onde Portugal, era referência no Velho Mundo, uma remanescente lembrança instintiva, quase que nem mais racional. No segundo há uma resposta inicial a tais vestígios e, em seguida uma dívida da sua identidade, "ou tu, ou de quem eras a haste, ou apoio, e ou ainda, o suporte de quem dali subsistiu", possivelmente espoliando, já que, não era a própria Nação - uma vez que ele cita na estrofe, claramente, nação e povo que voltastes a vida, que se levantara da cova, fazendo em seguida a diferenciação: ou tu, ou o de que eras a haste(duas personalidades distintas). Na terceira e última estrofe, as referidas silhuetas, aspecto também presente no Mito da Caverna de Platão, consterna, enfim, a incerteza do futuro na impossibilidade de luz copiosa. Lembro ainda, que se trata de Orfismo, metempsicose , não somente neste poema, mas até aqui, em todos os poemas da obra, sendo isto, externado pelo autor no prefácio do livro, "A Mensagem". Inclusive, impressionando muito, não apenas pela a
genialidade, mas, também, pela coragem do autor, considerando a sociedade religiosa e conservadora da época, por outro lado, esclarece o porquê de Fernando Pessoa ter sido excluído socialmente. Seguiu o mesmo destino de Platão, Dante, Nietzsche, Gramsci entre outros, história adentro.
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