A ÚLTIMA NAU
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Levando a bordo El-Rei D. Sebastião, |
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Não voltou mais. A que ilha indescoberta |
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Ah, quanto mais ao povo a alma falta, |
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Não sei a hora, mas sei que há a hora, |
Fernando Pessoa, Mensagem,
19.ª ed., Lisboa, Ática, 1997
GLOSSÁRIO:
aziago (verso
4) – que prenuncia desgraça.
cerração
(verso
17) – nevoeiro denso; escuridão.
erma (verso
5) – solitária.
pendão (verso
2) – bandeira longa e triangular.
pressago
(verso
5) – que pressagia, prevê ou pressente.
Apresente, de forma clara e bem
estruturada, as suas respostas aos questionários que se seguem.
QUESTIONÁRIO I
1. Explicite três
dos aspetos que, nos versos de 1 a 12, se referem ao mito sebastianista,
fundamentando a sua resposta com elementos do texto.
2. Caracterize,
com base na terceira estrofe do poema, o modo como o sujeito poético e o povo
português reagem ao desaparecimento da «última nau».
3. Relacione o
conteúdo da última estrofe com a pergunta «Voltará da sorte incerta / Que
teve?», formulada nos versos 8 e 9.
4. Identifique,
no poema, uma característica do discurso épico e uma característica do discurso
lírico de Mensagem, citando um
exemplo significativo para cada um dos casos.
Explicitação de cenários de resposta:
1. Explicita, adequadamente, três dos aspetos que,
nos versos de 1 a 12, se referem ao mito sebastianista, fundamentando a
resposta com elementos textuais relativos a cada um desses aspetos.
A resposta pode contemplar três dos tópicos que a
seguir se enunciam, ou outros considerados relevantes.
Nos versos de 1 a 12, os aspetos que se referem
ao mito sebastianista são os seguintes:
– o desaparecimento
misterioso da «última nau» e de D. Sebastião – «Levando a bordo El-Rei D.
Sebastião» (v. 1); «Foi-se a última nau» (v. 4); «Mistério.» (v. 6); «Não
voltou mais.» (v. 7);
– a associação do
desaparecimento da «última nau» e de D. Sebastião ao fim do Império português –
«Levando a bordo El-Rei D. Sebastião, / E erguendo, como um nome, alto o pendão
/ Do Império, / Foi‑se a última
nau» (vv. 1 a 4); «Não voltou mais.» (v. 7);
– o pressentimento de
desgraça associado à partida da nau – «Foi-se a última nau, ao sol aziago /
Erma, e entre choros de ânsia e de pressago / Mistério.» (vv. 4 a 6);
– as incertezas
quanto ao destino de D. Sebastião – «A que ilha indescoberta / Aportou?» (vv. 7
e 8);
– as expectativas
quanto ao regresso de D. Sebastião – «Voltará da sorte incerta / Que teve? /
Deus guarda o corpo e a forma do futuro, / Mas Sua luz projeta-o, sonho escuro
/ E breve.» (vv. 8 a 12).
2. Caracteriza,
adequadamente, o modo como o sujeito poético e o povo português reagem ao
desaparecimento da «última nau», fazendo referências pertinentes à terceira
estrofe do poema.
A
resposta pode contemplar os tópicos que a seguir se enunciam, ou outros
considerados relevantes.
De
acordo com o conteúdo da terceira estrofe do poema:
– o povo português, perante o desaparecimento da
«última nau», na qual seguia D. Sebastião, reage com desânimo (v. 13);
– o sujeito poético manifesta uma viva crença no
regresso de D. Sebastião e no Império que ele simboliza (vv. 14 a 18).
3. Relaciona,
adequadamente, o conteúdo da última estrofe com a pergunta formulada nos versos
8 e 9, fazendo referências pertinentes ao texto.
A
resposta pode contemplar os tópicos que a seguir se enunciam, ou outros
considerados relevantes.
Na
última estrofe, o sujeito poético responde afirmativamente à pergunta enunciada
nos versos 8 e 9, apresentando:
– o regresso de D. Sebastião e do Império que ele
simboliza como uma certeza obtida por intuição – «sei que há a hora» (v. 19);
«Surges ao sol em mim» (v. 22); «trazes o pendão ainda / Do Império.» (vv. 23 e
24);
– o momento exacto em que esse acontecimento terá
lugar como uma incerteza – «Não sei a hora» (v. 19); «Demore-a Deus» (v. 20);
«Mistério.» (v. 21).
4. Identifica,
adequadamente, uma característica do discurso épico e uma característica do discurso
lírico de Mensagem, citando um exemplo significativo para cada um dos
casos.
A
resposta pode contemplar os tópicos que a seguir se enunciam, ou outros
considerados relevantes.
Características
do discurso épico:
– uso narrativo da 3.ª pessoa – «Foi-se a última
nau» (v. 4); «Não voltou mais.» (v. 7);
– importância conferida à História – «Levando a
bordo El-Rei D. Sebastião» (v. 1);
– mitificação de um herói – «Deus guarda o corpo e
a forma do futuro, / Mas Sua luz projeta-o, sonho escuro / E breve.» (vv. 10 a
12).
Características
do discurso lírico:
– expressão da subjetividade, evidente no uso da
primeira pessoa – «minha alma» (v. 14); «em mim» (vv. 16 e 22); «Vejo» (v. 17);
«Não sei» (v. 19); «sei» (v. 19) – e no uso da interjeição – «Ah» (v. 13);
– aproximação entre o sujeito e o destino
nacional, patente na convicção intuitiva de que o mito será concretizado (vv.
16 a 18; vv. 22 a 24).
Fonte: Exame Final Nacional do Ensino Secundário n.º 639 (Decreto-Lei
n.º 74/2004, de 26 de março). Prova Escrita de Português - 12.º Ano de
Escolaridade. Portugal, GAVE-Gabinete de Avaliação
Educacional, 2011, 2.ª Fase
QUESTIONÁRIO
II
Leia atentamente o poema “A última nau”, de
Fernando Pessoa, e as estâncias 8, 9 e 16 do Canto I de Os Lusíadas de Luís
de Camões.
8
Vós, poderoso Rei, cujo alto Império
O Sol, logo em nascendo, vê primeiro;
Vê-o também no meio do Hemisfério,
E quando dece o deixa derradeiro;
Vós, que esperamos jugo e vitupério
Do torpe Ismaelita cavaleiro,
Do Turco Oriental e do Gentio
Que inda bebe o licor do santo Rio:
9
Inclinai por um pouco a majestade
Que nesse tenro gesto vos contemplo,
Que já se mostra qual na inteira idade,
Quando subindo ireis ao eterno Templo;
Os olhos da real benignidade
Ponde no chão: vereis um novo exemplo
De amor dos pátrios feitos valerosos,
Em versos divulgado numerosos.
16
Em vós os olhos tem o Mouro frio,
Em quem vê seu exício afigurado;
Só com vos ver, o bárbaro Gentio
Mostra o pescoço ao jugo já inclinado;
Tétis todo o cerúleo senhorio
Tem para vós por dote aparelhado,
Que, afeiçoada ao gesto belo e tenro,
Deseja de comprar-vos para genro.
Luís de
Camões, Os Lusíadas, Canto I
GLOSSÁRIO:
Estrofe 8: vitupério: humilhação; torpe Ismaelita: mouro vil; Gentio…santo Rio: hindu/s que
considerava(m) sagradas as águas do Ganges, o grande rio da Índia.
Estrofe 9: eterno Templo: templo da Fama, convívio
eterno com Deus; um novo: sem
precedentes; numerosos: harmoniosos.
Estrofe 16: Mouro frio: mouros apavorados; exício:
extermínio; por dote aparelhado:
preparado como dote de casamento.
Responda de forma completa às questões que se seguem.
1. Localize os dois textos na estrutura interna de Os Lusíadas e da Mensagem.
Atente, exclusivamente, no poema “A Última Nau”.
2. Clarifique o sentido dos versos “Foi-se a última nau, ao sol
aziago/ Erma, e entre choros de ânsia e de pressago / Mistério.”.
3. Transcreva expressões que ilustram as dimensões histórica e
mítica associadas à figura de D. Sebastião.
4. O poeta é um eleito que ergue a sua voz contra a dormência do
país. Comente esta afirmação, tendo em conta o sentido das últimas duas
estrofes.
5. Demonstre que os mitos da terceira parte da Mensagem surgem implicitamente neste
poema.
6. Estabeleça, agora, um paralelo entre os dois textos anteriormente transcritos, destacando uma semelhança
e duas diferenças.
7. “Os heróis da Mensagem
funcionam, com efeito, como símbolos, elos duma trajetória cujo sentido Pessoa
se propõe desvelar até onde o permite o olhar visionário.” (Jacinto do Prado Coelho, D’ Os Lusíadas à Mensagem)
Num texto de
8. Elabore uma nota de apresentação da Mensagem, com um mínimo de 80 e um máximo de 100 palavras, que
pudesse figurar na contracapa desta obra de Fernando Pessoa.
Mensagem, o único livro de versos portugueses organizado e publicado
por Fernando Pessoa, é, das suas obras, aquela onde a visão ocultista mais
perfeitamente se concretiza, sendo também aquela onde o itinerário da sua
inteligência poética nos aparece intimamente associado à realidade histórica.
Considera o próprio autor que este livro se integra numa linha de criação
poética que designa de “nacionalismo místico”. Em carta, de
O facto de as poesias que constituem o livro
possuírem datas que oscilam entre 1913 e 1934 pode ser visto como a afirmação
da constância de uma linha de sebastianismo profético declarada já em 1912, em
artigos sobre “A Nova Poesia Portuguesa”, publicados na revista Águia.
Constituem as datas dos poemas um elemento de
ligação à sociedade e à cultura de uma época, que seria motivo de equívoco se a
sua leitura não mostrasse que o nacionalismo da Mensagem é uma proposta de renascer para a diversidade, compatível
com um ideal cosmopolita. Para Pessoa, a existência de Portugal como nação anda
a par com a sua existência poética e é esta que considera em perigo, estagnada,
propondo-se engrandecê-la. A concretização do “propósito impessoal de
engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade” passa pelo
fazer outro a história nacional.
Mensagem, enquanto poema épico-lírico, rivaliza com o canto épico da
literatura portuguesa – Os Lusíadas
de Luís de Camões – e prossegue, noutro sentido, a História do Futuro do Padre António Vieira. (Silvina Rodrigues Lopes, ‘Mensagem’ de Fernando Pessoa. Lisboa:
Editorial Comunicação, 1986 – texto com supressões)
BRUM, M. Ponta
Delgada, Escola Secundária Domingos Rebelo, 23-04-2007
Texto de
apoio
ZODÍACO
É conhecido o interesse de Pessoa pela
astrologia. Fez o seu próprio horóscopo e dos seus heterónimos e chegou mesmo a
pensar instalar um consultório, onde exerceria a profissão de astrólogo. Não é,
pois, de estranhar que alguns críticos associem os doze poemas que integram a
Segunda Parte da obra aos doze signos do Zodíaco. Este, como sabe, é ao mesmo
tempo o símbolo do ciclo completo que se cumpriu («Cumpriu-se o mar») e um
conjunto de símbolos particulares, cujos significados variam segundo as
relações que mantêm entre si.
Assim sendo, poderíamos estabelecer a seguinte
correspondência: […]
XI - «A última Nau»
Aquário (20 de janeiro -18 de fevereiro) é o
signo da passagem aos estados superiores. É verdadeiramente o signo dos valores
que enformam o Quinto Império aludido no poema:
- a solidariedade;
- a fraternidade;
- o desapego às coisas materiais.
E se dúvidas houvesse, esta caracterização do
mundo aquariano, na palavra abalizada de Chevalier e Gheerbrant (s.d.,77)
desfá-las-iam:
[Como signo do ar, relacionado com Saturno] aponta
para o mundo das afinidades eletivas que fazem de nós seres vivos uma comunidade
espiritual e em plena esfera universal. [...] Também lhe é atribuído
como regente Úrano, que mobiliza de novo o ser libertado no fogo [elemento
do quinto Império] do poder prometaico, tendo em vista ultrapassar-se a si próprio.
[...] Existe também um aquário uraniano, prometaico, que é o indivíduo das
vanguardas, do progresso, da emancipação, da aventura.
Como interpretar então a referência ao «Sol» no poema? Paulo Cardoso (cf. apud A. C., 1991, 56) atribui-lhe o símbolo de «uma energia desvirtuada da sua posição central». Com efeito, o Sol é o astro regente de Leão (note-se que Bartolomeu Dias foi bem-sucedido, contrariamente a D. Sebastião), daí o insucesso do empreendimento, bem patente na expressão «sol aziago».
Artur Veríssimo, Dicionário
da Mensagem. Porto, Areal Editores, 2000
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Fernando Pessoa - Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da obra de Fernando Pessoa, por José Carreiro.
- In: Lusofonia, https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/literatura-portuguesa/fernando_pessoa, 2021 (3.ª edição)
- e Folha de Poesia, 17-05-2018. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/fernando-pessoa-13061888-30111935.html
“A última nau (Mensagem,
Fernando Pessoa)” in Folha de Poesia, José Carreiro.
Portugal, 26-12-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/12/a-ultima-nau-mensagem-fernando-pessoa.html
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