Poema
da terra adubada
Por detrás das árvores não se
escondem faunos, não.
Por detrás das árvores escondem-se os soldados
com granadas de mão.
As árvores são belas com os troncos dourados.
São boas e largas para esconder soldados.
Não é o vento que rumoreja nas folhas,
não é o vento, não.
São os corpos dos soldados rastejando no chão.
O brilho súbito não é do limbo das folhas verdes reluzentes.
É das lâminas das facas que os soldados apertam entre os dentes.
As rubras flores vermelhas não são papoilas, não.
É o sangue dos soldados que está vertido no chão.
Não são vespas, nem besoiros, nem pássaros a assobiar.
São os silvos das balas cortando a espessura do ar.
Depois os lavradores
rasgarão a terra com a lâmina aguda dos arados,
e a terra dará vinho e pão e flores
adubada com os corpos dos soldados.
António Gedeão, Linhas de força.
Coimbra, Tip. da Atlântida Ed., 1967
Linhas de leitura sobre o "Poema da terra adubada":
O poema
"Poema da terra adubada" de António Gedeão apresenta uma reflexão sobre
a guerra e as suas consequências, utilizando a natureza como um meio para
expressar a violência e a morte que acompanham os conflitos armados. Composto
por sete estrofes, o poema contrasta imagens da natureza com a presença e as
ações dos soldados, sublinhando a desumanização e a brutalidade da guerra.
O poema
começa com uma negação: “Por detrás das árvores não se escondem faunos, não.”
Essa negação cria um contraste entre a expectativa (faunos) e a realidade
(soldados). As árvores, inicialmente descritas como belas e douradas, tornam-se
o esconderijo dos soldados com granadas de mão. Essa dicotomia introduz
imediatamente o tema da guerra, substituindo a inocência e a paz da natureza
pela violência e agressão humana.
Na
segunda estrofe, as árvores, elementos naturais e esteticamente agradáveis, são
descritas como utilitárias para a guerra. A beleza natural é pervertida pelo
uso militar, reforçando a ideia de que a guerra corrompe até mesmo a natureza.
Na terceira
estrofe, o sujeito poético substitui o som natural do vento pelo movimento
furtivo dos soldados. Esse verso sublinha a presença constante e perturbadora
da guerra, mesmo em ambientes que deveriam ser tranquilos.
Na quarta
estrofe, o sujeito poético utiliza uma imagem de luz, tradicionalmente
associada à vida e à natureza, para descrever o brilho das lâminas das facas -
o brilho súbito nas folhas verdes não é natural; é das lâminas das facas que os
soldados seguram entre os dentes. Esse contraste destaca a presença sinistra e
letal da guerra.
A cor
vermelha, associada a flores como as papoilas, é transformada em uma metáfora
para o sangue derramado dos soldados. Assim, na quinta estrofe, visualizamos a
morte de uma maneira brutal.
O som da
natureza, que normalmente incluiria insetos e pássaros, é substituído, na sexta
estrofe, pelo som das balas, reforçando a presença invasiva e destrutiva da
guerra no ambiente natural.
Na
estrofe final, o sujeito poético une a imagem da guerra com a agricultura,
sugerindo que os corpos dos soldados tornar-se-ão fertilizante para a terra.
Isso cria a imagem da guerra como um ciclo destrutivo que, paradoxalmente,
alimenta a vida futura.
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