MAR
Mar!
Tinhas um nome que ninguém temia:
Era um campo macio de lavrar
Ou qualquer sugestão que apetecia...
Mar!
Tinhas um choro de quem sofre tanto
Que não pode calar-se, nem gritar,
Nem aumentar nem sufocar o pranto...
Mar!
Fomos então a ti cheios de amor!
E o fingido lameiro1, a soluçar,
Afogava o arado2 e o lavrador!
Mar!
Enganosa sereia rouca e triste!
Foste tu quem nos veio namorar,
E foste tu depois que nos traíste!
Mar!
E quando terá fim o sofrimento!
E quando deixará de nos tentar
O teu encantamento!
Miguel
Torga, Antologia Poética,
5.a ed., Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1999
_________
Vocabulário
1 lameiro –
terreno húmido ou temporariamente alagado.
2 arado –
instrumento agrícola utilizado para lavrar a terra.
Este
poema mostra bem o desejo de regressar à terra, ao interior abandonado em busca
de fama. Ê necessário e urgente regressar à nossa terra para descobrir as
causas dos seus padecimentos: "esta toma de consciência sobre la amarga
realidad de un país enfermo les lleva a procurar conocimiento profundo de las
tierras y los hombres.", afirma Abellan em relação à Geração de 98
espanhola na sua "Antologia dei 98". Tudo é possível ainda se se
aproveitarem as energias internas do país. Para transformar-se na essência da
sua verdadeira dimensão ontológica o homem ibérico terá de assimilar a energia
da Terra e deixar-se de "miragens" tentadoras e perigosas, sair
daquele estado de "Espana que pasó y no ha sido".
(Paulo
Carvalho, Miguel Torga & Espanha (Poemas Ibéricos). Faculdade
de Letras da Universidade do Porto, dezembro 1997)
***
Responde, de forma completa e bem
estruturada, aos itens que se seguem.
1. Identifica duas palavras
diferentes, uma na primeira estrofe e a outra na última estrofe, que evidenciem
a presença de um «tu» no poema.
2. Explicita dois motivos que
podem ter contribuído para a decisão expressa em «Fomos então a ti cheios de amor!»
(verso 10), considerando a primeira e a segunda estrofes.
3. Explica o sentido dos
versos 11 e 12, referindo o que podem representar «o fingido lameiro», «o
arado» e «o lavrador», no contexto em que ocorrem.
4. Indica a razão pela qual a
expressão «Enganosa sereia» (verso 14) pode ser considerada metáfora de «Mar».
5. Lê os últimos versos do
poema «Mar Português», de Fernando Pessoa, apresentados abaixo, e o comentário
que se lhes segue.
Deus ao mar o perigo e o
abismo deu,
Mas nele é que espelhou o
céu.
Fernando Pessoa, Mensagem,
edição de Fernando Cabral Martins, Lisboa, Assírio & Alvim, 1997
Tanto nestes versos de «Mar Português» como
no poema de Miguel Torga, é possível identificar-se um contraste no modo como o
mar é apresentado.
Defende este comentário, explicitando o contraste
referido. Fundamenta a tua resposta com elementos textuais que evidenciem esse
contraste.
Cenários de resposta
1. Identifica, por exemplo, «Tinhas» (verso 2) e
«teu» (verso 20).
2. Explicita, por exemplo, que a sedução exercida
pelo mar e a sua capacidade para comover podem ter contribuído para a decisão.
3. Explica o sentido dos versos, referindo que «o
fingido lameiro» é o mar traiçoeiro, que faz naufragar a embarcação e o
marinheiro, representados como «o arado» e «o lavrador», respetivamente.
4. Indica que a expressão «Enganosa sereia» pode ser
considerada metáfora de «Mar», porque, tal como a sereia é perigosa, por
seduzir e depois enganar, também o mar representa perigo, por atrair e depois
atraiçoar.
5. Defende o comentário, explicitando que, no poema
«Mar» e nos versos citados, o mar é apresentado, por um lado, como um elemento
negativo e, por outro, como um elemento positivo e fundamenta, referindo, por
exemplo, que, nos versos de «Mar Português», o mar representa «o abismo», mas,
ao mesmo tempo, reflete «o céu» e que, no poema de Miguel Torga, o mar é
associado, simultaneamente, a «sofrimento» (verso 18) e a «encantamento» (verso
20).
Fonte: Prova
Final do 3.º Ciclo do Ensino Básico n.º 91| Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de
julho | Prova Final de Português e critérios de classificação. Portugal, GAVE, 2013, 1.ª
Chamada
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09-08-2013
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CARREIRO,
José. “Mar!, Miguel Torga”. Portugal, Folha de Poesia, 25-09-2022.
Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/09/mar-miguel-torga.html
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