domingo, 25 de setembro de 2022

Mar! Miguel Torga


 

MAR

 

Mar!

Tinhas um nome que ninguém temia:

Era um campo macio de lavrar

Ou qualquer sugestão que apetecia...

 

Mar!

Tinhas um choro de quem sofre tanto

Que não pode calar-se, nem gritar,

Nem aumentar nem sufocar o pranto...

 

Mar!

Fomos então a ti cheios de amor!

E o fingido lameiro1, a soluçar,

Afogava o arado2 e o lavrador!

 

Mar!

Enganosa sereia rouca e triste!

Foste tu quem nos veio namorar,

E foste tu depois que nos traíste!

 

Mar!

E quando terá fim o sofrimento!

E quando deixará de nos tentar

O teu encantamento!

 

Miguel Torga, Antologia Poética, 5.a ed., Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1999

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Vocabulário

1 lameiro – terreno húmido ou temporariamente alagado.

2 arado – instrumento agrícola utilizado para lavrar a terra.

 

 

Este poema mostra bem o desejo de regressar à terra, ao interior abandonado em busca de fama. Ê necessário e urgente regressar à nossa terra para descobrir as causas dos seus padecimentos: "esta toma de consciência sobre la amarga realidad de un país enfermo les lleva a procurar conocimiento profundo de las tierras y los hombres.", afirma Abellan em relação à Geração de 98 espanhola na sua "Antologia dei 98". Tudo é possível ainda se se aproveitarem as energias internas do país. Para transformar-se na essência da sua verdadeira dimensão ontológica o homem ibérico terá de assimilar a energia da Terra e deixar-se de "miragens" tentadoras e perigosas, sair daquele estado de "Espana que pasó y no ha sido".

(Paulo Carvalho, Miguel Torga & Espanha (Poemas Ibéricos). Faculdade de Letras da Universidade do Porto, dezembro 1997)

 

***

 

Responde, de forma completa e bem estruturada, aos itens que se seguem.

1. Identifica duas palavras diferentes, uma na primeira estrofe e a outra na última estrofe, que evidenciem a presença de um «tu» no poema.

2. Explicita dois motivos que podem ter contribuído para a decisão expressa em «Fomos então a ti cheios de amor!» (verso 10), considerando a primeira e a segunda estrofes.

3. Explica o sentido dos versos 11 e 12, referindo o que podem representar «o fingido lameiro», «o arado» e «o lavrador», no contexto em que ocorrem.

4. Indica a razão pela qual a expressão «Enganosa sereia» (verso 14) pode ser considerada metáfora de «Mar».

5. Lê os últimos versos do poema «Mar Português», de Fernando Pessoa, apresentados abaixo, e o comentário que se lhes segue.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa, Mensagem, edição de Fernando Cabral Martins, Lisboa, Assírio & Alvim, 1997

Tanto nestes versos de «Mar Português» como no poema de Miguel Torga, é possível identificar-se um contraste no modo como o mar é apresentado.

Defende este comentário, explicitando o contraste referido. Fundamenta a tua resposta com elementos textuais que evidenciem esse contraste.

 

Cenários de resposta

1. Identifica, por exemplo, «Tinhas» (verso 2) e «teu» (verso 20).

 

2. Explicita, por exemplo, que a sedução exercida pelo mar e a sua capacidade para comover podem ter contribuído para a decisão.

 

3. Explica o sentido dos versos, referindo que «o fingido lameiro» é o mar traiçoeiro, que faz naufragar a embarcação e o marinheiro, representados como «o arado» e «o lavrador», respetivamente.

 

4. Indica que a expressão «Enganosa sereia» pode ser considerada metáfora de «Mar», porque, tal como a sereia é perigosa, por seduzir e depois enganar, também o mar representa perigo, por atrair e depois atraiçoar.

 

5. Defende o comentário, explicitando que, no poema «Mar» e nos versos citados, o mar é apresentado, por um lado, como um elemento negativo e, por outro, como um elemento positivo e fundamenta, referindo, por exemplo, que, nos versos de «Mar Português», o mar representa «o abismo», mas, ao mesmo tempo, reflete «o céu» e que, no poema de Miguel Torga, o mar é associado, simultaneamente, a «sofrimento» (verso 18) e a «encantamento» (verso 20).

 

Fonte: Prova Final do 3.º Ciclo do Ensino Básico n.º 91| Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho | Prova Final de Português e critérios de classificação. Portugal, GAVE, 2013, 1.ª Chamada

 

Poderá também gostar de:

  

  • A poética torguiana”, Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da poesia de Miguel Torga, por José Carreiro. In Folha de Poesia, 09-08-2013

 




CARREIRO, José. “Mar!, Miguel Torga”. Portugal, Folha de Poesia, 25-09-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/09/mar-miguel-torga.html


 

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